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FATORES SOCIAIS DETERMINANTES DA REINCIDÊNCIA CRIMINAL NO BRASIL: O CASO DE MINAS GERAIS

SOCIAL FACTORS DETERMINING RECIDIVISM IN BRAZIL: THE MINAS GERAIS STATE CASE

FACTEURS SOCIAUX DÉTERMINANTS DE LA RÉCIDIVE CRIMINELLE AU BRÉSIL: LE CAS DE MINAS GERAIS

Resumos

Esse artigo resulta de pesquisa realizada no estado de Minas Gerais no biênio 2014-2015. Seu objetivo foi calcular a taxa de reincidência criminal do sistema prisional do estado. Além disso, procurou-se analisar se o perfil dos presos reincidentes é diferente dos não reincidentes, e ainda, demonstrar possíveis fatores individuais explicativos da reincidência, como atributos sociodemográficos e histórico criminal. A partir de dados referentes aos presos egressos das penitenciárias do estado em 2008, identificamos a probabilidade de reincidência em até cinco anos após a soltura. Os resultados demonstraram que a taxa de reincidência criminal é inferior aos patamares geralmente divulgados pelos meios de comunicação, como também demonstraram que a chance de reincidir foi maior entre indivíduos do sexo masculino, mais jovens, com trajetória criminal mais extensa, que iniciaram essa carreira mais cedo e que praticaram crimes contra o patrimônio, em especial os furtos.

reincidência criminal; prisão; crime; punição; segurança pública


This article is the result of research conducted in the state of Minas Gerais in the biennium 2014/2015. Its aim was to calculate the recidivism rate of the state prison system. Furthermore, we tried to analyze if the profile of recidivists is different from non-recidivists, and also to demonstrate possible explanatory individual factors of recurrence, such as socio-demographic attributes and criminal profile. From data relating to prisoners released in 2008, we identified the likelihood of recidivism within five years after release. The results showed that the chance of reoffend was higher among younger males with extensive criminal reporting, who began this career at an earlier age and who committed crimes against property, especially thefts.

recidivism; prison; crime; punishment; public safety


Cet article est le résultat de recherches menées dans l’état de Minas Gerais, au cours des années 2014-2015. Son objectif a été de calculer le taux de récidive criminelle du système pénitentiaire de cet état brésilien. Nous avons, en outre, tenté de déterminer si le profil des prisonniers récidivistes était différent de celui des non-récidivistes. Nous avons également tenté de démontrer de possibles facteurs individuels qui expliqueraient la récidive, comme les attributs sociaux démographiques et l’historique criminel. À partir des données sur les détenus issus des prisons de Minas Gerais en 2008, nous avons identifié que la probabilité de récidive criminelle était inférieure aux niveaux généralement diffusées par les médias. Elles démontrent également que le risque de récidive a été plus élevé chez les individus du sexe masculin, plus jeunes, possédant un historique criminel plus important, qui ont commencé cette carrière plus tôt et qui ont commis des crimes contre le patrimoine, en particulier des vols.

Récidive criminelle; Prison; Crime; Châtiment; Sécurité publique


Introdução

Um dos temas mais presentes no debate público sobre violência no Brasil é a reincidência criminal. É recorrente a representação de que a maioria absoluta dos presos que saem da prisão após o cumprimento da pena voltam a delinquir em pouco tempo. Há uma percepção generalizada, e fomentada em boa medida pelos profissionais da segurança pública, de que boa parte da criminalidade que aflige a sociedade brasileira é oriunda de criminosos reincidentes. Consolidou-se no pensamento jurídico e no senso comum a certeza de que a taxa de reincidência criminal no Brasil supera 70%.

Entretanto, são poucos os estudos científicos sobre o assunto em nosso país. Prevalecem no debate público estimativas sem esse tipo de embasamento. Na verdade, nunca foi realizado um estudo de abrangência nacional sobre a questão. O que tem predominado no âmbito acadêmico é a preo- cupação em compreender os fatores sociais que dificultam a reinserção social do egresso do sistema prisional, constituindo tema de estudo muito relevante (Mariño, 2002MARIÑO, Juan Mario Fandiño. (2002), “Análise comparativa dos efeitos da base socioeconômica, dos tipos de crime e das condições de prisão na reincidência criminal”. Sociologias, 4 (8): 220-244.; Bitencourt, 2004BITENCOURT, Cezar Roberto. (2004), Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais.).

Este artigo resulta de pesquisa realizada no estado de Minas Gerais no biênio 2014-2015. Seu objetivo foi diagnosticar a reincidência criminal no sistema prisional do estado mineiro e identificar o perfil dos presos reincidentes, em comparação com o dos não reincidentes, demonstrando possíveis fatores individuais explicativos da reincidência. Procedemos não apenas ao cálculo da taxa de reincidência criminal como também analisamos se a reincidência está relacionada com os perfis sociodemográfico e criminal dos egressos do sistema prisional. Para tanto, lançamos mão de metodologia estatística por meio da aplicação de testes qui-quadrado, análise de variância (Anova) e modelos de regressão logística binomial.

A reincidência criminal em âmbito internacional

Em termos sociológicos, reincidente é o indivíduo egresso do sistema prisional que comete novo crime após cumprimento da pena estabelecida por crime anteriormente cometido. Entretanto, as divergências conceituais emergem quando se trata dos critérios para definir o momento do novo crime cometido.

Segundo Capdevila e Puig (2009)CAPDEVILA, Manel Capdevila & PUIG, Marta Ferrer. (2009), Tasa de reincidencia penitenciaria 2008. Disponível em http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/es/legalcode.ca, consultado em 18/5/2015
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, a reincidência criminal pode ser conceituada de seis maneiras distintas:

  1. Reincidência por autoculpa, que considera nova prática de crime declarada pelo mesmo indivíduo.

  2. Reincidência policial, que é estabelecida por novo registro de crime do mesmo indivíduo na polícia.

  3. Reincidência penal, que supõe o processamento penal do mesmo indivíduo por nova prática de crime.

  4. Reincidência judicial, que envolve nova condenação do mesmo indivíduo por nova prática de crime.

  5. Reincidência penitenciária, que ocorre quando há segundo ingresso na prisão do mesmo indivíduo por nova prática criminal.

