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Histórias de quem quer fugir e de quem quer ficar: laços comunitários nas cambiantes periferias de São Paulo

Stories of those who want to flee and those who want to stay: community ties in the changing peripheries of São Paulo

Resumo:

Este texto analisa a possibilidade de formação de relações comunitárias, entendidas como experiências pessoais significativas associadas ao local de moradia, entre moradores das periferias de São Paulo em um contexto de aumento das oportunidades de mobilidade social. Para isso, foi realizada uma pesquisa multimetodológica em dois bairros periféricos da cidade. Para cada uma das três gerações são analisadas as experiências em torno dos espaços de sociabilidade, a representação da violência urbana, as dinâmicas de religiosidade e as perspectivas de mobilidade social como elementos explicativos para a formação ou não dessas relações. O artigo emprega um olhar empírico para o debate teórico a respeito das relações entre vizinhança e comunidade e para as transformações históricas ocorridas nas periferias urbanas brasileiras nas últimas décadas. Argumenta-se que a construção de discursos normalizadores, distintivos ou identitários com relação à estigmatização de territórios periféricos irá depender das experiências locais desenvolvidas em cada grupo geracional. O desejo de ficar ou fugir da periferia é lido como expressão máxima da existência ou não desse tipo de relação comunitária na vizinhança.

Palavras-chave:
periferias urbanas; sociabilidade; estigmatização territorial; comunidade; mobilidade social

Abstract:

This text analyzes the possible formation of community ties among São Paulo’s peripheries residents. Community ties are understood as significant personal experiences associated with the place of residence. The text is based on a multi-methodological research carried out in two peripheral neighborhoods. The experiences surrounding the spaces of sociability, the representation of urban violence, the dynamics of religiosity and the perspectives of social mobility are mobilized as explanatory elements for the formation or not of these ties for each of the three generations identified. The paper takes an empirical look at the theoretical debate regarding the relations between neighborhood and community and the historical transformations that have taken place in Brazilian urban peripheries in recent decades. It is argued that the construction of normalizing, distinctive or identitarian discourses regarding the territorial stigmatization will depend on local experiences developed in each generational group. The desire to stay or escape from the periphery is read as the ultimate expression of whether or not this type of community relationship exists in the neighborhood.

Keywords:
urban peripheries; sociability; territorial stigmatization; community; social mobility

Introdução

Este texto busca dialogar com a literatura sociológica urbana a respeito da importância das relações estabelecidas no nível da vizinhança para a construção de relações comunitárias. As relações comunitárias são entendidas como aquelas experiências pessoais significativas associadas ao local de moradia, ou seja, que trazem consigo uma identificação com o lugar e que são contrapostas aos discursos que “só valorizam” os crimes que ali ocorrem (Birman, 2008BIRMAN, Patricia. (2008), “Favela é comunidade?”, in L. A. Machado da Silva (org.), Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Nova Fronteira.). O foco, portanto, está na produção da localidade, entendida aqui como relacional e contextual e não escalar ou espacial, dotada de uma qualidade fenomenológica que se diferencia da vizinhança (Appadurai, 1996APPADURAI, Arjun. (1996), “The production of locality”, in Modernity at large. Londres, Public Words.). Nesse contexto, o desejo de permanecer ou sair da periferia é a expressão máxima da existência ou não de relações comunitárias.

Desde as décadas de 1970 e 1980, quando os primeiros estudos acadêmicos se debruçaram sobre a realidade dos moradores das periferias de São Paulo, essas regiões passaram por intensas transformações em praticamente todos os aspectos. Naquele período, as condições de vida associadas à “vivência da pobreza e à experiência comum de discriminação”, que enfatizava certas carências, percebidas como injustas (Cardoso, 1984CARDOSO, Ruth. (1984), “Movimentos sociais urbanos: balanço crítico”, in B. Sorj e M. H. T. Almeida (org.), Sociedade política no Brasil pós-64. Rio de Janeiro, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais.); a relativa homogeneidade religiosa em torno da Igreja Católica marcada pela forte presença das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) (Telles, 1986TELLES, Vera. (1986), “Anos 70: experiência e práticas cotidianas”, in P. Krischke e S. Mainwaring (org.), A Igreja nas bases em tempo da transição (1974-1985), Porto Alegre, L&PM-Cedec.; Macedo,1986MACEDO, Carmen. (1986), Tempo de gênesis: o povo das comunidades eclesiais de base. São Paulo, Brasiliense.); o funcionamento da família como unidade moral e econômica (Durham, 1988DURHAM, Eunice. (1988), “A sociedade vista da periferia”, in: L. Kowarick (org.), As lutas sociais e a cidade: São Paulo: passado e presente. Rio de Janeiro: Paz e Terra.) e a eventual mobilização política em torno de movimentos por melhorias nos bairros ou no mundo do trabalho (Sader, 1988SADER, Eder. (1988), Quando novos personagens entraram em cena: experiências, falas e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo (1970-80). Rio de Janeiro, Paz e Terra.) acabava por homogeneizar as periferias da cidade e colocar eventuais diferenças em segundo plano. Em suma, produzia-se um tipo de sociabilidade e comunicabilidade bastante particular favorecido pelas “cercas precáriase ruas estreitas, que gerava grande proximidade entre os moradores (Caldeira, 1984CALDEIRA, Teresa. (1984), A política dos outros: o cotidiano dos moradores da periferia e o que pensam do poder e dos poderosos. São Paulo, Editora Brasiliense.). Consequentemente, a ideia de que essas regiões funcionavam como uma comunidade em seu sentido forte, isto é, “como uma experiência de igualdade”, articulada em torno de ”uma intrincada rede de relações formada por laços de parentesco, vizinhança e coleguismo” – consolidado na categoria nativa do pedaço (Magnani, 2003MAGNANI, José Guilherme. (2003), Festa no pedaço: cultura popular e lazer na cidade. 3a. São Paulo, Hucitec; Unesp., p.113-115) – era bastante disseminada.

Nos últimos 30 anos, contudo, a homogeneidade no modo de vida e nas condições sociais deu lugar a uma crescente heterogeneidade em praticamente todos os aspectos. Essa heterogeneidade é demarcada por diversos estudos recentes e perpassa questões econômicas e sociais (Marques, 2014MARQUES, Eduardo. (2014), “Estrutura social e segregação em São Paulo: transformações na década de 2000”. DADOS - Revista de Ciências Sociais 57 (3): 675-710. DOI: https://doi.org/10.1590/00115258201421.
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; Fontes, 2018aFONTES, Leonardo (2018a), O direito à periferia: experiências de mobilidade social e luta por cidadania entre trabalhadores periféricos de São Paulo. Tese de doutorado. Instituto de Estudo Sociais de Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro., 2018cFONTES, Leonardo. (2018c), “São Paulo nos anos 2000: segregação urbana e mobilidade social em termos de renda e escolaridade. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, 20, 2: 304–32. DOI: https://doi.org/10.22296/2317-1529.2018v20n2p304.
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), em termos de religiosidade (Almeida, 2004ALMEIDA, Ronaldo. (2004), “Religião na metrópole paulista”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 19, 56: 15–27.), mas também se manifesta em termos morais e políticos (Feltran, 2011FELTRAN, Gabriel. (2011), Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo, Unesp.; 2014FELTRAN, Gabriel. (2014). “Valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo”. Caderno CRH, 27, 72: 495–512. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-49792014000300004.
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). Ademais, a violência urbana, entendida aqui como representação coletiva, passou a funcionar como categoria do senso comum à qual os moradores se referem para orientar suas ações do ponto de vista moral e instrumental (Machado da Silva, 2004MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio. (2004), “Sociabilidade violenta: por uma interpretação da criminalidade contemporânea no Brasil urbano”. Sociedade e Estado 19,1: 53–84. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-69922004000100004.
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; Feltran, 2014FELTRAN, Gabriel. (2014). “Valor dos pobres: a aposta no dinheiro como mediação para o conflito social contemporâneo”. Caderno CRH, 27, 72: 495–512. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-49792014000300004.
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).

Diante de todos esses processos, a família, a religião, o mundo do trabalho, os sindicatos e outras organizações da sociedade civil tornaram-se progressivamente menos capazes de atuar na formação e consolidação de uma comunidade moral ou política. Assim, há um certo consenso tácito na literatura contemporânea de que a relação entre vizinhança-localidade-comunidade teria se perdido nas periferias urbanas, na medida em que foram ampliadas suas heterogeneidades internas.

