Resumos
Resumo Tendo como pano de fundo a relação entre empiria e teoria social, o artigo analisa a construção do questionário estruturado e seu lugar em pesquisas que visam captar empiricamente as possíveis homologias entre classe social e distinção. O artigo parte de uma análise do mesmo instrumento em A Distinção, de Pierre Bourdieu. Em diálogo com uma extensa bibliografia, aponta alcances e limites no uso da ferramenta na obra do autor francês e busca caminhos para aprimorar seu emprego. Para tanto, reflete-se sobre a forma como foi construído o questionário da pesquisa “Para além d’A Distinção: gostos, práticas culturais e classe em São Paulo”. Reafirma-se uma série de elementos centrais em Bourdieu, em especial sua noção multidimensional e relacional de classe social, a necessidade de se construírem os espaços social e simbólico e a importância de se testar a hipótese da homologia entre tais espaços. Ao mesmo tempo, defende-se que, em pesquisas que relacionam classe social e distinção, o questionário seja utilizado dentro de uma pesquisa de métodos mistos com fases encadeadas, em que etapas iniciais permitam superar os efeitos de “imposição da problemática” no momento da construção do questionário. Destacam-se grupos focais e análises documentais para tal intuito. Fundamental para a construção dos espaços social e simbólico, o questionário é seguido pelo emprego de métodos qualitativos, como entrevistas e observação, para se compreender aquilo que é mobilizado pelos indivíduos para a construção de fronteiras sociais e, portanto, a “realidade” das classes sociais.
Palavras-chave:
distinção; classes sociais; espaço simbólico; questionário estruturado; métodos mistos
Abstract Set against the backdrop of the relationship between empiricism and social theory, this article examines the construction of the structured questionnaire and its role in research aimed at empirically identifying possible homologies between social class and distinction. It begins with an analysis of the same instrument used in Distinction by Pierre Bourdieu. Drawing on an extensive bibliography, the article explores both the strengths and limitations of this tool in the French author's work and proposes ways for enhancing its application. To this end, the discussion reflects on the development of the questionnaire for the research project “Beyond Distinction: Tastes, Cultural Practices, and Class in São Paulo.” It reaffirms key elements of Bourdieu’s approach, particularly his multidimensional and relational concept of social class, the necessity of constructing both social and symbolic spaces, and the importance of testing the hypothesis of homology between these spaces. Simultaneously, the article argues that research linking social class and distinction should employ the questionnaire within a mixed-methods framework featuring sequential phases. Initial stages should help mitigate the effects of “problematic imposition” during the questionnaire’s design, with methods such as focus groups and documentary analysis being critical to this process. The article underscores the questionnaire’s essential role in constructing social and symbolic spaces but emphasizes that it should be complemented by qualitative methods, such as interviews and observation. These methods enable a deeper understanding of the mechanism’s individuals use to construct social boundaries and, ultimately, the “reality” of social classes.
Keywords:
distinction; social classes; symbolic space; structured questionnaire; mixed methods
1. Introdução1
Um dos poucos consensos sociológicos é a separação entre o mundo social vivido e o mundo social estudado. Marx via essa diferença na oposição entre aparência e essência; Durkheim a reconhecia na premissa de que a sociologia devia romper com o senso comum; Weber propunha o artifício dos tipos ideais para que o cientista social pudesse, por um momento, se distanciar do mundo social vivido a fim de observá-lo de forma objetiva. Para uma sociologia como ciência empírica está lançado o desafio: desenvolver ferramentas para recolher dados da realidade e, ao mesmo tempo, mobilizar conceitos que rompam com a aparência dos dados. Em outras palavras, os cientistas sociais dessa vertente devem ultrapassar a oposição entre o teórico e o empírico, tão bem encarnada na querela Adorno – o teórico – e Lazarsfeld – o empírico (Pollack, 2018). Pierre Bourdieu foi um dos autores que mais contribuiu para tanto. Em “A Distinção” (Bourdieu, 2011b), o autor lança mão de um arsenal inovador e complexo de ferramentas de pesquisa, mobilizado por uma concepção de sociologia fortemente embasada em teoria social (Bourdieu, 2021).
A influência desse livro é inegável e ele tem servido de inspiração para pesquisas contemporâneas (Bennett et al., 2009; Coulangeon e Duval, 2015; Rosenlund, 2009; Pereira, 2005; Méndez e Gayo-Cal, 2019; Bennett et al., 1999). Por isso, seu aspecto metodológico serve de ponto de partida para este artigo, que objetiva estudar formas adequadas e contemporâneas para a construção de questionários estruturados em pesquisas nas Ciências Sociais que visem captar a relação entre classe social e distinção. Para tanto, nosso objeto empírico é a construção do questionário utilizado na pesquisa “Para além d’A Distinção”,2 à qual somos pesquisadores vinculados. Começamos o texto analisando criticamente o questionário de “A Distinção” (Bourdieu, 2011b), principal instrumento de pesquisa do livro de 1979. Em seguida, observamos como outras pesquisas inspiradas em “A Distinção” podem nos auxiliar na construção metodológica de instrumentos empíricos e aquilo que devemos captar em pesquisas com a nossa problemática. Por fim, mobilizamos nosso objeto empírico para apresentar nossas contribuições. Na conclusão, defendemos que o uso do questionário é central, desde que posicionado em uma pesquisa de métodos mistos.
2. O questionário de “A Distinção”
Partindo das contribuições de Durkheim e Mauss sobre a correspondência entre as divisões sociais e as formas de classificação, Bourdieu construiu uma teoria das relações entre posições sociais e tomadas de posição, argumentando pelo caráter social das categorias de pensamento. Ele buscou encontrar homologias entre o que chama de espaços social e simbólico pela apreensão do nexo empírico entre classe e distinção, o que resultou na construção de uma concepção multidimensional e relacional de classe social que, ao mesmo tempo em que leva em conta suas dimensões objetivas, conforme previsto pela tradição marxista, considera sua dimensão classificatória, ultrapassando assim o debate classe versus status (Weber, 1999; Atkinson, 2017). Bourdieu considera, assim, que a luta de classes é uma luta de classificações (Bourdieu, 2011a).
Arraigada em fundamentos teóricos, tal construção propõe o predomínio do universo empírico captado por vários métodos de pesquisa, com centralidade para o uso de questionário estruturado. Sua aproximação com esta técnica, que marcará a pesquisa de “A Distinção”, é bastante reflexiva (Saint-Martin, 2015). Partindo de uma crítica ao uso da ferramenta em pesquisas de opinião pública na França dos anos 1970, Bourdieu desaprova os efeitos de “imposição da problemática” – ou seja, a suposição de equivalência de opiniões de pessoas com níveis diferentes de proximidade e interesse com cada tema inquirido – e o fato de que tais pesquisas ignorariam o peso das opiniões já constituídas e veiculadas por grupos de interesse. Para ele, “nas situações reais, as opiniões são forças e as relações entre opiniões são conflitos de força entre os grupos” (Bourdieu, 2002, p. 231). Além disso, ao perscrutar opiniões como se fossem individuais, tais enquetes negligenciariam as disposições incorporadas pelos agentes que não chegavam a ser formuladas em termos de opinião.
