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CRIMINALIDADE NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (RJ) As influências das políticas públicas e as relações a curto e longo prazos

CRIME IN THE CITY OF RIO DE JANEIRO (RJ) PUBLIC POLICY INFLUENCES AND SHORT- AND LONG-TERM RELATIONSHIPS

CRIMINALITÉ DANS LA VILLE DE RIO DE JANEIRO (RJ) LES INFLUENCES DES POLITIQUES PUBLIQUES ET LES RELATIONS A COURT ET LONG TERMES

Resumos

O Rio de Janeiro (RJ) é um município que apresenta um dos maiores índices de criminalidade do Brasil. No entanto, a partir dos anos 2000, observou-se uma redução significativa nas taxas de crimes letais. Diante desse cenário, o objetivo deste trabalho é analisar os fatores que determinaram esse fenômeno. Entre eles, busca-se avaliar os efeitos da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Para tal, foi utilizado o método estatístico vetor de correção de erros (VEC). Por meio do estudo, foi possível analisar as relações a curto e longo prazos existentes entre as taxas de criminalidade com variáveis associadas à atividade econômica e a ação da polícia. O conjunto de dados utilizados compreende o período entre abril 2002 e agosto de 2019. Os principais resultados indicam que a implantação das UPPs contribuiu para a redução dos crimes letais no município do Rio de Janeiro. Ademais, os resultados apontam que a ação coerciva da polícia tende a aumentar as taxas de criminalidade.

Palavras-chave:
Políticas de Segurança Pública; Economia do Crime; Crimes Letais


The Rio de Janeiro (RJ) municipality presents one of the highest crime rates in Brazil. However, since the 2000s, a significant reduction of lethal crimes has been observed. Given this scenario, the aim of this study is to analyze the factors that determined this phenomenon. Among them, it seeks to assess the effects of the Pacifying Police Unit (Unidade de Polícia Pacificadora - UPP). To this end, the statistical error correction vector (ECV) method was used. This study allowed for the analysis of short- and long-term relationships between crime rates and variables associated with economic activity and police action. The applied dataset comprises the period between April 2002 and August 2019. The main results indicate that UPP implementation contributed to lethal crime reduction in the municipality of Rio de Janeiro. Furthermore, the results show that coercive police action tends to increase crime rates.

Keywords:
Public Security Policies; Crime Economics; Lethal Crimes


Rio de Janeiro est une municipalité où le taux de criminalité est l’un des plus élevés du Brésil. Pourtant, il y a eu une réduction significative du nombre d’homicides à partir des années 2000. L’objectif de ce travail est d’analyser les facteurs à l’origine de ce phénomène, parmi lesquels les effets de l’Unité de Police Pacificatrice (UPP). L’utilisation du modèle statistique vectoriel à correction d’erreurs (VEC) a permis d’analyser les relations à court et long termes entre les taux de criminalité et les variables associées à l’activité économique et à l’action de la police. L’ensemble des données utilisées comprend la période entre avril 2002 et août 2019. Les principaux résultats indiquent que la mise en place des UPP a contribué à la réduction des homicides dans la ville de Rio de Janeiro. Ils montrent également que l’action coercitive de la police tend à augmenter les taux de criminalité.

Mots-clés:
politiques de sécurité publique; économie du crime; homicides


Introdução

A criminalidade é uma questão que preocupa os cidadãos e os governos de qualquer país, uma vez que afeta drasticamente o bem-estar da população por meio de perdas de patrimônio e/ou por causar risco à integridade física dos indivíduos. Nesse sentido, os crimes impõem uma série de custos à sociedade. De acordo com Cerqueira e Bueno (2019)CERQUEIRA, Daniel & BUENO, Samira (coord.). (2019), Atlas da violência 2019. Brasília/Rio de Janeiro/São Paulo, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_violencia_2019.pdf>, consultado em 12/08/2020.
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os custos da criminalidade geraram uma perda de 373 bilhões de reais para Brasil em 2016 (5,9% do PIB).1 1 Os custos envolvem: custos intangíveis com homicídios; gastos com segurança privada e seguros; sistema de saúde; segurança pública (polícia); sistema prisional. Para mais detalhes, ver Cerqueira e Bueno (2019). Além disso, a criminalidade afeta a atividade turística e a entrada de novos investimentos e provoca a expulsão do investimento existente.

No caso específico do Rio de Janeiro, os problemas de segurança pública assolam a população há décadas. O estado possui uma das maiores taxas de homicídio por 100 mil habitantes do país, cerca de 38,4% em 2017, superando a média brasileira de 31,6% no mesmo período (Cerqueira e Bueno, 2019CERQUEIRA, Daniel & BUENO, Samira (coord.). (2019), Atlas da violência 2019. Brasília/Rio de Janeiro/São Paulo, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_violencia_2019.pdf>, consultado em 12/08/2020.
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). Diante desse cenário, a resposta das autoridades públicas se dá no combate ao crime organizado, cujos atores típicos são os traficantes de drogas ilícitas que residem, em sua maioria, nas comunidades periféricas, denominadas “favelas” (Burgos et al., 2011BURGOS, Marcelo B., PEREIRA, Luis F. A., CAVALCANTI, Mariana, BRUM, Mario, & AMOROSO, Mauro. (2011), “O efeito UPP na percepção dos moradores das favelas”. Desigualdade & Diversidade – Revista de Ciências Sociais da PUC-Rio, 11: 49-98.; Cunha e Mello, 2011CUNHA, Neiva Vieira da & MELLO, Marco Antonio da Silva. (2011), “Novos conflitos na cidade: A UPP e o processo de urbanização na favela”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 4, 3: 371-401.; Leite, 2014LEITE, Márcia Pereira. (2014), “Entre a ‘guerra’ e a ‘paz’: Unidades de Polícia Pacificadora e gestão dos territórios de favela no Rio de Janeiro”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 7, 4: 625-642.).

Dentre as políticas adotadas para mitigar os efeitos negativos da criminalidade no Rio de Janeiro, destaca-se o programa de Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Esse programa foi criado em dezembro de 2008 com o objetivo principal de ocupar as comunidades do estado do Rio de Janeiro, combater o tráfico de drogas e a criminalidade e promover o desenvolvimento econômico e social (Coelho e Provenza, 2016COELHO, Diogo & PROVENZA, Marcello. (2016), Balanço de indicadores da política de pacificação (2007-2015). Rio de Janeiro, Instituto de Segurança Pública.).

Na literatura, entre os trabalhos que avaliam os efeitos de políticas de segurança pública, há, por um lado, autores que buscam compreender o porquê de as comunidades periféricas serem caraterizadas como o problema a ser combatido (Tyler, 2004TYLER, Tom R. (2004), “Enhancing police legitimacy”. The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science, 593, 1: 84-99.; Telles, 2006TELLES, Vera da Silva. (2006), “Favela, favelas: interrogando mitos, dogmas e representações”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 21, 62: 141-143.; Machado da Silva, 2010MACHADO DA SILVA, Luiz Antônio. (2010), “‘Violência urbana’, segurança pública e favelas: o caso do Rio de Janeiro atual”. Cadernos CRH, 23, 59: 283-300.; Misse, 2010MISSE, Michel. (2010), “Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria ‘bandido’”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 79, 15-38.) e, por outro lado, aqueles que tentam verificar as influências dos gastos com segurança pública, do cenário econômico e social e das políticas de segurança pública sobre redução e aumento da criminalidade (Cano e Santos, 2001CANO, Ignacio & SANTOS, Nilton. (2001), Violência letal, renda e desigualdade no Brasil. Rio de Janeiro, 7Letras.; Santos e Kassouf, 2008SANTOS, Marcelo Justus dos & KASSOUF, Ana Lúcia. (2008), “Estudos econômicos das causas da criminalidade no Brasil: evidências e controvérsias”. Revista EconomiA, 9, 2: 343-372. e 2012SANTOS, Marcelo Justus dos & KASSOUF, Ana Lúcia. (2012), “Avaliação de impacto do Estatuto do Desarmamento na criminalidade: uma abordagem de séries temporais aplicada à cidade de São Paulo”. Economic Analysis of Law Review, 3, 2: 307-322.; Cerqueira, 2010CERQUEIRA, Daniel Ricardo de Castro. (2010), Causas e consequências do crime no Brasil. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; Santos, 2012SANTOS, Marcelo Justus dos. (2012), Uma abordagem econômica das causas da criminalidade: evidências para a cidade de São Paulo. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, Piracicaba.; Ribeiro e Cano, 2016RIBEIRO, Eduardo & CANO, Ignacio. (2016), “Vitimização letal e desigualdade no Brasil: evidências em nível municipal”. Civitas – Revista de Ciências Sociais, 16, 2: 285-305.; Leite et al., 2018LEITE, Márcia Pereira, ROCHA, Lia de Matos, FARIAS, Juliana & CARVALHO, Monique B. D. (2018), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção. Rio de Janeiro, Mórula.).

