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Religião na metrópole paulista

Religion dans la métropole paulista

Religion in the metro area of São Paulo

Resumos

Este artigo trata da reconfiguração do campo religioso no Brasil nas últimas décadas, mais especificamente na Região Metropolitana de São Paulo. Para tanto, o fenômeno será analisado em dois planos. Primeiro, o trânsito de pessoas entre as religiões com a finalidade de encontrar fluxos preferenciais da mudança religiosa. Segundo, a partir da constatação de que essas transformações ocorreram de forma mais significativa nos centros urbanos e nas camadas mais pobres, o artigo discute a territorialidade de parte do campo religioso (os pentecostais) em contextos de vulnerabilidade social e que se expressa em diferentes padrões de solidariedade e sociabilidade.

Mudança religiosa; Pentecostais; Igreja Universal; Metrópole; Sociabilidade; São Paulo


Cet article aborde la reconstruction du domaine religieux au Brésil au cours des dernières décennies, particulièrement dans la Région Métropolitaine de São Paulo. Ce phénomène est analysé sur deux aspects. Le premier a pour but d'identifier les flux préférentiels de changement d'appartenance religieuse et se rapporte au passage des personnes par les différentes religions. Le second s'appuie sur la constatation que ces changements ont eu lieu de façon plus significative dans les centres urbains et parmi les couches les plus pauvres de la population. L'article aborde, ainsi, la territorialité d'une partie du domaine religieux (les pentecôtistes) dans des contextes de vulnérabilité sociale, qui s'exprime selon différents niveaux de solidarité et de sociabilité.

Changement d'appartenance religieuse; Pentecôtistes; Église Universelle; Métropole; Sociabilité; São Paulo


This paper is about the reconfiguration taken place in the Brazilian religious scene in the last decades, more specifically in the metro area of Sao Paulo. The phenomenon is analyzed in two levels. First, the transit of people among religions, aiming at finding preferential flows in religious shifts. Second, being aware that such transformations have happened more significantly in the urban centers and in the poorer social layers, the article discusses territoriality in part of the religious métier (the so-called Pentecostals) in contexts of social vulnerability expressed in different patterns of solidarity and sociability.

Religious migration; Pentecostals; Igreja Universal; Metropolis; Sociability; São Paulo


Religião na metrópole paulista* * Este artigo é fruto do trabalho com alunos de iniciação científica do Centro de Estudos da Metrópole (CEM): Tiarajú Dándrea, Ariana Rumstain e Amanda Gross, que participaram ativamente da pesquisa. Agradeço ainda as leituras de Haroldo Torres, Eduardo Marques e Piero Leirner.

Religion in the metro area of São Paulo

Religion dans la métropole paulista

Ronaldo de Almeida

RESUMOS

Este artigo trata da reconfiguração do campo religioso no Brasil nas últimas décadas, mais especificamente na Região Metropolitana de São Paulo. Para tanto, o fenômeno será analisado em dois planos. Primeiro, o trânsito de pessoas entre as religiões com a finalidade de encontrar fluxos preferenciais da mudança religiosa. Segundo, a partir da constatação de que essas transformações ocorreram de forma mais significativa nos centros urbanos e nas camadas mais pobres, o artigo discute a territorialidade de parte do campo religioso (os pentecostais) em contextos de vulnerabilidade social e que se expressa em diferentes padrões de solidariedade e sociabilidade.

Palavras-chave: Mudança religiosa; Pentecostais; Igreja Universal; Metrópole; Sociabilidade; São Paulo.

ABSTRACT

This paper is about the reconfiguration taken place in the Brazilian religious scene in the last decades, more specifically in the metro area of Sao Paulo. The phenomenon is analyzed in two levels. First, the transit of people among religions, aiming at finding preferential flows in religious shifts. Second, being aware that such transformations have happened more significantly in the urban centers and in the poorer social layers, the article discusses territoriality in part of the religious métier (the so-called Pentecostals) in contexts of social vulnerability expressed in different patterns of solidarity and sociability.

Keywords: Religious migration; Pentecostals; Igreja Universal; Metropolis; Sociability; São Paulo.

RÉSUMÉS

Cet article aborde la reconstruction du domaine religieux au Brésil au cours des dernières décennies, particulièrement dans la Région Métropolitaine de São Paulo. Ce phénomène est analysé sur deux aspects. Le premier a pour but d'identifier les flux préférentiels de changement d'appartenance religieuse et se rapporte au passage des personnes par les différentes religions. Le second s'appuie sur la constatation que ces changements ont eu lieu de façon plus significative dans les centres urbains et parmi les couches les plus pauvres de la population. L'article aborde, ainsi, la territorialité d'une partie du domaine religieux (les pentecôtistes) dans des contextes de vulnérabilité sociale, qui s'exprime selon différents niveaux de solidarité et de sociabilité.

Mots-clés: Changement d'appartenance religieuse; Pentecôtistes; Église Universelle; Métropole; Sociabilité; São Paulo.

