Acessibilidade / Reportar erro

O crescimento do trabalho precário: um desafio global

The growth of precarious work: a global challenge

La croissance du travail précaire: un défi global

CONFERÊNCIAS

O crescimento do trabalho precário: um desafio global* * Revisão do trabalho apresentado na Conferência do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) na Universidade de São Paulo (21 de outubro de 2008), no seminário do Departamento de Sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (23 de outubro de 2008) e no XXXII Encontro Anual da Anpocs em Caxambu, MG, em 28 de outubro de 2008.

The growth of precarious work: a global challenge

La croissance du travail précaire: un défi global

Arne L. Kalleberg

Tradução: Ligia Romão

RESUMO

O crescimento do trabalho precário nos últimos 25 anos constitui um desafio global que acarreta uma série de conseqüências para trabalhadores e suas famílias, comunidades e nações. O trabalho precário é um fenômeno mundial, embora seus aspectos mais problemáticos sejam diferentes em cada país, dependendo de seu estágio de desenvolvimento, instituições sociais, culturas e outras diferenças nacionais. O trabalho precário caracteriza tanto o setor formal como o setor informal da economia. Sociólogos estão bem-preparados para explicar, elucidar e fornecer insumos às políticas públicas sobre a natureza e as conseqüências do trabalho precário.

Palavras-chave: Trabalho; Precarização; Desregulação; Flexibilidade; Insegurança.

ABSTRACT

The growth of precarious work in the past 25 years represents a global challenge that has caused a series of consequences for workers, their families, communities, and nations. The so-called precarious work is a worldwide phenomenon, even though its most problematic aspects vary from country to country, depending on the level of development, social institutions, culture, and other national differences. Precarious work characterizes both the formal and informal sectors of the economy. Sociologists are well-prepared to explain, elucidate, and supply inputs to public policies on the nature and consequences of precarious work.

Keywords: Work; Flexibility; Insecurity.

RÉSUMÉ

La La croissance du travail précaire au cours de ces dernières 25 années constitue un défi global qui entraîne une série de conséquences pour les travailleurs et leurs familles, les communautés et les nations. Le travail précaire est un phénomène mondial, quoique ses aspects les plus problématiques soient différents dans chaque pays, selon leur stage de développement, les institutions sociales, les cultures et les autres différences nationales. Le travail précaire caractérise aussi bien le secteur formel que le secteur informel de l'économie. Les sociologues sont bien préparés pour expliquer, élucider et fournir du matériel aux politiques publiques à propos de la nature et des conséquences du travail précaire.

Mots-clés: Travail; Précarisation; Déréglementation; Flexibilité; Insécurité.

O crescimento do trabalho precário tem surgido como uma preocupação contemporânea central no mundo inteiro desde os anos de 1970. Por "trabalho precário" quero dizer trabalho incerto, imprevisível, e no qual os riscos empregatícios são assumidos principalmente pelo trabalhador, e não pelos seus empregadores ou pelo governo. Exemplos de trabalho precário incluem atividades no setor informal e empregos temporários no setor formal. O trabalho precário não é novidade e existe desde o início do trabalho assalariado. No entanto, forças sociais, econômicas e políticas que têm operado durante várias décadas tornaram o trabalho mais precário no mundo inteiro (Kalleberg 2009).

Pierre Bourdieu (1998) via a précarité como a raiz das questões sociais problemáticas do século XXI. Ulrich Beck (2000) descreve a criação de uma "sociedade de risco" e uma "nova política econômica de insegurança". Beck também se refere a isso como um "abrasileiramento do Ocidente": ele argumenta que a sociedade de pleno emprego chegou ao fim e que houve uma disseminação do trabalho temporário e inseguro, da descontinuidade e da informalidade frouxa em países ocidentais, que eram antigamente os bastiões do pleno emprego. Outros têm se referido aos acontecimentos dos últimos vinte e cinco anos como a segunda Grande Transformação (Webster, Lambert e Bezuidenhout, 2008).

O trabalho precário tem conseqüências de longo alcance, atravessando muitas áreas que preocupam cientistas sociais, bem como trabalhadores e suas famílias, governos e empresas. Isso criou insegurança para muitos, e afeta de modo difuso e amplo não só a natureza do trabalho, os locais de trabalho e a experiência dos trabalhadores, mas também muitos aspectos individuais (estresse, educação) e sociais (família, comunidade) não relacionados ao trabalho, bem como a instabilidade política. Por isso, é muito importante entendermos os novos arranjos dos locais de trabalho que geram o trabalho precário e a insegurança.