A crítica às pesquisas de opinião se relaciona à separação entre os tipos de conhecimento prático e científico, como Bourdieu nomeia. O conhecimento prático é aquele que estabelecemos em relação aos objetos e pelos quais guiamos nossas vidas, em sua maior parte de forma pouco reflexiva. Esse conhecimento está inscrito no habitus, sob a forma de esquemas de classificação e percepção que operam aquém do nível da consciência. O segundo tipo de conhecimento é produzido metodicamente, por meio da ruptura com o conhecimento prático ou senso comum e da construção do objeto sociológico. Quando o sociólogo não rompe epistemologicamente com o conhecimento prático, ele tende a reproduzir as categorias de dominação. Ao mesmo tempo, se pressupõe que o sentido da ação pertence aos agentes, cede à “filosofia primeira do social” que anima a sociologia espontânea do senso comum (Bourdieu, 2021; Bourdieu et al., 2007).
Em relação ao tema deste texto, isso significa que, na construção de um questionário, o sociólogo não deve escolher as perguntas como um “leigo”, pois estaria reproduzindo uma sociologia espontânea. Ao mesmo tempo, deve evitar impor aos entrevistados as categorias do sociólogo. Assim, um questionário deve se basear no escrutínio científico do conhecimento prático, ou seja, ele deve ser construído pela escolha das variáveis e categorias recolhidas da empiria em função da relação que elas têm entre si e com o problema de pesquisa cientificamente orientado. Bourdieu tinha ciência disso. Contudo, talvez não vislumbrasse os efeitos em contrário do desenho do questionário de “A Distinção”.
O questionário não é a única técnica de pesquisa utilizada em “A Distinção” para captar o universo empírico. Bourdieu se utiliza de diversas técnicas qualitativas, como entrevistas aprofundadas, observações, mapeamento de ofertas culturais e o uso de um plano de observação durante a aplicação do questionário. Da mesma forma, Bourdieu utilizou dados complementares, com destaque para os dados do INSEE (Institut National de la Statistique et des Études Économiques), fonte principal para a construção do espaço social que aparece em “A Distinção”. Essas técnicas foram utilizadas dentro de uma pesquisa multimétodos. Isso significa que as análises feitas por Bourdieu cruzaram dados dos vários instrumentos, triangulando as técnicas, e o autor não tinha problema em usar dados das várias fontes para construir os espaços social e simbólico. Contudo, os instrumentos não foram produzidos em um modelo no qual as diferentes técnicas são construídas e incorporadas mutuamente, como requer uma pesquisa de métodos mistos, tal qual apresentamos abaixo. Dessa forma, em “A Distinção”, cada instrumento não partiu dos dados empíricos da etapa anterior, ao menos não de forma metódica e integrada, o que levou a não se afastar completamente o problema da imposição da problemática na construção do questionário.
O questionário em questão é o chamado “questionário do gosto”, aplicado em duas amostras complementares, nos anos de 1963 e 1967/1968, em Paris e outras cidades menores (Lebaron, 2009; Saint-Martin, 2015; Bourdieu, 2011b). Ele foi construído a partir de, ao menos, três pressupostos: a homologia entre o espaço das posições sociais e o espaço das tomadas de posição; a noção de um princípio gerador unificado do gosto; e a noção do autor de juízo estético. Para os fins deste artigo, argumentamos que esses três pressupostos levaram a três limites na construção do questionário: uma suposta legitimidade do gosto da classe dominante; a sub-representação das classes populares; uma possibilidade restrita de observação da autonomia do gosto das classes populares e a dedução de sua incapacidade de produzir distinção.
O primeiro pressuposto ocupa um lugar central não apenas em “A Distinção”, mas na visão de Bourdieu sobre a Sociologia. Como ele afirma, um dos postulados de sua sociologia “é que sempre há uma correspondência entre as estruturas objetivas nas quais um indivíduo social determinado vive e as estruturas mentais que ele utiliza para pensar o mundo social e tudo aquilo que ele toma por objeto” (Bourdieu, 2021, p. 51). O que está por trás dessa tese é que cada posição no espaço social corresponde estruturalmente a uma posição no espaço das disposições. Isso se dá porque as posições sociais objetivas predispõem a produção de condições de existência similares e aqueles que ocupam as mesmas posições têm todas as chances de ter o mesmo habitus. O segundo pressuposto se refere à ideia do autor de que os mais variados gostos individuais são oriundos de um princípio gerador expressivo de sua posição de classe. Assim, os objetos são “escolhidos” de acordo com esses princípios. O gosto da necessidade é o princípio que predisporia as classes populares a gostarem de objetos de acordo com sua função; já o gosto da distinção é o princípio que predisporia a classe dominante a preferir objetos de acordo com sua forma. O terceiro pressuposto se apresenta porque, embora Bourdieu compreendesse a estética como algo socialmente produzido, o que o afasta de Kant, ele entendia que a construção do juízo estético implica um distanciamento em relação à função do objeto e uma adesão às sensações que ele desperta pela forma (Bennett, 2011).
A conjunção desses três pressupostos tem profundos impactos no questionário de “A Distinção”. A primeira consequência, mais diretamente ligada ao pressuposto da homologia, é que Bourdieu relaciona cultura legítima com classe dominante. Ondrej Spacek nos lembra que uma das formas utilizadas pelas pesquisas empíricas para determinar a legitimidade cultural é entender que “a legitimidade das práticas culturais é derivada de sua distribuição desproporcional entre os grupos dominantes” (Spacek, 2017, p. 3). Essa pressuposição está em Bourdieu, que acrescenta que a produção da legitimidade é mediada pela dinâmica dos campos culturais e supõe a operação do senso de distinção como forma de diferenciação das classes sociais, que, resultando da incorporação de certas condições de existência bastante raras, orienta os agentes para a apropriação dos bens e práticas que gozam de legitimidade nos campos de produção simbólica. Assim, o francês afirma que membros das classes populares são “muito uniformemente excluídos da cultura legítima”, o que o leva a dar menos atenção para “captar as disposições de uma população totalmente estrangeira à cultura legítima e mesmo, quanto ao essencial, à cultura média” (Bourdieu, 2011b, p. 462). Essa mesma posição será matizada por Bourdieu em vários textos posteriores, com destaque para “A miséria do mundo” (Bourdieu, 2012). Contudo, em “A Distinção” ela está presente e afeta a forma como seu questionário é construído. Isso porque em uma pesquisa realizada para compreender as formas de dominação, inclusive culturais, em uma sociedade, supor que a cultura legítima se concentra na classe dominante faz com que a apreensão das práticas e preferências culturais das classes populares importe menos, algo a que voltaremos a seguir. Da mesma forma, isso dispensa o autor de “testar” a legitimidade cultural das preferências da classe dominante, uma vez que serão legítimos os objetos por ela preferidos. Assim, afasta-se a possibilidade, por exemplo, de a classe dominante consumir o ilegítimo, algo que pode ser frequente (Lahire, 2007).