Há algumas décadas desenha-se no país um contexto de pluralidade de religiões em que a prática dos adeptos tem sido mais transitiva e menos fiel a sistemas únicos, como se esta fosse mais alargada do que o conjunto de idéias e ritos confessado por uma só instituição religiosa. É certo que as fronteiras entre eles nunca foram tão rígidas assim, mas sua mutabilidade se acentuou mais recentemente. Criaram-se assim novas zonas religiosas "híbridas", para além daquelas classicamente tratadas na literatura da antropologia e da sociologia da religião anterior aos anos de 1970, tais como o neopentecostalismo, a Renovação Carismática Católica e o movimento da Nova Era, entre outros. Além disso, essas transformações ocorreram de forma mais acentuada nas camadas média-baixa e baixa dos grandes centros urbanos, mais especificamente nos da região Sudeste.

Tendo como universo de análise a Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), o presente artigo busca inicialmente construir um modelo do trânsito religioso a partir da mobilidade de pessoas entre as diferentes alternativas religiosas, para em seguida discutir a eficácia de algumas delas (em especial os pentecostais) entre os mais pobres e revelar as estratégias espaciais que geraram distintas formas de sociabilidade, mais ou menos adequadas ao dinamismo metropolitano. Para tanto, articulam-se três conjuntos de dados: um survey realizado na RMSP; um georreferenciamento dos "lugares de culto" no município de São Paulo;1 1 Fontes para o levantamento dos templos: Anuário Católico; cadastro de empresas do IBGE (CNPJ); Fundação Seade; e, principalmente, contatos com lideranças religiosas. e a análise etnográfica de uma grande favela paulistana.

Trânsito religioso na RMSP

A recente reconfiguração do campo religioso pode ser identificada, inicialmente, pelo menos em três dimensões que se complementam: a multiplicação das alternativas, a mobilidade de pessoas entre elas (e para fora delas) e o trânsito de idéias e práticas religiosas.

A primeira dimensão – diversificação do campo – pode ser exemplificada (entre outras possibilidades) pelo número de alternativas do Dicionário de Dados do IBGE, utilizado para a tabulação da pergunta da Amostra do Censo: "Qual é a sua religião?". Todas as respostas a esta pergunta aberta são reduzidas a algumas alternativas preestabelecidas pelo IBGE. No Censo de 1980, eram nove; no de 1991 o número subiu para 47; e, em 2000, foi formulado um amplo diapasão de 143 alternativas organizadas por tradições religiosas.

A segunda dimensão, a que se refere à mobilidade entre as alternativas, revela melhor a intensidade da mudança. Os resultados do Censo Demográfico 2000 consolidaram algumas tendências que já se desenhavam nos Censos de 1980 e 1991. Segundo o Censo 2000, no Brasil, 73,7% são católicos, 15,4% são evangélicos, 7,3% são "sem religião", enquanto o grupo formado por "Outras religiões"2 2 Religiões de origem oriental (budismo, seicho-no-ei, messiânica, entre outras), de origem indígena (União do Vegetal, Santo Daime), judaísmo, islamismo, catolicismo (Ortodoxo, Igreja católica brasileira e outras) etc. não chega a 1,8%. Contudo, esse quadro de pluralidade é ainda mais acentuado na RMSP.

No pluralismo religioso brasileiro há uma polarização. Em outras palavras, uma dinâmica cujos vetores principais são a debilitação do catolicismo como um dos eixos da organização social desse país; a difusão de práticas mais "espirituais" com forte ênfase na emotividade (o que inclui além dos pentecostais, outras religiões e até mesmo a Renovação Carismática Católica); por fim, em aparente contradição com a característica anterior, o aumento dos "sem religião".

Cabe ainda destacar três segmentos de menor expressão demográfica, mas importantes na constituição do campo religioso brasileiro. Os espíritas kardecistas e os evangélicos tradicionais (protestantes históricos) mantêm seu crescimento tímido, em boa medida vegetativo, comparado à explosão pentecostal. Quanto aos afro-brasileiros, por sua vez, ainda hoje é problemático se obter informação, já que os mais pobres tendem a se declarar católicos. Contudo, essa dificuldade era provavelmente muito maior em 1991, o que torna possível afirmar que houve uma diminuição desse segmento no sentido da convicção em relação à identidade da umbanda ou do candomblé.

Pesquisas realizadas no município de São Paulo, em 1995 (Pierucci e Prandi, 1996, p. 262), e em microrregiões urbanas de todo o Brasil, em 1998 (Almeida e Montero, 2001), chegaram a um mesmo resultado que confirma a transformação do campo religioso: uma em cada quatro pessoas mudou de religião. Em um recente survey realizado pelo Centro de Estudos da Metrópole (CEM),3 3 Projeto Cepid/Fapesp, ver www.centrodametropole.org.br. na RMSP no primeiro semestre de 2003, nada menos do que uma em cada três pessoas já havia mudado de religião.4 4 O universo desta pesquisa foi a população total da RMSP com mais de quinze anos, sendo a amostra selecionada por meio de extração probabilística em três estágios: setor censitário, domicílio particular e sorteio do residente. Foram realizadas treze entrevistas em cada um dos 154 setores censitários selecionados. Em parte, este crescimento da taxa de mudança religiosa tem a ver com o fato de ela ter ocorrido predominantemente entre adultos e jovens, enquanto os mais velhos permaneceram católicos.5 5 Em análise comparativa entre os Censos de 1980 e 1991, já havíamos demonstrado uma forte tendência na década de 1980 de mudança religiosa da juventude no Brasil (Almeida e Chaves, 1998).