Este texto busca mudar o foco do contexto em que as pessoas estão inseridas para o conteúdo da experiência que vivenciam e o significado que lhes atribuem (Blokland, 2003BLOKLAND, Talja. (2003), Urban Bonds. Cambridge, Polity.), uma vez que a relação da localidade e da vizinhança com o contexto é histórica e dialética (Appadurai, 1996APPADURAI, Arjun. (1996), “The production of locality”, in Modernity at large. Londres, Public Words.). É preciso, então, identificar e interpretar as “situações que criam comunidade” e que permitem “encontros ritualizados”, nos quais é possível “viver a cidade a longo prazo” e que podem vir em forma de manifestações culturais e/ou políticas (Agier, 2011AGIER, Michel. (2011), Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. Tradução de Graça Indias Cordeiro. São Paulo, Terceiro Nome.).

Com isso, pretende-se submeter a ideia de capital social e de redes sociais à crítica dos estudos urbanos, de modo a analisar as relações sociais dentro de um determinado contexto histórico, geográfico e cultural. De um lado, é preciso ir além do caráter meramente instrumental implícito na ideia de capital social, que, embora presente em muitas situações, não é capaz de abranger toda sua complexidade. De outro, a contextualização e o aprofundamento das redes sociais é relevante para discutirmos as características da sociação1 1 Seguindo Simmel (1971) a sociação pode ser entendida como as múltiplas formas pelas quais os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Nesse sentido, a sociabilidade é entendida por ele como forma pura de sociação uma vez que o interesse daqueles que se engajam está apenas na construção e manutenção da relação em si. tais como confiança, reciprocidade, honra, status ou reputação e cooperação (Blokland e Savage, 2008)BLOKLAND, Talja; SAVAGE, Michael. (2008), “Social capital and networked urbanism”. Networked urbanism: social capital in the city. Aldershot, England; Burlington, VT: Ashgate..

Este texto está dividido em mais cinco partes, além desta introdução. Na segunda parte, será abordada a metodologia utilizada e serão apresentados alguns dados quantitativos sobre sociabilidade nos bairros pesquisados. As três seções seguintes abordarão, de forma qualitativa, cada uma das gerações identificadas ao longo da pesquisa e suas especificidades em termos de relações sociais desenvolvidas na vizinhança, com destaque para a experiência que cada grupo desenvolveu em meio às mudanças estruturais que lhes são impostas e, por consequência, seus desejos de ficar ou sair do bairro. Reservo, no fim, algumas linhas para as considerações finais.

Metodologia e dados

Este texto é baseado em uma pesquisa que realizo desde 2015 em dois distritos da periferia de São Paulo: Jardim Ângela, na zona sul, e Brasilândia, na região norte da cidade. Ainda que haja diferenças históricas e de perfil entre as duas regiões,2 2 Para um detalhamento do perfil sócio-ocupacional das duas regiões, bem como de suas diferenças históricas em termos de período de urbanização, ver Fontes (2018a). optei, neste texto, por não enfatizá-las, uma vez que as cenas etnográficas e os personagens apresentados, compreendidos como casos particulares do possível (Bachelard, 1984BACHELARD, Gaston. (1984), “O novo espírito científico”, in Os Pensadores, São Paulo, Abril Cultural.), estão relacionados com a heterogeneidade interna aos bairros e não com o distrito onde se situam.

A pesquisa que sustenta os argumentos aqui desenvolvidos foi construída sob uma estratégia multimetodológica, com o intuito de facilitar a triangulação das múltiplas perspectivas possíveis (Crow e Mah, 2012CROW, Graham; MAH, Alice. (2012), “Conceptualisations and meanings of ‘community’: The theory and operationalization of a contested concept”. Research Report. Connected Communities.) e integrar métodos quantitativos e qualitativos, de forma que cada um possa trazer suas contribuições às questões propostas em ciclos contínuos de descoberta e refinamento (Seawright, 2016SEAWRIGHT, Jason. (2016). Multi-Method Social Science: Combining Qualitative and Quantitative Tools. UK, Cambridge University Press.).

Os dados quantitativos foram coletados a partir de um survey realizado no início da pesquisa de campo, no primeiro semestre de 2015. Foram realizadas entrevistas em 391 residências, divididas entre os dois distritos mencionados. Dentro dos distritos, foram escolhidas ruas aleatoriamente e nessas ruas foi entrevistada uma pessoa de uma a cada dez residências.3 3 Agradeço a Alba Zaluar (in memoriam) e ao CNPq e à FAPERJ que financiaram a realização desse survey. Agradeço também a Mário Monteiro, pelo auxílio estatístico no recorte e seleção da amostra, bem como a Antonia Malta Campos, Juliana Borre, David da Silva Junior e Fabiano Santos que contribuíram na aplicação dos questionários. Apliquei pessoalmente cerca de metade dos questionários e a outra metade foi aplicada pelos pesquisadores citados.

Para a parte qualitativa da pesquisa, duas estratégias de entrada em campo foram utilizadas. A primeira delas partiu da realização da observação participante em espaços de participação política ou de sociabilidade como os conselhos ligados a políticas públicas e os saraus de poesia que acontecem nas duas regiões. A partir destes ambientes, procurei estabelecer relações com alguns de seus membros e seguir suas trajetórias e espaços de sociabilidade, de modo entender o presente para seguir em direção ao passado (Whyte, 2005WHYTE, William Foote. (2005). Sociedade de Esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. São Paulo, Companhia das Letras.).

A segunda estratégia de entrada em campo se deu justamente por meio do mencionado survey. A partir das primeiras entrevistas e da tabulação dos dados coletados, selecionei alguns interlocutores para a realização de outras entrevistas em profundidade, por entender que suas histórias de vida e práticas cotidianas seriam representativas de importantes processos que eram de interesse da pesquisa.

Para efeitos de caracterização da amostra, cumpre apontar que entre os respondentes do survey 42,9% eram homens e 56,9%, mulheres. 39,5% declararam-se brancos, 19,9% pretos e 37,5% pardos, os demais se declararam como amarelos, indígenas ou preferiram não se identificar. No aspecto religioso, 52% se disseram católicos, 24% evangélicos pentecostais, 7% evangélicos não pentecostais, 8% se declararam ateus ou sem religião; outras religiões somam 9,5% da amostra.4 4 Para mais detalhes a respeito dos dados socioeconômicos identificados pelo survey que aplicamos ver Fontes (2018a)

Os dados do survey, apresentados na tabela 1, permitem uma primeira aproximação do problema proposto. Duas perguntas foram feitas a respeito da sociabilidade local: uma sobre a frequência de conversas com pessoas do bairro e a outra a respeito da troca de favores entre elas.5 5 A pergunta sobre troca de favores foi feita tendo como pano de fundo as teorias a respeito da dádiva como paradigma das relações sociais (Mauss, 2013; Godbout & Caillé, 1999). Dividi os entrevistados em três grupos etários que correspondem, grosso modo, a cada uma das gerações aqui analisadas. No entanto, não se trata de uma correspondência perfeita, mas de uma aproximação analítica, uma vez que o entendimento das gerações aqui proposto é de caráter qualitativo, tendo como foco as experiências subjetivamente vivenciadas a partir de influências comuns (Mannheim, 1952MANNHEIM, Karl. (1952), “The problem of generations”, in Essays on the Sociology of Knowledge. London, Routledge.).

Tabela 1
- Relações dos moradores com a vizinhança

Os dados mostram que no grupo com mais de 50 anos, 47,3% das pessoas afirmam conversar mais de duas vezes por semana com seus vizinhos. Essa taxa cai para 31,7% na faixa intermediária de idade e para 26,2% entre os mais jovens.6 6 A soma dos valores não totaliza 100% devido à exclusão das não respostas. Separei analiticamente três grupos com relação aos níveis de sociabilidade local. O primeiro, com alta sociabilidade (verde), engloba todos que afirmam conversar com os vizinhos mais de duas vezes por semana e os que conversam com os vizinhos pelo menos uma vez por semana e têm costume de trocar favor com eles pelo menos uma vez por semana. O segundo grupo, com nível intermediário de sociabilidade local (azul), é composto por aqueles que conversam e têm o hábito de trocar favores menos de uma vez por semana com seus vizinhos, excluídos os extremos que nunca conversam ou conversam mais de duas vezes por semana com os vizinhos. Por fim, o grupo de baixa sociabilidade local (vermelho), é formado por aqueles que ou nunca conversam ou nunca trocam favores com seus vizinhos, excluídos os que nunca trocam favores, mas conversam com os vizinhos mais de duas vezes por semana.