Em relação às classes populares, cria-se o que Bennett (2011) chama de “curto-circuito”. Sob a suposição de que suas práticas culturais não são legítimas, o questionário não permite captar formas de distinção e estetização nessas classes. Mauger (2013), por sua vez, aponta que a análise de Bourdieu deixa menos espaço à diversidade dos gostos e práticas das classes populares do que das frações dominantes e da pequena-burguesia, e que a autonomia e a resistência das classes populares, embora presentes, passaram despercebidas em “A Distinção”. A tentativa de escapar do que chamava de “etnocentrismo intelectual”3 fez com que Bourdieu desconfiasse de visões, caras aos estudos culturais, que enxergavam, nas práticas populares, formas culturais alternativas e resistentes. Para o autor, a cultura popular, com exceção do sotaque e da relação com a alimentação e o corpo, não produziria nada de propriamente seu, apenas derivações estéticas empobrecidas da cultura dominante, o que reforçaria o domínio simbólico de classe. Dessa forma, o peso que Bourdieu dá às preferências e práticas culturais das classes populares é diminuto em “A Distinção”, o que já se nota no fato de que o capítulo dedicado a seu gosto (o sétimo) possui menos da metade de páginas daquele dedicado ao gosto das frações da classe dominante (o quinto). Mesmo que o autor possa estar certo, é importante notar que sua suposição acabou por impedir seu instrumento de pesquisa de captar qualquer coisa divergente de seu pressuposto. A amostra de Bourdieu denota isso, pois sub-representa as classes populares. Para além disso, a própria escolha das categorias disponíveis limitou a possibilidade de se captar variações do gosto das classes populares. Isso se relaciona com o primeiro, mas também com o segundo pressuposto, aquele do princípio gerador do gosto. Uma vez que se supõe que a disputa em torno do gosto legítimo se circunscreve à classe dominante, não é necessário incluir uma variedade de categorias possíveis para as classes populares. Como afirma Bennett, o questionário “foi menos desenhado para explorar variações no gosto da classe trabalhadora do que demonstrar o que Bourdieu já ‘sabia’: nominalmente, a uniformidade da classe trabalhadora em respeito à sua exclusão da cultura legítima” (Bennett, 2011, p. 537).
Bourdieu privilegia o gosto da classe dominante na escolha tanto das categorias quanto das perguntas. “A Distinção” traz seu questionário em anexo. Ele se inicia com informações sobre sexo, ano de nascimento, estado civil, local de residência, data de chegada nela e residência anterior, diploma e profissão próprios, do pai e do avô paterno, renda anual familiar e posse de utilidades domésticas e automóveis. A essas informações sobre o “espaço social”, seguem 26 perguntas sobre o “espaço simbólico”. Dessas 26 perguntas, quinze são mais propriamente ligadas a uma noção mais restrita de cultura, das quais quatro são sobre música, uma sobre literatura, três sobre cinema, quatro sobre artes plásticas, uma sobre fotografia, uma sobre rádio e uma sobre televisão. Com exceção de rádio e TV, denota-se nas perguntas uma preferência pelas instituições e formas culturais mais estabelecidas. Além disso, as alternativas de resposta dão pouca margem para que as classes populares demonstrem variações em seu gosto e conhecimento. As perguntas sobre televisão e rádio são extremamente simples e resumidas à preferência por tipos de programas, com seis opções em rádio e oito em TV. Não há a possibilidade de testar conhecimento, como há para filmes, música e artes plásticas. Em filmes, há uma lista de 18 obras sobre as quais os respondentes devem responder se já viram e se conhecem diretores e atores. Importante lembrar que o conhecimento de nomes de diretores e atores ou de cantores permite a Bourdieu desenvolver o conceito de méconnoissance, ou seja, um reconhecimento sem conhecimento, indício da legitimidade cultural. Contudo, ele não foi testado em relação às práticas das classes populares.
Exemplificamos com a música. São quatro questões. A Q.19 oferece opções de julgamento para música erudita, algo que não ocorre para outros estilos musicais. A Q.20 apresenta uma lista de 16 músicas em relação às quais os respondentes diziam se as conheciam e se sabiam dizer seu compositor. A Q.21 pede que se escolham três preferências da lista da questão anterior. Essas três questões se limitaram ao repertório erudito e podem ser contrapostas à quarta. Descolada da seção sobre música e entre perguntas mais gerais, a Q.7 pede para as pessoas apontarem três cantores preferidos. Se na Q.20 se fala de “compositores”, aqui se fala de “cantores”; se a Q.20 testa conhecimento, a Q.7 testa apenas a preferência. Contudo, é apenas a Q.7 que se aproxima do gosto popular. Nenhuma das 265 canções francofônicas, entre as 10 mais vendidas na França nos anos 1960, 1962, 1963, 1966 e 1967 (o questionário foi aplicado em 1963 e 1967/1968), foi escolhida para a Q.20. Contudo, dos doze cantores da Q.7, sete tiveram músicas nas paradas de sucesso daqueles anos, o que denota que Bourdieu conhecia o gosto mais popular ou massivo e optou por não detalhar. Se fosse diferente, talvez as classes populares demonstrassem maior propensão à estetização ou um maior domínio do simbólico do que se supôs.
O gosto das classes populares aparece monótono. A hipótese do princípio gerador unificado do gosto torna isso plausível. Uma vez que o gosto das classes populares responderia a uma função, ele variaria pouco e poderia ser captado com poucos exemplos. Já o gosto da classe dominante, por operar pelas “pequenas diferenças” que produzem a distinção (Bertoncelo e Nicolau Netto, 2024), seria captado pela variação das preferências. Isso se nota, por fim, na distribuição dos elementos presentes no espaço dos estilos de vida, conforme representado nas páginas 118 e 119 d´A Distinção (Bourdieu, 2011b). Na representação que o autor faz, o alto do mapa, onde estão aqueles com maior volume de capital, é saturado de práticas e preferências, enquanto na parte de baixo, onde estão as classes populares, há quase um vazio. Ocorre que, muito mais do que resultado de pesquisa, tal representação é condicionada pelas possibilidades de respostas que as diferentes classes tinham no questionário. Isso impede a captação de possíveis formas de estetização das classes populares.
Bourdieu refuta a ideia de Kant de que o belo é um julgamento universal, anterior ao social, o observando como consequência das lutas sociais. Contudo, Bennett (2011) nos lembra que o autor francês compartilha com o alemão a própria noção de juízo estético, definido como a capacidade de se julgar o belo de maneira desinteressada, apartada da função que o objeto pode desempenhar (Kant, 2016). Justamente, é pela noção de desinteresse que Bourdieu define o gosto da classe dominante, que sobrepõe a forma sobre a função. Já as classes populares, por sua socialização voltada às urgências da vida, possuiriam um gosto predisposto pela “necessidade”, ou seja, julgam as coisas pela função que desempenham. Nesse sentido, as classes populares não seriam capazes de produzir uma estética própria que mobilizasse símbolos e sentidos culturais fora do referencial da classe dominante, nem em suas disputas simbólicas dentro das próprias classes populares. O autor observa diferenças importantes dentro das classes populares em termos de estilo de vida, como em função de opiniões religiosas e políticas (Bourdieu, 2011b). No entanto, essas diferenças não são captadas em termos da estetização da vida. Mais uma vez, Bourdieu pode estar certo, mas seu questionário do gosto foi elaborado de forma a não dar oportunidade de se testar, empiricamente, esse pressuposto. Para Bourdieu (2011b), por exemplo, há uma diferença significativa entre a preferência pelas galerias de arte do lado direito do Sena (típico de quem tem mais capital econômico) e por aquelas do lado esquerdo (tendencialmente preferidas por quem tem mais capital cultural). Contudo, não se sabe se um tipo de música para relaxar e outro para entreter (possivelmente duas expressões de gosto baseados na função) também não produziriam diferenças significativas.