A comparação entre os Censos revela a mudança do estoque de fiéis em cada religião no intervalo de uma década, mas não indica quais os fluxos entre os segmentos que estruturam essa mudança. Em uma população com cerca de 17 milhões de pessoas, como a da RMSP, é plausível que todas as religiões tenham doado e/ou recebido fiéis de outras religiões, contudo, resta saber quais foram os fluxos preferenciais dessa mudança. A partir do cruzamento entre as perguntas do survey sobre "religião de criação" e "religião atual", perguntei a cada segmento quais seriam seus principais "doadores" e os principais "receptores". Por exemplo, caso um protestante decidisse abandonar sua religião para onde iria preferencialmente, ou, de outro lado, já convertido ao protestantismo, qual seria sua religião precedente. Do cruzamento dessas questões resultou o Quadro 1.


Como indicado no modelo (Quadro 1), existem três vértices principais da mudança: os católicos são uma espécie de "doadores universais" enquanto os "sem religião" e os pentecostais são os "receptores universais", embora estes últimos tendam a se concentrar nas camadas mais baixas da população.

Apesar das inúmeras projeções de perda de hegemonia, o catolicismo continua sendo a maior religião do país, abrangendo cerca de três quartos da população. Contudo, fica a dúvida de quem são esses católicos. O questionário do IBGE faz uma única pergunta sobre esse tema: "Qual é a sua religião?". Algo que não é simples de ser respondido, pois a religião, o religioso, a religiosidade etc. têm significados múltiplos e operam em planos diversos da vida social. No Brasil, muitos costumam se declarar católicos como se estivessem se identificando como brasileiros. Nesse contexto, o survey dividiu a categoria "Católica" entre os autodenominados católicos "praticantes" e os "não-praticantes": categorias nativas bastante expressivas das representações sobre os (e dos próprios) católicos. Ser católico e ter uma prática católica regular não são coisas equivalentes no Brasil. Somente cerca da metade dos que se declararam católicos afirma manter um vínculo mais contínuo com a comunidade e/ou com os rituais, não se limitando aos batizados, casamentos e missas de sétimo dia.6 6 Em pesquisa anterior diferenciamos dois grupos de católicos a partir do nível de freqüência aos serviços religiosos (Almeida e Montero, 2001).

Dos poucos que afirmaram ter mudado para o catolicismo, a grande maioria era "sem religião". É muito plausível que algumas dessas pessoas nunca deixaram de ser católicas, mas hoje, por serem mais "praticantes", tendem a considerar sua infância como sem orientação religiosa. Ademais, grande parte desse "retorno" à Igreja católica ocorreu via o carismatismo. A Igreja cede, mas também há um movimento de "readesão". Nesse sentido, o survey ainda diferenciou a categoria "Praticantes" em duas subcategorias: "Carismáticos" e "Tradicionais". O valor para os "Carismáticos" é bastante expressivo: 9,3% da população total da RMSP, tendo em vista os 3,8% constatados por Pierucci e Prandi (1996, p. 218) em survey realizado há dez anos atrás. Convém destacar também que esse movimento está bastante difundido no estado de São Paulo; e o termo "carismático" disseminou-se de tal modo que qualquer prática mais emotiva, devocional ou efervescente, ou ainda o simples fato de se assistir à missa do padre Marcelo na televisão, pode ser facilmente identificado por muitos católicos como uma prática carismática.

De outro lado, o que significa quando as pessoas se declaram "sem religião"? Como definir algo pelo que não é? Se isso sugere, a princípio, a idéia de ateísmo ou de laicidade, pode-se também pensar no contrário: que isso não significa ausência de religiosidade. Isto é, algumas pessoas simplesmente não têm freqüência assídua nos serviços religiosos, nem se envolvem pessoalmente com a comunidade moral (no sentido durkhemiano de constrangimentos sociais), mas mantêm uma disposição religiosa diante do mundo, principalmente em situações de insegurança física, emocional, financeira etc. Conforme Geertz, "[...] ser devoto não é estar praticando algum ato de devoção, mas ser capaz de praticá-lo" (1978, p. 110). Nesse sentido, a religião é uma perspectiva (um modo de ver), uma organização cognitiva do mundo, entre outras possíveis (senso comum, ciência e estética), expressa em práticas e em um conjunto de símbolos que dão sentido à existência e aliviam o sofrimento (cf. Geertz, 1978). Além disso, muitos enquadrados na categoria "Sem religião" compõem um "cardápio" particular de credos e práticas bastante variados, mas com determinados padrões de significação. Podem ainda se identificar como "católicos não-praticantes", dependendo do dia em que forem entrevistados. E, por fim, um evangélico que tenha sido "católico não-praticante" tende a dizer que era "sem religião" quando criança, em vista da forte exigência evangélica quanto ao compromisso com uma única fé. Portanto, a declaração da "religião de criação" é lida pela ótica da "religião atual".