No primeiro grupo, a discussão envolve questões históricas e estruturais da sociedade sobre os mecanismos que levaram a exclusão e marginalização de parte da população brasileira. Além disso, esse grupo também discute a visão da sociedade com relação às favelas e ao papel do poder público em sua perpetuação e soluções de conflitos sociais. O segundo grupo, por sua vez, aborda uma perspectiva da racionalidade no crime, em que, com base nas ideias propostas por Becker (1968)BECKER, Gary S. (1968), “Crime and punishment: an economic approach”, in N. G. Fielding, A. Clarke & R. Witt (org.), The economic dimensions of crime, Londres, Palgrave Macmillan, pp. 13-68., se busca avaliar os efeitos dos gastos públicos com segurança pública, medidas governamentais, dissuasão da polícia e distribuição de renda nos índices de criminalidade.2 2 Becker (1968) foi o primeiro a propor um modelo formal que indica que o ato criminoso decorre de uma avaliação racional dos benefícios e custos esperados.

No que tange aos efeitos das UPPs, o trabalho de Cano, Borges e Ribeiro (2012)CANO, Ignácio, BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo (org.). (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, LAV/UERJ. procura avaliar seus nos índices de criminalidade. De acordo com os autores, houve uma notável redução da violência letal, sobretudo de mortes em intervenções policiais. Além disso, identificaram que, embora o tráfico de drogas permaneça nessas áreas, ocorreram reduções significativas no confronto armado e no controle territorial por parte dos traficantes. Cunha e Mello (2011)CUNHA, Neiva Vieira da & MELLO, Marco Antonio da Silva. (2011), “Novos conflitos na cidade: A UPP e o processo de urbanização na favela”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 4, 3: 371-401., Leite (2014)LEITE, Márcia Pereira. (2014), “Entre a ‘guerra’ e a ‘paz’: Unidades de Polícia Pacificadora e gestão dos territórios de favela no Rio de Janeiro”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 7, 4: 625-642. e Cunha (2015)CUNHA, Christina Vital da. (2015), “O medo do retorno do medo: um ponto de inflexão no programa das UPPs”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 8, 1: 41-62., por sua vez, além de analisarem os efeitos das UPPs na perspectiva dos moradores das comunidades, buscaram discutir a forma como o governo do estado do Rio de Janeiro aborda os conflitos sociais nas comunidades afetadas pelas UPPs. Para os autores, embora os moradores relatem os efeitos positivos das UPPs, associados a redução dos tiroteios, diminuição do domínio dos traficantes e maior segurança, a gerência do estado falha com relação à administração de conflitos sociais nessas localidades, uma vez que impõem um controle social coercitivo aos moradores.

Embora haja trabalhos que tentam compreender os desdobramentos das ações das UPPs nas comunidades, a análise concentra-se na percepção dos indivíduos nos locais ocupados ou adota uma abordagem descritiva dos dados, isto é, carece de identificação dos mecanismos causais que impactam diretamente o crime. É nesse ponto que o presente artigo tem sua contribuição para a avaliação empírica, uma vez que faz uso de modelo estatístico, capaz de controlar efeitos econômicos e estruturais, para analisar especificamente os efeitos das UPPs. Portanto, o principal objetivo deste trabalho é analisar os impactos das UPPs nos crimes violentos corridos no município do Rio de Janeiro. Dada a importância da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, também conhecida como estatuto do desarmamento, de forma complementar é analisado seu impacto nos crimes violentos no Rio de Janeiro.

Para atingir tais objetivos, esta pesquisa analisa o vetor de correção de erros (em inglês, vector error correction – VEC), que permite decompor os efeitos das variáveis a curto e longo prazos. O conjunto de dados compreende o período de abril de 2002 a agosto de 2019. Os principais resultados indicam que as UPPs contribuíram para a redução dos crimes letais no município de Rio de Janeiro.

Este artigo foi dividido em cinco tópicos. O primeiro é composto desta introdução; o segundo descreve um breve panorama da criminalidade no Rio de Janeiro; o terceiro apresenta aspectos metodológicos, estrutura do modelo, base de dados e estatística descritiva; o quarto destaca os resultados estatísticos e as discussões; e, por fim, no quinto tópico são realizadas as considerações finais.

Criminalidade no Rio de Janeiro

A criminalidade afeta não somente as pessoas que cometem atos ilegais, ela também envolve toda a sociedade, pois, mesmo que o indivíduo não pratique um crime, está sujeito a ser vítima dele. Além disso, a prática de um ato ilegal atinge pessoas de diversas faixas etárias, classes sociais, níveis de educação e raça. Assim, controlar a criminalidade é algo importante para o desenvolvimento da sociedade (Becker, 1968BECKER, Gary S. (1968), “Crime and punishment: an economic approach”, in N. G. Fielding, A. Clarke & R. Witt (org.), The economic dimensions of crime, Londres, Palgrave Macmillan, pp. 13-68.).

Um indicador usualmente utilizado para medir criminalidade é a taxa de homicídio por 100 mil habitantes. Isso decorre de, ao menos, dois motivos: (i) comparação de locais com diferentes tamanhos de população e (ii) diminuição do sub-registro, uma vez que esse tipo de crime necessariamente resulta no óbito da vítima. Portanto, a taxa de homicídio reflete o cenário de violência em que a sociedade se encontra.

Entre 1980 e 2017, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes no Brasil mais que dobrou, passando de 11,7 para 31,59. Na comparação com o mesmo período, o estado do Rio de Janeiro obteve taxas superiores à nacional. Em 1980, a taxa de homicídio no Rio Janeiro foi de 26, ou seja, mais que o dobro em relação a nacional. Após uma tendência de crescimento, entre as diversas volatilidades, atingiu um pico surpreendente, em 1995, de 61,8, e começou a diminuir, atingindo o patamar de 29,4, em 2012. Entretanto, conforme se pode constatar na Figura 1, nos últimos anos ocorreu uma retomada na tendência de crescimento.

Figura 1
Taxa de Homicídios por 100 mil Habitantes no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro (1980-2017)

Ao analisar as taxas de homicídios em nível regional (Figura 2), observa-se que o Rio de Janeiro possuía a quarta maior taxa em 2007 (41,6), perdendo apenas para os estados de Alagoas (59,5), Espírito Santo (53,3) e Pernambuco (53). A partir desse período, as taxas começaram a diminuir, atingindo 38,4 em 2017, e o estado se tornou o 13o com maior taxa de homicídios do país. Entretanto, quando comparado apenas com estados das regiões Sudeste e Sul do país, o Rio de Janeiro ainda possui os maiores valores.