Na primeira geração, representada aqui pela coorte de idade daqueles que têm mais de 50 anos, 50,9% dos entrevistados se encaixam no grupo com alta sociabilidade, 15% no grupo com sociabilidade intermediária e 28,7% o grupo com baixa sociabilidade local. Na segunda coorte, com idade entre 30 e 50 anos, o grupo com alta sociabilidade cai para 38,6%, o grupo com sociabilidade intermediária vai a 20,7% e o grupo com baixa sociabilidade representa 36,6% do total. Por fim, na geração mais jovem, o grupo com alta sociabilidade é ainda menor e representa 31,6%, os que têm um nível de sociabilidade intermediário são 19,7% e o grupo com baixa sociabilidade é de 39,5%. Portanto, conforme cai a idade dos entrevistados, há uma notável queda no nível de sociabilidade vicinal.

Os casos apresentados a seguir foram escolhidos por serem representativos das características de sociabilidade destacadas acima e também por expressarem fenômenos teóricos ressaltados na introdução deste texto. Além disso, os casos também se destacaram como representativos ao longo do próprio processo etnográfico. Ao longo da pesquisa de campo, realizei entrevistas em profundidade gravadas com 82 pessoas, que foram transcritas e analisadas a partir da leitura e do cruzamento com anotações feitas em meu caderno de campo. Nesse contexto, é possível dizer que, guardadas as devidas singularidades, o caso de Dona Cida, apresentado na seção seguinte, pode ser enquadrado em uma mesma categoria que 12 dos 13 entrevistados da primeira geração. O caso de Reginaldo, apresentado na seção subsequente, se encaixa na mesma categoria de 25 dos 44 entrevistados da segunda geração. Denis e Miguel, também na seção 4, ilustram a situação de 14 dos 44 entrevistados da segunda geração. Finalmente, Michel e Mari, apresentados na seção 5, se aproximam analiticamente de 19 dos 25 entrevistados da terceira geração.7 7 Cumpre salientar que utilizei a técnica bola de neve, na qual é solicitada a um interlocutor a indicação de outras pessoas para a pesquisa. Por isso, é de se esperar que haja certa proximidade entre as pessoas indicadas.

A primeira geração e as histórias de quem quer ficar: construção da casa, do bairro e o engajamento comunitário

Cheguei à Rua de Cima,8 8 O nome da rua e dos interlocutores foi alterado para preservar a identidade e privacidade das pessoas. Todos os interlocutores aqui citados assinaram termo de consentimento livre e esclarecido para participarem da pesquisa. na Brasilândia, procurando por Dona Cida. Ela me fora apontada como pessoa ideal para conversar a respeito da história da Comunidade Eclesial de Base (CEB) que ainda funciona na viela que fica no fim da rua, na laje improvisada de uma casa.

Era uma das primeiras vezes que ia para aquele pedaço do bairro e mesmo olhando a direção em um mapa em meu celular, errei a entrada da rua. Ao fundo, avistei um bar onde pensei em pedir informação. Antes de chegar lá, no entanto, fui abordado por um rapaz fumando um cigarro de maconha que calculo não ter mais do que 14 anos. Na frente do bar, alguns garotos conversavam e jogavam bola. Seu tom incisivo e o movimento em volta com outros garotos, que mesmo realizando outras atividades mantinham-se vigilantes, me fez perceber que havia parado por engano em uma biqueira.9 9 Em São Paulo, os pontos de venda de drogas são chamados de biqueira ou lojinha.

A relativa tranquilidade do lugar, sem a presença de pessoas armadas e com risco reduzido de conflitos é significativo de como opera o tráfico de drogas nas periferias e favelas de São Paulo (Hirata e Grillo, 2017)HIRATA, Daniel; GRILLO, Carolina. (2017), “Sintonia e amizade entre patrões e donos de morro: perspectivas comparativas entre o comércio varejista de drogas em São Paulo e no Rio de Janeiro”. Tempo Social 29, 2: 75-97. DOI: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2017.125494.
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, onde o conflito armado é, atualmente, exceção e não a regra. Após um breve estranhamento, o próprio rapaz que parecia coordenar o movimento naquele ponto me indicou que a Rua de Cima era paralela à que eu me encontrava e que eu poderia acessá-la subindo uma escadaria à minha esquerda.

O curto caminho de subida foi perpassado por um intenso cheiro de esgoto que corria a céu aberto. O perfil das casas, muitas ainda feitas de madeira e quase sem distância entre elas, e a ausência de saneamento básico me indicavam que aquela era uma das partes mais pobres da região. O contraste era evidente com outras ruas do próprio bairro e mesmo com outras casas na mesma rua que contavam com muros, grades e com um acabamento muitas vezes semelhante ao que é possível observar nas regiões mais centrais da cidade.

A Rua de Cima destoa de boa parte das ruas das periferias de São Paulo por suas características físicas e sociais. O fato de não ter saída para carros seguramente contribui para sua tranquilidade. Crianças e adolescentes brincavam e conversavam na rua e pessoas mais velhas os observavam sentados na calçada ou no meio-fio. Encontrei Dona Cida, uma mulher negra com 60 anos na ocasião, sentada em uma cadeira de plástico na porta de sua casa, conversando com os vizinhos e cumprimentando todos que por ali passavam. “É só botar a cadeira aqui que fico rodeada de gente”, me disse.

Nascida na Bahia, Dona Cida veio para São Paulo aos 18 anos para trabalhar como empregada doméstica. Aos 34, teve que parar de trabalhar por problemas de saúde. A filha, que tem 21 anos, e o filho, 25, estavam desempregados naquela ocasião. O aluguel da garagem de sua casa garantia a compra do gás, mas todas as demais despesas da família eram de responsabilidade exclusiva de seu marido, que trabalhava como frentista. Sua casa, autoconstruída, ainda não é regularizada e a rua foi recentemente asfaltada “pelo pessoal do crime”, segundo ela me confidenciou, não sem antes pedir que desligasse o gravador.

A visão de Dona Cida a respeito da violência em sua região é bastante significativa da relação de sua geração com o mundo do crime. Ela afirma que “de 88 pra cá a violência melhorou e muito”:

Aqui aparecia direto gente morta, matado. Muito assalto. Tá tendo assalto agora, mas bem pouco na vista do que era. Eu moro aqui há 26 anos, nunca sumiu nada aqui na minha porta. Minha filha atravessa isso aqui de noite. Antigamente ninguém atravessava não. [...] Eu desço sempre, pego essa cadeirinha e sento aqui. À noite, no calor, então, fico até meia-noite. Tem vez que fico sentada sozinha aqui. Nós somos muito respeitados, na nossa porta.

Ela, no entanto, pondera que “tem muito safado aí de moto roubando gente, trabalhador mesmo”. Em sua leitura, porém, “esses não são bandidos, são safados, sem vergonha, porque bandido não rouba na comunidade.10 10 Neste contexto, o uso nativo de comunidade se diferencia do tratamento conceitual que temos dado neste texto. Na fala de Dona Cida, o termo se aproxima mais de uma circunscrição territorial sem necessariamente abranger as relações sociais significativas que ali se desenvolvem. Como é comum em sua geração, Dona Cida não conhece pessoas que estejam diretamente envolvidas com o mundo do crime e só sabe do PCC “por ouvir falar”, mesmo com uma biqueira funcionando a poucos metros de sua casa, como pude testemunhar, e afirmando que foram eles os responsáveis pelo asfaltamento da rua. Ela apressa-se em dizer que na sua região “não tem esse negócio de PCC, não”. Filha de uma família com dez irmãos, ela assegura: “graças a Deus, meus irmãos são tudo trabalhador”.