Em suma, a partir do dado quantitativo "sem religião" é possível afirmar somente a existência de um processo de desfiliação institucional, sem que isso comprometa necessariamente a prática da religião. Pierucci (1997, p. 115) entende esse movimento como um aprofundamento do pluralismo religioso no Brasil, devido à perda da centralidade da Igreja católica na estruturação da vida social brasileira. Devido ao crescente pluralismo religioso, o catolicismo tende a perder sua condição sociológica de igreja, no sentido dado por Troeltsch (1987, p. 136), isto é, uma religiosidade que se sobrepõe ao cotidiano das pessoas, "colando-se" à ordem social.

Do ponto de vista da pesquisa do Censo, os evangélicos (protestantes históricos e pentecostais) podem ser considerados os religiosos ideais. Isto é, na sua declaração coincidem, na maioria das vezes, um conjunto mais ou menos uniforme de idéias, rituais, comportamentos, compreensão do mundo etc. Trata-se de uma identidade com fronteiras de pertencimento bastante definidas, por conseguinte, excludentes na mesma intensidade. Em contrapartida, do ponto de vista da circulação de idéias e práticas, a religiosidade evangélica mais recente, especialmente a pentecostal (clássica e neopentecostal), incorpora e é incorporada por outros segmentos com os quais se mantém em estado de competição.

Cito três exemplos. Primeiro, no interior dos evangélicos, desde meados da década de 1960, desenha-se a pentecostalização do protestantismo histórico. São as "igrejas renovadas": denominações tradicionais como batistas, presbiterianos, metodistas e até luteranos adotaram a doutrina do Espírito Santo, tipicamente pentecostal, em especial a glossolalia e a cura. Segundo, a reação católica, via Renovação Carismática, que adotou elementos da religiosidade evangélica como a doutrina do Espírito Santo, a cura e a ênfase em uma experiência religiosa mais emotiva e menos litúrgica (Prandi, 1997; Oro, 1996). Terceiro, na pesquisa realizada pelo CEM perguntou-se ao entrevistado se ele praticava ou freqüentava outros serviços religiosos. Isto é, se há um deslocamento entre as religiões, é verdade também que muitas pessoas transitam simultaneamente entre vários sistemas, sem resultar no abandono de algum deles. Isso não é propriamente novidade em um país caracterizado pelo sincretismo, mas a pesquisa revelou que – se anteriormente era comum alguém se identificar como católico e recorrer vez por outra a um centro de umbanda ou espírita – algumas igrejas evangélicas se tornaram a segunda opção preferencial. Alguém pode se declarar católico e também recorrer aos templos ou às orações dos evangélicos nos rádios e nos canais de televisão para receber, via satélite, alguma bênção.

Além desses vértices principais, destacam-se ainda demograficamente e pela importância histórica e cultural os afro-brasileiros, os espíritas e os protestantes históricos. Os afro-brasileiros, de acordo com o fluxograma (Quadro 1), recebem adeptos provenientes da Igreja católica, mas doam para os pentecostais e os "sem religião". Curiosamente, não há um fluxo significativo entre afro-brasileiros e kardecistas. Como já comentado, os dados dos afro-brasileiros são imprecisos porque os mais pobres costumam se declarar católicos. Mas, apesar disso, não há uma relação intensa entre afros e kardecistas, como sugere a idéia de um continuum desses segmentos religiosos no plano simbólico. Mobilidade de pessoas e trânsito de práticas e idéias religiosas estão aqui relativamente dissociados. Essa diferença deve ser compreendida à luz da estratificação social dos religiosos. O perfil social dos espíritas encontra-se acima da média nacional em termos de renda e escolaridade, eles. Os espíritas estabelecem um trânsito forte entre católicos e "sem religião", e, neste caso, o circuito compreende uma faixa da população com melhores condições de vida.

Os protestantes históricos recebem adeptos basicamente de católicos, e cedem para os "sem religião" e os pentecostais. Em caso de abandono do protestantismo, cerca de um terço fica "sem religião". Daí pensar nesta categoria como fruto da racionalização da vida religiosa que leva à apostasia ou ao agnosticismo. Mas também, de outro lado, há um fluxo dos protestantes históricos em direção ao pentecostalismo. Esta passagem é de mão-dupla, mas em diferentes intensidades e as motivações são as mais variadas possíveis: busca de experiências mais emotivas e catárticas, maior reflexão teológica, maior ou menor moralismo, dificuldade de ambientação, modernidade nos costumes etc.

Por fim, deve-se acrescentar que, se há um trânsito de pessoas entre diferentes credos ou o exercício simultâneo de alguns deles, também ocorre paralelamente um trânsito de idéias e práticas religiosas. A Renovação Carismática Católica e o padre Marcelo, por exemplo, no seu empreendimento de "readesão" dos católicos ficaram parecidos com os evangélicos. A Igreja Universal do Reino de Deus nos cultos de exorcismo das entidades afro-brasileiras incorporou símbolos e lógicas de funcionamento das religiosidades que se propunha a combater, mais especificamente a umbanda (Almeida, 2003). Como reação à ofensiva pentecostal, a observação de campo recente em federações de umbanda mostrou um movimento pela "normatização" de certos rituais como batismo, casamento e funeral, rituais esses demarcadores do ciclo de vida dos brasileiros e que não faz muito tempo eram hegemonizados pela Igreja católica. Em relação especificamente ao batismo, a referência dos umbandistas é o modelo evangélico, isto é, um ritual de adesão capaz de criar nos adeptos a convicção pessoal do pertencimento exclusivo a uma única fé.