Primeiro, farei um resumo de algumas razões para o crescimento do trabalho precário no mundo inteiro nas últimas décadas, concentrando-me especialmente nos Estados Unidos e no Brasil. Depois, descreverei algumas das conseqüências do trabalho precário nesses dois países. Em seguida, examinarei os diferentes tipos de trabalho precário, tanto no setor formal como no setor informal da economia. Finalmente, discutirei alguns dos desafios do crescimento do trabalho precário e da insegurança para as políticas públicas.

Razões para o crescimento do trabalho precário

O trabalho precário nas últimas décadas é o resultado do crescimento da globalização (interdependência econômica e seus correlatos, tais como maior comércio internacional e movimento acelerado de capital, produção e trabalho) e da expansão do neoliberalismo (uma ideologia que implica desregulação, privatização e remoção de proteções sociais). Essas mudanças são acarretadas por mudanças tecnológicas, tais como computadorização, digitalização e avanços em tecnologia de informação, que possibilitam muitos dos aspectos da globalização. Em muitos países, houve também um decrescimento geral dos sindicatos e um crescimento do individualismo. Todos esses fatores vêm contribuindo para um aumento do trabalho precário.

Estados Unidos

Nos Estados Unidos, é consenso que a era mais recente do trabalho precário teve início do meio para o fim da década de 1970. Os anos 1974-1975 marcam o começo de mudanças macroeconômicas (tais como o choque do petróleo) que levaram a um aumento na competição global dos preços. Os fabricantes tiveram que competir inicialmente com empresas do Japão e da Coréia do Sul, nas indústrias automobilísticas e metalúrgicas, respectivamente. O processo, que veio a ser conhecido como globalização neoliberal, intensificou a integração econômica, aumentou a competição das empresas, forneceu maiores oportunidades para que elas pudessem terceirizar o trabalho em países com menores salários e deu acesso a novas fontes de trabalhadores devido à imigração. Avanços tecnológicos não só forçaram as empresas a se tornarem mais globalmente competitivas, mas também forneceram a elas essa possibilidade. Normas de trabalho diferenciadas (em países da Ásia, por exemplo) incentivaram empregadores a deslocarem suas produções para o estrangeiro.

Mudanças em instituições legais, entre outras, mediaram o impacto da globalização e da tecnologia no trabalho e nas relações empregatícias. Sindicatos continuaram a decrescer, enfraquecendo uma fonte antiga de proteções institucionais para trabalhadores e rompendo com o contrato social de trabalho do pós-guerra. Regulamentações governamentais que definiam normas minimamente aceitáveis para o mercado de trabalho se desgastaram, assim como regras que controlavam a competição no mercado de produtos. O decrescimento e a desregulação dos sindicatos reduziram as forças compensatórias que permitiam que trabalhadores dividissem os ganhos de produtividade que eram adquiridos, e a balança de poder se deslocou dos trabalhadores para os empregadores.

As mudanças políticas difusas, associadas à eleição de Ronald Reagan em 1980, aceleraram a ascensão do comércio e o declínio do trabalho e deram total liberdade às empresas e aos capitalistas para que perseguissem desenfreadamente seus interesses. A desregulação e a reorganização de relações empregatícias permitiram um acúmulo maciço de capital. Políticas governamentais nos Estados Unidos - tais como a substituição do welfare [previdência social] por programas de workfare [em que o trabalhador precisa exercer um cargo, geralmente no serviço público, para receber benefícios sociais] em meados dos anos de 1990 - fizeram com que a participação das pessoas em trabalhos assalariados fosse essencial, muitas vezes forçando-as a trabalhar em empregos com baixa remuneração.

Mudanças ideológicas em favor de um maior individualismo e responsabilidade pessoal pelo trabalho e pela vida apoiavam essas mudanças estruturais. O slogan "você está sozinho" substituiu a noção de "estamos nisso juntos" (Bernstein, 2006). A revolução neoliberal alastrou-se pelo mundo, enfatizando a centralidade dos mercados e das soluções voltadas ao mercado, as privatizações de recursos governamentais e a remoção de proteções governamentais em muitos países.

Essas macromudanças, que tiveram início em meados dos anos de 1970, levaram empregadores a buscar maior flexibilidade em suas relações com trabalhadores. A idéia neoliberal em nível social refletia um papel maior, interpretado por forças de mercado dentro do local de trabalho, desgastando o modelo de organização burocrática das relações empregatícias padronizadas, no qual era esperado que os trabalhadores trabalhassem em horário integral para um empregador específico no local de trabalho do empregador, muitas vezes subindo de cargo dentro de mercados de trabalho internos (Cappelli, 1999). Tentativas administrativas de conseguir flexibilidade levaram a vários tipos de reestruturação, o que por sua vez levou a um crescimento do trabalho precário e a transformações na natureza das relações empregatícias (Osterman, 1999). Isso, por sua vez, teve - e continua a ter - efeitos de longo alcance em toda a sociedade.