  6. Reincidência jurídica, que é o segundo processamento do mesmo indivíduo por nova prática de crime do mesmo título do Código Penal.

Ainda segundo Capdevila e Puig (2009)CAPDEVILA, Manel Capdevila & PUIG, Marta Ferrer. (2009), Tasa de reincidencia penitenciaria 2008. Disponível em http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/es/legalcode.ca, consultado em 18/5/2015
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, são diversos os estudos internacionais sobre reincidência criminal realizados nas últimas décadas, concentrados especialmente na América do Norte e na Europa. No entanto, é importante ter cautela com comparações internacionais entre as diversas taxas de reincidência criminal. Há grande diversidade nos procedimentos metodológicos adotados nos estudos, o que significa que não há uma única medida de reincidência criminal (Ruggero, Dougherty e Klofas, 2015RUGGERO, Tayler; DOUGHERTY, Jamie & KLOFAS, John. (2015), “Measuring recidivism: definitions, errors and data sources”. Working Paper. Rochester NY, Center for Public Safety Initiatives.).

O conceito de reincidência judicial é o mais utilizado nos estudos internacionais para o cálculo de reincidência criminal, sendo sucedido pelo conceito de reincidência penitenciária. Ou seja, os pesquisadores internacionais têm priorizado a definição da reincidência quando da condenação do egresso por novo crime cometido ou mesmo quando do seu aprisionamento para cumprimento de pena estabelecida na condenação judicial. Outro aspecto que distingue os estudos internacionais é o tempo de acompanhamento do egresso após a saída da prisão. A reincidência pode ocorrer logo após a volta ao convívio social, seja em dias ou meses, como também pode ocorrer em anos posteriores. O período de acompanhamento para cálculo da reincidência nos estudos internacionais varia entre um e oito anos.

As taxas de reincidência criminal obtidas são diversificadas em função disso. Levantamento comparativo nos vinte países com maior população prisional do mundo, no biênio 2010-2011, realizado por Fazel e Wolf (2015)FAZEL, Seena & WOLF, Achim. (2015), “A systematic review of criminal recidivism rates: current difficulties and recommendations for best practice”. Plos One, 18 jun. Disponível em http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0130390, consultado em 28/3/2016.
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, constatou discrepâncias expressivas entre os países. Na Noruega a taxa de reincidência oscilou entre 14%, para egressos que foram aprisionados novamente, e 42%, para egressos cujos novos crimes foram registrados pela polícia. A Suécia registrou no mesmo biênio a taxa de 43% para reincidência judicial. No Reino Unido, por sua vez, a taxa de reincidência estava no patamar de 59%.

Na sociologia norte-americana, pesquisas sobre reincidência criminal são realizadas desde a década de 1980 tanto pelas universidades quanto por agências governamentais (Travis, Western e Redburn, 2014TRAVIS, Jeremy; WESTERN, Bruce & REDBURN, Steve. (2014), The growth of incarceration in the United States: exploring causes and consequences. Washington, National Academies Press.). O Bureau of Justice Statistics, vinculado ao Departamento de Justiça, por exemplo, divulgou estudo relevante sobre o tema em 2014, contemplando os presos liberados de trinta estados norte-americanos em 2005 e acompanhando-os até 2010. O estudo obteve o seguinte dado: 67,8% dos 404.638 presos soltos em 2005 voltaram a ser detidos no prazo de três anos e 76,6% dos presos voltaram a ser detidos no prazo de cinco anos. Mais da metade de tais reincidências deveu-se a violações da liberdade condicional (Durose, Cooper e Snyder, 2014DUROSE, Matthew; COOPER, Alexia & SNYDER, Howard. (2014), “Recidivism of prisoners released in 30 states in 2005: patterns from 2005 to 2010”. Washington, Bureau of Justice Statistics/US Department of Justice.).

Outra vertente dos estudos internacionais focaliza a identificação dos aspectos sociológicos que constituem fatores de risco do fenômeno. Objetivam identificar as variáveis que estão estatisticamente correlacionadas com a reincidência. Nesse sentido, esses estudos documentam que os egressos do sistema prisional que cometeram crimes mais graves, que têm histórico anterior de crimes cometidos, que têm problemas com o uso de drogas e níveis baixos de escolarização são mais suscetíveis à reincidência criminal. Além disso, homens e jovens são também mais propensos ao cometimento de novos crimes após o cumprimento da pena de prisão (Pritchard, 1979PRITCHARD, David. (1979), “Stable predictors of recidivism”. Criminology, 17 (1): 15-21.; Kubrin e Stewart, 2006KUBRIN, C. & STEWART, Eric. (2006), “Predicting who reoffends: the neglected role of neighborhood context in recidivism studies”. Criminology, 44 (1): 165-197.; Huebner, Varano e Bynum, 2007HUEBNER, B.; VARANO, S. & BYNUM, T. (2007), “Gangs, guns and drugs: recidivism among serious young offenders”. Criminology and Public Policy, 6: 187-221.).

A reincidência criminal em âmbito nacional

A abordagem da reincidência criminal no Brasil passa basicamente por seu caráter jurídico. É definida no artigo 63 do Código Penal nos seguintes termos: “Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior”. Portanto, para se configurar a reincidência no aspecto jurídico-penal é necessária uma sentença condenatória transitada em julgado, isto é, uma condenação por um crime à qual não caiba mais recurso. E a eventual reincidência do criminoso afeta os benefícios a que tem direito.

Os estudos sociológicos no Brasil sobre reincidência criminal realizados até o momento não se pautaram necessariamente por tal conceituação jurídica. A despeito de rarefeitos, esses estudos privilegiaram o cálculo da reincidência na dimensão penitenciária. Adiante apresentamos o detalhamento teórico e metodológico de cada um deles.

O estudo de Adorno e Bordini

O estudo de Adorno e Bordini (1986)ADORNO, Sérgio & BORDINI, Eliana. (1986), “Reincidência e reincidentes penitenciários em São Paulo – 1974 a 1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 9 (3): 70-94 se concentrou na reincidência criminal no estado de São Paulo. A pesquisa perpassou por dois aspectos: avaliar a magnitude da reincidência penitenciária e conhecer e interpretar o perfil social dos reincidentes, contrastando-os com os não reincidentes. O levantamento dos dados biográficos foi necessário para o conhecimento do perfil social dos indivíduos observados, bem como dados jurídico-processuais e da carreira institucional que se referem a entradas anteriores nas unidades prisionais, idade da primeira entrada na prisão e penitenciária, observação do comportamento disciplinar, instruções escolar e profissional, circunstâncias da liberdade e reincidência.