Em resumo, e esta é terceira dimensão do fenômeno, não somente pessoas transitam entre os sistemas religiosos como também estes se transformam em virtude da concorrência por adeptos. Estes dois planos (de um lado, as pessoas mudando de religião; de outro, as religiões mudando na forma e no conteúdo) possuem dinâmicas distintas, mas correlatas, e as lógicas de cada passagem do fluxograma não são as mesmas. Há uma ampla circulação e competição de práticas, cujos resultados são zonas de transição que geram novos padrões religiosos, de tal forma que o campo da religiosidade não se sobrepõe pari passu ao campo das religiões (Sanchis, 1995). Assim, o fluxograma da migração de pessoas entre as religiões deve ser interpretado também em relação à circulação de práticas e idéias religiosas. Os resultados produzidos pelo survey na RMSP indicam as grandes tendências e os quadros gerais, mas para uma compreensão mais aprofundada fazem-se necessários dados de caráter qualitativo, os quais mostrarão um campo religioso mais híbrido, de duplas pertenças, com intensa circulação e mutações; em suma, um cenário no qual a religiosidade é vivida de maneira mais alargada do que aquela confessada ao entrevistador tanto do IBGE como deste survey.

Estratégias espaciais e sociabilidades pentecostais

Mais do que em outros contextos, o dinamismo do campo religioso metropolitano caracteriza-se pela intensa e ampla competição entre as religiões, que se apresenta como uma troca generalizada de pessoas, idéias, símbolos etc. (Sanchis, 2001). Para além da esfera religiosa estrito senso, essa disputa por adeptos, recursos e legitimidades expressa-se também em outras esferas da vida social, como a política (Montero, 1994; Giumbelli, 2002) e o mercado (Pierucci e Prandi, 1996; Mariano, 2001), por exemplo. Neste sentido, pretendo discutir, por um lado, a adesão religiosa na parcela da população (os mais pobres) onde o trânsito foi mais intenso e, por outro, a dimensão espacial como correlata à concorrência religiosa e geradora de diferentes padrões de sociabilidade entre os adeptos.

Se a mobilidade e a diversificação religiosas são mais acentuadas nos grandes centros urbanos, qual seria a disposição das religiões na RMSP? Segundo os dados do survey e a comparação entre os dois últimos Censos, a mudança religiosa envolveu todos os extratos sociais; contudo, ela ocorreu de maneira mais acentuada nas camadas baixa e média baixa, especialmente entre os "sem religião" e os pentecostais.

De acordo com Lavalle (2001), a partir de uma pesquisa quantitativa na RMSP, entre os mais pobres que participam de alguma associação, cerca de 70% participam de associação religiosa. Logo, o associativismo nas classes menos favorecidas é predominantemente religioso. A observação etnográfica que vem sendo realizada desde 1996 em Paraisópolis – segunda maior favela de São Paulo com cerca de 80% dos moradores oriundos da região Nordeste – revelou o papel desempenhado pelas religiões na formação de redes de solidariedade e sociabilidade. Na favela, os templos evangélicos abrigam uma densa rede de relações que atraem pessoas em estado de maior vulnerabilidade, como predominantemente ocorre na migração familiar entre o Nordeste do Brasil e o município de São Paulo.

Estudos da década de 1960 e 1970 (Souza, 1969; Willems, 1967; D'Epinay, 1970; César, 1974) problematizaram o crescimento de certas religiões a partir do processo de industrialização dos centros urbanos, que, associado à migração, constitui-se num fator social que explica a adesão à religião. Segundo essa concepção, a adesão seria uma espécie de resposta funcional a estados de anomia social. A literatura dos anos de 1980 questionou a análise funcionalista por não compreender propriamente a lógica interna das religiões, que eram tratadas à luz das transformações do meio urbano (Fry, 1982). Entretanto, em geral, os nordestinos no Nordeste são católicos, enquanto no Sudeste tendem a se tornar evangélicos. Isso significa que algo deve ter ocorrido nesse processo de deslocamento espacial. Se a explicação teórica já não é satisfatória, o fenômeno permanece: a migração incide sobre a mudança religiosa.

As redes evangélicas trabalham em favor da valorização da pessoa e das relações pessoais, gerando um aumento de auto-estima e impulso empreendedor, além de ajuda mútua com o estabelecimento de laços de confiança e fidelidade. Essas redes atuam em contextos de carência, operando, por vezes, como circuitos de trocas, que envolvem dinheiro, comida, utensílios, informações e recomendações de trabalho, entre outros. Não se trata de programas filantrópicos como fazem católicos e kardecistas, mas de uma reciprocidade entre os próprios fiéis moradores da favela (entre os quais, os próprios pastores), simbolizada no princípio bíblico de ajudar primeiro os "irmãos de fé" (freqüentadores do mesmo templo). Ademais, esses "irmãos de fé" preferencialmente se tornam parentes ao casarem entre si. Ou, o inverso, parentes que se evangelizam para se tornarem "irmãos de fé". Em suma, tanto em Paraisópolis como em outras áreas de maior pobreza e alta migração nordestina na RMSP, as redes familiares e religiosas – e também de vizinhança e de conterrâneos – sobrepõem-se.