3. O questionário em pesquisas contemporâneas sobre distinção
As análises de “A Distinção” sofreram importantes críticas desde sua publicação (Bertoncelo et al., 2022). Destacam-se a tese do onivorismo, de Richard Peterson e colaboradores (Peterson, 1992; 1997; 2005; Peterson e Simkus, 1992; Peterson e Kern, 1996), e a das variações intra-individuais, de Bernard Lahire (2002, 2007). Embora sejam divergentes em vários pontos, ambas as teses colocam em xeque a relação entre cultura legítima e classe dominante. Na tese do onivorismo, a metáfora alimentar se dá porque a classe dominante parece se caracterizar menos pelo gosto por uma cultura legítima do que pelo ecletismo, no qual mistura cultura legitimada e não legitimada. Isso é evidenciado por pesquisas empíricas que demonstram que as elites se distinguem por terem um gosto mais variado, ao passo que as classes populares teriam gosto mais monótono. Já Lahire desafia a tese da homologia ao apontar para a pluralidade das práticas e das disposições que as orientam, e sustenta que, na maior parte das vezes, os sujeitos, por possuírem contextos múltiplos de socialização e situações diversas de interação, possuem práticas “dissonantes”, sendo, por isso, mais comum encontrar diferenças do que semelhanças entre os gostos dos indivíduos de uma mesma classe e mesmo nos gostos de um indivíduo.
Independente dos acertos ou erros dessas propostas, que já foram objeto de debate em torno de seus aspectos conceituais e teóricos (Holt, 1997; Fabiani, 2013; Pinto, 2013), elas devem ser testadas empiricamente e, para tanto, há que se ponderar a tese da homologia entre o espaço social e o espaço dos estilos de vida e, correspondentemente, a que atribui à classe dominante o gosto da cultura legítima. Essa não é uma tarefa fácil. Para tanto, é preciso dar mais importância às fases anteriores à construção do questionário para, ao máximo, construí-lo a partir da própria empiria do universo social pesquisado.
O uso de métodos mistos ajuda nisso. Trata-se de uma técnica sui generis que não se caracteriza pela sobreposição de vários métodos, mas pelo uso integrado das técnicas. Pesquisas desse tipo trabalham simultaneamente com técnicas qualitativas e quantitativas para captar dados, sendo que misturam "as duas formas de dados concomitantemente, combinando-os (ou misturando-os) de forma sequencial" (Creswell e Clark, 2011, p. 22). Dessa forma, cada instrumento é produzido pelo anterior e produz o próximo. A principal vantagem dessa técnica é permitir que os instrumentos sejam sempre produzidos pela empiria do instrumento anterior. Para a construção do questionário, as principais técnicas qualitativas que podem antecedê-la é o emprego metódico de grupos focais e de análises documentais. Essas técnicas foram usadas em algumas pesquisas contemporâneas, como em “Cultural Capital and Social Exclusion” – CCSE (Bennett et al., 2009). Nos grupos focais, integrantes selecionados interagem a partir de temas atribuídos para discussão com base nos interesses de pesquisa. Sem estabelecer um limite para os tipos de respostas e diálogos dos participantes, recolhem-se dessas interações as categorias que parecem mais relevantes nos processos estudados, assim como as ênfases. Já a análise documental envolve a observação sistemática de oferta cultural e de estilos de vida. Ambas as técnicas permitem ao pesquisador recolher da empiria categorias a serem colocadas no questionário.
Com isso, além de se controlar os procedimentos para que a parte empírica não parta de uma associação preconcebida entre classe e gosto, não se supõe que classes populares não estetizam suas práticas. Como afirmam os autores do CCSE, é preciso "desempacotar o capital cultural", ou seja, é preciso, "ao invés de assumir uma unidade essencial ao capital cultural [...], explorar a gama de diferentes recursos e marcadores que podem ser propostos como fontes de privilégio cultural" (Bennett et al., 2009, p. 30). Os grupos focais, quando realizados também com membros das classes populares, permitem perceber possíveis hierarquizações e estetizações produzidas pelas próprias classes populares, além de formas de poder que podem ter um alcance limitado a elas ou, ainda, permear a estrutura social mais ampla, inclusive como resistência às formas anteriormente legitimadas.
Podemos ir além e pensar nas diferentes formas como as pessoas mobilizam o universo simbólico. O próprio Bourdieu notou, anos após “A Distinção”, a importância de um capital que ele denominou “capital informacional”, ou seja, o domínio de informações que tenham valor nas disputas sociais (Bourdieu, 1987; Castro, 2022). Prieur e Savage (2013) também encontram “formas emergentes de capital cultural”. Lamont (1992) demonstrou a importância da moral no desenho de fronteiras simbólicas pelas classes médias-altas (upper middle) nos Estados Unidos, assim como Sayer (2005) em relação aos processos de diferenciação social. “Desempacotar” o capital cultural permite apreender as diferentes maneiras pelas quais ele pode implicar dominação simbólica.
Ao permitir recolher as categorias da própria empiria, os grupos focais ajudam a fundamentar a base empírica da pesquisa, permitindo ultrapassar os limites que apontamos na primeira parte deste artigo. Entretanto, pesquisas recentes que trabalharam com o problema da relação entre cultura e classe nos apresentam outros elementos importantes para se captar formas distintivas de práticas e gostos por meio de pesquisas de métodos mistos. Apontaremos alguns deles que consideramos mais pertinentes ao montar o questionário da pesquisa “Para além d’A Distinção”.
O primeiro é captar o “como” e o não apenas o “o que” das preferências. Para Bourdieu, o capital se define como uma “energia social” (Serre e Wagner, 2015, p. 426) que pode ser mobilizada como trunfo em disputas posicionais nos campos específicos e no espaço social. No caso do capital cultural, esse trunfo se declina no domínio da cultura legitimada que pode funcionar vantajosamente nas disputas sociais.4 Ele se apresenta em três estados: objetivado (materializado em objetos que são reconhecidos socialmente como prestigiosos); institucionalizado (presente nas credenciais que instituições legitimadas impregnam de prestígio); e incorporado (adquirido nas relações sociais de proximidade, pré e extraescolares, e que produz, de forma imperceptível, uma capacidade nos sujeitos de saberem hierarquizar simbolicamente o mundo, de reconhecer e escolher aquilo que é socialmente legítimo). Bourdieu entende que o mais importante é o incorporado, uma vez que ele requer maior investimento de tempo e não pode ser adquirido facilmente. Além disso, ele é mais facilmente transponível às diferentes situações e a diferentes campos. Ele é mais raro, mas permite que os outros estados de capital cultural tenham valor, uma vez que a pessoa que possui alto capital cultural incorporado saberá valorizar os outros estados. Seria mais rentável e conversível.
Isso é corroborado por Holt (1997), que destaca o aspecto abstrato do capital cultural. Esse capital pode não aparecer nos objetos ou nas “escolhas” em si, mas nas maneiras como as pessoas escolhem ou se relacionam com esses objetos. Como afirma Jarness (2015), importa notar a passagem de "o que" para "como" o consumo cultural opera na estratificação, o que nos leva de uma análise do consumo cultural à apreensão de como a cultura funciona como capital. A diferença de "como" se gosta pode ser mais distintiva do que a diferença do que se gosta, sobretudo contemporaneamente (Friedmann, 2015).
Outro elemento diz respeito à herança. É comum as pesquisas estudarem a herança econômica e as diferentes formas de sua conversão em outros tipos de capital. Considerando a importância do capital cultural incorporado nas relações de classe, é crucial perscrutar também os modos de sua transmissão em termos intergeracionais.