Para formação do banco de dados foi preciso recorrer a fontes diversas: as variáveis jurídico-processuais e os dados biográficos foram extraídos do setor de cadastro criminal da Coordenadoria dos Estabelecimentos Penitenciários do Estado de São Paulo (Coespe); os dados relativos à educação, profissionalização e trabalho foram colhidos junto ao setor de profissionalização. Importante dizer que a fonte que fez toda ligação entre esses arquivos foi o número de matrícula na Coespe, por meio da correspondência das fichas cadastrais. A opção pelas fichas cadastrais em vez dos prontuários criminais, judiciais e penitenciários deu-se na medida em que se verificaram problemas de fidedignidade destes últimos.

Adorno e Bordini (1986)ADORNO, Sérgio & BORDINI, Eliana. (1986), “Reincidência e reincidentes penitenciários em São Paulo – 1974 a 1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 9 (3): 70-94 realizaram a pesquisa acompanhando os indivíduos no período de janeiro de 1974 a dezembro de 1985, verificando, ao final, quantos daqueles indivíduos retornariam ao sistema penitenciário ou cadeias públicas do estado de São Paulo. A taxa de reincidência penitenciária encontrada por eles foi de 46,03%.

O estudo de Julita Lemgruber

O estudo de Lemgruber (1989)LEMGRUBER, Julita (1989). “Reincidência e reincidentes penitenciários no sistema penal do Estado do Rio de Janeiro”. Revista da Escola de Serviço Penitenciário do Rio Grande do Sul, 1 (2): 45-76. se concentrou no estado do Rio de Janeiro e foi realizado em 1988, tendo como objetivo dimensionar a reincidência penitenciária no referido estado, bem como traçar o perfil dos reincidentes e contrastá-lo com o dos não reincidentes. A pesquisa foi realizada no Departamento do Sistema Penal (Desipe), envolvendo o levantamento quantitativo de 5% do efetivo dos presos do estado que naquela época totalizavam 8.269 presos e 251 presas. A possibilidade de obtenção dos dados a partir dos prontuários móveis que acompanham os detentos em sua trajetória carcerária foi descartada, uma vez que eles não possuíam as informações necessárias para a pesquisa. Além disso, foi considerado que no departamento jurídico do Desipe as informações não estavam atualizadas. Por essas razões, optou-se então por utilizar uma amostra de detentos para a pesquisa. Os questionários permitiram traçar um perfil social dos reincidentes e contrastá-lo com o perfil dos não reincidentes. Assim, foi possível identificar similaridades e diferenças, e então explicar as razões que levaram à reincidência penitenciária.

Foram colhidos dados que possibilitaram a determinação das características biográficas mais objetivas (idade, cor, escolaridade etc.) e informações reveladoras da vida do detento, como passagem por instituições de menores, início no mundo do crime e início no mundo do trabalho. Por meio dos resultados se obteve a taxa de reincidência de 30,7%, sendo a referente aos homens de 31,3% e a referente às mulheres de 26%.

O estudo do Ipea

A primeira pesquisa sobre reincidência criminal feita pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea, 2015IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. (2015), “Reincidência criminal no Brasil”. Relatório final de atividades da pesquisa sobre reincidência criminal, conforme Acordo de Cooperação Técnica entre o Conselho Nacional de Justiça e o IPEA. Brasília, Ipea.) foi coordenada por Almir de Oliveira Junior, tendo como objetivo apresentar um panorama da reincidência criminal no Brasil através da coleta de dados em algumas unidades da federação. O trabalho realizado optou pelo conceito de reincidência legal. A pesquisa se ocupa, portanto, dos casos em que há condenações de um indivíduo em diferentes ações penais, ocasionadas por fatos diversos.

O estudo optou por adotar metodologia quan- titativa complementada por metodologia qualitati- va na intenção de aprofundar a temática de reintegração social. Entendeu-se que seria importante dentro da pesquisa aprofundar o conhecimento acerca dos programas de ressocialização. Houve o propósito de entender em que medida tais programas desenvolvidos nos âmbitos dos estados brasileiros estariam se aproximando ou se afastando da política voltada à reintegração social norteada tanto pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen) quanto pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), quais estratégias adotadas, qual finalidade das mesmas e, o mais importante, em que proporção estaria impactando a reincidência criminal.

Os dados da reincidência foram obtidos nas varas de execução criminal em cinco estados: Paraná, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Alagoas e Pernambuco. A taxa de reincidência encontrada foi de 24, 4%. A faixa etária que predominou entre os apenados no momento do crime foi a de 18 a 24 anos, com 42, 1% do total de casos. Com relação ao perfil dos apenados, pode-se dizer que a maioria dos reincidentes era da cor/raça branca, enquanto entre os não reincidentes a maioria era preta ou parda; em relação ao sexo havia predominância de homens em relação a mulheres. Resumindo, a população reincidente da amostra encontrada pela pesquisa Ipea era de jovens de raça branca e de baixa escolaridade.

Procedimentos metodológicos da pesquisa

A pesquisa empreendida em Minas Gerais adotou como critério para mensurar a reincidência criminal a existência de um ou mais indiciamentos do indivíduo após o cumprimento da pena de prisão ou mesmo após o recebimento da medida de liberdade condicional. Nesse sentido, nos termos de Capdevila e Puig (2009)CAPDEVILA, Manel Capdevila & PUIG, Marta Ferrer. (2009), Tasa de reincidencia penitenciaria 2008. Disponível em http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/2.5/es/legalcode.ca, consultado em 18/5/2015
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, utilizou-se o conceito de reincidência policial.

A reincidência policial foi identificada quando, nos registros do Sistema de Informações Policiais (SIP), gerenciado pela Polícia Civil de Minas Gerais, houve novo registro de indiciamento do individuo após sua saída da prisão. O indiciamento ocorre dentro do inquérito policial, peça de procedimento investigatório que é instaurado pelo delegado de polícia. O inquérito policial é instaurado nas seguintes situações:

  1. Quando o delegado de polícia recebe a notícia do crime (queixa-crime) e constata que há indícios da autoria e materialidade delitiva.