Figura 2
Taxa de Homicídios por 100 mil Habitantes por Região do Brasil (2007 e 2017)

Diante das altas taxas de crimes letais, diversas medidas governamentais de âmbito nacional têm sido adotadas para coibir a criminalidade. Entre elas, o governo do Rio de Janeiro, por meio da Subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional, implementou o programa das UPPs, com o intuito de combater o tráfico de drogas e a criminalidade (Coelho e Provenza, 2016COELHO, Diogo & PROVENZA, Marcello. (2016), Balanço de indicadores da política de pacificação (2007-2015). Rio de Janeiro, Instituto de Segurança Pública.).

De modo geral, a execução do programa consiste na instalação e ocupação de postos da polícia militar nas comunidades do estado do Rio de Janeiro. As UPPs começaram a ser implantadas a partir de dezembro de 2008, sendo empregadas em diversos locais de maneira gradual. Até novembro de 2016, foram ocupadas 38 comunidades. Entretanto, nove UPPs, em 2018, foram desativadas ou tiveram suas atividades suspensas. Ademais, as 38 áreas ocupadas contam com 9 mil policiais militares, cerca de 19% do total de efetivo, e atinge aproximadamente 700 mil habitantes diretamente (Coelho e Provenza, 2016COELHO, Diogo & PROVENZA, Marcello. (2016), Balanço de indicadores da política de pacificação (2007-2015). Rio de Janeiro, Instituto de Segurança Pública.). A Figura 3, a seguir, apresenta as áreas ocupadas por cada UPP. De modo geral, as unidades estão concentradas na região oeste e no município do Rio de Janeiro, com exceção da UPP – Mangueirinha, localizada na cidade de Duque de Caxias.

Figura 3
Município do Rio de Janeiro e Áreas Ocupadas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (2017)

Outra medida, implementada na tentativa de diminuir as altas taxas de criminalidade, foi a criação da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, ou Estatuto do Desarmamento, pelo governo federal. A lei visava reduzir a quantidade de armas em circulação no Brasil. Cabe ressaltar que o governo do estado do Rio de Janeiro, com objetivo de complementar essa lei e intensificar a retirada de armas em circulação no estado, implementou a Lei n. 4.365, de 28 de junho de 2004, em que oferece uma recompensa financeira aos policiais civis e militares pela apreensão de armas de fogo.

Ao analisar especificamente alguns indicadores de crimes no município do Rio de Janeiro, observa-se reduções significativas no período de 2003 a 2018, conforme demonstra a Figura 4. O número de homicídios em 2003 foi de 2.574, ao passo que em 2018 ocorreram 1.338 homicídios, uma redução de 48% no número de pessoas assassinadas. Os crimes de latrocínio, furto de veículos e roubo de residências obtiveram redução na ordem de 33%, 39% e 53%, respectivamente, no mesmo período.

Figura 4
Indicadores de Crimes no Município do Rio de Janeiro: Homicídio, Latrocínio, Roubo a Residências e Furto de Veículos (2003-2019)

Diante isso, embora em termos relativos o Rio de Janeiro possua altas taxas de criminalidade, constata-se que, a partir no início dos anos 2000, diminuíram significativamente os crimes, principalmente os letais. É possível que vários fatores estejam associados a essa redução, como situação econômica do país, maior expertise e utilização de novas tecnologias pelo efetivo policial, entre outros. Entretanto, é necessário avaliar e mensurar os efeitos das UPPs na criminalidade, uma vez que torna possível direcionar novas políticas, ampliar o programa e/ou evitar que seja descontinuado.

Portanto, é nesse ponto que esta pesquisa tem sua maior contribuição, uma vez que, por meio de um modelo empírico, que considera os efeitos graduais das UPPs e os elementos estruturais do país, apresenta evidências sobre os impactos dessas unidades na criminalidade do Rio de janeiro.

Estratégia metodológica

Especificação do modelo

Como o objetivo do trabalho é identificar as relações a curto e longo prazos, o passo inicial consiste em determinar o comportamento dessas variáveis a curto prazo. Dessa forma, propõe-se aplicar um modelo de vetor autorregressivo (VAR).3 3 Para mais informações, ver Lütkepohl e Krätzig (2004), Da Silveira Bueno (2008) e Enders (2008). Esse modelo permite analisar empiricamente a participação de cada uma das variáveis no comportamento e nas alterações ocorridas umas nas outras ou verificar a resposta de uma variável face à ocorrência de um choque com outro componente (Lütkepohl e Krätzig, 2004LÜTKEPOHL, Helmut & KRÄTZIG, Markus. (2004), Applied Time Series Econometrics (Themes in Modern Econometrics). Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9780511606885.
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).

A especificação do modelo VAR (p) capta apenas a relação a curto prazo entre as séries. No entanto, se as séries cointegram, há a possibilidade de existir uma relação a longo prazo entre elas. Nesse caso, pode-se introduzir o termo de correção de erros no modelo, que informa os desvios das séries em relação ao seu equilíbrio a longo prazo, isto é, a especificação do VEC (Da Silveira Bueno, 2008Da Silveira BUENO, Rodrigo De Losso. (2008), Econometria de séries temporais. São Paulo, Cengage Learning.; Enders, 2008ENDERS, Walter. (2008), Applied econometric time series. Hoboken, John Wiley & Sons.).4 4 O conceito de cointegração estabelece que deve existir pelo menos uma relação de equilíbrio entre um conjunto de variáveis. Para mais informações, ver Engle e Granger (1987).

Portanto, além dos modelos VAR e VEC serem apropriados quando as variáveis possuem ao menos uma raiz unitária, a utilização deles traz alguns benefícios que justificam seu emprego neste trabalho. O principal benefício é que são flexíveis e tratam todas as variáveis como endógenas, o que minimiza problemas com endogeneidade. Ademais, uma vantagem adicional da especificação VEC é que as relações de cointegração fornecem restrições de identificação e permitem distinguir choques que têm efeitos permanentes ou transitórios (Lütkepohl e Krätzig, 2004LÜTKEPOHL, Helmut & KRÄTZIG, Markus. (2004), Applied Time Series Econometrics (Themes in Modern Econometrics). Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9780511606885.
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; Suharsono, Aziza e Pramesti, 2017SUHARSONO, Agus, AZIZA, Auliya & PRAMESTI, Wara. (2017), “Comparison of vector autoregressive (VAR) and vector error correction models (VECM) for index of ASEAN stock price. AIP Conference Proceedings, 1913: 020032-1-9.).

O modelo utilizado neste artigo, além seguir as especificações apresentadas, introduz uma função exponencial para intervenção da UPP e, dada a importância do Estatuto de Desarmamento, também acrescenta uma dummy para capturar seu efeito. Nesse caso, a forma generalizada do VAR com correção de erros, o VEC, utilizada é dada por:

Δ x t = π 0 + π x t 1 + π i Δ x t i + Φ D t + Λ D e d + Γ D u p p + e t (1)

Na equação, π0 é o vetor de interceptos (n x 1); πi é a matriz de coeficientes (n x n); π=αβ', β é uma matriz (n x r) de parâmetros de cointegração; e α é uma matriz com r vetores de ajustamento, que pode ser interpretado como a velocidade de ajustamento quando o modelo sai de sua trajetória a longo prazo. Logo, o modelo VEC nada mais é do que um modelo VAR na primeira diferença adicionado aos termos de correção de erros, em que o termo πxt1 representa as relações a longo prazo e πiΔxti indica as relações a curto prazo. A variável Dt é uma matriz composta das dummies sazonais (DS). Ded indica a dummy referente ao Estatuto do Desarmamento, construída de modo que Ded=0 para t<2004M06 e Ded=1 para t2004M06.5 5 2004M06 corresponde ao ano de 2004 e ao mês de julho (M06). Além disso, foi considerada a data em que a Lei n. 10.826, que é de dezembro de 2003, foi regulamentada.