O terceiro elemento é a questão do poder. Mesmo com as críticas que fizemos ao pressuposto da homologia entre o espaço social e o espaço dos estilos de vida, o objetivo de testá-lo não pode ser abandonado. Atkinson (2017) aponta pertinentemente duas falhas comuns a algumas pesquisas. Uma delas é a de construir apenas o espaço simbólico ou o espaço social, quando ambos deveriam ser construídos. Algumas pesquisas, como a do CCSE, construíram apenas o espaço simbólico (Bennett et al., 2009) e, com base nele, diferentes "mapas culturais" dos quais se apreendem oposições simbólicas. Os autores projetaram sobre os mapas as categorias empregadas como indicadores de capital econômico e cultural, como escolaridade e agregados ocupacionais. O espaço social, contudo, não é construído, e não se consegue "testar" adequadamente a tese das homologias. O estilo de vida só pode funcionar como distintivo pela correspondência de suas características com volume e estrutura de capitais, o que só pode ser aferido com a construção do espaço social. Ou seja, a cultura pode ser concebida como poder quando ocorre uma concentração de certos tipos de capital cultural em determinadas regiões do espaço social. Sem a construção do espaço social, a descoberta sobre as práticas e preferências dos grupos se torna descritiva, tornando-se impossível afirmar o status real que elas têm em termos de prestígio e legitimidade.
A segunda crítica de Atkinson incide sobre o fato de que, conforme Bourdieu, o que caracteriza a classe dominante não é simplesmente a preferência pelo que é legítimo em si, mas o fato de se sentirem à vontade, como se tal preferência fosse "natural". Para o francês, as classes dominadas podem até reconhecer o valor social de um bem ou uma prática, mas não os conhecem (conhecem uma obra de arte, mas não sabem quem é o pintor etc.), o que caracteriza a méconnaissance. Sentir-se apto e à vontade para classificar algo, ter o domínio do simbólico, é a manifestação mais relevante do que o autor chama de poder simbólico. É preciso, assim, verificar não apenas gostos e práticas, mas também conhecimento e competências.
Ainda na temática do poder e sob as críticas à tese da homologia, um conjunto de autores indica que relacionar regiões no espaço social é insuficiente para se encontrar as fronteiras simbólicas. Argumenta-se que, mesmo que sejam observadas certas correspondências estruturais entre posições no espaço social, de um lado, e gostos e práticas no espaço simbólico, de outro, não seria possível inferir, apenas com as evidências produzidas pelas aplicações de questionários estruturados, que as distâncias observadas são indícios empíricos da produção de fronteiras sociais e simbólicas. Se tal relação produz fronteiras, não se sabe ao certo o que é relevante para que as fronteiras sejam mantidas e vinculadas à reprodução social. O tema das fronteiras é central por conta da forma como Bourdieu concebe as classes sociais, que existiriam como objetividade objetiva, “aquela registrada pela distribuição das propriedades materiais”, que encontramos no espaço social, e como objetividade subjetiva, presente nas práticas, que encontramos no espaço simbólico na forma das “classificações e das representações contrastantes que são produzidas pelos agentes na base de um conhecimento prático das distribuições, tal como se manifestam nos estilos de vida” (Bourdieu, 2013, p. 111).
A partir de proximidades e distâncias objetivas no espaço social, as fronteiras definem pertenças e exclusões prováveis no mundo social, isto é, a probabilidade de classes no papel se “realizarem” em termos de suas estratégias de reprodução. Como afirmam Solvberg e Jarness (2019, p. 180), é " obscuro se e como praticar tais estilos de vida produz vantagens e privilégios na vida social". Como Lamont, entendem que o mapeamento das fronteiras simbólicas deve permitir que o investigador identifique quais características dos grupos contam nas dinâmicas de agregação e segregação social. Para tanto, é preciso entender como os sujeitos hierarquizam aquilo que conforma seus mundos, o que mobilizam como diferenciador entre um nós e um eles. Para isso, é preciso saber os sentidos que os sujeitos dão a suas práticas, o que não se faz em um questionário. As técnicas qualitativas são melhores para isso, mas argumentamos que elas são mais eficientes se posteriores a um questionário que permita construir os espaços social e de estilo de vida. Se o questionário se destina a desenhar as classes no papel, considerando o montante e a estrutura de capitais que definem suas posições, os métodos qualitativos devem ser empregados para a apreensão das fronteiras, constitutivas da segunda objetividade das classes.
4. A construção do questionário na pesquisa “Para além d’A Distinção”
4.1. O questionário como resultado de um encadeamento de técnicas
A pesquisa “Para além d’A Distinção” busca captar a relação entre classes sociais, gostos e práticas culturais na cidade de São Paulo. Para tanto, conforme mostra a Figura 1, baseia-se no seguinte encadeamento de técnicas de produção de dados.
A construção do questionário foi informada por dados produzidos por: a) análise documental, com acompanhamento sistemático de programas de televisão sobre estilos de vida em canais de TV fechada e aberta5 e o levantamento e análise de listas da oferta de bens simbólicos em cada campo cultural mapeado como relevante6; e b) grupos focais, que foram construídos de acordo com a estrutura (econômico e cultural) e o volume (alto, médio e baixo)7 de capitais e nos permitiram explorar como as pessoas usam seu tempo livre, como falam de seus gostos e como constroem juízos sobre os gostos alheios, que categorias mobilizam para isso, se e como produzem hierarquizações e se classificam socialmente com base no gosto e preferências.
Os seis grupos focais contribuíram para a produção do questionário estruturado de três maneiras: i) captação dos domínios da prática que mobilizam as pessoas, os quais possivelmente operam como instâncias para a (re)produção de hierarquias e fronteiras simbólicas; ii) apreensão dos aspectos das práticas pertinentes a cada um desses domínios, sobretudo a frequência da prática, o gosto por ou rejeição a diferentes bens simbólicos, o conhecimento da oferta desses bens e os modos de aquisição das disposições para sua apropriação; e iii) construção das categorias utilizadas no questionário, partindo das categorias “nativas”, de modo a aumentar a inteligibilidade das questões. Considerando que uma das principais características de um questionário estruturado é a padronização, ou seja, que as “respostas similares dadas por pesquisados diferentes são, por ocasião da análise, consideradas equivalentes” (Parizot, 2015, p. 86), deve-se atentar para possíveis vieses decorrentes, por exemplo, da ambiguidade dos termos empregados na construção do questionário ou da falta de pertinência das questões para o entrevistado. O uso de uma técnica exploratória, como os grupos focais, nas fases preparatórias à construção do questionário ajuda a minimizar a ocorrência de vieses (Morgan, 1997). Na pesquisa em tela, o questionário tem como propósito principal a produção de dados que nos permitirá submeter a “tese das homologias” à prova empírica, por meio da coleta de informações sobre diversos aspectos das práticas em diferentes domínios simbólicos e suas possíveis correspondências com as posições ocupadas pelos agentes, em função de suas trajetórias sociais, com base nos capitais possuídos e acumulados ao longo do tempo. Com isso, podemos avançar em alguns aspectos problemáticos nas pesquisas sobre distinção apontados acima.8
4.2. A definição da amostra, do desenho e do modo de coleta
A construção do questionário estruturado envolve três tarefas principais. A primeira tem a ver com a definição da amostra. Na pesquisa “Para além d’A Distinção”, a amostra possui 2 mil respondentes, sendo estatisticamente representativa da população adulta (acima de 18 anos) residente na cidade de São Paulo, possibilitando a inferência dos parâmetros populacionais. De modo a garantir que a amostra de respondentes tenha distribuição espacial adequada de acordo com os pressupostos teóricos da pesquisa, os setores censitários (que é a menor unidade de agregação dos domicílios e uma das etapas de construção da amostra) foram escolhidos a partir de uma classificação cruzada entre a tipologia de distritos (construída a partir de dados do Censo de 2010 (IBGE, 2012)))9 e sua localização na cidade.