  2. Quando o juiz ou promotor público requisitam a instauração do inquérito policial e o delegado de polícia fica incumbido de iniciar as investigações.

  3. Quando o indivíduo é preso em flagrante delito, sendo lavrado na delegacia de polícia o auto de prisão em flagrante, com posterior instauração do inquérito.

O SIP permite a visualização de todo o histórico criminal do indivíduo: mandados de prisão, registros de prisão, registro de entradas em delegacias de polícia, alvarás de soltura, saídas temporárias, indultos, liberdade condicional, cumprimento da pena, regime da pena e as datas respectivas. É possível acessar o relatório da vida pregressa do indivíduo dentro do âmbito policial. Nesse sentido, obteve-se a Folha de Antecedentes Criminais (FAC) dos indivíduos amostrados. Através da FAC, foi possível reunir todas as informações de registros policiais desses indivíduos, tais como: registros de crimes, motivos dos crimes cometidos, artigos legais violados, datas e localidade dos fatos, vítimas, registros de prisão, transferências de estabelecimentos prisionais, progressão de regime, cumprimentos dos mandados de prisão e alvará de soltura.

Houve casos em que não foi possível acessar as FACs de alguns indivíduos por constarem como notas canceladas. O termo notas canceladas é empregado quando há possibilidade da ocultação, e não da exclusão, da folha de antecedentes de qualquer ação criminal. Isso ocorre desde que o inquérito tenha sido arquivado, seja porque tenha ocorrido a reabilitação do condenado, a absolvição do acusado por sentença penal transitada em julgado, ou tenha sido reconhecida a extinção da punibilidade do acusado pela prescrição da pretensão punitiva do Estado.

Outra base de dados consultada foi o Sistema de Informações Penitenciárias (Infopen), sendo que cada unidade da federação gerencia seu respectivo Infopen. Uma vez que ingressa dentro de alguma unidade prisional, o indivíduo adquire um número que se torna sua “identidade prisional”. Quando o inquérito policial é aberto, gera-se automaticamente o Boletim de Informações Policiais (BIP) e este remete a um número de Infopen. Esse número não se modifica, mesmo que o indivíduo saia da prisão e volte a ingressar depois de décadas. Utiliza-se o mesmo número como uma espécie de identidade prisional que acumula ao longo da vida todas as informações dos indivíduos.

Nessa identidade prisional são lançados os dados de informação pessoal, escolaridade, cor da pele, idade, nome da mãe, religião, endereço, são identificadas as tatuagens, cicatrizes, deformidades, deficiência. Também consta em seu conteúdo todo o histórico prisional, transferências, saídas para atendimento externo, dados das visitas recebidas, saídas temporárias, indultos, ocorrências carcerárias, pois é automática a certidão carcerária através do sistema, ou seja, o registro de faltas disciplinares e seus graus respectivos. Há também dados processuais, situação jurídica e outras identificações de nomes falsos utilizados anteriormente.

Universo e amostra da pesquisa

O universo da pesquisa foi composto por todos os presos internos das penitenciárias administradas pela Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi) de Minas Gerais que saíram da prisão em 2008. Foram incluídos os egressos segundo dois tipos de alvará de soltura:

  1. Livramento ou liberdade condicional: juridicamente entende-se por livramento condicional a liberdade antecipada do apenado, que é concedida de modo precário e exige o cumprimento de determinadas exigências previamente estabelecidas, mediante o preenchimento de alguns requisitos legais dispostos no artigo 83 do Código Penal brasileiro, tais como: “cumprida mais de um terço da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes”; “cumprida mais da metade se o condenado for reincidente em crime doloso”; entre outros.

  2. Término de cumprimento de pena: quando o preso já cumpriu integralmente encarcerado toda a sua pena, entendendo-se também por liberdade definitiva. Foram desconsiderados os egressos oriundos da prisão provisória, os presos no regime semiaberto e aberto, e aqueles monitorados por tornozeleiras eletrônicas, por entendermos que não são casos de indivíduos que efetivamente cumpriram penas.

Com base no relatório retirado do armazém de dados do Infopen, obteve-se um total de 2.116 presos que se enquadravam nesses critérios, sendo que 1.983 saíram por liberdade condicional e 133 por cumprimento da pena. Considerando o universo, procedeu-se ao cálculo de uma amostra aleatória simples com erro amostral tolerável de 5%. O cálculo da amostra foi baseado no tamanho mínimo necessário segundo definição de Barbetta (2006)BARBETTA, Pedro Alberto. (2006), Estatística aplicada às ciências sociais. Florianópolis, Editora UFSC. e retornou uma quantidade de oitocentos presos. Ressalta-se que entre os presos sorteados para compor a amostra, 68 estavam com a nota cancelada, isto é, o inquérito havia sido arquivado. Nesses casos não foi possível identificar a história criminal pregressa à saída da prisão, porém, esses presos foram mantidos na amostra por não serem reincidentes. Sua exclusão, portanto, afetaria o cálculo da taxa de reincidência.

Período de acompanhamento

Outra definição metodológica imprescindível nos estudos de reincidência criminal é por quanto tempo se acompanha a trajetória do egresso após sua saída da prisão. Optamos por trabalhar com o período de cinco anos contados a partir de 2008, ano de corte da definição do universo de egressos. Em outras palavras, a reincidência criminal de um preso foi considerada quando houve a identificação de pelo menos um novo indiciamento feito pela Polícia Civil entre janeiro de 2008 e dezembro de 2013. O ano de 2008 foi incluído no período de cinco anos porque alguns egressos voltaram a cometer crimes no mesmo ano da soltura. Isso implica que o período de “exposição” à reincidência não foi o mesmo para toda a amostra, na medida em que a data de soltura pode ter ocorrido em qualquer momento do ano inicial.