Como as UPPs foram inseridas gradualmente ao longo dos anos, é possível que os efeitos sobre a criminalidade possuam um efeito gradual e acumulativo, isto é, a variável que as representa toma forma exponencial. Desse modo, seguindo as especificações proposta por Lütkepohl e Krätzig (2004)LÜTKEPOHL, Helmut & KRÄTZIG, Markus. (2004), Applied Time Series Econometrics (Themes in Modern Econometrics). Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9780511606885.
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, a variável que caracteriza uma função exponencial é descrita como:

D u p p θ = 0 t < T B 1 e x p θ t T B + 1 , t T B (2)

Nessa equação, Dupp é a variável que capta os impactos das UPPs, sendo que TB representa o período da primeira intervenção (2008M12) e t significa os meses subsequentes. O parâmetro ϴ é um escalar entre 0 e 1 que reflete o peso de cada uma das intervenções ocorridas ao longo do processo. Utiliza-se θ = 1/38, que corresponde às 38 comunidades ocupadas.

Justifica-se a escolha dessa estratégia metodológica em decorrência ao tipo de intervenção adotada pelo governo. Isto é, as UPPs foram implementadas de forma gradual e em diferentes comunidades ao longo tempo. Logo, para avaliar os efeitos sobre a criminalidade, é preciso adotar técnicas que incorporem os impactos graduais de cada UPP instalada. Portanto, a estratégia empregada por Lütkepohl e Krätzig (2004)LÜTKEPOHL, Helmut & KRÄTZIG, Markus. (2004), Applied Time Series Econometrics (Themes in Modern Econometrics). Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9780511606885.
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mostra-se adequada para avaliar os efeitos das UPPs no Rio de Janeiro.

Dados e amostra

A base de dados é composta de 209 observações mensais, de abril de 2002 a agosto de 2019, do município do Rio de Janeiro. A escolha das séries nesse período atende aos propósitos deste trabalho. No caso, são considerados sete anos antes da primeira intervenção das UPPs até o período mais recente.

Ressalta-se que, embora estejam disponíveis dados relativos ao estado do Rio de Janeiro, optou-se por analisar o comportamento das séries referentes aos crimes cometidos apenas no município do Rio de Janeiro. O intuito é evitar o viés de erro de medida decorrente do processo de coleta de dados, que ocorre devido às diferenças entre os municípios. Além disso, a política de segurança pública das UPPs teve maior ênfase na cidade do Rio de Janeiro, e a utilização de dados referentes ao estado poderia inviabilizar a análise de impacto dessa política.

A especificação do modelo, assim como em Santos (2012)SANTOS, Marcelo Justus dos. (2012), Uma abordagem econômica das causas da criminalidade: evidências para a cidade de São Paulo. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, Piracicaba., é composta de três tipos de indicadores: criminalidade, atividade econômica e desempenho da polícia. Logo, espera-se que os indicadores sejam afetados um pelo outro.

O nível de atividade econômica é utilizado para medir o custo de oportunidade de se cometer um crime e seu retorno esperado, conforme argumentado por Becker (1968)BECKER, Gary S. (1968), “Crime and punishment: an economic approach”, in N. G. Fielding, A. Clarke & R. Witt (org.), The economic dimensions of crime, Londres, Palgrave Macmillan, pp. 13-68. e Ehrlich (1973)EHRLICH, Isaac. (1973), “Participation in illegitimate activities: a theoretical and empirical investigation”. Journal of Political Economy, 81, 3: 521-565.. Níveis maiores de atividade econômica elevam o custo de oportunidade, uma vez que aumentam as possiblidades de os indivíduos construírem seu patrimônio de forma legal. Por outro lado, um nível maior de atividade econômica aumenta a probabilidade de retorno ao se cometer uma ação ilegal, pois há maior gama de bens e recursos financeiros disponíveis. Sendo assim, o efeito líquido da atividade econômica pode ser positivo ou negativo (Santos, 2012SANTOS, Marcelo Justus dos. (2012), Uma abordagem econômica das causas da criminalidade: evidências para a cidade de São Paulo. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, Piracicaba.). Para captar os efeitos da atividade econômica, são utilizadas duas informações: o salário mínimo real (sal) em paridade do poder de compra (ppc), medido em dólares (U$); e o índice de emprego na indústria no Rio de Janeiro (emp). As informações foram disponibilizadas pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea, 2006INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA (IPEA). (2006), Ipeadata. Brasília, DF. Disponível em <http://www.ipeadata.gov.br>. consultado em 14/08/2020.
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).

O indicador de desempenho da polícia é construído com o objetivo de captar o efeito de dissuasão sobre o comportamento criminoso, ou seja, um aumento nesse indicador reflete maior probabilidade de fracasso do crime (Santos, 2012SANTOS, Marcelo Justus dos. (2012), Uma abordagem econômica das causas da criminalidade: evidências para a cidade de São Paulo. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, Piracicaba.). Para a construção do indicador de desempenho da polícia, são utilizadas duas proxies: a quantidade de armas de fogo apreendidas por 100 mil habitantes (arm) e o número de drogas apreendidas por prisões (pri). Seguindo as especificações Kahn e Zanetic (2005)KAHN, Túlio & ZANETIC, André. (2005), O papel dos municípios na segurança pública. São Paulo. (Série Estudos Criminológicos, 4). Disponível em <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/Papel%20dos%20munic%C3%ADpios%20na%20Seguran%C3%A7a%20P.pdf>, consultado em 14/08/2020.
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, a quantidade de armas apreendidas é uma proxy que descreve a quantidade de armas em circulação e a atividade policial. No primeiro caso, quanto menor for o número de armas em circulação, menor é a quantidade apreendida. No segundo, quanto maior for a atividade policial, mais armas são retidas, logo, maior é a probabilidade de fracasso do crime. Nesse contexto, para que a quantidade de armas apreendidas represente a atividade policial, é necessário medi-la em relação à quantidade de habitantes, pois, assim, é possível controlar sua evolução temporal.

O segundo indicador de desempenho da polícia é construído para refletir o combate ao tráfico de drogas. O objetivo é capturar o esforço do efetivo policial sobre o tráfico de drogas, que, além de ser a principal motivação da ocupação das comunidades no Rio de Janeiro, é considerado crime hediondo e está associado à ocorrência de outros crimes (Santos e Kassouf, 2007SANTOS, Marcelo Justus dos & KASSOUF, Ana Lúcia. (2007), “Uma investigação econômica da influência do mercado de drogas ilícitas sobre a criminalidade brasileira”. Revista EconomiA, 8, 2: 187-210.). Ademais, é possível que a ação coerciva da polícia resulte em aumento da violência e da criminalidade nas áreas que atuam, em decorrência de uma resposta truculenta dos criminosos ou, ainda, do abuso de autoridade que resulta em homicídio. Para captar esse efeito, utiliza-se a taxa de homicídios por 100 mil habitantes cometidas por policiais militares (let), que se refere à letalidade da polícia. Além disso, é possível que os policiais das UPPs também produzam tais consequências, logo, é utilizado a variável (let*Dupp) para capturar esse efeito.

Essas duas variáveis de desempenho da polícia permitem mensurar os impactos negativos da ação coerciva da polícia e dos policiais ligados às UPPs. Todos os dados relativos à ação da polícia podem ser consultados na página eletrônica do Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISP, 2019INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA (ISP). (2019), ISP dados abertos. Rio de Janeiro. Disponível em <https://www.ispdados.rj.gov.br:4432/>. consultado em 14/08/2020.
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).