Brasil

No Brasil, a difusão do trabalho precário aconteceu um pouco depois que nos Estados Unidos, nos anos de 1990, com o aumento da privatização e da desregulação que acompanharam um comprometimento a uma ideologia neoliberal e ao "Consenso de Washington". A pauta neoliberal também apareceu tardiamente no Brasil, em comparação com o resto da América Latina, talvez porque já houvesse no país uma estrutura industrial ampla e sofisticada, diferente do que era encontrado nos outros países da América Latina (Luna e Klein, 2006).

A expansão do trabalho precário no Brasil resultou em grande parte das reformas liberais que acompanharam a privatização em meados dos anos de 1990. Um grande número de empresas adotou novas tecnologias e formas de organização do trabalho, o que resultou em um aumento de produtividade. Essas mudanças também significavam que menos trabalhadores eram necessários, o que levou a uma redução da força de trabalho. Houve também um crescimento lento do PNB per capita de 1990 a 2004 (somente 15% durante esse período). Esses fatores levaram a um aumento na insegurança de emprego no setor formal, maior desemprego e expansão do setor informal (Luna e Klein, 2006).

O duplo movimento

O trabalho precário não é novo, mas pode ser visto historicamente como a condição "normal" em economias capitalistas. Nos Estados Unidos, a maioria dos trabalhos eram precários e a maioria dos salários eram instáveis até o fim da Grande Depressão (Jacoby, 1985). Pensões e planos de saúde eram extremamente raros entre as classes trabalhadoras antes dos anos de 1930, e benefícios (como aqueles associados aos experimentos de capitalismo de bem-estar social no início do século XX) dependiam da docilidade do trabalhador em vez de representarem direitos (Edwards, 1979).

A criação, no século XIX, de uma economia com base no mercado exacerbou precariedade durante esse período. Karl Polanyi, em A grande transformação (1944), descreve os princípios organizacionais da sociedade industrial nos séculos XIX e XX como um conflito de "duplo movimento". Um lado desse movimento era guiado pelos princípios do liberalismo econômico e do laissez-faire, que favoreciam o estabelecimento e a manutenção de mercados livres e flexíveis (isto é, a primeira "grande transformação"). O outro era dominado por movimentos em favor de proteções sociais, que eram reações às perturbações psicológicas, sociais e ecológicas que mercados desregulados impunham na vida das pessoas. O longo conflito histórico em relação à segurança do trabalho, que emergiu como reação às conseqüências negativas da precariedade, venceu pelas vitórias do New Deal e outras proteções nos anos de 1930 (Jacoby, 1985).

A Figura 1 ilustra esse "duplo movimento" pendular entre flexibilidade e segurança. Nos Estados Unidos, o crescimento de mercados livres e flexíveis levou a demandas por maior segurança nos anos de 1930 (Commons, 1934) e atualmente. Mercados regulados levaram a demandas por empresas para maior flexibilidade nos anos de 1970 (Standing, 1999).


Conseqüências do trabalho precário

É importante examinar o trabalho precário, pois ele tem inúmeras conseqüências negativas para indivíduos, famílias e sociedades. Já que o trabalho está intimamente ligado a outros eventos sociais, econômicos e políticos, o crescimento do trabalho precário e da insegurança também teve efeitos extensos em fenômenos relacionados ou não ao trabalho.

O trabalho precário produziu insegurança econômica e volatilidade econômica para indivíduos e lares. Contribuiu para a crescente desigualdade econômica e reforçou os sistemas distributivos altamente desiguais e injustos tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil.

O trabalho precário tem também conseqüências abrangentes para indivíduos fora do local de trabalho. Polanyi (1944, p. 73) afirmava que a operação desregulada de mercados livres desloca as pessoas física, psicológica e moralmente. O impacto da incerteza e da insegurança na saúde e no estresse dos indivíduos está bem documentado (Witte, 1999). A experiência da precariedade também corrói a identidade e promove anomia, como argumenta Sennett (1998).

Ademais, o trabalho precário tornou a vida em família mais precária e insegura. Incerteza em relação ao futuro pode afetar as decisões de um casal em relação a coisas importantes como quando casar e ter filhos, bem como quantos filhos ter.

Além do mais, trabalho precário afeta comunidades e lares. O trabalho precário pode levar a uma falta de engajamento social, indicada pelo decrescimento de membros em associações voluntárias e organizações comunitárias, crédito e capital social de uma maneira geral (Putnam, 2000). Isso pode levar a mudanças na estrutura das comunidades, já que as pessoas que perdem seus trabalhos devido ao fechamento de plantas ou redução de funcionários podem não ter mais recursos para viver na comunidade (embora talvez eles não possam vender a casa também, se a redução for muito grande), e novos funcionários podem não conseguir criar raízes devido à incerteza e imprevisibilidade do trabalho.