Contudo, na mesma proporção em que essas redes incluem, sobretudo pobres e migrantes, excluem aqueles que não compactuam da mesma identidade religiosa. Os evangélicos de Paraisópolis pouco participam de outros níveis associativos, como partidos, sindicatos, união de moradores e lazer. Os cultos competem com outras atividades no uso do tempo livre; além de as próprias denominações suprirem seus fiéis com entretenimentos como, por exemplo, a formação de grupos de música, teatro, esportes etc., e sempre relacionados à religião.

Em resumo, pode-se afirmar que, ao contrário dos evangélicos, as ações de católicos e kardecistas são mais universalistas, na medida em que o pertencimento a uma ou a outra religião não é um filtro de seleção na distribuição de benefícios. A atividade católica é menos proselitista e mais voltada para uma ação social que procura atingir as causas sociais da pobreza; a filantropia kardecista tem um perfil mais assistencialista sem enfatizar as transformações sociais; e, por fim, os evangélicos compreendem as dificuldades materiais como decorrência das ordens moral e espiritual, mas cujos efeitos indiretos do regramento do comportamento e da solidariedade interna entre os "irmãos de fé" atenuam a vulnerabilidade social.

Se os evangélicos, em especial os pentecostais, recebem cada vez mais adeptos entre os mais pobres da RMSP, quais denominações se encontram preferencialmente entre eles? Os mapas, a seguir, georreferenciam os templos de duas importantes denominações pentecostais (Assembléia de Deus e Igreja Universal do Reino de Deus) nos três grupos sociais mais pobres do município de São Paulo.7 7 Os grupos sociais mais pobres encontram-se em sua maioria na periferia do município e foram definidos segundo renda, escolaridade, cor, migração nordestina, condições urbanas e taxa de crescimento (Marques e Torres, 2004).

Embora seus membros confessos sejam pobres, os templos da Universal – maior expoente das recentes transformações do campo religioso brasileiro – não se encontram nas regiões de maior vulnerabilidade social, ao contrário do que ocorre com a Assembléia de Deus. Como exemplo, na favela de Paraisópolis existem oito templos da Assembléia de Deus, sete da Deus é Amor e um da Universal.8 8 O número de templos da denominação "Deus é Amor" em todo o município de São Paulo é próximo ao da Igreja Universal, mas a maior parte deles está concentrada nos mesmos lugares da Assembléia de Deus. Então, onde se encontrariam preferencialmente os templos da Universal? Os mapas que se seguem são o resultado do cruzamento das vias principais da zona Leste9 9 Região mais populosa do município. Nas extremidades da cidade, como a da zona Leste, observa-se um elevado crescimento populacional e uma forte migração nordestina. de São Paulo com as paróquias católicas e os templos da Assembléia de Deus e da Igreja Universal.

De acordo com os mapas, as paróquias católicas instalam-se no interior dos bairros, mas preferencialmente nas vias principais, estabelecendo centralidades locais no espaço metropolitano e servindo como referência de localização. Na verdade, os templos católicos têm a capacidade de atrair alguns serviços urbanísticos e, eventualmente, comércio. No entanto, as paróquias demoram a chegar nas zonas de maior vulnerabilidade, mais do que os templos dos evangélicos. O trabalho assistencial da Igreja católica chega a esses lugares por meio de suas pastorais e de filantropias, mas há pouca presença de sacerdotes e templos.

Em torno das paróquias gravitam, ainda, as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que nasceram do redirecionamento da Igreja pós-Vaticano II. As comunidades aumentaram o alcance territorial da Igreja, garantindo-lhe um enraizamento maior. No Brasil, as CEBs nasceram no seio da Teologia da Libertação, e a RMSP foi um campo fértil para sua multiplicação. No final da década de 1980, a arquidiocese de São Paulo foi subdividida em mais dioceses, o que resultou na multiplicação das paróquias e das comunidades. Ressalte-se, contudo, que essa descentralização foi uma ação político-administrativa do papado de João Paulo II para reduzir a expansão da chamada igreja progressista; e de forma complementar, foi dado incentivo ao movimento de Renovação Carismática Católica, que desempenha uma reação contra o discurso politizado de setores católicos e oferece uma alternativa à expansão da religiosidade evangélica.

Os templos da Assembléia de Deus, por sua vez, encontram-se nas vias principais e, de maneira significativa, no interior dos bairros e em favelas. Embora Paraisópolis esteja na zona Sul, esse mesmo padrão é encontrado, principalmente, na zona Leste, onde Assembléia de Deus está fortemente enraizada (ver mapas). Na paisagem urbana das áreas de maior pobreza em São Paulo, como na zona Leste, são mais visíveis seus equipamentos, além dos próprios "crentes" com seus trajes, corte de cabelo característico, a Bíblia na mão e andando em família em direção aos templos, principalmente aos domingos pela manhã e à noite. A observação de campo revelou que os pequenos templos da Assembléia de Deus (e também os da Deus é Amor) têm uma estrutura interna organizada a partir de redes familiares, muitas delas montadas no processo migratório.