Tratamento dos dados e variáveis

Os dados coletados através das FAC dos oitocentos presos amostrados, segundo os critérios definidos no estudo, foram digitalizados e sistematizados em um banco de dados no programa SPSS Statistics 21.0. As variáveis referentes aos perfis sociodemográfico e criminal dos presos foram tratadas a partir do original ou construídas pela combinação de variáveis. As variáveis do perfil sociodemográfico descrevem o perfil social do indivíduo que cumpriu a pena, a saber, sexo, faixa etária, cútis (raça/cor da pele), escolaridade e estado civil. As variáveis do perfil criminal descrevem a inserção e a trajetória do indivíduo em atividades criminosas: tipo de liberação, número de enquadramentos criminais, tipos de enquadramentos criminais, idade no primeiro registro na Polícia Civil e número de registros policiais anteriores a 2008. O Quadro 1 descreve cada uma das variáveis selecionadas para o estudo.

Quadro 1
Descrição das Variáveis dos Perfis Sociodemográfico e Criminal

Taxa de reincidência criminal

A taxa de reincidência criminal representa em termos proporcionais o quociente entre o número absoluto de egressos do sistema prisional no ano t, com novos indiciamentos no período entre t e t+5, isto é, o número de reincidentes e o número absoluto de egressos do sistema prisional no ano t, sendo t = 2008. Formalmente:

T x R e i n c = n . d e r e i n c i d e n t e s e n t r e t e t + 5 n . d e e g r e s s o s n o a n o t * 100

Análise dos dados

Um dos objetivos traçados no estudo é o de analisar se os perfis socioeconômico e criminal dos presos reincidentes são diferentes daqueles dos não reincidentes, além de demonstrar possíveis fatores individuais explicativos da reincidência. Para a análise dos perfis optamos por descrever as variáveis selecionadas comparativamente entre reincidentes e não reincidentes e aplicar testes estatísticos que nos permitissem confirmar se as diferenças observadas eram estatisticamente significantes. Utilizamos o teste qui-quadrado para as variáveis qualitativas e a análise de variância (Anova) para as quantitativas (Agresti e Finley, 2012AGRESTI, Alan & FINLEY, Barbara. (2012), Métodos estatísticos para as ciências sociais. 4. ed. Porto Alegre, Penso.).

Para a análise dos fatores individuais explicativos da reincidência construímos um modelo de regressão logística para respostas binárias, o qual identifica a associação entre uma variável dependente (y) e uma ou mais variáveis explicativas ou independentes (xn) (Idem). Sendo y uma variável binária de resposta zero para não reincidência e um para reincidência, o modelo descreve a probabilidade de um preso da amostra ter reincidido no período de 2008 a 2013 em função do seu perfil sociodemográfico (sexo, idade, cútis, escolaridade e estado civil) e criminal (tipo de liberação, número de enquadramentos, idade no primeiro registro na Polícia Civil, número de registros anteriores a 2008 e tipos de enquadramento criminal).

A equação que descreve o modelo logístico é dada por:

l o g P y = 1 1 - P y = 1 = α + β x

Sendo P(y=1) a probabilidade de um indivíduo da amostra assumir o valor um de y, variável de acordo com a resposta de x e log o logaritmo de chance que o evento ocorra na população, normalmente abreviado como logit[P(y=1)]. O coeficiente β indica o sentido da curva da função logit, sendo que para β > 0, P(y=1) aumenta à medida que x aumenta e para β<0, P(y=1) diminui à medida que x aumenta. Para β=0, P(y=1) não se altera com a mudança de x. Neste estudo, como a resposta de y foi analisada em função de múltiplos previsores x, a equação que representa o modelo é a seguinte:

logit P r e i c i d ê n c i a = α + β 1 x 1 + + β k x k

A reincidência criminal em Minas Gerais: resultados obtidos

A Tabela 1 apresenta a distribuição dos internos das penitenciárias administradas pela Suapi que foram liberados por término de pena ou livramento condicional em 2008 no estado de Minas Gerais segundo a reincidência criminal, isto é, a existência de pelo menos um novo indiciamento no período de 2008 a 2013. Dos oitocentos casos amostrados, 411 reincidiram no período analisado contra 389 que não o fizeram, configurando uma taxa de reincidência criminal de 51,4%.

Tabela 1
Presos Liberados por Término de Pena e Livramento Condicional em 2008 Segundo Reincidência* (Minas Gerais, 2015)

Tal patamar de reincidência é intermediário em relação àqueles observados nos estudos internacionais, considerando-se o conceito de reincidência policial. Conforme Fazel e Wolf (2015)FAZEL, Seena & WOLF, Achim. (2015), “A systematic review of criminal recidivism rates: current difficulties and recommendations for best practice”. Plos One, 18 jun. Disponível em http://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0130390, consultado em 28/3/2016.
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, os países europeus que dispõem de dados sobre a reincidência policial apresentam taxas em torno de 40%. Nos Estados Unidos, por sua vez, o estudo realizado por Durose, Cooper e Snyder (2014)DUROSE, Matthew; COOPER, Alexia & SNYDER, Howard. (2014), “Recidivism of prisoners released in 30 states in 2005: patterns from 2005 to 2010”. Washington, Bureau of Justice Statistics/US Department of Justice. obteve taxa de reincidência no patamar de 76,6%, bem superior à de Minas Gerais.

Considerando o perfil sociodemográfico dos egressos descrito na Tabela 2, observamos uma maioria de reincidentes entre homens (53%), enquanto entre as mulheres a maioria é de não reincidentes (77,3%). Note-se que segundo o teste qui-quadrado a diferença nas duas distribuições era estatisticamente significante, indicando uma associação entre reincidência e sexo e, portanto, confirmando que a proporção de homens entre reincidentes era maior em relação aos não reincidentes. Tal resultado, porém, só permite testar a hipótese de que há diferença na distribuição da variável de sexo segundo a variável de reincidência, não sendo possível confirmar que homens reincidem mais do que mulheres, o que analisaremos em outro momento.

Tabela 2
Perfil Sociodemográfico dos Presos Liberados por Término de Pena e Livramento Condicional em 2008 segundo Reincidência (Minas Gerais, 2015)

A composição etária dos presos em 2014 também apresentou um perfil diferenciado, na medida em que a distribuição dos que voltaram a cometer crimes após a soltura é mais rejuvenescida do que a dos que não retornaram à carreira criminal. De fato, as faixas etárias mais jovens, entre 19 e 29 anos, acusaram proporções de reincidência maiores, ao passo que as faixas etárias mais velhas, sobretudo a partir de 40 anos, proporções menores. No intervalo intermediário, entre 30 e 39 anos, não houve diferença estatisticamente significante, ressaltando-se ainda que essa faixa era a mais numerosa da amostra. A idade média dos reincidentes era de 34 anos, ao passo que a dos não reincidentes, de 38 anos, diferença também confirmada por meio da análise de variância, que retornou significância estatística.