A amostra possui dois níveis de estratificação, em que são escolhidos, aleatoriamente, os setores censitários e, dentro deles, os domicílios em um nível não aleatório, baseado na amostragem por cotas (construídas pela combinação das informações sobre o sexo e a idade) para a escolha do respondente. Para aumentar as chances de apreender possíveis oposições no interior da classe dominante (em termos do efeito da composição do capital e das trajetórias sociais) e os efeitos do aumento da escolaridade (sobretudo com o ingresso no ensino superior) nas classes populares, prevemos mais uma rodada de aplicação do questionário a uma subamostra composta por: jovens adultos com ensino superior oriundos das classes populares; e por adultos com elevado capital econômico e cultural, moradores de distritos classificados como superiores ou superiores misturados da classificação antes mencionada.
A segunda tarefa envolve o desenho do questionário. Em um questionário estruturado, as questões são as medidas dos indicadores pertinentes e, por isso, a redação do questionário é posterior à construção do objeto e da problemática de pesquisa. Nesta etapa, há decisões importantes referentes à quantidade de questões, ao modo de ordená-las e escrevê-las, se elas serão abertas ou fechadas etc. É necessário considerar também a fase do pré-teste, quando uma versão inicial do questionário é aplicada a uma amostra reduzida de respondentes com o objetivo de examinar a confiabilidade e a validade do instrumento. Na pesquisa em tela, o questionário possui cerca de 220 questões, todas fechadas, divididas em duas grandes seções, com aplicação prevista para 70 minutos. A primeira seção é sobre o espaço simbólico, subdividida em 14 subseções que tratam de diferentes domínios simbólicos, como audiovisual – cinema, séries, televisão –, música, arte, viagens, moda, gastronomia, leitura, moradia, educação, mídias, atividades físicas, cuidados corporais, “cultura popular” e sobre usos do tempo livre. Por sua vez, a segunda seção aborda o espaço social, com questões que buscam apreender propriedades dos agentes que são provavelmente pertinentes à explicação de aspectos das práticas culturais (referentes, por exemplo, a gênero, orientação sexual, raça, idade, religião e estatuto conjugal) e, sobretudo, questões que buscam operacionalizar a noção de espaço social, construído em termos da distribuição dos capitais econômico e cultural, em suas dimensões sincrônica e diacrônica. É importante notar que a construção do questionário foi em parte condicionada pela escolha da técnica de análise dos dados, a Análise de Correspondências Múltiplas (ACM), que exige um equilíbrio do número de variáveis e categorias por questões e por domínios investigados, além da quantidade de variáveis categóricas nominais e ordinais usadas como variáveis “ativas” para a construção dos espaços simbólico e social (Hjellbrekke, 2018; Bertoncelo, 2022).
A terceira tarefa se refere ao modo de coleta dos dados. Um questionário estruturado pode ser aplicado por um entrevistador (pessoalmente, por telefone ou virtualmente) ou ser autoaplicado. Cada modo tem vantagens e desvantagens, que devem ser pesadas em função da amostra e do desenho do questionário, além dos recursos disponíveis (Paranhos et al., 2013). Optamos pela aplicação do questionário por um/a entrevistador/a por meio de entrevistas face-a-face, em domicílio, o que acarreta custos mais elevados, mas tem como vantagens uma menor taxa de recusa (minimizando, assim, os riscos de enviesamento da amostra) e a maior confiabilidade das respostas, uma vez que essa modalidade oferece maior controle na produção das respostas pelo entrevistado.
4.3. Operacionalizar o espaço simbólico para além do inventário das práticas
A seção sobre o espaço simbólico contém aproximadamente 150 questões, enquanto sobre o espaço social são aproximadamente 70. Foi necessário incluir essa quantidade de questões para satisfazer três critérios empíricos pertinentes: i) a construção de um amplo conjunto de indicadores para mensurar aspectos diversos das práticas em diferentes domínios simbólicos, não restritos a uma definição “convencional” de cultura; ii) a construção de um amplo conjunto de indicadores para mensurar as posições ocupadas pelos agentes no espaço social; iii) a disponibilidade de uma grande quantidade de informações sobre as posições sociais e as tomadas de posição dos indivíduos, tornando mais frutífera a possibilidade de colocar à prova empírica a hipótese das homologias entre o espaço social e o espaço simbólico. Para tanto, nos 14 domínios da seção dedicada ao espaço simbólico são feitas questões sobre: a) a frequência com que o entrevistado faz uma determinada atividade; b) os processos de hierarquização cultural; e c) os aspectos da herança cultural, ou seja, como o indivíduo veio a adquirir certas disposições.
Há muitas evidências indicando uma elevada diferenciação social com base na frequência de práticas culturais (Bennett et al., 2009; Coulangeon, 2014). A principal oposição captada pelo CCSE apontava para um contraste entre uma frequência elevada de práticas culturais (das mais “consagradas” às menos reconhecidas) por um lado e, por outro, a inexistência de participação nas atividades culturais consideradas (Bennett et al., 2009). As perguntas sobre frequência podem sofrer os efeitos da imposição de legitimidade quando feitas em termos quantitativos (como, por exemplo, quantas vezes fez tal atividade nos últimos X meses), pois as pessoas podem tender a citar uma quantidade de acordo com as expectativas do que seria honorífico. Para minimizar esses efeitos, optamos por perguntar ao entrevistado sobre a última vez que frequentara algum equipamento cultural.
Para apreender o processo de hierarquização e classificação dos bens simbólicos nos diferentes domínios investigados, adotamos um conjunto de estratégias.10 A primeira consistiu em construir questões que articulam gostos, aversões, conhecimento e reconhecimento de bens simbólicos diferencialmente posicionados nas hierarquias culturais operantes. Essa maneira de formular as questões diverge da adotada pela maioria dos estudos sobre práticas culturais que empregam questionários estruturados, que geralmente indagam os entrevistados sobre suas preferências (e, menos frequentemente, aversões) por bens culturais em função de sua classificação em diferentes gêneros (em filmes como aventura, drama, comédia etc.). Embora tenhamos usado algumas questões desse tipo,11 optamos por montar listas incluindo os nomes de restaurantes e pratos, filmes e séries, atores e diretores, cantores e compositores, entre outros, de modo a representar as diferentes posições no espaço dos possíveis da produção simbólica. Ou seja, alguns desses bens culturais são “consagrados” e outros “vulgares”; alguns “amplamente reconhecidos”, outros cujo “reconhecimento” é socialmente restrito. Por exemplo, nas questões sobre filmes, perguntamos se o entrevistado conhece o “ator Vin Diesel” (mais próximo ao “vulgar”), a “atriz Olivia Colman” (mais próxima ao “legítimo”), entre outros, e, caso conheça, se “com certeza iria assistir”, se “talvez iria assistir” ou se “não iria assistir” a um filme estrelado por eles.