Insegurança também aumenta tensões sociais. A precariedade pode contribuir para atitudes negativas em relação a imigrantes, já que as comunidades estão vivenciando um aumento de imigrantes, tanto legais quanto ilegais, mais dispostos a trabalhar por salários mais baixos e a tolerar condições de trabalho mais desfavoráveis do que trabalhadores nativos. Insegurança e falta de oportunidades de trabalho também podem contribuir para o crime e a deterioração da vida política (Luna e Klein, 2006).

Tipos de trabalho precário

O trabalho precário é um fenômeno mundial. No entanto, seus aspectos mais problemáticos diferem em cada país, dependendo de seu estágio de desenvolvimento, instituições sociais, culturas e outras diferenças nacionais.

Dimensões de insegurança

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) identificou sete dimensões de precariedade. Elas são inter-relacionadas, e pode-se dizer que algumas "causam" outras. Por exemplo, insegurança de representação pode levar à insegurança relacionada com o trabalho, que por sua vez pode criar insegurança de renda.

Cinco dimensões de precariedade se referem diretamente a emprego e trabalho:

(1) Insegurança do mercado de trabalho (falta de oportunidades de emprego).

(2) Insegurança do trabalho (proteção inadequada contra a perda de emprego ou despedida arbitrária).

(3) Insegurança de emprego (inabilidade de continuar em uma ocupação particular devido à falta de delimitações de ofício e qualificações de trabalho).

(4) Insegurança de segurança e saúde (condições precárias de segurança ocupacional e saúde).

(5) Insegurança de reprodução de experiência (falta de acesso à educação básica e treinamento vocacional).

As outras duas dimensões de precariedade são:

(6) Insegurança de renda (nível inadequado de renda; nenhuma garantia de recebimento ou expectativa de um nível adequado de renda atual e futura). Insegurança de renda indica se as rendas são adequadas e se existem auxílios de renda quando necessários.

(7) Insegurança de representação (falta de direitos individuais em leis e de direitos coletivos para negociar). Esse tipo de insegurança pode ser visto como uma causa dos outros tipos, no sentido em que, se trabalhadores são capazes de exercer representação individual e coletiva, eles são menos propensos a ficarem inseguros em outras dimensões.

A OIT coletou dados desses sete componentes e criou um índice de Segurança Econômica (ILO, 2004). Esse índice sugere que existem diferentes graus de precariedade e insegurança em diversos países. Países europeus como Noruega e Suécia apresentam níveis relativamente baixos de precariedade em relação a essas sete dimensões, mesmo que nesses países haja uma preocupação com a incerteza de provisões de Previdência Social. Países como Estados Unidos, Austrália e Chile apresentam níveis mais altos de insegurança, embora menos do que se poderia esperar com base em suas políticas, que poderiam ser melhoradas. Brasil, Argentina, Rússia e Europa Oriental têm políticas aparentemente boas, mas resultados menos impressionantes do que se poderia esperar com base em suas políticas. Finalmente, muitos países da África, do Oriente Médio e da Ásia (incluindo China e Índia) apresentam níveis relativamente altos de precariedade, e ainda há muito a ser feito para discutir os problemas de insegurança nesses países.

Deve-se enfatizar que mulheres são geralmente mais propensas do que homens a sofrer com insegurança em todas essas dimensões e mulheres são mais propensas a sofrer com o trabalho precário tanto no setor formal quanto no setor informal. O crescimento do trabalho precário gera então um grande desafio na criação de uma maior igualdade de gênero.

Trabalho precário na economia formal

Em países industriais desenvolvidos, os aspectos-chave do trabalho precário estão associados a diferenças em empregos na economia formal, como desigualdade de salários, desigualdade de segurança, vulnerabilidade a demissões (Maurin e Postel-Vinay, 2005) e acordos de trabalho não normatizados. O termo "precariedade" é muitas vezes associado ao movimento social europeu. Sentindo-se desvalorizados pelas empresas, impotentes devido ao decrescimento dos sindicatos, e lutando contra um sistema de previdência em queda, os trabalhadores europeus se tornaram extremamente vulneráveis em relação ao mercado de trabalho e começaram a se organizar em torno do conceito de precariedade, pois enfrentavam condições de moradia e trabalho sem estabilidade ou segurança. O termo "precariedade" era usado nesses países para protestar contra o declínio do trabalho seguro e das proteções sociais.