As demais características sociodemográficas (escolaridade, estado civil e “cútis”) não apresentaram diferenças estatisticamente significantes, ou seja, possuíam distribuições relativamente semelhantes segundo a variável de reincidência. De maneira geral, o perfil era de uma maioria de presos com nível de instrução de ensino fundamental incompleto (em torno de 75% da amostra) e de solteiros (60%). Em termos de raça/cor da pele, informada pela variável “cútis”, a maior proporção era de pardos (45%), seguidos de brancos (28%) e pretos (19%).

A Tabela 3 apresenta o histórico criminal dos presos segundo os registros da Polícia Civil. A grande maioria da amostra foi liberada por livramento condicional, em torno de 95%. A proporção de reincidentes entre estes presos era de 50,7%, enquanto entre os presos liberados por término de pena, de 63,4%. Essa diferença, porém, não se mostrou estatisticamente significante, destacando que a magnitude da reincidência não é distinta entre presos liberados por livramento condicional, em comparação com os liberados por término de pena. Entretanto, não é possível afirmar, apenas com o teste qui-quadrado, que o tipo de liberação não afeta a reincidência.

Tabela 3
Perfil Criminal dos Presos Liberados por Término de Pena e Livramento Condicional em 2008 Segundo Reincidência (Minas Gerais, 2015)

As demais variáveis referentes ao histórico criminal mostram que a reincidência era maior entre presos com carreira criminal mais extensa, sendo verificada em 55,1% dos casos de indivíduos que cumpriram pena por dois ou mais enquadramentos e também por uma média de registros na Polícia Civil anteriores maior entre reincidentes (2,4 contra 1,3). Todas as variáveis citadas retornaram significância estatística, assim como a idade média do preso no primeiro registro, sendo que a idade média dos reincidentes era inferior, 22,8 anos contra 25,7, indicando, portanto, um início de carreira criminal mais precoce.

Com relação aos enquadramentos criminais pelos quais os presos cumpriram a pena, foram considerados os 653 casos da amostra com o registro correspondente na listagem do Infopen. Os casos não presentes nessa análise se devem à ausência de informação de enquadramento ou ao fato de a FAC estar cancelada. A Tabela 4 descreve o número e a proporção de presos segundo o tipo de enquadramento, sendo que um mesmo indivíduo pode ter sido contado mais de uma vez dependendo da quantidade de enquadramentos diferentes que apareceram nos registros.

Tabela 4
Perfil dos Enquadramentos Criminais dos Presos* Liberados por Término de Pena e Livramento Condicional em 2008 segundo Reincidência (Minas Gerais, 2015)

O crime mais frequente na amostra foi o de roubo, pelo qual 40,7% do total de presos cumpriram a pena correspondente. Foram também expressivas as incidências de tráfico (36,8%), furto (14,9%), tentativa de furto (11%) e homicídio (9%). Observamos que as proporções de reincidência foram maiores em furto, tentativa de furto, roubo, tentativa de roubo, receptação e falsificação. Entretanto, apenas os dois primeiros tipos de enquadramento se mostraram estatisticamente significantes (79,2% dos presos que cumpriram pena por tentativa de furto e 73,2% por furto reincidiram). Ao contrário, os enquadramentos com maior incidência de presos que não voltaram a cometer crimes, comparativamente aos que voltaram, foram os de homicídio e tráfico; somente o primeiro, porém, foi estatisticamente significante, com proporção de 66,1% de não reincidentes.

Resultados da análise de regressão

No item anterior, os testes estatísticos realizados (qui-quadrado e Anova) revelaram que a proporção de reincidência criminal era estatisticamente diferente segundo o sexo e a idade do egresso, além da idade no primeiro registro criminal na Polícia Civil, o número de registros criminais na Polícia Civil anteriores a 2008 e em alguns tipos de enquadramentos criminais. No cômputo geral, sugerem que os presos egressos do sistema prisional em 2008 que mais reincidiram no período de 2008 a 2013, em comparação aos que não reincidiram, eram homens, mais jovens, com carreira criminal mais extensa, iniciada mais precocemente, e que cumpriram pena pelos crimes de furto e tentativa de furto. Com esse quadro, porém, o máximo que podemos afirmar refere-se às diferenças na distribuição da variável de reincidência segundo o perfil demográfico e histórico criminal da amostra. Por isso, lançamos mão da regressão logística binomial, a qual pôde explicitar o impacto de cada uma dessas variáveis sobre a probabilidade de reincidência criminal.

A regressão logística binomial foi realizada em quatro modelos, sendo que em cada um ocorre o incremento de novas variáveis em relação ao modelo anterior. O primeiro deles, o mais simples, buscou explicar a reincidência com base nas variáveis de tipo de liberação e sexo. O segundo modelo acrescenta a variável de idade. Nos dois casos foi considerada a totalidade da amostra de oitocentos presos, tendo em vista a disponibilidade das variá- veis em questão para todos os casos. O terceiro modelo inclui as variáveis dummies referentes às categorias de escolaridade, estado civil e cútis. Em função da falta de informação para alguns presos, sobretudo na variável cútis, foram desconsiderados 43 casos, perfazendo um total de 757 indivíduos. O quarto modelo, além das características sociodemográficas, dispõe sobre o perfil criminal, descrito pelo número de registros na Polícia Civil anteriores à liberação, pela idade no primeiro registro na Polícia Civil e pelas dummies de existência de enquadramento nos crimes mais frequentes na amostra (roubo, tráfico, furto, tentativa de furto, homicídio, arma de fogo e tentativa de roubo). Tal modelo possui o menor número de casos, 580, por causa, de um lado, da ausência de registros de enquadramentos no Infopen e, de outro, da ausência de informação de indivíduos com FAC cancelada.