Essas listas foram construídas a partir das técnicas descritas acima (grupo focal e análise documental) e de estudos sobre a operação das hierarquias culturais vigentes nesses diferentes domínios simbólicos na cidade de São Paulo. Por exemplo, na seção sobre gastronomia, há três questões que indagam se o entrevistado foi a algum restaurante e, caso tenha ido, se havia gostado; caso não tenha ido, se teria interesse em ir. O objetivo aqui é apreender prática, gosto e reconhecimento de que gozam os restaurantes para os entrevistados. No que se refere à lista de restaurantes, há lugares como o Coco Bambu, que nos grupos focais foi qualificado ora como requintado ora como vulgar; lugares como o D.O.M., que goza de elevado reconhecimento; e como o Giraffas, próximos ao polo do “vulgar”.
Como segunda estratégia, buscamos apreender o modo “como” os agentes se apropriam dos bens simbólicos, tal como discutimos anteriormente. Questões desse tipo incluem, por exemplo, o lugar aonde as pessoas vão para assistir a um filme, considerando que, em São Paulo, que conta com ampla oferta de salas de cinema, a “escolha” do lugar pode ser conformada pelas orientações em relação a esse bem simbólico. Do ponto de vista dos processos de distinção, importa saber se o entrevistado prefere ir a um cinema “de shopping” ou “de rua”; como o indivíduo compra suas roupas (em lojas on-line, lojas físicas, brechós etc.); se faz atividades físicas em academias, ao ar livre, em clubes privados etc.; se ouve música concomitantemente a outras atividades etc.
Além disso, como as “escolhas” são feitas também nos parece pertinente às lutas em torno do que é “legítimo”. Em um contexto de ampliação da oferta de bens simbólicos, em que saber os nomes passa a ser um desafio maior, conhecer os intermediários culturais, ou seja, aqueles que indicam o que se consumir, apareceu como estratégia frequente nos grupos focais. Notamos que os grupos com mais capital cultural dão especial atenção à escolha daquele que indica o que se deve fazer culturalmente, e quanto maior é o volume de capital cultural, maior parece ser o domínio sobre isso (Bertoncelo e Nicolau Netto, 2024). Nessa direção, incluímos questões para medir o efeito das classificações veiculadas por diferentes instâncias de consagração na probabilidade de “escolhas” pelos entrevistados. Em termos de filmes, por exemplo, perguntamos o que seria mais importante para o entrevistado: se ter vencido o Oscar, a Palma de Ouro; se ter recebido críticas positivas de especialistas ou ter sido um sucesso de bilheteria; entre outros.
Buscamos, por fim, também apreender aspectos da herança cultural para captar a dimensão incorporada do capital cultural que é tributária das trajetórias sociais. Considerando as limitações de um questionário estruturado para captar processos desse tipo, optamos por incluir uma questão sobre a idade e outra que indaga “em companhia de quem” a pessoa havia feito determinada atividade pela primeira vez. Na seção sobre arte, por exemplo, perguntamos quantos anos a pessoa tinha quando foi pela primeira vez a um museu de arte12 e se havia ido com o pai ou a mãe, outro parente, amigos, com a escola etc. Em algumas seções também perguntamos a disponibilidade de bens culturais em casa na infância, como discos, livros e instrumentos musicais.
Essa estruturação de perguntas busca produzir dados referentes a um dos resultados mais importantes dos grupos focais, qual seja, a “diferenciação de classe nos modos de apropriação da cultura”, pela qual notamos que os indivíduos gostam e rejeitam bens culturais diferentes, mas também gostam ou rejeitam as mesmas coisas de diferentes maneiras. Uma das oposições mais importantes é entre moral e estética: alguns justificam aquilo que gostam ou rejeitam em bases morais; outros, em bases estéticas. A partir dos grupos focais levantamos a hipótese, a ser testada com o questionário, de que a inclinação a produzir juízos de gosto em bases morais ou estéticas varia mais fortemente conforme a estrutura de capitais, e quanto mais elevado o capital cultural possuído, maior a probabilidade de o agente mobilizar categorias estéticas para justificar seus gostos ou aversões. Assim, na seção sobre moda, incluímos um conjunto de frases que apelam ora ao senso estético (como “É muito interessante compor o visual com peças vintage”), ora ao senso moral (como “Biquíni não é para qualquer corpo”), e pedimos que os entrevistados respondessem se concordam ou discordam e, para as duas respostas, em parte ou totalmente.
Outro aspecto da “diferenciação de classe nos modos de apropriação da cultura” que testamos consiste na adesão diferencial às hierarquias vigentes. Para tanto, criamos perguntas que tensionam os respondentes a escolher uma entre duas oposições, sendo que cada uma expressa uma forma de julgamento. Opusemos preço, pretensão estética/valorização da forma, funcionalidade/praticidade, preocupações morais ou de saúde, antiguidade/autenticidade e novidade. Abaixo trazemos exemplos (Tabelas 1 e 2) referentes às subseções gastronomia e moradia.
Ao sublinhar o tensionamento entre diferentes sentidos da prática, como, por exemplo, entre uma inclinação à intenção estetizante com o senso da funcionalidade ou da praticidade, entendemos que podemos captar mais adequadamente os julgamentos viscerais, por oposição aos honoríficos.
4.4. Como operacionalizar o espaço social
Além de questões que buscam apreender propriedades dos agentes pertinentes à explicação de aspectos das práticas, abordados na seção anterior (referentes, por exemplo, a gênero, orientação sexual, raça, idade, religião e estatuto conjugal), o bloco sobre o espaço social busca operacionalizar essa noção em termos da distribuição e evolução dos capitais econômico e cultural. Para mensurar o capital cultural institucionalizado, perguntamos ao entrevistado sobre sua escolaridade, o tipo de escola em que estudou (ou estuda) e, caso já tenha concluído (ou esteja cursando o ensino superior), o curso e a instituição de ensino frequentada, além da idade em que ingressou no ensino superior. Para captar a evolução da posse de capital cultural em termos familiares, perguntamos ao entrevistado a escolaridade das duas gerações anteriores e, no caso da primeira geração, caso os principais responsáveis pela sua criação tenham concluído o ensino superior, indagamos também sobre o curso e a instituição de ensino. Essas questões (tanto para o entrevistado, quanto para a primeira geração que o antecede) são relevantes para captar modalidades distintas de acesso ao ensino superior e, dessa forma, estratégias diferenciais de ascensão ou reprodução social. Estudos recentes sobre desigualdades educativas evidenciam que, em um contexto de ampliação das chances de realização educacional e da oferta educativa nos níveis superiores de ensino (sobretudo no mercado privado), o acesso diferencial aos cursos e a diferentes instituições ou até em diferentes momentos do ciclo de vida é tão importante para explicar os diferentes retornos dos investimentos em educação, quanto a transição do nível médio ao superior (Perosa, 2015; Salata, 2018).