Cabe destacar que as variáveis associadas aos homicídios de policiais não se referem exclusivamente a crimes dolosos, passíveis de investigação e condenação, mas se referem aos homicídios declarados pelos policiais como resultantes de confronto com criminosos. Porém, o aumento nesse indicador pode estar associado aos excessos cometidos durante as ocorrências.

Para o indicador de criminalidade, cabe discutir algumas observações. Por se tratar de estatísticas obtidas de registros policiais, os dados oficiais disponíveis revelam apenas a parte da criminalidade que é efetivamente registrada pelas autoridades competentes. Isto é, há um sub-registro que não revela a verdadeira quantidade de crimes ocorridos em determinado período. Logo, ao se utilizar certo tipo de crime como indicador de criminalidade, pode-se incorrer em viés de erro de medida. Os registros de crimes de homicídio e latrocínio tem baixos sub-registros pelo fato de ocorrer morte da vítima. Dessa forma, para evitar erro de medida, causado pela omissão de ocorrências, optou-se por utilizar os crimes de homicídio e latrocínio como os melhores indicadores de criminalidade. Esses dados foram agregados e classificados como crimes letais e transformados em taxa de crimes letais por 100 mil habitantes (cri), para controlar o efeito do crescimento populacional. Dados consultados estão disponíveis na página eletrônica do ISP (2019)INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA (ISP). (2019), ISP dados abertos. Rio de Janeiro. Disponível em <https://www.ispdados.rj.gov.br:4432/>. consultado em 14/08/2020.
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.

Estatística descritiva

A Tabela 1, a seguir, mostra a estatística descritiva dos dados utilizados. Observa-se que algumas variáveis apresentaram grandes valores para o desvio padrão e o coeficiente de variação. Isso pode indicar que a série não tem uma distribuição normal ou que sua variância não é homocedástica. Além disso, na Figura 5 são reportadas as trajetórias temporais das séries. As variáveis sal e emp apresentam os maiores desvios padrões, indicando a modificação da estrutura econômica ao longo do período analisado. Ademais, todas as variáveis associadas a crimes e atividade policial possuem trajetória decrescente até meados de 2014 e, posteriormente, ficaram estáveis ou passaram a assumir uma forma crescente.

Tabela 1
Estatísticas Descritivas das Variáveis Utilizadas na Pesquisa
Figura 5
Variáveis Utilizadas: 2002M04 a 2019M08

Resultados estatísticos e discussão

Teste de raiz unitária

O uso de testes de raiz unitária nas séries foi motivado pela necessidade de se verificar se são integradas de mesma ordem. Caso possuam raiz unitária, as séries podem ser cointegradas, desde que exista uma combinação linear entre elas que seja estacionária (Enders, 2008ENDERS, Walter. (2008), Applied econometric time series. Hoboken, John Wiley & Sons.).

Para testar a ordem de integração das séries, foram utilizados os testes de raiz unitária de Dickey-Fuller aumentado (em inglês, augmented Dickey-Fuller – ADF) e de Kwiatkowski, Phillips, Schmidt e Shin (KPSS). O primeiro teste tem como hipótese nula que a série é não estacionária; o segundo, diferentemente, indica que a série é estacionária. A ideia é usar o teste KPSS de forma complementar, com o objetivo de confirmar os resultados obtidos pelo teste convencional. O argumento aponta que se pode distinguir a raiz unitária de séries cujos dados não são suficientemente conclusivos (Da Silveira Bueno, 2008Da Silveira BUENO, Rodrigo De Losso. (2008), Econometria de séries temporais. São Paulo, Cengage Learning.).

Na Tabela 2 estão expostos os valores das estatísticas dos testes ADF e KPSS. Para o ADF, a hipótese nula não foi rejeitada a nenhum nível de significância para todas as variáveis. No teste KPSS, por sua vez, a hipótese nula foi rejeitada para todos os níveis de significância e todas as variáveis.

Tabela 2
Testes de Dickey-Fuller Aumentado (ADF) e de Kwiatkowski, Phillips, Schmidt e Shin (KPSS)

É possível que a implementação da UPP e do Estatuto do Desarmamento resulte em quebras estruturais que podem influenciar os testes de raiz unitária. Logo, complementarmente, são realizados dois testes ADF com quebra estrutural em julho de 2004 (Estatuto do Desarmamento) e dezembro de 2008 (UPPs). Em ambos os testes, não se rejeitou a hipótese nula.

Por fim, como argumentado por Lütkepohl e Krätzig (2004)LÜTKEPOHL, Helmut & KRÄTZIG, Markus. (2004), Applied Time Series Econometrics (Themes in Modern Econometrics). Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9780511606885.
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, se há uma mudança no nível das variáveis conforme descrito pela dummy UPP (Dupp), o teste de ADF tradicional pode ser potencialmente baixo. Logo, esse efeito deve ser levado em consideração no teste de raiz unitária. Para tanto, no teste ADF incluiu-se tal explicação, conforme descrito por Lütkepohl e Krätzig (2004)LÜTKEPOHL, Helmut & KRÄTZIG, Markus. (2004), Applied Time Series Econometrics (Themes in Modern Econometrics). Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9780511606885.
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. De modo geral, os resultados reforçam os já apresentados, isto é, todas as variáveis possuem ao menos uma raiz unitária.

Análise de cointegração

Dado que todas as séries são integradas de ordem 1, I (1), o próximo passo consiste em verificar se existe algum vetor de cointegração entre as variáveis. Para isso, usa-se o teste proposto por Johansen (1995)JOHANSEN, Søren. (1995), Likelihood-based inference in cointegrated vector autoregressive models. Oxford, Oxford University Press. que permite obter os vetores de cointegração simultaneamente ao resultado do teste de cointegração (Da Silveira Bueno, 2008Da Silveira BUENO, Rodrigo De Losso. (2008), Econometria de séries temporais. São Paulo, Cengage Learning.). No entanto, primeiro deve-se especificar o número de defasagens para o vetor autorregressivo (VAR) no qual se realiza o teste de cointegração.

O número ótimo de defasagens (p) para o VAR irrestrito, para no máximo p = 8, foi determinado pela análise conjunta dos critérios de informação de Akaike (AIC), Hannan-Quinn final (HQ) e Schwarz (SIC). Os resultados são apresentados na Tabela 3. Os critérios de informação de AIC e HQ indicam a ordem de defasagens p = 2 e SIC indica p = 1. Como dois dos critérios apontaram para o número de defasagem igual a 2, utilizou-se essa ordem. Além disso, a ordem de especificação igual a 1 é restritiva para análise de cointegração.

Tabela 3
Determinação da Ordem (p) do Vetor Autorregressivo (VAR)

Para realizar o teste de cointegração de Johansen, são considerados três modelos: (i) constante fora do vetor de cointegração (Modelo I); (ii) constante apenas no vetor de cointegração (Modelo II); (iii) tendência no vetor de cointegração e constante no nível (Modelo III). São representados por:

Δ X t = α β X t 1 + π i Δ X t i + e t (I)
Δ X t = α β X t 1 + μ 0 + π i Δ X t i + e t (II)
Δ X t = ρ 0 + α β X t 1 + μ 0 + π i Δ X t i + e t (III)

Os resultados dos testes de cointegração são apresentados na Tabela 4. Ambos os testes, traço e máximo autovalor, apontam para a existência de ao menos um vetor de cointegração para todos os modelos.

Tabela 4
Testes de Johansen Apresentando Traço e Máximo Autovalor

Para avaliar os resíduos do modelo identificado, foram utilizados os testes de correlação serial LM, de heterocedasticidade condicional ARCH-LM e de normalidade Jarque-Bera. Ressalta-se que o teste de normalidade é feito pela decomposição de Choleski da matriz variância-covariância, em que a ordem das variáveis do VAR impacta no resultado. Dessa forma, utilizou-se o teste de causalidade de Granger para definir a ordenação das variáveis, da menos endógena para mais endógena.6 6 Para mais detalhes sobre a decomposição de Choleski e o teste de causalidade de Granger, consultar Lütkepohl e Krätzig (2004).