Dona Cida recorre às identidades de trabalhadores e bandidos (Zaluar, 2000ZALUAR, Alba. (2000). A máquina e a revolta: as organizações populares e o significado da pobreza. 2a edição. São Paulo, Brasiliense.) para se localizar socialmente na periferia. Nessa geração, é comum, para além dessa oposição moral entre a família trabalhadora e bandidos, a construção de um discurso normalizador (Kessler, 2012KESSLER, Gabriel. (2012), “Las consecuencias de la estigmatización territorial: Reflexiones a partir de un caso particular”. Espacios en blanco. Serie indagaciones 22, 1: 165–97.) com relação à violência. Trata-se de uma forma comum que sua geração encontrou para operar uma espécie de limpeza simbólica (Machado da Silva & Leite, 2007MACHADO DA SILVA, Luiz Antonio; LEITE, Márcia Pereira. (2007), “Violência, crime e polícia: o que os favelados dizem quando falam desses temas?” Sociedade e Estado 22, 3: 545–91.) tanto de si e de suas famílias, quanto de seu bairro. Sem necessariamente negar a insegurança a que estão expostas, essas pessoas constroem um juízo positivo de seus bairros e buscam ressaltar as características consideradas mais favoráveis de suas vizinhanças perante interlocutores externos.

A imagem que Dona Cida guarda do PCC se assemelha com a imagem midiatizada de grupos criminosos que operam o controle político de territórios periféricos. No entanto, essa não é a forma como o mundo do crime opera em São Paulo, onde ele está muito mais associado ao controle econômico de alguns mercados ilegais (Feltran, 2018FELTRAN, Gabriel. (2018). Irmãos: uma história do PCC. São Paulo, SP: Companhia Das Letras.; Hirata e Grillo, 2017HIRATA, Daniel; GRILLO, Carolina. (2017), “Sintonia e amizade entre patrões e donos de morro: perspectivas comparativas entre o comércio varejista de drogas em São Paulo e no Rio de Janeiro”. Tempo Social 29, 2: 75-97. DOI: https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2017.125494.
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). Desse modo, para ela, haveria três categorias morais: os trabalhadores como ela, seus amigos e familiares, os bandidos que se envolvem em atividades criminosas mas que “não roubam na comunidade”, e os safados, que não adotam a mesma postura de respeito com a vizinhança. O PCC é uma abstração impessoal da qual ela “ouve falar”, mas conhece pouco da dinâmica de funcionamento.

As amizades e relações pessoais construídas ao longo de muitos anos de convívio local e a própria experiência da cidade que essa geração de moradores desenvolveu são fundamentais para sua percepção das periferias como lugar onde se quer ficar. Dona Cida sai muito pouco do bairro e construiu relações fortes com as pessoas da sua rua, onde são comuns festas em datas comemorativas como Natal e dia das crianças. Essa ligação com a vizinhança se tornou ainda mais intensa a partir de sua participação na CEB que funciona por ali e com o histórico de mobilização política pela conquista de serviços públicos para o bairro.

Para os membros da primeira geração de moradores das periferias de São Paulo, seus bairros significam o lugar onde estão fincadas suas raízes, onde foram construídas suas casas, onde participaram da modificação da paisagem e onde a reivindicação política trouxe frutos, no sentido de produzir melhorias para todos. A vida na Rua de Cima é repleta de encontros fortuitos e também de relações que são construídas nesses encontros, na Igreja, nas festas locais. A sensação de pertencimento é construída nesse processo. A sensação de segurança de que seus moradores parecem desfrutar também é fruto dessa movimentação permanente na rua (Jacobs, 2011JACOBS, Jane (2011), Morte e vida de grandes cidades. São Paulo, WMF Martins Fontes.). Embora a familiaridade proporcionada pela proximidade física entre pessoas de um mesmo bairro não deva ser confundida com uma rede densa de laços pessoais (Blokland & Savage, 2008BLOKLAND, Talja; SAVAGE, Michael. (2008), “Social capital and networked urbanism”. Networked urbanism: social capital in the city. Aldershot, England; Burlington, VT: Ashgate.), para Dona Cida e outros membros da primeira geração, essa familiaridade foi a base da formação de suas relações sociais mais significativas. Por isso, seu capital social está quase totalmente vinculado à vizinhança e, por vezes, ambos se confundem.

A imagem externa da periferia como lugar de pessoas pobres ou como território em que a violência predomina é contraposta internamente à de um espaço de pessoas que se gostam, se ajudam, são trabalhadoras, segundo uma autoimagem na qual o crime é apontado como exceção a uma normalidade que impera na maior parte do tempo e na maioria das famílias.

Segunda geração, expectativas frustradas e as histórias de quem quer fugir: ascensão social e fuga do estigma de ser periférico

Esta seção está subdividia em duas partes, para dar espaço a distintos fenômenos que marcaram o período mais recente nas periferias paulistanas. De um lado, a frustração com a perda dos espaços e dinâmicas de sociabilidade mais intensa, de outro, a falta de vínculos com esse passado e o desejo de se mudar para fora da periferia.

A frustração com a perda da sociabilidade local

A história de Dona Cida e a dinâmica da Rua de Cima estão longe de ser a regra nas periferias de São Paulo atualmente, o que provoca frustrações em parte dos moradores da segunda geração. Reginaldo, branco, 42 anos, casado e com duas filhas, foi-me apresentado por Joelma, que conheci no Conselho Participativo da Subprefeitura de M’Boi Mirim e trabalha em uma creche gerida pela ONG que ele preside. Filho de migrantes do Rio Grande do Norte, ele já foi ajudante de caminhoneiro, professor de percussão e trabalhou por cerca de 14 anos como segurança, porteiro e manobrista.

O projeto da ONG que fundou surgiu a partir de um grupo de percussão que Reginaldo criou com crianças e jovens da região nas Copas do Mundo de futebol de 1994 e 1998. Iniciado com comemorações improvisada das vitórias da seleção brasileira com latas e tambores, o projeto contou em seguida com ajuda de voluntários, que cederam instrumentos musicais usados, bem como com o apoio da Igreja, que cedia o espaço físico para ensaios e funcionava como local de sociabilidade para as famílias do bairro.

A perda desses espaços de encontro e formação de laços é motivo de queixa para Reginaldo. Ele se afastou da Igreja e as ruas já não são mais usadas para atividades de cultura e lazer como na época em que iniciou suas oficinas de percussão. A rua onde mora difere consideravelmente da Rua de Cima. Ainda que não tenha observado um grande movimento de carros, tampouco é possível notar um movimento mais intenso de pessoas ou crianças brincando ou conversando nas calçadas. Sua casa é uma das poucas que não têm muros altos e portões cerrados e ele afirma que nem sequer tranca os portões, como prova de que o bairro “não é tão violento como dizem”.

Reginaldo vivenciou uma forte sociabilidade na Igreja Católica durante a juventude e em projetos sociais, além da vivência da rua e do bairro como importantes para a construção de laços na vizinhança. No entanto, o catolicismo progressista, de onde se originaram as CEBs, perdeu força nas últimas décadas. Adicionalmente, assistimos, a partir da década de 1980, uma multiplicação de alternativas religiosas, com a consequente mobilidade mais intensa de pessoas entre as distintas religiões e também para fora delas (Almeida, 2004ALMEIDA, Ronaldo. (2004), “Religião na metrópole paulista”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 19, 56: 15–27.).

Meu interlocutor afirma que houve uma perda progressiva da solidariedade entre os vizinhos e se incomoda com a impessoalidade típica da vida urbana (Simmel, 2005SIMMEL, Georg. (2005), “As grandes cidades e a vida do espírito (1903)”. Tradução de Leopoldo Waizbort. Mana 11, 2: 577–91. DOI: https://doi.org/10.1590/S0104-93132005000200010.
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), sintetizada no fechamento das pessoas em seus espaços privados e na perda da rua enquanto espaço de convívio e construção de laços sociais:

Hoje, falta mais amor ao próximo. Naquele tempo [dos meus pais] [...] você poderia bater na porta da vizinha que a vizinha te dava um quilo de açúcar, te emprestava. Hoje em dia, não. Hoje, a vizinha, se você pedir lá, já fala não. E [a casa dela] é cercada de muro. Hoje a gente fala que a gente não tem vizinho, a gente tem inimigos, porque se fosse vizinho não levantava esse muro dessa altura, [não] fechava por fora pra você não ver o que tem lá dentro.

[...]

Eles não querem nem saber do contato que tem na rua. Entrou pra dentro de casa, fechou o portão da sua garagem, o seu portão social, acabou.