O crescimento do trabalho precário na economia formal se reflete em vários indicadores (Kalleberg, 2009), incluindo: (1) um declínio no período de tempo em que uma pessoa permanece com um empregador; (2) um aumento no desemprego de longo prazo; (3) um aumento dos acordos de trabalho não normatizados: trabalhadores que são contratados temporariamente com contratos de termos fixos, ou aqueles que são contratados por meio de agências de auxílio temporário e empresas de contratação; e (4) o deslocamento de risco dos empregadores para os empregados por meios tais como a substituição da pensão de contribuição definida e dos planos de saúde definidos (nos quais os empregados pagam mais do prêmio de seguro e absorvem mais do risco do que os empregadores) e o decrescimento de planos de benefícios definidos (nos quais o empregador absorve mais do risco do que o empregado por meio da garantia de um certo nível de benefícios).

Trabalho precário na economia informal

Em países em transição e menos desenvolvidos (incluindo muitos países da Ásia, África e América Latina), o trabalho precário é muitas vezes o padrão e está mais ligado ao trabalho na economia informal do que na formal e se os empregos pagam acima dos salários de miséria. De fato, a maior parte dos trabalhadores se encontra na economia informal (Webster, Lamberte Bezuidenhout, 2008, p. 219). Nessas situações, a "precariedade" sempre existiu e não se refere à remoção de proteções sociais existentes, como na Europa.

O trabalho no setor informal se refere a atividades que se desenvolvem fora da regulamentação do Estado. Inclui pessoas que são "vendedores ambulantes, pequenos varejistas ou artesãos, oferecem todo o tipo de serviço pessoal, ou se deslocam entre diferentes campos de atividade, formas de trabalho e treinamento" (Beck, 2000, p. 1-2). Trabalhadores na economia informal são em geral relativamente inexperientes e muitas vezes se dedicam a várias atividades, como uma variedade de combinações de trabalhos de meio período, contratos casuais, trabalhos não-remunerados e atividades voluntárias. O trabalho na economia informal é via de regra precário, já que geralmente os trabalhadores não recebem os mesmos níveis de proteção social que recebem os trabalhadores do setor formal. No entanto, existem variações em relação à insegurança no setor informal, pois alguns padrões de trabalho informal são relativamente estáveis e executadas por redes bem desenvolvidas e relações sociais de confiança.

A informalidade é especialmente relevante para a América Latina. Todos os países da América Latina enfrentam a expansão do mercado de trabalho informal e as conseqüências de seu impacto na previdência social. Há uma variedade de razões para a existência do setor informal e as mudanças nele. No Brasil, o crescimento do setor informal está ligado às suas fortes leis trabalhistas, que tornam difícil a demissão (o que deixa o empregador relutante em contratar trabalhadores). Ademais, empregadores precisam pagar uma taxa ao governo para cada trabalhador (o INSS), além do salário. Essas condições criam incentivos para a contratação de pessoas no setor informal.

É difícil medir ao certo o tamanho do setor informal. No entanto, o Banco Inter-Americano de Desenvolvimento (2006) estima que 46% das vagas de trabalho no Brasil em 2005 se encontravam no setor formal (isto é, "trabalhadores com previdência social"), o que representa um aumento dos 41% de 1997 (ver Figura 2).


Outra maneira de medir o tamanho do setor informal é pela porcentagem do Produto Doméstico Bruto (PDB), arrecadado pelas atividades do setor informal. A Figura 3 - que compara a proporção do PDB fornecido pelo setor informal no Brasil a outros países - mostra que as atividades do setor informal somam 40% do PDB brasileiro, um pouco abaixo da média de 41%.


Trabalho precário e políticas públicas

O crescimento do trabalho precário cria novos desafios e oportunidades para sociólogos que buscam explicar esse fenômeno e desejam ajudar na elaboração de políticas efetivas para lidar com seu caráter e conseqüências emergentes. Atualmente, existe um vácuo teórico na nossa compreensão dos mecanismos que geram a precariedade e suas soluções. Esse vácuo fornece um espaço intelectual para cientistas sociais explicarem a natureza do trabalho precário e oferecerem possíveis soluções de políticas públicas.

Hoje em dia, são os economistas que dominam as discussões sobre políticas públicas. Economistas do trabalho, por exemplo, assumiram o comando na produção de estudos detalhados sobre o que está acontecendo no mundo do trabalho, fornecendo àqueles que fazem as políticas descrições-chave e fatos que precisam ser abordados. Já que as questões relacionadas ao trabalho precário e à insegurança empregatícia estão enraizadas nas forças sociais e políticas - e a economia está, como Polanyi (1944) e muitos outros economistas têm observado, enraizada nas relações sociais -, sociólogos e outros cientistas sociais hoje em dia têm uma grande oportunidade de ajudar a moldar políticas públicas para explicar como fatores culturais e institucionais amplos geram insegurança e desigualdade. Tais explicações são o primeiro passo essencial na estruturação de políticas para lidar com as causas e as conseqüências da precariedade e para reconstruir o contrato social.