A Tabela 5 reporta os dados dos testes de diagnóstico nos resíduos. Observa-se que os resíduos das variáveis sal, arm, pri e let*Dupp não possuem distribuição normal, com exceção da variável cri. Na tentativa de melhorar o modelo, foi realizado o mesmo teste para modelos com mais defasagens e também se tentou incluir outras dummies. No entanto, nenhuma das tentativas resolveram o problema de normalidade. Contudo, desde que a hipótese de homocedasticidade não seja violada, a não normalidade dos erros é considerada uma violação amena (Enders, 2012). Uma vez que o teste ARCH-LM não rejeitou a hipótese nula de homocedasticidade dos erros, optou-se, então, por continuar com o modelo VEC (2).

Tabela 5
Teste de Diagnóstico no Modelo Identificado

A Tabela 6 apresenta o vetor de cointegração e coeficiente de ajustamento VEC (2) para os três modelos. Para avaliar a significância estatística dos termos determinísticos no vetor de cointegração, foi utilizado o método proposto por Johansen e Juselius (1990)JOHANSEN, Søren & JUSELIUS, Katarina. (1990), “Maximum likelihood estimation and inference on cointegration: with applications to the demand for money”. Oxford Bulletin of Economics and Statistics, 52, 2: 169-210.. Esse método consiste em reestimar os parâmetros do vetor de cointegração com restrição na matriz β e aplicar o teste de razão de verossimilhança (Lr test).

Tabela 6
Vetor de Cointegração e Coeficientes de Ajustamento de Modelo VEC (2)

Para ambos os modelos, II e III, rejeitou-se a hipótese de que não há constante e tendência dentro do vetor de cointegração, respectivamente. Logo, ambos os modelos estão bem ajustados estatisticamente. Entretanto, optou-se por utilizar o Modelo III, uma vez que, em termos de resultados, é possível que existam um termo constante ao nível do modelo e uma tendência no vetor de cointegração. Isto é, fatores inerentes à estrutura social e organizacional do município do Rio de Janeiro que afetam a taxa de criminalidade e são capturados pela constante ao nível e pela tendência no vetor de cointegração.

Por fim, com base nos resultados anteriores, o melhor modelo obtido para determinar as relações a curto e longo prazos da criminalidade foi o VEC (2), com tendência no vetor de cointegração e constante ao nível. A Tabela 7 reporta as estimativas a curto prazo.

Tabela 7
Resultados a Curto Prazo VEC (2)

Discussão dos resultados

Resultados a curto prazo

Os resultados a curto prazo, que descrevem a resposta imediata das variáveis consideradas neste trabalho, são apresentadas na Tabela 7. Primeiramente, as respostas das variáveis de atividade econômica, ΔsalteΔempt, obtiveram resultados esperados, conforme encontrado na literatura e nas análises empíricas, como em Pitta e Koyama (2006)PITTA, Marcelo & KOYAMA, Mitti. (2006), “Ajuste sazonal e previsão da taxa de desemprego na Região Metropolitana de São Paulo”. São Paulo em Perspectiva, 20, 4: 36-45.. Isto é, o nível de emprego está sujeito à sazonalidade e a uma defasagem temporal positiva. O salário mínimo real, por sua vez, por ter aumentos que ocorrem via decreto, também está sujeito à sazonalidade, entretanto, em menor frequência.

As respostas sobre as variáveis de desempenho da polícia, por sua vez, mostram que a letalidade da força policial, Δlett, aumenta em decorrência da elevação dos crimes letais no período anterior (Δcrit−1). Isso significa que a resposta da polícia a eventuais aumentos nos crimes letais é um aumento da atividade que resulta em homicídios por parte dos oficiais. Além disso, há um efeito defasado na letalidade da polícia, indicando que o aumento em Δlett−1 resulta em uma diminuição da letalidade no período posterior. Uma possível explicação: a exposição do ocorrido, em jornais e outras mídias informativas, acarreta pressões sociais que levam a reduzir os confrontos que resultam em mortes.

Com relação à variável Δarmt, os resultados mostram que as UPPs impactam positivamente a quantidade de armas apreendias. Entre as variáveis consideras, as UPPs possuem o maior coeficiente (0,48), indicando que as ocupações tiveram elevada contribuição na quantidade de armas apreendidas. Ademais, elevações nas taxas de crimes letais levam a um aumento da quantidade de armas apreendidas no período posterior. As demais variáveis, Δprit e Δlet*Duppt, estão sujeitas apenas a impactos desfasados.

Para a variável de interesse, Δcrit, primeiro deve-se considerar os efeitos da atividade econômica. Embora com baixo impacto nos crimes letais e apenas significativa para emprego (Δempt−1), a curto prazo, uma melhora no desempenho da economia impacta negativamente as taxas de crimes letais. Esse resultado está diretamente associado aos pressupostos estabelecidos por Becker (1968)BECKER, Gary S. (1968), “Crime and punishment: an economic approach”, in N. G. Fielding, A. Clarke & R. Witt (org.), The economic dimensions of crime, Londres, Palgrave Macmillan, pp. 13-68. e Ehrlich (1973)EHRLICH, Isaac. (1973), “Participation in illegitimate activities: a theoretical and empirical investigation”. Journal of Political Economy, 81, 3: 521-565., que afirmam que, a curto prazo, os maiores níveis de atividade econômica elevam o custo de oportunidade de crimes serem cometidos.

Com relação à taxa de crimes letais com uma defasagem (Δcrit−1), o resultado foi significativo com o sinal negativo, indicando que um aumento nessa taxa produz impactos negativos de 0,62 ponto nos crimes letais no período posterior. Uma explicação para esse resultado é que, após grandes picos de crimes letais em determinado período e localidade, ocorre maior repressão e intensificação do policiamento na região, o que leva à diminuição dos crimes.

Os resultados das variáveis da atividade da polícia trazem interpretações interessantes e merecem destaque. Primeiro, a letalidade da polícia (Δlett−1) possui efeitos significativos e negativos. Isso indica que maiores confrontos da polícia, que resultam em mortes dos criminosos, reduzem os crimes letais. Isso significa que, para cada indivíduo assassinado pela polícia em confronto, ocorre uma redução, em média, de 0,48 na taxa de crimes letais. Esse resultado difere das sugestões teóricas e empíricas encontradas internacionalmente (Tyler, 2004TYLER, Tom R. (2004), “Enhancing police legitimacy”. The ANNALS of the American Academy of Political and Social Science, 593, 1: 84-99.; Tyler e Jackson, 2013TYLER, Tom R. & JACKSON, Jonathan. (2013), “Future challenges in the study of legitimacy and criminal justice”. Yale Law School, Public Law Working Paper, 264.), em que se enfatiza que os efeitos da ação coerciva da polícia aumentam os índices de criminalidade. No entanto, os resultados obtidos podem estar capturando maior combate ao tráfico de drogas e ao crime organizado, em que a ação coerciva da polícia inibe crimes letais em momento posterior.

Embora a letalidade da polícia tenha impactado os crimes letais negativamente, o mesmo não ocorre quando associada a intervenções das UPPs (Δlet*Dupp). Os resultados indicam que os homicídios cometidos pela polícia, com relação às UPPs, produziram efeitos positivos sobre os crimes letais, isto é, a letalidade da polícia aumenta a taxa de criminalidade em 0,48. Dessa forma, embora as UPPs tenham produzido uma sensação de “pacificação” na população das áreas ocupadas, conforme apontado por Cunha e Mello (2011)CUNHA, Neiva Vieira da & MELLO, Marco Antonio da Silva. (2011), “Novos conflitos na cidade: A UPP e o processo de urbanização na favela”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 4, 3: 371-401. e Leite (2014)LEITE, Márcia Pereira. (2014), “Entre a ‘guerra’ e a ‘paz’: Unidades de Polícia Pacificadora e gestão dos territórios de favela no Rio de Janeiro”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 7, 4: 625-642., a ação coerciva dos agentes pode ter levado a respostas mais truculentas por parte dos traficantes, o que resulta em aumento dos crimes letais.