Ao longo da década de 2000 e nos primeiros anos da década de 2010, houve uma expressiva expansão da capacidade de consumo de parcelas mais pobres da população brasileira graças à ampliação do acesso a postos de trabalho formais, ao aumento dos salários e do nível de renda, ao crescimento da oferta de crédito, ao alargamento das oportunidades educacionais, além de outras políticas públicas de transferência de renda (Cardoso & Préteceille, 2017CARDOSO, Adalberto; PRÉTECEILLE, Edmond. (2017) “Classes Médias no Brasil: Do que se Trata? Qual seu Tamanho? Como Vem Mudando?” Dados, 60, 4: 977–1023. DOI: https://doi.org/10.1590/001152582017140.
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; Fontes, 2018aFONTES, Leonardo (2018a), O direito à periferia: experiências de mobilidade social e luta por cidadania entre trabalhadores periféricos de São Paulo. Tese de doutorado. Instituto de Estudo Sociais de Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.). Com isso, mais pessoas têm conseguido adquirir bens como TVs, celulares, videogames, computadores e têm investido em equipamentos de segurança para suas residências, com o intuito de proteger seus bens e como resposta à representação pública da violência urbana. Elementos como grades e cercas eletrificadas, muros altos e portões de ferro, porteiros eletrônicos e câmeras de segurança conformam uma estética da segurança (Caldeira, 2000CALDEIRA, Teresa. (2000), Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo, Editora 34.) que funciona como símbolo demarcador da distinção social entre vizinhos. Esses elementos são reflexo desse mesmo processo de diferenciação e do aumento da heterogeneidade social nas periferias urbanas (Cavalcanti, 2009CAVALCANTI, Mariana. (2009), “Do barraco à casa: tempo, espaço e valor(es) em uma favela consolidada”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 24, 69: 69–80. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-69092009000100005.
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; Fontes, 2018aFONTES, Leonardo (2018a), O direito à periferia: experiências de mobilidade social e luta por cidadania entre trabalhadores periféricos de São Paulo. Tese de doutorado. Instituto de Estudo Sociais de Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.).

Além disso, a década de 1990 foi marcada pelo aumento da criminalidade violenta em São Paulo. Em 1996, o Jardim Ângela foi apontado pela ONU como bairro mais violento do mundo quando atingiu 120 homicídios por 100 mil habitantes. Esse período de frequentes confrontos e assassinatos nas periferias é bastante lembrado por muitos dos meus interlocutores da primeira e segunda geração. Em seus relatos, eles afirmam que chegaram a ter que “pular um corpo pra entrar na escola”; ou que “a gente passava por cima de cadáver o tempo todo”; ou ainda que “sempre escutava histórias que tinha morrido um na minha rua, que tinha morrido outro na outra rua”.

O medo dos assassinatos, roubos e furtos levou a um crescimento da oposição entre os mundos da casa e da rua, a partir de uma redefinição da rua como espaço da violência incontrolada (Zaluar e Leal, 1998ZALUAR, Alba; LEAL, M. (1998) Para não dizer que não falei de samba: os enigmas da violência no Brasil, in História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, v. 4.). A imagem da rua passou a ser associada ao mal e ao perigo, em razão da presença de traficantes, ladrões, assaltantes, efeito que reforçou a tendência ao retiro individual, para a esfera doméstica. Nesse contexto, a ideia de segurança é muitas vezes tida como sinônimo de confinamento.11 11 Ver a esse respeito as interessantes reflexões de Fridman (2008) sobre uma sociabilidade fortaleza.

Em paralelo, a representação pública que se passou a fazer a respeito dos moradores das periferias produziu uma multiplicação imaginária do criminoso na sociedade paulista de maneira geral (Feltran, 2011FELTRAN, Gabriel. (2011), Fronteiras de tensão: política e violência nas periferias de São Paulo. São Paulo, Unesp.). Por consequência, desenvolveu-se um processo de incriminação preventiva de determinados tipos sociais que se territorializa, passando a atingir todos de quem se espera determinado comportamento, em especial de homens jovens negros (Misse, 2010MISSE, Michel. (2010), “Crime, sujeito e sujeição criminal: aspectos de uma contribuição analítica sobre a categoria” bandido””. Lua Nova, 79: 15-38. DOI: https://doi.org/10.1590/S0102-64452010000100003.
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). Essa sobrevalorização pública da parcela periférica envolvida com o crime gera um processo de estigmatização territorial, que tem como uma de suas consequências a dissolução do lugar, isto é, a perda de um espaço de referência, humanizado, cultural e socialmente familiar, no qual os sujeitos se identifiquem, se sintam em casa e em relativa segurança (Wacquant, 2007WACQUANT, Loic. (2007), “Territorial stigmatization in the age of advanced marginality”. Thesis Eleven, n. 91.).

Apesar de sofrer as consequências dessa dissolução do lugar, Reginaldo não adere ao discurso que estigmatiza as periferias e, tal como Dona Cida, adota uma postura de normalização na relação com a violência urbana e com o mundo do crime, que ele chama de quarto setor. Por outro lado, diferentemente dos membros da primeira geração, Reginaldo tem uma postura em relação ao mundo do crime que opera menos na chave da oposição moral entre trabalhadores e bandidos e mais na chave da aceitação e negociação. Ele diz que “tem que conviver” e que se trata de uma relação de “respeito”. “Tem algum problema, chegamos junto, sentamos, conversamos e se acertamos”, sintetiza. Em sua visão, “o traficante é um comerciante como um dono de um bar, de um boteco, de uma padaria” e o PCC “manda naquela área onde está a biqueira”, mas não nas periferias como um todo. Assim, “não infringindo as leis deles, tá tudo sossegado”.12 12 Para uma análise sobre as possíveis relações entre trabalhadores e envolvidos no mundo do crime ver Fontes, 2019.

Processos marcantes das últimas décadas como a perda de importância da Igreja Católica enquanto espaço de sociabilidade, a diminuição da centralidade da rua enquanto espaço de encontro, a relativa prosperidade econômica de alguns e a representação da violência reduziu as possibilidades de construção ou mesmo de manutenção das relações comunitárias que parte dessa geração nutria durante sua juventude. Apesar de se ressentir diante da falta de laços mais significativos em sua vizinhança, Reginaldo e sua esposa não querem necessariamente sair do bairro, como atestam os projetos sociais que desenvolvem no território. O capital social que cultivaram ao longo de suas vidas segue bastante vinculado à região onde nasceram e cresceram, por isso, fugir da periferia não lhes parece a melhor alternativa. Resta a frustração com um passado vivido e/ou idealizado.

A fuga como estratégia de anulação do estigma

Foi a partir das entrevistas que realizei para o survey que conheci Márcia, 34 anos, mãe solo, que mora em uma casa construída em cima da residência de seu padrasto, no Jardim Ângela. Ela é evangélica não pentecostal, se considera parda, disse que nunca conversa com os vizinhos e que troca favores com eles menos de uma vez por semana – o que a situa no nível baixo de sociabilidade. Ela afirma que não se sente segura na cidade nem no bairro – mesma resposta de 57,5% dos que responderam ao survey. Além disso, ela afirma que seu bairro é pobre, mas se considera de classe média baixa, o que aponta para uma autoimagem de relativa superioridade econômica em relação a seus vizinhos.

A partir de uma indicação de Márcia, passei a seguir uma rede de amigos cuja trajetória e perfil econômico e social diferiam consideravelmente dos demais interlocutores que encontrei a partir das lideranças comunitárias apresentadas até aqui. Uma característica marcante desse grupo foi o grau de relativa formalidade com que fui recebido. Ao invés do cafezinho e do papo no sofá, que, com frequência, caía em uma conversa mais informal e descontraída, o tom das entrevistas foi consideravelmente mais formal. Pude notar em todos os casos um considerável cuidado na escolha das palavras e na polidez dos discursos diante de um desconhecido.

Além dessa formalidade na recepção e na fala, notei que cada uma dessas pessoas, quando pedi que me indicasse um amigo com quem eu pudesse conversar para minha pesquisa, me indicou invariavelmente alguém que estava em uma posição hierarquicamente superior do ponto de vista do status socioeconômico. Márcia, atualmente trabalhando como operadora de telemarketing, me apresentou Carla, vizinha, frequentadora da mesma igreja e colega de trabalho. Apesar de terem uma renda semelhante, Carla é filha de comerciantes com relativo sucesso e, por isso, sua renda familiar e seu capital econômico são maiores.