Todos os países industriais enfrentam um problema básico para equilibrar segurança (devido à precariedade) e flexibilidade (devido à competição), as duas dimensões do "duplo movimento" de Polanyi. Países têm buscado solucionar esse dilema de diferentes maneiras, e as soluções são locais, específicas para certos contextos. Em alguns países, o socialismo foi adotado para lidar com as incertezas associadas à rápida mudança social. No final dos anos 1980, esse sistema estava desacreditado, e o capitalismo se tornou a forma econômica dominante. A pergunta agora é: quais tipos de arranjos institucionais estão sendo colocados em prática para reduzir os riscos e a insegurança dos empregadores? O grau para o qual os empregadores são capazes de deslocar os riscos aos empregados depende do relativo poder e controle dos trabalhadores. Diferentes regimes de trabalho têm produzido soluções diferentes.

Segurança do trabalho versus segurança do mercado de trabalho

O relacionamento entre precariedade e insegurança econômica, entre outras formas, irá variar de país para país, dependendo de suas proteções empregatícias e sociais além das condições do mercado de trabalho. Assim, não é a precariedade no trabalho que varia de país para país tanto quanto a insegurança. Isso corresponde à distinção entre insegurança empregatícia em oposição à insegurança do mercado de trabalho: trabalhadores em países com melhores proteções sociais são menos propensos a sofrer com a insegurança do mercado de trabalho, embora não menos propensos a sofrer com a insegurança do trabalho (Anderson e Pontusson, 2007).

Políticas devem buscar alcançar duas coisas. Primeiro, as forças que levaram ao crescimento do trabalho precário não mostram sinais de enfraquecimento sob o presente modelo hegemônico de globalização de mercado livre. Por isso, políticas públicas eficazes devem buscar ajudar as pessoas a lidar com a incerteza e a imprevisibilidade de seus trabalhos - e a resultante confusão e aumento da desordem e da insegurança em suas vidas - e ao mesmo tempo preservar alguma flexibilidade que os empregadores exigem para competir em um mercado global. Segundo, as políticas devem buscar também criar e estimular o crescimento de empregos não-precários sempre que possível.

A necessidade mais urgente é o seguro-saúde para todos os cidadãos que não têm vínculo com um empregador particular, mas são ambulantes. Isso reduziria muitas conseqüências negativas associadas ao desemprego e à mudança de emprego. Isso é um problema maior nos Estados Unidos do que no Brasil, onde a Constituição garante assistência médica gratuita e universal para todos os cidadãos, e mesmo quem trabalha no setor informal tem direito a essas proteções. Outra necessidade é a pensão portátil para complementar a previdência social e ajudar as pessoas a se aposentarem com dignidade. É preciso haver seguros melhores para compensar os riscos de desemprego e volatilidade de renda (Hacker, 2006). Essas formas de segurança devem estar disponíveis para todos.

É preciso também criar empregos mais seguros. Políticas públicas podem incentivar empresas a criar empregos mais seguros por meio do restabelecimento de normas no mercado de trabalho (para o salário mínimo) ou fornecendo taxas de crédito a empresas que investem no treinamento de empregados e outras estratégias primordiais. No entanto, confiar no setor privado para gerar empregos bons e estáveis é uma estratégia limitada, já que empresas privadas são por si mesmas relativamente precárias. Uma abordagem keynesiana para a criação de empregos públicos pode gerar empregos mais seguros, bem como satisfazer nossas necessidades nacionais mais iminentes, como a reconstrução das nossas infra-estruturas deterioradas e a melhoria nos empregos mal remunerados nos setores de assistência médica, assistência de idosos e assistência infantil. A crise financeira atual criou uma oportunidade para a implementação de soluções keynesianas.

A habilidade dos trabalhadores em empreender uma ação coletiva - por meio de sindicatos e outras organizações - é essencial para os esforços sérios em tratar da questão do trabalho precário e em criar um contra-movimento democrático que implementa os tipos de investimentos sociais e proteções sociais que lidam com os problemas criados pelo trabalho precário ou a criação de empregos mais seguros. Ademais, a natureza global dos problemas relacionados à precariedade destaca a necessidade de soluções locais, para serem vinculadas a sindicatos transnacionais, normas internacionais de trabalho e outros esforços globais (Silver, 2003; Webster, Lambert e Bezuidenhout, 2008).