Como esperado, a quantidade de drogas apreendidas por prisão (pri) foi estatisticamente significativa com sinal negativo. Além disso, possui o maior coeficiente. Isso indica que atividades da polícia ligadas a prisões em flagrante e comprimento de mantado de prisão são as mais eficientes, entre as variáveis dessa natureza, para redução dos crimes letais. De modo geral, os resultados indicam que, para apreensão de drogas que resulta em prisão, ocorre uma redução, em média, de 0,85 na taxa de crimes letais.7 7 A variável refere-se a número de drogas apreendidas por prisão.

A dummy referente ao Estatuto do Desarmamento não foi significativo. Esse resultado difere de outros trabalhos (Cerqueira, 2010CERQUEIRA, Daniel Ricardo de Castro. (2010), Causas e consequências do crime no Brasil. Tese de doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.; Santos, 2012SANTOS, Marcelo Justus dos. (2012), Uma abordagem econômica das causas da criminalidade: evidências para a cidade de São Paulo. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, Piracicaba.), que, embora tenham analisado outros estados e regiões, obtiveram resultados que indicam alto impacto do Estatuto do Desarmamento nos crimes letais. Entretanto, o período considerando neste trabalho, assim como a estrutura de dados mensais, pode não ser a melhor estratégia para capturar os efeitos específicos da Lei n. 10.826. Portanto, os resultados encontrados para essa variável refletem os efeitos particulares do município do Rio de Janeiro no período considerando.

Finalmente, apresenta-se o resultado da variável de interesse deste trabalho (Dupp). As UPPs têm atuação constante no combate ao tráfico de drogas nas comunidades do Rio de Janeiro, e, portanto, contribuem de forma efetiva para a redução dos crimes letais, uma vez que desmantelam organizações criminosas que se concentram nessas comunidades. Isso afeta drasticamente a percepção dos moradores das áreas ocupadas que sentem maior segurança, conforme já destacado. No geral, os resultados mostram que as UPPs impactaram, em média, as taxas de crimes letais em 0,18 ponto percentual na cidade do Rio de Janeiro.

Resultados a longo prazo

Para avaliar os efeitos a longo prazo sobre a taxa de crimes letais, utilizou-se o vetor de cointegração no modelo. Dessa forma, as relações a longo prazo podem ser expressas da seguinte forma:

c r i ^ t = 0,006 t + 0,0001 s a l t 0,009 e m p t + 0,296 a r m t 0,23 l e t t 2,72 p r i t + 0,35 l e t * D u p p t (4)

As variáveis de atividade econômica, igualmente para curto prazo, possuem baixo impacto nas explicações dos crimes letais. Entretanto, a direção dos efeitos traz interpretações interessantes. Para a variável de emprego na indústria do Rio de Janeiro, o resultado foi negativo, mostrando que seu aumento afeta negativamente a taxa de crimes letais a longo prazo. Na literatura sobre crimes, o nível de emprego é frequentemente apontado como determinante do comportamento criminoso na sociedade. Becker (1968)BECKER, Gary S. (1968), “Crime and punishment: an economic approach”, in N. G. Fielding, A. Clarke & R. Witt (org.), The economic dimensions of crime, Londres, Palgrave Macmillan, pp. 13-68. também encontrou essa relação positiva entre taxa de desemprego e criminalidade.

Por outro lado, a variável salário apresentou sinal positivo, indicando que o aumento do salário real provoca um aumento na criminalidade a longo prazo. Na literatura sobre economia do crime, especificamente, Becker (1968)BECKER, Gary S. (1968), “Crime and punishment: an economic approach”, in N. G. Fielding, A. Clarke & R. Witt (org.), The economic dimensions of crime, Londres, Palgrave Macmillan, pp. 13-68. e Ehrlich (1973)EHRLICH, Isaac. (1973), “Participation in illegitimate activities: a theoretical and empirical investigation”. Journal of Political Economy, 81, 3: 521-565. argumentaram que essa variável da atividade econômica pode ter efeitos positivos ou negativos a longo prazo, uma vez que o maior nível de atividade econômica pode estar associado ao custo de oportunidade e ao retorno esperado ao se cometer um crime.

Com relação às variáveis associadas à atividade da polícia, destaca-se a apreensão de armas (arm), que possui um sinal positivo para a relação a longo prazo e um sinal negativo a curto prazo. Essa relação mostra que, a curto prazo, a intensificação da apreensão de armas é capaz de reduzir a taxa de crimes em um período curto, pois essa variável pode ser vista como uma proxy para a atividade policial. No entanto, a longo prazo, o resultado reflete a quantidade de armas em circulação, isto é, um maior número de armas apreendidas indica um alto grau de armas em circulação, o que leva a um aumento na taxa de crimes letais. Resultados semelhantes foram obtidos por Kahn e Zanetic (2005)KAHN, Túlio & ZANETIC, André. (2005), O papel dos municípios na segurança pública. São Paulo. (Série Estudos Criminológicos, 4). Disponível em <http://www.observatoriodeseguranca.org/files/Papel%20dos%20munic%C3%ADpios%20na%20Seguran%C3%A7a%20P.pdf>, consultado em 14/08/2020.
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e Santos (2012)SANTOS, Marcelo Justus dos. (2012), Uma abordagem econômica das causas da criminalidade: evidências para a cidade de São Paulo. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, Piracicaba..

A variável referente à quantidade de apreensões de drogas por prisões impacta negativamente na taxa de crimes a longo prazo. Além disso, possui o maior coeficiente entre os parâmetros estimados (2,72). Isso indica que o combate ao tráfico de drogas, que resulta em prisões, contribui efetivamente para a redução dos crimes letais a curto e longo prazos. Ao analisar o total de prisões na cidade do Rio de Janeiro, dados do ISP (2019)INSTITUTO DE SEGURANÇA PÚBLICA (ISP). (2019), ISP dados abertos. Rio de Janeiro. Disponível em <https://www.ispdados.rj.gov.br:4432/>. consultado em 14/08/2020.
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, observou-se que entre 60% e 70% das prisões estão relacionadas ao tráfico de drogas. De acordo com o United Nations Office on Drugs and Crime (UNODC, 2009UNITED NATIONS OFFICE ON DRUGS AND CRIME (UNODC). (2009), World drug report. New York, United Nations. Disponível em <https://www.unodc.org/documents>, consultado em 14/08/2020.
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), o tráfico de drogas é um dos maiores responsáveis pelos crimes letais nos países sul-americanos. Como os objetivos das UPPs eram desestruturar o mercado de tráfico de drogas nas comunidades da cidade do Rio de Janeiro, muitas prisões associadas ao tráfico foram efetuadas, e, com isso, houve uma redução na taxa de crimes letais ao longo do tempo.

Por fim, as variáveis relacionadas aos homicídios cometidos pela polícia trazem aspectos importantes quanto a seu efeito. Primeiro, a curto prazo, a letalidade da polícia impacta negativamente os crimes letais. Entretanto, quando relacionado a atividades das UPPs, o efeito se inverte, isto é, a letalidade da polícia produz efeitos que intensificam os crimes letais. De modo geral, os resultados mostram que, enquanto a letalidade da polícia contribuiu em 0,23 ponto para a redução dos crimes letais no Rio de Janeiro, a letalidade das UPPs elevou os indicadores de criminalidade em 0,35 ponto. Portanto, embora a atuação da polícia represente um fator importante no combate à criminalidade e demonstre a preocupação dos representantes governamentais com essa questão, a ação coerciva tende a elevar os crimes letais a curto e longo prazos.