É digno de nota que elas sejam da mesma igreja, que também gere a escola onde seus filhos estudam. Ainda que haja, em algumas dessas religiões, o incentivo à formação de redes de solidariedade, reciprocidade e laços de confiança, essas redes tendem a priorizar irmãos de fé, ou seja, aqueles que comungam da mesma religião (Almeida, 2004ALMEIDA, Ronaldo. (2004), “Religião na metrópole paulista”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 19, 56: 15–27.). A participação em associações religiosas do tipo grupos de fé, grupos de casais, grupos de jovens, foi a atividade coletiva mais citada entre os entrevistados no survey mencionado, somando mais de 27% dos respondentes. Taxa que é 5 a 6 vezes maior do que aqueles que diziam participar de atividades de cunho político-institucional, como associações, conselhos, sindicatos ou partidos políticos.

Seguindo a rede de amigos, Carla me indicou Denis e Miguel, dois amigos que moram juntos e montaram uma escola de inglês nos fundos de casa. O fato de falarem inglês e já terem realizado algumas viagens ao exterior lhes dá também um status relativamente superior, devido ao maior acúmulo de capital cultural. Por fim, eles me indicaram Fernanda, uma enfermeira que trabalha em um dos hospitais mais conhecidos e elitizados de São Paulo, onde tem um salário de cerca de 4 mil reais mensais, o que lhe permitiu comprar seu próprio apartamento recentemente em um condomínio de classe média na região do Morumbi.

Assim, as indicações seguem uma lógica de demonstrar e valorizar seu capital social, apresentando para um interlocutor externo pessoas que possuem atributos que eles têm ou desejam conquistar, ou que possuem grande valor no mercado de bens simbólicos de que fazem parte (Bourdieu, 2007BOURDIEU, Pierre. (2007), A distinção: crítica social do julgamento. São Paulo; Porto Alegre, Edusp; Zouk.). Além disso, todos os novos indicados residiam em uma região relativamente menos periférica do que a pessoa que me fez a indicação, com exceção de Márcia e Carla, que moravam na mesma rua. No caso específico desse grupo, o capital social que cultivam e valorizam aponta sempre para mais longe da periferia e para fora das relações de vizinhança.

Para efeitos de economia de espaço, me concentrarei a seguir nas histórias de Denis e Miguel, por serem representativas de todo o grupo. Eles têm 32 e 30 anos, respectivamente. Além das aulas de inglês que oferecem em casa, Miguel também tem um trabalho em tempo integral como garçom. Eles não concluíram o Ensino Superior, mas se orgulham da relativa ascensão econômica que conquistaram, porque “trabalham muito”, algo aprendido pelo exemplo familiar, como ressalta Miguel:

Eu sempre soube que a minha família trabalhou muito. Dia, noite, dormia duas, três horas por noite e já voltava pra trabalhar. E desde os 12 anos comecei a trabalhar e não parei mesmo. Tirei acho que 3 férias dos meus 12 anos até agora que eu tenho 30. [...] A minha família me ensinou que pra você ter as coisas, você tem que trabalhar muito. E eu faço isso, trabalho muito e até gosto de trabalhar. Sei que cansa, sei que estressa, mas eu tento lidar com isso, tento administrar esse estresse.

Miguel lembra da infância pobre e, em especial, ressalta que seu pai “ficava dias sem voltar pra casa, de tanto que trabalhava”. Ele chegou a experimentar uma pequena ascensão social quando criança, devido ao sucesso do mercado que seu pai abriu no bairro. A morte de seu pai, contudo, voltou a colocar a família em dificuldades.

Denis teve uma infância ainda mais pobre do que a de Miguel e se orgulha quando se compara com outras pessoas do mesmo bairro. Ele conta que morou em casa de “tapume e Madeirit”, que o chão “nem tinha piso, era simplesmente a própria terra que era socada com um peso de cimento” e que dividia o mesmo quarto com seus irmãos. A casa de alvenaria foi construída apenas algum tempo depois, mas, como ele ressalta, “ainda assim era no mesmo lugar, num lugar onde hoje olho e não vejo ninguém crescer ali com um futuro garantido”. E conclui, “a única coisa que eu vejo na rua são jovens com pouca instrução, usando drogas, ouvindo música alta na frente de casa, coisas assim”.

Denis e Miguel não têm muitos amigos na vizinhança e já recusaram diversos convites de vizinhos para participar de um churrasco que eventualmente promovem na rua onde moram. Ambos concordam que os moradores das periferias têm “prazer de fazer nada” ou são “acomodados”, pois a família já tem uma casa ou “um carrinho”, ou por dependerem de programas sociais governamentais. Desse modo, afirmam que falta “ambição” para essas pessoas melhorarem de vida.

A trajetória profissional desse grupo, ainda que com momentos de desemprego e de eventuais dificuldades financeiras, é bem menos fragmentada do que a de tantos outros que conheci ao longo da pesquisa. De todo modo, é marca dessa geração a necessidade de sair do bairro para conseguir um trabalho mais bem remunerado. Para eles, a experiência do trabalho (e da falta de trabalho) entrelaça-se e confunde-se com a experiência da própria cidade (Telles, 2006TELLES, Vera. (2006). “Mutações Do Trabalho e Experiência Urbana”. Tempo Social 18, 1: 173–95. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-20702006000100010.
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). A possibilidade de viver em vários mundos diferentes ao mesmo tempo pode contribuir para o processo de destruição da permanência e da intimidade da vizinhança (Park, 1967PARK, Robert. (1967), “A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano”, in G. Velho (org.), O Fenômeno Urbano. Rio de Janeiro, Zahar Editores.). Ademais, a experiência de sociabilidade mais duradoura em espaços de trabalho ou na faculdade, onde permanecem por alguns anos, lhes apresenta também outras possibilidades de criação de laços e de opções de lazer que podem vir a se transformar em capital cultural e social para a manutenção e continuidade do processo de ascensão social.

Nesse sentido, um dos traços distintivos desse grupo está nas opções de lazer que praticam ou gostariam de praticar. Apesar de quase sempre ressaltarem a falta de tempo para esse tipo de atividade, suas referências estão nas regiões mais centrais da cidade como o Parque do Ibirapuera, o Pacaembu, a Avenida Paulista e a Vila Madalena, opções típicas das classes médias tradicionais e distantes de suas casas. Além disso, gostam de ir a teatro, shows, exposições, para “adquirir conhecimento de tudo aquilo”, como me disse Denis.

A imagem negativa a respeito de seus bairros passa pela falta de acesso a bens culturais, pela dificuldade de locomoção pela cidade e pelo preconceito que sofrem, mas se confunde com a imagem negativa que eles próprios têm a respeito das pessoas de quem querem se distinguir: aqueles “sem ambição” e “sem um futuro garantido”. A representação da violência urbana se manifesta no medo de ser assaltado em suas próprias ruas. “Eu desço essa rua, assim, em pânico, todas as noites. Se eu escuto um barulho de moto, eu quero me enfiar numa grade, porque o cara vai parar”, me disse uma interlocutora desse grupo. O contraste com Dona Cida, que fica “até meia-noite” sentada na porta de casa sem medo de ser assaltada, é notável.

Diante disso, o desejo de fugir da periferia é um dos elementos mais marcantes e a meta primordial de muitos que têm esse objetivo de se distinguir dos demais moradores das periferias urbanas de São Paulo, uma vez que a mobilidade geográfica é a forma mais efetiva de anular o estigma territorial a que esses sujeitos estão submetidos (Wacquant, 2007WACQUANT, Loic. (2007), “Territorial stigmatization in the age of advanced marginality”. Thesis Eleven, n. 91.). Nesse sentido, com discursos, práticas, construção de um capital social que aponte para fora da região onde moram – e, quando possível, também com a mobilidade geográfica –, parte daqueles que conquistaram algum grau de mobilidade social buscam fugir dessa identidade deteriorada (Goffman, 1963GOFFMAN, Erving. (1963), Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro, Editora Guanabara.) de ser periférico.