Um contra-movimento democrático deve também engajar as políticas públicas, iniciando um debate sério acerca da forma de globalização. Precisamos criar uma nova consciência social que vê a globalização como um conjunto particular de escolhas políticas, e não como um aspecto inevitável e imutável do desenvolvimento econômico. Esse debate é crítico no ambiente atual, dado a crescente crise financeira mundial.

O exemplo dinamarquês ilustra que é possível ter aumento de precariedade com um empregador qualquer, porém políticas locais produzem maior segurança no mercado de trabalho. Na Dinamarca, a segurança em qualquer emprego é relativamente baixa, mas a segurança do mercado de trabalho é bastante alta, já que trabalhadores desempregados têm grande quantidade de proteções e ajuda para encontrar um novo emprego (e compensação de renda, educação, treinamento de emprego). Esse famoso sistema de "flexurança" [flexibilidade e segurança] combina "regras flexíveis de contratação e demissão e um sistema de Previdência Social para trabalhadores" (Westergaard-Nielsen, 2008, p. 44). Esse exemplo de flexurança sugere que há boas razões para ser otimista em relação à eficácia de intervenções de políticas apropriadas para tratar da precariedade.

Conclusões

As mudanças estruturais que levaram ao trabalho e às relações de trabalho precárias não são fixas, nem são conseqüências irreversíveis e inevitáveis de forças econômicas. O grau de precariedade varia entre organizações dentro dos Estados Unidos e do Brasil, dependendo do relativo poder dos empregadores e empregados e da natureza de seus contratos sociais e psicológicos. Além do mais, a grande variedade de soluções para o objetivo duplo de flexibilidade e segurança adotado por diferentes regimes empregatícios ao redor do mundo ressalta o potencial de forças políticas, ideológicas e culturais para moldar a organização do trabalho e a necessidade de soluções globais.

Existem muitos obstáculos para a implementação dos tipos de investimentos sociais e proteções sociais que resumi aqui. Todavia, um entendimento claro da natureza do problema, combinado com a identificação de alternativas plausíveis e a vontade política de atingi-las - sustentado pelo poder coletivo dos trabalhadores -, oferece a promessa da geração de um contra-movimento eficaz.

BIBLIOGRAFIA

ANDERSON, Christopher J. & PONTUSSON, Jonas. (2007), "Workers, worries and welfare states: social protection and job insecurity in 15 OECD countries". European Journal of Political Research, 46 (2): 211-235.

BECK, Ulrich. (2000), The brave new world of work. Cambridge, Polity Press.

BERNSTEIN, Jared. (2006), All together now: common sense for a new economy. San Francisco, Berrett-Koehler Publishers.

BOURDIEU, Pierre. (1998), "La précarité est aujourd'hui partout", in _________, Contre-feux, Paris, Liber-Raison d'Agir, pp. 95-101.

CAPPELLI, Peter. (1999), The New Deal at work: managing the market-driven workforce. Boston, Harvard Business School Press.

COMMONS, John R. (1934), Institutional economics: its place in political economy. Nova York, The Macmillan Company.

EDWARDS, Richard. (1979), Contested terrain: the transformation of the workplace in the twentieth century. Nova York, Basic Books.

HACKER, Jacob. (2006), The great risk shift. Nova York, Oxford University Press.

INTER-AMERICAN DEVELOPMENT BANK. (2006), Labor compass: overview of labor markets in Latin America. May.

INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION - ILO. (2004), Economic security for a better world. Geneva, Socio-Economic Security Programme, International Labour Office.

JACOBY, Sanford M. (1985), Employing bureaucracy: managers, unions, and the transformation of work in the 20th century. Nova York, Columbia University Press.

KALLEBERG, Arne L. (2009), "Precarious work, insecure workers: employment relations in transition". American Sociological Review, no prelo.

LUNA, Francisco Vidal & KLEIN, Herbert S. (2006), Brazil since 1980. Nova York, Cambridge University Press.

MAURIN, Eric & POSTEL-VINAY, Fabien. (2005), "The european job security gap", Work and Occupations, 32: 229-252.

OSTERMAN, Paul. (1999), Securing prosperity: how the american labor market has changed and what to do about it. Princeton, Princeton University Press.

POLANYI, Karl. (1944), The great transformation. Nova York, Farrar and Rinehart.

PUTNAM, Robert. (2000), Bowling alone: the collapse and revival of american community. Nova York, Simon and Schuster.

SCHNEIDER, Friedrich. (2002), "Size and measurement of the informal economy in 110 countries around the world". Trabalho apresentado no Workshop of Australian National Tax Centre, ANU, Canberra.

SENNETT, Richard. (1998), The corrosion of character: the personal consequences of work in the new capitalism. Nova York, W.W. Norton.