Considerações finais

Este artigo analisou os impactos a curto e longo prazos das variáveis referentes à atividade econômica e ao desempenho da polícia nas taxas de crimes letais na cidade do Rio de Janeiro, entre abril de 2002 e agosto de 2019. Foram verificadas as influências de duas medidas tomadas pelo governo com o intuito de reduzir a criminalidade: as UPPs e o Estatuto do Desarmamento. Isso foi realizado com o objetivo de constatar as possíveis causas da redução dos crimes letais na cidade do Rio de Janeiro e de verificar o efeito das políticas públicas realizadas no período analisado, considerando-se as demais variáveis que poderiam influenciar o comportamento da série de crimes.

Com base nos resultados encontrados, alguns aspectos merecem ser destacados, uma vez que trazem evidências empíricas que podem ser utilizadas para a formulação de novas políticas e para a adequação e o aprimoramento das existentes. O primeiro deles refere-se à atividade econômica. Embora a literatura sobre economia do crime enfatize a importância da atividade econômica para explicar o comportamento da criminalidade, os resultados encontrados nesta pesquisa mostram que essas variáveis têm baixo efeito sobre os crimes letais. Não há um respaldo teórico na explicação desse efeito. Entretanto, é possível que a criminalidade no Rio de Janeiro esteja relacionada com questões estruturais, como exclusão e marginalização de parte da população.

Outro aspecto importante identificado nesta pesquisa diz respeito à variável de armas apreendidas, que apresenta sinais contrários a curto e longo prazos. Isso mostra que, a curto prazo, o aumento da apreensão de armas pode impactar negativamente as taxas de crimes letais; porém, a longo prazo, um aumento da apreensão de armas está associado à elevação nas taxas de crimes, portanto, reflete a quantidade de armas em circulação na região.

No que diz respeito ao Estatuto do Desarmamento, embora os resultados indiquem um efeito não significativo, é possível que o período e as características particulares do município do Rio de Janeiro, na época analisada, afetem o resultado dessa variável. Portanto, para conclusões mais robustas, seria interessante analisar períodos diferentes e distintas regiões do estado e do munícipio do Rio de Janeiro.

Com base nos resultados encontrados, constata-se que a política de segurança pública, denominada Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), contribuiu para a redução da criminalidade na cidade do Rio de Janeiro. Contudo, conforme evidenciado, a letalidade da polícia nas comunidades possui um efeito de aumento de taxas de crimes letais. Diante disso, é possível que a retomada do aumento nos indicadores de crimes letais esteja refletindo esse aspecto.

Desse modo, embora não comparáveis diretamente, em razão da metodologia empregada e do período considerado, os resultados obtidos nesta pesquisa possuem similaridades com os trabalhos de Cano, Borges e Ribeiro (2012)CANO, Ignácio, BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo (org.). (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, LAV/UERJ., Cunha (2015)CUNHA, Christina Vital da. (2015), “O medo do retorno do medo: um ponto de inflexão no programa das UPPs”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 8, 1: 41-62. e Leite et al. (2018)LEITE, Márcia Pereira, ROCHA, Lia de Matos, FARIAS, Juliana & CARVALHO, Monique B. D. (2018), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção. Rio de Janeiro, Mórula.. Por um lado, os resultados obtidos confirmam os apresentados por Cano, Borges e Ribeiro (2012)CANO, Ignácio, BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo (org.). (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, LAV/UERJ., uma vez que mostram que as UPPs impactaram negativamente as taxas de crimes letais; por outro lado, apresentam divergência de Cano, Borges e Ribeiro (2012)CANO, Ignácio, BORGES, Doriam & RIBEIRO, Eduardo (org.). (2012), Os donos do morro: uma avaliação exploratória do impacto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, LAV/UERJ. e conformidade com Cunha (2015)CUNHA, Christina Vital da. (2015), “O medo do retorno do medo: um ponto de inflexão no programa das UPPs”. DILEMAS: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, 8, 1: 41-62. e Leite et al. (2018)LEITE, Márcia Pereira, ROCHA, Lia de Matos, FARIAS, Juliana & CARVALHO, Monique B. D. (2018), Militarização no Rio de Janeiro: da “pacificação” à intervenção. Rio de Janeiro, Mórula., ao destacar que a ação da polícia que resulta em mortes mostra um efeito positivo nas taxas de crimes letais, isto é, uma “resposta” mais violenta, por parte dos criminosos, em decorrência de ações mais intensivas da polícia. No entanto, essa hipótese merece mais investigações.

Assim, duas recomendações, baseadas nos resultados encontrados, podem ser destinadas aos agentes formulares de políticas de segurança pública: a descontinuidade das UPPs pode aumentar as taxas de crimes letais no Rio de Janeiro e as autoridades públicas devem se atentar aos efeitos negativos de um possível excesso de coerção por parte da polícia.

  • 1
    Os custos envolvem: custos intangíveis com homicídios; gastos com segurança privada e seguros; sistema de saúde; segurança pública (polícia); sistema prisional. Para mais detalhes, ver Cerqueira e Bueno (2019)CERQUEIRA, Daniel & BUENO, Samira (coord.). (2019), Atlas da violência 2019. Brasília/Rio de Janeiro/São Paulo, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada/Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em <https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_violencia_2019.pdf>, consultado em 12/08/2020.
    https://www.ipea.gov.br/portal/images/st...
    .
  • 2
    Becker (1968)BECKER, Gary S. (1968), “Crime and punishment: an economic approach”, in N. G. Fielding, A. Clarke & R. Witt (org.), The economic dimensions of crime, Londres, Palgrave Macmillan, pp. 13-68. foi o primeiro a propor um modelo formal que indica que o ato criminoso decorre de uma avaliação racional dos benefícios e custos esperados.
  • 3
    Para mais informações, ver Lütkepohl e Krätzig (2004)LÜTKEPOHL, Helmut & KRÄTZIG, Markus. (2004), Applied Time Series Econometrics (Themes in Modern Econometrics). Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9780511606885.
    https://doi.org/10.1017/CBO9780511606885...
    , Da Silveira Bueno (2008)Da Silveira BUENO, Rodrigo De Losso. (2008), Econometria de séries temporais. São Paulo, Cengage Learning. e Enders (2008)ENDERS, Walter. (2008), Applied econometric time series. Hoboken, John Wiley & Sons..
  • 4
    O conceito de cointegração estabelece que deve existir pelo menos uma relação de equilíbrio entre um conjunto de variáveis. Para mais informações, ver Engle e Granger (1987)ENGLE, Robert F. & GRANGER, Clive W. J. (1987), “Co-integration and error correction: representation, estimation, and testing”. Econometrica: Journal of the Econometric Society, 55, 2: 251-276..
  • 5
    2004M06 corresponde ao ano de 2004 e ao mês de julho (M06). Além disso, foi considerada a data em que a Lei n. 10.826, que é de dezembro de 2003, foi regulamentada.
  • 6
    Para mais detalhes sobre a decomposição de Choleski e o teste de causalidade de Granger, consultar Lütkepohl e Krätzig (2004)LÜTKEPOHL, Helmut & KRÄTZIG, Markus. (2004), Applied Time Series Econometrics (Themes in Modern Econometrics). Cambridge: Cambridge University Press. doi:10.1017/CBO9780511606885.
    https://doi.org/10.1017/CBO9780511606885...
    .
  • 7
    A variável refere-se a número de drogas apreendidas por prisão.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2019
  • Aceito
    17 Jul 2020
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