Terceira geração e as novas histórias de quem quer ficar: valorização da cultura periférica e a crítica ao espírito da freguesia

Retorno à Rua de Cima na Brasilândia para contar a história de Mari, 17 anos. Ao contrário de sua mãe e de sua avó, que também entrevistei, Mari não relata ter na rua ou na vizinhança mais imediata referências relevantes para a construção de suas relações pessoais. A política institucional – seja a partidária, seja a organizada por projetos sociais – em que a mãe e o tio seguem engajados lhe parece desinteressante. A igreja onde praticamente toda sua família se formou já não atrai os jovens.

Assim, foi na escola, onde ela concluiu o ensino médio em 2016, e no mundo da cultura que ela construiu suas relações sociais e boa parte de sua visão de mundo. Na escola, além da importância de alguns professores e da amizade que fez com colegas de classe, ela destaca sua participação no movimento de ocupação dos secundaristas no fim de 2015, fundamental para sua formação política.

No mundo da cultura, ela não tem dúvidas em atribuir aos saraus de poesia,13 13 Para mais detalhes a respeito do mundo da cultura como espaços de formação política dessa terceira geração, ver Fontes (2018b; 2020a; 2020b). em especial o Sarau da Brasa, um papel central para tirá-la da “zona de conforto, aquela coisa de trabalhar e fazer faculdade”. Inspirada pelo Sarau da Brasa, ela diz ter começado a olhar para o lado e perceber a importância de se politizar e de promover eventos do mesmo tipo na quebrada. Mari se diz “apaixonada pela Brasilândia” e defende que é importante estar na periferia, já que se trata de uma região “marginalizada demais” e, por isso, “precisa criar um contato bacana” entre os vizinhos.

Desde os anos 1990, a cultura, especialmente o hip-hop e suas manifestações no rap, no grafite e no break, foi fundamental para a valorização dos atributos e do modo de vida dos moradores da periferia e para a criação de uma identidade própria que dialogava fortemente com a realidade concreta desses sujeitos (D’Andrea, 2013D’ANDREA, Tiaraju. (2013), “A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na periferia de São Paulo”. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo.). Ao mesmo tempo em que denunciavam problemas típicos de sua realidade social, rappers e outros artistas das periferias urbanas desempenharam papel crucial na construção de uma experiência comum entre os jovens periféricos, fortalecendo “uma ideia de pertencimento e identidade” (Macedo, 2014MACEDO, Márcio. (2014), “‘Periferia é periferia em qualquer lugar’: de categoria espacial/analítica à categoria identitária/êmica no movimento hip-hop paulistano dos anos 1980 a 2000”. Paper apresentado em III Seminário de Pesquisa da FESPSP, São Paulo., p. 9).

Ao longo da pesquisa, frequentei algumas vezes o Sarau da Brasa, que acontece desde 2008 em um bar e inclusive debati naquele espaço parte dos resultados dessa pesquisa. Trata-se de um espaço essencialmente voltado para a criação de laços, de sociabilidade e, claro, de formação cultural e política. Ao longo de mais de duas horas, pessoas declamam poesias, letras de rap, cantam, tocam algum instrumento e, fundamentalmente, trocam ideias com seus amigos. Os saraus podem ser definidos como uma “situação que cria comunidade” ao permitir “encontros ritualizados” (Agier, 2011AGIER, Michel. (2011), Antropologia da cidade: lugares, situações, movimentos. Tradução de Graça Indias Cordeiro. São Paulo, Terceiro Nome.) que possibilitam a construção de vínculos “com as pessoas e com o lugar”, como me disse outra interlocutora.

Um dos fundadores do Sarau da Brasa, Michel, 32 anos, é grafiteiro, poeta e arte-educador. Ele tem praticamente a mesma idade de Denis e Miguel, apresentados na seção anterior, no entanto, suas experiências dialogam mais com a terceira geração, algo revelador da heterogeneidade crescente de vivências nas periferias. Michel reforça a crítica de Mari a um comportamento “muito individualista” consolidado no que chama de “espírito de Freguesia” e que se oporia ao “espírito de comunidade”. Este último seria representado por elementos como o samba, a rua, o boteco e o futebol com os amigos. Já o espírito de Freguesia resume o desejo comum de moradores da região em se mudarem para a Freguesia do Ó, um bairro vizinho, mas com padrão de classe média e mais próximo geograficamente do centro expandido de São Paulo. Com críticas que englobam outros signos de distinção social, como a ida à Vila Madalena, “tomar uma Boêmia pra impressionar as menininhas”, ou a compra de um “Iphone foda” ou um “Golf sapão em vinte oito prestações”, ele sintetiza essas atitudes na busca pela mobilidade geográfica.

Por meio da critica à aproximação e à assimilação do gosto associado à classe média tradicional, uma parte dos moradores das periferias procura se afirmar identitariamente e ressaltar suas diferenças socioeconômicas e culturais em relação aos estratos intermediários. A valorização de seu próprio modo de vida historicamente estabelecido e a criação de signos que os identificam enquanto periféricos é parte central desse processo.

Tanto Michel quanto Mari e outros organizadores do Sarau da Brasa têm uma relação com a cidade que vai muito além das fronteiras geográficas de seus bairros. Mari trabalha em um projeto cultural na região central de São Paulo e Michel, ainda que trabalhe em um centro cultural na periferia, cursou pedagogia na USP. Do mesmo modo, ao participarem de coletivos que gravitam em torno do grafite, da pixação, do skate ou de saraus e slams que acontecem em outras regiões de São Paulo, ele e outros integrantes do Sarau da Brasa têm a cidade ampliada como espaço de referência para sua atuação estética e política (Caldeira, 2015CALDEIRA, Teresa. (2015), “Social Movements, Cultural Production, and Protests: São Paulo’s Shifting Political Landscape”. Current Anthropology, 56, 11: 126–36. DOI: https://doi.org/10.1086/681927.
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). Essa circulação por outros espaços mais elitizados e a construção de um capital social que vai muito além das fronteiras da vizinhança imediata onde nasceram e cresceram não os fez necessariamente querer fugir de seus bairros. Ao contrário, conhecer o restante da cidade reforçou em suas visões de mundo a importância de trazer para a periferia espaços em que se possa valorizar a produção cultural local.

Ainda que não seja um comportamento majoritário, na geração mais jovem, como mostram os dados do survey, a comunidade imaginada (Anderson, 2008ANDERSON, Benedict. (2008), Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo, Companhia das Letras.) construída por aqueles que se engajam nesses movimentos culturais se expande para além da vizinhança imediata e passa a abarcar toda a quebrada, ou seja, as periferias de maneira geral.14 14 Identifico a quebrada ou as periferias como uma comunidade imaginada, pois, assim como no caso da nação – forma de comunidade analisada por Anderson –, embora não haja a possibilidade de que todos os membros que se entendem como periféricos se encontrem ou se conheçam, “todos têm em mente a imagem viva da comunhão entre eles” (Anderson, 2008, pp. 32-33).

Considerações finais

Ao longo deste texto, busquei apresentar as experiências de três gerações de moradores das periferias paulistanas por meio de suas relações com o bairro, seus vizinhos e seus desejos e projetos consolidados na ideia de ficar ou fugir da periferia. Os dados quantitativos apresentados na seção 2 evidenciam uma variedade de níveis de sociabilidade e corroboram a hipótese de que as experiências de cada geração têm forte peso explicativo.

O Quadro 1 consolida alguns dos elementos que compõem a experiência de cada um dos personagens, apresentados de modo a sintetizar algumas explicações possíveis para as descrições até aqui apresentadas.

Quadro 1
- Síntese dos personagens e elementos apresentados por geração

A representação da violência e as oportunidades de mobilidade social desempenham papel central no processo de elaboração de respostas distintas entre os grupos geracionais, uma vez que conectam diversos outros elementos discutidos ao longo do texto, em especial a construção de seu capital social. Dona Cida, representante da primeira geração, teve grande vivência nas ruas e na Igreja Católica, construiu relações fortes com seus vizinhos e, diante da representação que lhe é feita da violência, desenvolveu um discurso normalizador da vida em seu bairro, mas se mantém resguardada pela oposição entre trabalhadores – sua família e a maioria de seus vizinhos – e bandidos. A principal mudança em seu padrão de vida se deu no contexto de sua migração da Bahia para São Paulo. Com isso, seu capital social coincide quase totalmente com suas relações de vizinhança. Sobram, para ela, motivos para querer ficar no bairro.