SILVER, Beverly J. (2003), Forces of labor: workers'movements and globalization since 1870. Cambridge, Cambridge University Press.

STANDING, Guy. (1999), Global labour flexibility: seeking distributive justice. Nova York, St. Martin's Press.

WEBSTER, E., LAMBERT, R. & BEZUIDENHOUT, A. (2008), Grounding globalization: labour in the age of insecurity. Oxford, Blackwell.

WESTERGAARD-NIELSEN, Niels (ed.). (2008), Low-wage work in Denmark. Nova York, Russell Sage Foundation.

WITTE, Hans de. (1999), "Job insecurity and psychological well-being: review of the literature and exploration of some unresolved issues". European Journal of Work and Organizational Psychology, 8 (2): 155-177.

  • ANDERSON, Christopher J. & PONTUSSON, Jonas. (2007), "Workers, worries and welfare states: social protection and job insecurity in 15 OECD countries". European Journal of Political Research, 46 (2): 211-235.
  • BECK, Ulrich. (2000), The brave new world of work Cambridge, Polity Press.
  • BERNSTEIN, Jared. (2006), All together now: common sense for a new economy San Francisco, Berrett-Koehler Publishers.
  • BOURDIEU, Pierre. (1998), "La précarité est aujourd'hui partout", in _________, Contre-feux, Paris, Liber-Raison d'Agir, pp. 95-101.
  • CAPPELLI, Peter. (1999), The New Deal at work: managing the market-driven workforce. Boston, Harvard Business School Press.
  • COMMONS, John R. (1934), Institutional economics: its place in political economy Nova York, The Macmillan Company.
  • EDWARDS, Richard. (1979), Contested terrain: the transformation of the workplace in the twentieth century Nova York, Basic Books.
  • HACKER, Jacob. (2006), The great risk shift. Nova York, Oxford University Press.
  • INTER-AMERICAN DEVELOPMENT BANK. (2006), Labor compass: overview of labor markets in Latin America. May.
  • INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION - ILO. (2004), Economic security for a better world Geneva, Socio-Economic Security Programme, International Labour Office.
  • JACOBY, Sanford M. (1985), Employing bureaucracy: managers, unions, and the transformation of work in the 20th century Nova York, Columbia University Press.
  • KALLEBERG, Arne L. (2009), "Precarious work, insecure workers: employment relations in transition". American Sociological Review, no prelo.
  • LUNA, Francisco Vidal & KLEIN, Herbert S. (2006), Brazil since 1980 Nova York, Cambridge University Press.
  • MAURIN, Eric & POSTEL-VINAY, Fabien. (2005), "The european job security gap", Work and Occupations, 32: 229-252.
  • OSTERMAN, Paul. (1999), Securing prosperity: how the american labor market has changed and what to do about it Princeton, Princeton University Press.
  • POLANYI, Karl. (1944), The great transformation. Nova York, Farrar and Rinehart.
  • PUTNAM, Robert. (2000), Bowling alone: the collapse and revival of american community. Nova York, Simon and Schuster.
  • SCHNEIDER, Friedrich. (2002), "Size and measurement of the informal economy in 110 countries around the world". Trabalho apresentado no Workshop of Australian National Tax Centre, ANU, Canberra.
  • SENNETT, Richard. (1998), The corrosion of character: the personal consequences of work in the new capitalism Nova York, W.W. Norton.
  • SILVER, Beverly J. (2003), Forces of labor: workers'movements and globalization since 1870 Cambridge, Cambridge University Press.
  • STANDING, Guy. (1999), Global labour flexibility: seeking distributive justice Nova York, St. Martin's Press.
  • WEBSTER, E., LAMBERT, R. & BEZUIDENHOUT, A. (2008), Grounding globalization: labour in the age of insecurity Oxford, Blackwell.
  • WESTERGAARD-NIELSEN, Niels (ed.). (2008), Low-wage work in Denmark Nova York, Russell Sage Foundation.
  • WITTE, Hans de. (1999), "Job insecurity and psychological well-being: review of the literature and exploration of some unresolved issues". European Journal of Work and Organizational Psychology, 8 (2): 155-177.
  • *
    Revisão do trabalho apresentado na Conferência do Centro de Estudos dos Direitos da Cidadania (Cenedic) na Universidade de São Paulo (21 de outubro de 2008), no seminário do Departamento de Sociologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (23 de outubro de 2008) e no XXXII Encontro Anual da Anpocs em Caxambu, MG, em 28 de outubro de 2008.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Maio 2009
    • Data do Fascículo
      Fev 2009
    Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 - sala 116, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 3091-4664, Fax: +55 11 3091-5043 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: anpocs@anpocs.org.br