Os quatro modelos descrevem a probabilidade de um preso liberado em 2008, selecionado aleatoriamente, ter reincidido até 2013, em função de atributos sociodemográficos e do histórico criminal. A Tabela 5 apresenta os resultados das regressões de cada modelo, sendo que os coeficientes ß expressam a variação no logito da variável dependente (0 = não reincidente; 1 = reincidente), associada à variação de cada uma das variáveis explicativas, que seguem controladas pelas demais. A razão de chances (RC) indica o coeficiente exponenciado e pode ser lida como o percentual de chance de ocorrência do “evento” reincidência. A significância estatística está indicada por meio de asteriscos, sendo um asterisco para significância de 5% e dois asteriscos para significância de 1%.

Tabela 5
Resultados da Regressão Logística Binomial para Probabilidade de Reincidência dos Presos Liberados por Término de Pena e Livramento Condicional em 2008, por Modelo (Minas Gerais, 2015)

O resultado do primeiro modelo sugere que presos liberados por término de pena, comparativamente aos liberados por livramento condicional, têm 97,5% mais chances de reincidência, e que os homens têm 314,9% mais chances de reincidir do que as mulheres. Já o resultado do segundo modelo, no qual se incluiu a variável idade, mostra que o tipo de liberação perde poder de explicação e deixa de ser estatisticamente significante. Os homens permanecem com maior probabilidade do que as mulheres, no caso, 243,3%. O resultado para a idade aponta que cada ano a mais diminui em 5,1% a chance de reincidência, controlando-se pelas demais variáveis. No terceiro modelo, a escolaridade, o estado civil e a cútis não mostraram efeitos significantes para explicar a reincidência, o que também foi apontado pelos testes qui-quadrado.

Em suma, no que se refere aos atributos sociodemográficos dos presos liberados em 2008 em Minas Gerais, os resultados para a amostra selecionada apontam que a probabilidade de reincidência é, de fato, maior para homens e quanto menor for a idade do indivíduo. Esse resultado coaduna-se com as evidências obtidas nos estudos internacionais. A única divergência diz respeito à escolaridade do egresso, que em nosso estudo não apresentou efeito estatístico significante, ao contrário do que foi observado em outros contextos sociais nos quais a baixa escolaridade do egresso é variável preditiva da chance de reincidência criminal (Pritchard, 1979PRITCHARD, David. (1979), “Stable predictors of recidivism”. Criminology, 17 (1): 15-21.; Kubrin e Stewart, 2006KUBRIN, C. & STEWART, Eric. (2006), “Predicting who reoffends: the neglected role of neighborhood context in recidivism studies”. Criminology, 44 (1): 165-197.; Huebner, Varano e Bynum, 2007HUEBNER, B.; VARANO, S. & BYNUM, T. (2007), “Gangs, guns and drugs: recidivism among serious young offenders”. Criminology and Public Policy, 6: 187-221.).

No que concerne ao tipo de liberação, em alguma medida, a chance também é aumentada entre os que foram liberados por término de pena, ainda que esse efeito perca significância quando se considera a idade e um conjunto maior de atributos individuais, a partir do segundo modelo. De fato, a proporção de reincidência entre os presos liberados por término de pena é maior do que entre os liberados por livramento condicional (63,4% contra 50,7%), porém, o número de casos que representam aqueles é pequeno (41 indivíduos, ou 5,1% da amostra). Supõe-se que o número de casos pode ter afetado o efeito explicativo dessa variável na medida em que a inclusão de novas variáveis trouxe maior variabilidade entre os indivíduos.

O modelo que melhor explica a reincidência é o último (com pseudo-R2 maior, de 0,219), isto é, aquele que considera em conjunto os perfis sociodemográfico e criminal dos presos. Porém, o mesmo deve ser visto com cautela, especialmente porque os casos de FAC cancelada, que não foram incluídos, correspondem necessariamente a indivíduos não reincidentes. Ressalta-se ainda que a maioria dos casos de presos liberados por término de pena também não foram aí incluídos por não possuírem registro de enquadramentos. Neste modelo, a variável sexo perde significância estatística, o que também pode ser explicado pelo número de mulheres na amostra, que é de 44 (5,5% do total). Já a idade permanece estatisticamente significante e com o mesmo efeito negativo. A chance aumentou um pouco em relação aos demais modelos, mas ainda é pequena, de 12%.

No que se refere aos registros na Polícia Civil, o quarto modelo apontou que quanto maior o número de registros anteriores a 2008, maior é a chance de reincidência, mais especificamente de 41,6% a cada registro. A idade do preso no primeiro registro também se mostrou estatisticamente significante, mas merece um destaque. Segundo o modelo em questão, a cada ano a mais de idade no momento do primeiro registro, a chance de reincidir aumenta em 8%. No entanto, como mostra a Tabela 3, a idade média no primeiro registro entre reincidentes se apresentou mais baixa do que entre não reincidentes (22,8 contra 25,7 anos). Considerada isoladamente em uma regressão realizada à parte, a variável seguiu o resultado da Tabela 3 e apresentou um coeficiente negativo para chance de reincidir, ou seja, quanto menor a idade no primeiro registro, maior a chance de reincidir.

Nesse sentido, sugere-se que o efeito positivo da variável de idade no primeiro registro na Polícia Civil verificado no modelo 4 foi afetado pelas demais variáveis, sobretudo a idade do indivíduo em 2014 e o número de registros anteriores a 2008. Isso significa que a probabilidade de reincidência entre 2008 e 2013 teve maior chance de ocorrer entre indivíduos que iniciaram sua carreira criminal mais cedo. No entanto, o modelo em questão explica melhor o caso dos presos mais velhos – em relação à idade inicial de dezoito anos – e com maior número de registros – indicativo de um maior tempo de carreira criminal. Isso provavelmente explica melhor o padrão daqueles presos que são mais frequentes na amostra, os entre 30 e 39 anos. Se analisada a média de idade no primeiro registro por faixa etária, essa hipótese é corroborada, uma vez que o tempo médio de início da carreira tende a aumentar da menor para a maior faixa etária.