Na segunda geração, a perda daqueles espaços vividos na infância ou contados nas histórias dos mais velhos, em especial a rua e a Igreja, produz frustrações e insatisfações, de um lado, e perda de identificação com a periferia, de outro. Reginaldo, representante do primeiro grupo, também normaliza a vida no bairro, mas a oposição moral já não se sustenta diante da expansão do mundo do crime que vivenciou, por isso adota uma postura negociadora e de respeito com o mundo do crime. Mesmo insatisfeito, é na periferia que está situada a maior parte de seu capital social diante de uma mobilidade social relativamente mais tímida quando comparada à de outras pessoas de sua geração. Além disso, sair da periferia muitas vezes é visto como “fugir do problema”, como me disse outra interlocutora dessa geração.

Por sua vez, Denis, Miguel e seus amigos concordam e reforçam o estigma produzido em relação a seus bairros a partir da representação da violência e da “falta de ambição” dos moradores, por isso, adotam um discurso distintivo. Suas amizades e seus hábitos de lazer apontam para fora do bairro. Essa geração foi fortemente impactada pelos processos de mobilidade social que ocorreram no Brasil nos anos 2000 e na primeira metade da década de 2010, o que ampliou as possibilidades de acesso a diferentes níveis de capital econômico, cultural e social. A fuga da periferia aparece como forma de consolidar seus processos de mobilidade social individual e de anular o estigma que eventualmente recai sobre si enquanto residentes de um bairro periférico.

Finalmente, para parte da terceira geração – do qual Mari e Michel fazem parte – novos espaços de sociabilidade ligados ao mundo da cultura têm aparecido como alternativa para se contrapor ao enfraquecimento dos laços comunitários e de ressignificação da própria ideia de periferia. Em que pese as experiências de mobilidade social relativa e a formação de capital social que vai além das fronteiras do bairro, para esse grupo, a periferia não é necessariamente signo de desonra, mas motivo de orgulho. Por isso, adotam um discurso identitário, que busca valorizar signos estigmatizados. Para eles, ficar na periferia não é apenas um desejo de manter-se próximo das pessoas com quem guardam relações significativas, mas também um horizonte político-normativo.

A história de vida dos sujeitos, suas experiências geracionais e os espaços de sociabilidade onde constroem suas relações sociais condicionam suas visões de mundo, seus projetos pessoais e coletivos e as representações que fazem da violência urbana. Nesse sentido, o desejo de sair ou ficar na periferia traduz muito mais do que apenas um projeto individual.

AGRADECIMENTOS

O autor agradece à FAPESP pelo financiamento dessa pesquisa (processo 2019/13125-2). O autor agradece também aos colegas do International Postdoctoral Program do Cebrap, a Jonas Medeiros, Fernanda Lima e Silva, Gabriel Feltran e seu grupo de orientandos e aos pareceristas anônimos que deram valiosas contribuições a versões anteriores do texto. Equívocos, omissões ou imprecisões são obviamente de minha inteira responsabilidade

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    Seguindo Simmel (1971)SIMMEL, Georg. (1971), Sociability. On individuality and social forms. Chicago: University of Chicago Press. a sociação pode ser entendida como as múltiplas formas pelas quais os indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Nesse sentido, a sociabilidade é entendida por ele como forma pura de sociação uma vez que o interesse daqueles que se engajam está apenas na construção e manutenção da relação em si.
  • 2
    Para um detalhamento do perfil sócio-ocupacional das duas regiões, bem como de suas diferenças históricas em termos de período de urbanização, ver Fontes (2018a)FONTES, Leonardo (2018a), O direito à periferia: experiências de mobilidade social e luta por cidadania entre trabalhadores periféricos de São Paulo. Tese de doutorado. Instituto de Estudo Sociais de Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro..
  • 3
    Agradeço a Alba Zaluar (in memoriam) e ao CNPq e à FAPERJ que financiaram a realização desse survey. Agradeço também a Mário Monteiro, pelo auxílio estatístico no recorte e seleção da amostra, bem como a Antonia Malta Campos, Juliana Borre, David da Silva Junior e Fabiano Santos que contribuíram na aplicação dos questionários. Apliquei pessoalmente cerca de metade dos questionários e a outra metade foi aplicada pelos pesquisadores citados.
  • 4
    Para mais detalhes a respeito dos dados socioeconômicos identificados pelo survey que aplicamos ver Fontes (2018a)FONTES, Leonardo (2018a), O direito à periferia: experiências de mobilidade social e luta por cidadania entre trabalhadores periféricos de São Paulo. Tese de doutorado. Instituto de Estudo Sociais de Políticos, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.
  • 5
    A pergunta sobre troca de favores foi feita tendo como pano de fundo as teorias a respeito da dádiva como paradigma das relações sociais (Mauss, 2013MAUSS, Marcel. (2013), Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. São Paulo, Cosac Naify.; Godbout & Caillé, 1999GODBOUT, Jacques; CAILLÉ, Alain. (1999), O espírito da dádiva. Rio de Janeiro, FGV.).
  • 6
    A soma dos valores não totaliza 100% devido à exclusão das não respostas.
  • 7
    Cumpre salientar que utilizei a técnica bola de neve, na qual é solicitada a um interlocutor a indicação de outras pessoas para a pesquisa. Por isso, é de se esperar que haja certa proximidade entre as pessoas indicadas.
  • 8
    O nome da rua e dos interlocutores foi alterado para preservar a identidade e privacidade das pessoas. Todos os interlocutores aqui citados assinaram termo de consentimento livre e esclarecido para participarem da pesquisa.
  • 9
    Em São Paulo, os pontos de venda de drogas são chamados de biqueira ou lojinha.
  • 10
    Neste contexto, o uso nativo de comunidade se diferencia do tratamento conceitual que temos dado neste texto. Na fala de Dona Cida, o termo se aproxima mais de uma circunscrição territorial sem necessariamente abranger as relações sociais significativas que ali se desenvolvem.
  • 11
    Ver a esse respeito as interessantes reflexões de Fridman (2008)FRIDMAN, Luis Carlos. (2008), “Morte e vida favelada”, in: SILVA, Luiz Antonio Machado da (org.), Vida sob cerco: violência e rotina nas favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, p. 77–98. sobre uma sociabilidade fortaleza.
  • 12
    Para uma análise sobre as possíveis relações entre trabalhadores e envolvidos no mundo do crime ver Fontes, 2019FONTES, Leonardo. (2019), “‘Trabalhadores’ e ‘envolvidos no mundo do crime’: conflitos e conciliações (im)possíveis” Anais do 43º encontro anual da Anpocs, Caxambu (MG), Disponível em: http://anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st39-1/11854-trabalhadores-e-envolvidos-no-mundo-do-crime-conflitos-e-conciliacoes-im-possiveis. Consultado em: 15 de setembro de 2021.
    http://anpocs.com/index.php/encontros/pa...
    .
  • 13
    Para mais detalhes a respeito do mundo da cultura como espaços de formação política dessa terceira geração, ver Fontes (2018bFONTES, Leonardo. (2018b), “Do direito à cidade ao direito à periferia: transformações na luta pela cidadania nas margens da cidade”. Plural, 25, 2: 63–89. DOI: doi: 10.11606/issn.2176-8099.pcso.2018.153617.
    https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099....
    ; 2020aFONTES, Leonardo. (2020a), “Beyond the Institutional Order: Culture and the Formation of New Political Subjects in the Peripheries of São Paulo”. Latin American Perspective, 47, 5: 79–93. DOI: 10.1177/0094582X20933971.
    https://doi.org/10.1177/0094582X20933971...
    ; 2020bFONTES, Leonardo. (2020b), “Da formação cultural à mobilização social: espaços de formação e mobilização ao longo de três gerações nas periferias de São Paulo”. Lua Nova: Revista de Cultura e Política, 109: 51–101. DOI: 10.1590/0102-051101/109.
    https://doi.org/10.1590/0102-051101/109...
    ).
  • 14
    Identifico a quebrada ou as periferias como uma comunidade imaginada, pois, assim como no caso da nação – forma de comunidade analisada por Anderson –, embora não haja a possibilidade de que todos os membros que se entendem como periféricos se encontrem ou se conheçam, “todos têm em mente a imagem viva da comunhão entre eles” (Anderson, 2008ANDERSON, Benedict. (2008), Comunidades imaginadas: reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo. São Paulo, Companhia das Letras., pp. 32-33).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    23 Jun 2021
  • Aceito
    01 Dez 2021
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