No que se refere ao capital econômico, buscamos também apreendê-lo em termos sincrônico e diacrônico. Incluímos questões sobre a situação de trabalho do entrevistado e, com menor detalhamento, da primeira e segunda geração anteriores à do entrevistado. Ressaltemos que os estudos de mobilidade social geralmente utilizam informações sobre a ocupação do indivíduo e sobre aquela ocupação do pai e/ou mãe, porque a ocupação é, do ponto de vista sociológico, uma proxy importante da posição de classe. O espaço social, em uma abordagem bourdieusiana, não é um espaço de ocupações. Ao invés,
concerne à diferenciação das “relações sociais em geral”, sendo as “classes” distinguidas não através das relações de produção ou nos mercados, mas por diferentes condições de existência, diferentes sistemas de disposições produzidas por condicionamentos sociais distintos e propriedade diferencial de capital e poder (Atkinson, 2009, p. 902).
Ao mesmo tempo, há um claro nexo entre espaço social e ocupação, que permanece um indicador pertinente da posição no espaço social, pois exige e reproduz certo volume e composição de capital econômico e cultural (Atkinson, 2017; Bertoncelo e Nicolau Netto, 2024).
Para captar posse e evolução do capital econômico em termos patrimoniais, considerando as evidências de estudos recentes que sublinham a importância da herança (imobiliária e financeira) para as chances de reprodução social das frações de classe superiores (Savage, 2015), incluímos questões sobre a situação de “posse do imóvel” e das condições de sua aquisição”, da propriedade de “imóveis secundários” e de “rendimentos derivados de aluguel” de outros imóveis. Ainda, para caracterizar a posse de capital econômico, perguntamos sobre a “presença de empregadas ou diaristas” e sobre a “quantidade de banheiros, de automóveis, de microcomputadores” e sobre “a existência e o tipo de internet disponível no domicílio”.
Por fim, considerando que o espaço social se materializa no espaço físico sob a forma de uma desigual probabilidade de fixação, como o local de moradia ou de estudo, e de deslocamento (Méndez e Gayo-Cal, 2019), incluímos questões sobre o local atual de moradia do indivíduo e daquele onde foi criado; caso não coincidam, podemos apreender como as trajetórias de (i)mobilidade social correspondem àquelas de deslocamento espacial em termos da possível (falta de) “escolha” da moradia.
5. Conclusão
A partir de “A Distinção” e de outros trabalhos, este texto buscou estudar a construção de um instrumento metodológico, o questionário estruturado, adequado para pesquisas contemporâneas que busquem captar empiricamente a relação entre classe social e distinção. Para tanto, mobilizamos como objeto a produção do questionário da pesquisa “Para além d’A Distinção”. Partimos de uma série de elementos centrais em Bourdieu, como sua noção multidimensional e relacional de classe social, a necessidade de se construir os espaços social e simbólico e a importância de se testar a hipótese da homologia entre os espaços. Com isso em mente, apontamos a importância de se buscar categorias retiradas da própria empiria e, para tanto, destacamos o emprego de pesquisa de métodos mistos. Além disso, e esta é a principal possibilidade que o questionário nos oferece, apontamos a pertinência de se construir uma grande variedade de indicadores do espaço simbólico e do espaço social para captar as possíveis homologias entre as tomadas de posição e as posições relativas dos indivíduos no espaço social. É possível, com isso, perscrutar as correspondências entre as “escolhas” nos diferentes domínios investigados e o conjunto de condicionamentos sociais associados a certas condições de existência social, submetendo a hipótese das homologias à prova empírica. Além disso, como respostas às partes iniciais deste texto, demonstramos como buscamos captar "o como" se pratica, além “do que” se prefere, as heranças culturais, as oposições entre estética e moral, o reconhecimento e a méconnoissance e as adesões diferenciais às hierarquias culturais.
Argumentamos, por fim, que enquanto instrumento de produção de dados, os questionários são bastante úteis para reunir informações sobre um número relativamente grande de casos. E, para isso, é necessário que sejam padronizados, quer dizer, as mesmas questões, geralmente fechadas, devem ser feitas do mesmo modo para todos os entrevistados, de modo que a homogeneidade das condições de produção da resposta nos permita assumir que as diferentes respostas são, para todos os propósitos, comparáveis. Essa característica, a padronização, aponta para a principal limitação do questionário na pesquisa social, que é reconstruir, de maneira aprofundada, os sentidos que os agentes infundem em suas ações, os valores e normas que os orientam, os esquemas classificatórios que mobilizam para nomear e hierarquizar os objetos do mundo social. Para isso, devemos recorrer às entrevistas em profundidade, que permitem compreender os sentidos das práticas e suas hierarquizações na construção de fronteiras simbólicas.13 Por possibilitar a construção dos espaços, tal qual a concepção de Bourdieu, o questionário nos permite cartografar a relação entre classes e classificações sociais tal como ela se apresenta na cidade de São Paulo em meados da década de 2020. Contudo, ao indicar a importância das entrevistas e dos grupos focais, bem como de observações a serem realizadas concomitantemente às entrevistas, concluímos que as pesquisas de métodos mistos são a principal forma de se superarem os limites do questionário nas pesquisas que buscam compreender distinção e classe social.
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1
O presente trabalho foi realizado com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil. Processo nº 2018/20074-2 e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (bolsa de Produtividade em Pesquisa - PQ).
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2
FAPESP, projeto temático, Proc. 2018/20074-2.
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3
Para a reconstrução do debate da época sobre a questão da autonomia ou heteronomia das classes populares, com a correlata controvérsia, no campo intelectual, entre “miserabilismo” e “populismo”, assim como sobre a problemática do “legitimismo” da cultura dominante, ver Mauger (2013).
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4
Para uma análise detalhada de como entendemos o conceito de Bourdieu, ver Bertoncelo et al. (2022).
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5
Informações da pesquisa e resultados parciais disponíveis em https://csc.ifch.unicamp.br/grupo/15.
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6
Por exemplo, levantamos os filmes mais assistidos nos cinemas e no Netflix, os mais premiados com Oscar e Cannes e também utilizamos as avaliações do IMDb, por parte do público e dos críticos.
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7
Para mais detalhes sobre a construção e análise dos grupos focais, ver Bertoncelo e Nicolau Netto (2024) e Mira et al. (2023).
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8
Para uma crítica similar, ver Flemmen et al. (2018).
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9
Disponível em https://csc.ifch.unicamp.br/grupo/15.
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10
O questionário passou por uma extensa fase de pré-teste, em que ajustamos várias questões e categorias de resposta.
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11
Questões sobre preferências e aversões a bens culturais, conforme sua classificação por gênero, foram utilizadas nas seções sobre música, televisão, gastronomia e leitura, com base em evidências de estudos que indicam que, nesses domínios, as categorias estão mais estabilizadas.
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12
Para aumentar a confiabilidade da resposta, oferecemos três alternativas bastante amplas: 10 anos ou menos, entre 11 e 18 anos ou 19 anos ou mais. Em todas as questões, há a possibilidade de o entrevistado responder que “não sabe” a resposta.
-
13
No caso da pesquisa Para além d’A Distinção, as entrevistas serão feitas com uma amostra dos respondentes do questionário de acordo com sua posição nos espaços social e simbólico. As entrevistas ocorrerão em domicílio e serão acompanhadas por observação do bairro do respondente (Pereira, 2005). A intenção com essa técnica é apreender características qualitativas do entorno, possibilitando uma compreensão mais aprofundada de suas respostas.
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DOI: 10.1590/39037/2024.
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
14 Mar 2025 -
Data do Fascículo
2024
Histórico
-
Recebido
25 Abr 2024 -
Aceito
24 Nov 2024