Por fim, segundo os mapas, vê-se a Igreja Universal concentrada basicamente nas vias principais, distante das áreas de maior vulnerabilidade, em comparação com a localização dos templos da Assembléia de Deus. A implantação dos templos e, mais recentemente, a construção de grandes catedrais visam a dois objetivos: visibilidade e adesão em massa. Esse tipo de construção imponente nas vias principais é uma estratégia de visibilidade e marketing que se articula com sua presença na mídia e na esfera política, visto que para sua efetivação necessitam de trâmites burocráticos nas administrações municipais. A intenção é parecer maior do que realmente é. Não foram poucas as vezes em que ouvi as pessoas afirmarem categoricamente que a Universal, fundada em 1977, já havia ultrapassado todas as igrejas evangélicas, sobretudo a Assembléia de Deus, fundada em 1911. Contudo, os dados do Censo 2000 indicam que a Assembléia de Deus ainda é a maior denominação evangélica no Brasil, nada menos do que quatro vezes maior do que a Universal. Além disso, entre essas duas existem ainda a protestante Batista e a pentecostal Congregação Cristã do Brasil.

A construção de templos maiores nos segmentos do protestantismo histórico10 10 Batistas, presbiterianos, metodistas, luteranos etc. e do pentecostalismo clássico11 11 Assembléia de Deus, Congregação Cristã, Deus é Amor, Igreja do Evangelho Quadrangular etc. costuma ocorrer conforme o crescimento da comunidade de fiéis, ou seja, é fruto do sucesso da associação local. Na Universal, ao contrário, primeiro é instalado o templo para depois se obter adeptos. E, ao contrário das paróquias católicas, que fundam centralidades locais, os templos da Universal são construídos em lugares com intensas dinâmicas urbanas já estabelecidas. Não por acaso eles se encontram próximos a terminais de ônibus e pequenos centros comerciais.

Nas denominações mais tradicionais, caso mais específico dos segmentos batistas e da Assembléia de Deus, os templos possuem relativa autonomia financeira, isto é, a sua manutenção e o sustento dos seus pastores dependem dos recursos levantados na comunidade dos fiéis. Diferentemente destas, o dinheiro arrecadado na Universal migra para um "caixa único", sujeito a decisões do Conselho de Bispos, o que possibilita uma ação mais coordenada e uma gerência com maior racionalidade empresarial. Essa estrutura episcopal (entenda-se piramidal, cujo poder se encontra concentrado no topo) aproxima a Universal da forma de governo eclesial da Igreja Católica Romana12 12 Curiosamente, católico significa universal. e a afasta do modelo comunitário do tipo "congregacional" protestante.

Uma das conclusões da pesquisa intitulada Novo Nascimento (Fernandes et al., 1998), realizada pelo Iser na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, foi a de que os evangélicos prezam pela prática "congregacional", em que um templo circunscreve uma associação de pessoas em torno da confissão e de práticas comuns e cujos circuitos de reciprocidade são densos. O funcionamento dos templos no pentecostalismo clássico e no protestantismo histórico tem diversas atividades transversais aos cultos, as quais segmentam o montante de fiéis por sexo e idade, formando grupos de crianças, adolescentes, mocidade, casais jovens, homens adultos, mulheres adultas, anciãos, da "escola dominical", de oração, música, teatro, esporte etc. Em suma, uma série de atividades e interações face a face que extrapolam o plano da religiosidade, estrito senso. Tais relações criam laços societários primários, como o parentesco, em maior densidade do que em uma igreja de passagem e de serviços como a Universal.

Se esse modelo "congregacional" vale para a Assembléia de Deus, a Deus é Amor, a Congregação Cristã, os Batistas e outros evangélicos, como classificar o tipo específico de sociabilidade produzido pela Universal? Sua estratégia de localização (nas vias principais e próximos a terminais de ônibus) e a arquitetura dos templos (catedrais com amplo salões e poucas subdivisões espaciais) sugerem uma prática religiosa de fluxo e de massa bastante adequada à dinâmica urbana. Seus templos, assim como os da Igreja católica, permanecem com as portas abertas durante todo o dia, e neles são realizados de três a cinco cultos diariamente. A qualquer momento é possível recorrer a um templo da Universal com facilidade e ao seu "socorro espiritual". A ida é ainda estimulada pelos programas na televisão que, durante a pregação dos pastores, apresentam no "pé da tela" os endereços de templos próximos à casa do telespectador. Como costuma dizer o bispo Macedo, sua igreja é um "pronto-socorro espiritual". De fato, trata-se de serviços religiosos aos quais se recorre em momentos de aflição sem um compromisso mais restrito com a comunidade moral.

Considerações finais

No transcorrer deste texto restringi o universo das transformações do campo religioso na RMSP aos mais pobres e ao segmento evangélico, mais especificamente ao pentecostal. Esta é a parcela da população na qual a reconfiguração se apresentou demográfica e qualitativamente mais significativa. A RMSP permite a observação em grande escala dessa dinâmica social, na qual as religiões organizam circuitos de reciprocidade (simbólica e material) e produzem interações mais ou menos afinadas com as características da metrópole (como espaços de vulnerabilidade social e/ou de intensa circulação de códigos simbólicos). Disso resultam diferentes padrões de sociabilidade, cujo elemento estruturante é a opção religiosa.