As variáveis com maior efeito na reincidência, ainda segundo o último modelo, são os tipos de crime de furto e tentativa de furto, os quais representam um aumento na chance de reincidir de 150% e 115%, respectivamente. Esse resultado se alinha com a literatura que associa reincidência com crimes contra o patrimônio, mas é necessário ressaltar que, para a presente amostra, não identificamos associação com roubo, apenas com furto. Entretanto, frisamos que é preciso analisar com cautela o resultado do modelo, já que ele pode estar enviesado em função da omissão dos casos de FAC canceladas e dos presos sem registro de enquadramento no Infopen. Apesar disso, de maneira geral, parece haver consistência nos resultados apresentados, mas deve-se considerá-los insuficientes para testar algumas hipóteses, especialmente no que se refere à associação entre o crime de roubo e a liberação por término de pena com a probabilidade de reincidência.

Considerações finais

O cálculo da reincidência criminal não é tão simples como pode parecer a princípio. Exige necessariamente a opção do pesquisador por um dos critérios delimitadores da configuração de novo crime cometido pelo egresso do sistema prisional, quais sejam, novo crime registrado pela Polícia Civil, novo crime julgado e condenado pela justiça ou novo aprisionamento após condenação pela justiça. Há ainda o critério estritamente jurídico que considera reincidente apenas o egresso do sistema prisional que foi objeto de condenação por novo crime cometido, estando sua condenação confirmada em todas as instâncias recursais – ou seja, condenação com sentença transitada em julgado. Todos esses critérios são metodologicamente justificáveis, não se podendo afirmar a supremacia de algum em relação aos demais. E como os estudos científicos sobre reincidência criminal variam nos critérios adotados, é preciso cautela com comparações internacionais ou mesmo nacionais.

A taxa de reincidência criminal em Minas Gerais obtida no presente estudo ficou no patamar de 51%. É superior aos números obtidos pelas pesquisas anteriores realizadas no Brasil, que oscilaram entre 46% na pesquisa de Adorno e Bordini (1986)ADORNO, Sérgio & BORDINI, Eliana. (1986), “Reincidência e reincidentes penitenciários em São Paulo – 1974 a 1985”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 9 (3): 70-94, que priorizou o estado de São Paulo, e 24% na pesquisa do Ipea (2015)IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. (2015), “Reincidência criminal no Brasil”. Relatório final de atividades da pesquisa sobre reincidência criminal, conforme Acordo de Cooperação Técnica entre o Conselho Nacional de Justiça e o IPEA. Brasília, Ipea., que considerou cinco unidades da federação. Essas diferenças refletem os distintos critérios de reincidência utilizados, sendo, respectivamente, reincidência policial, reincidência penitenciária e reincidência jurídica. E seguindo essa sequência, a tendência da taxa de reincidência criminal é apresentar patamares decrescentes. O sistema de justiça criminal funciona como um funil, sendo que o número de inquéritos instaurados pela Polícia Civil é sempre superior ao número de processamentos e condenações pelo Judiciário, que por sua vez é superior ao número de prisões realizadas por condenações judiciais. E, por fim, o número de sentenças condenatórias transitadas em julgado tende a ser inferior ao das prisões por condenações, pois é comum recursos serem impetrados mesmo com os condenados presos.

Outras evidências importantes do presente estudo referem-se às variáveis de perfil criminal e perfil sociodemográfico que estão mais associadas com as taxas de reincidência criminal. As variáveis de perfil criminal são as que mais afetaram a probabilidade/chance de um preso liberado em 2008 ter reincidido até o ano de 2013, destacando-se: número de registros criminais anteriores a 2008, a idade do primeiro registro criminal na Polícia Civil e o tipo de crimes cometidos no cumprimento da pena. A pesquisa constatou que a chance de reincidência criminal aumenta à medida que o egresso do sistema prisional manifeste uma trajetória criminal mais extensa anteriormente ao cumprimento da pena, à medida que comece a cometer crimes cada vez mais jovens e à medida que se dedique principalmente aos crimes contra o patrimônio, em especial os furtos. São evidências de que existe forte relação entre a probabilidade de reincidência criminal e o grau de inserção do egresso do sistema prisional em uma carreira criminal anterior. E carreira criminal diz respeito a criminosos que cometem crimes com muita frequên- cia durante longo período de tempo. São criminosos habituais e muitas vezes especializados no cometimento de certas modalidades criminosas e que iniciam suas atividades delinquenciais ainda muito jovens (Blumstein et al., 1986BLUMSTEIN, Alfred; COHEN, Jacqueline; ROTH, Jeffrey A. & VISHER, Christy A. (1986), Criminal careers and “career criminals”. Washington, National Academies Press.).

No que se refere às variáveis sociodemográficas, o estudo evidencia que a taxa de reincidência criminal é muito afetada pelo sexo do egresso e por sua idade quando da liberação da prisão. Em sendo assim, os homens têm maior probabilidade/chance de reincidência em relação às mulheres e, principalmente, quanto mais avançado na idade em que se encontra ao final do cumprimento da pena, menor é a probabilidade/chance de reincidência. Em outras palavras, homens tendem a reincidir mais do que as mulheres e os mais velhos tendem a reincidir menos do que os mais jovens.

Tais conclusões não são definitivas. As limitações metodológicas da pesquisa suscitam dúvidas, por exemplo, quanto ao efeito da variável tipo de liberação, se por liberdade condicional ou por término de cumprimento de pena, na taxa de reincidência criminal. Estudos posteriores poderão sanar tais dúvidas. Além disso, o perfil criminal do egresso, especialmente seu envolvimento no crime de roubos ou de tráfico de drogas, e seu impacto na probabilidade de reincidência também necessitam ser mais bem esclarecidos.

Deve-se considerar ainda que a pesquisa não contemplou a estigmatização do egresso como fator social que impacta a probabilidade de reincidência criminal. Não há como negar que a rejeição de familiares, amigos, vizinhos e das empresas de modo geral afetam diretamente as oportunidades de reinserção social do egresso do sistema prisional (Kubrin e Stewart, 2006KUBRIN, C. & STEWART, Eric. (2006), “Predicting who reoffends: the neglected role of neighborhood context in recidivism studies”. Criminology, 44 (1): 165-197.).

A despeito dessas limitações, o presente estudo deve ser concebido como um estímulo aos demais especialistas na temática da segurança pública no Brasil a se dedicarem a estudos cada vez mais aprofundados sobre a reincidência criminal.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    3 Jun 2016
  • Aceito
    3 Fev 2017
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