A escolha das denominações pentecostais, Assembléia de Deus e Igreja Universal, tem como intuito opor modelos de associações religiosas e os tipos de sociabilidade que deles derivam. Basicamente, as diferentes igrejas podem ser divididas em dois grupos: com organização eclesial hierárquica e centralizada (Católica e Universal, por exemplo) ou com relativa autonomia dos templos (Batista e Assembléia de Deus, por exemplo). O primeiro caso caracteriza-se, entre outras coisas, pela centralização das finanças e da distribuição dos sacerdotes, o que permite maior racionalidade na distribuição dos templos pela RMSP e, por conseqüência, o delineamento de estratégias espaciais. O segundo produz uma ocupação do espaço mais "involuntária", regida pelas determinações socioeconômicas dos fiéis e do entorno dos templos (D'Andrea, 2003).

Por outro lado, a localização, o tamanho e a dinâmica interna desses lugares de culto geram (e/ou são causa de) sociabilidades específicas. Isto é, em alguns templos predominam relações relativamente impessoais, como nas grandes concentrações, que produzem um vínculo forte entre a multidão e o pregador (padre Marcelo e bispo Macedo), e fraco nas relações horizontais entre os fiéis; em outros vigoram relações do tipo comunitária ou "congregacional", baseadas em redes familiares e/ou de vizinhança. No primeiro caso, as relações entre as pessoas em pouco extrapolam a vivência nos templos, diferente do padrão "congregacional", em que as relações religiosas se sobrepõem a outros vínculos societários, como parentesco e relações econômicas.

Convém ressaltar que esta classificação é relacional, mais do que um modo de ser absoluto de cada religião. Na experiência concreta dos fiéis, as interações face a face não são polarizadas como na tipologia proposta; trata-se mais da predominância de um ou outro padrão de solidariedade e sociabilidade entre evangélicos. No entanto, curiosamente, parte considerável do pentecostalismo clássico (incluídos setores da Assembléia de Deus) está se ajustando ao modelo da Universal com a construção de grandes templos e a inserção na política institucional, no mercado e na mídia. Assim, a reconfiguração do campo não se limita ao trânsito de pessoas, idéias e práticas religiosas, conforme argumentado inicialmente, mas se estende a modelos de gestão do religioso, com a finalidade de atrair mais adeptos. Em suma, o trânsito religioso é regido por uma competição de fiéis e a cópia de procedimentos dos concorrentes, como se houvesse um espelhamento na disputa religiosa.

NOTAS

BIBLIOGRAFIA

Artigo recebido em março/2004

Aprovado em julho/2004

Ronaldo de Almeida, doutor em antropologia pela Universidade de São Paulo (USP), é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e do Centro de Estudos da Metrópole (CEM). E-mail: ronaldo@cebrap.org.br.

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  • 1
    Fontes para o levantamento dos templos: Anuário Católico; cadastro de empresas do IBGE (CNPJ); Fundação Seade; e, principalmente, contatos com lideranças religiosas.
  • 2
    Religiões de origem oriental (budismo, seicho-no-ei, messiânica, entre outras), de origem indígena (União do Vegetal, Santo Daime), judaísmo, islamismo, catolicismo (Ortodoxo, Igreja católica brasileira e outras) etc.
  • 3
    Projeto Cepid/Fapesp, ver
  • 4
    O universo desta pesquisa foi a população total da RMSP com mais de quinze anos, sendo a amostra selecionada por meio de extração probabilística em três estágios: setor censitário, domicílio particular e sorteio do residente. Foram realizadas treze entrevistas em cada um dos 154 setores censitários selecionados.
  • 5
    Em análise comparativa entre os Censos de 1980 e 1991, já havíamos demonstrado uma forte tendência na década de 1980 de mudança religiosa da juventude no Brasil (Almeida e Chaves, 1998).
  • 6
    Em pesquisa anterior diferenciamos dois grupos de católicos a partir do nível de freqüência aos serviços religiosos (Almeida e Montero, 2001).
  • 7
    Os grupos sociais mais pobres encontram-se em sua maioria na periferia do município e foram definidos segundo renda, escolaridade, cor, migração nordestina, condições urbanas e taxa de crescimento (Marques e Torres, 2004).
  • 8
    O número de templos da denominação "Deus é Amor" em todo o município de São Paulo é próximo ao da Igreja Universal, mas a maior parte deles está concentrada nos mesmos lugares da Assembléia de Deus.
  • 9
    Região mais populosa do município. Nas extremidades da cidade, como a da zona Leste, observa-se um elevado crescimento populacional e uma forte migração nordestina.
  • 10
    Batistas, presbiterianos, metodistas, luteranos etc.
  • 11
    Assembléia de Deus, Congregação Cristã, Deus é Amor, Igreja do Evangelho Quadrangular etc.
  • 12
    Curiosamente, católico significa universal.
  • *
    Este artigo é fruto do trabalho com alunos de iniciação científica do Centro de Estudos da Metrópole (CEM): Tiarajú Dándrea, Ariana Rumstain e Amanda Gross, que participaram ativamente da pesquisa. Agradeço ainda as leituras de Haroldo Torres, Eduardo Marques e Piero Leirner.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Out 2004

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2004
    • Recebido
      Mar 2004
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