Resumo
O presente artigo pretende demonstrar que os erros judiciários decorrentes de falhas no reconhecimento de pessoas estão relacionados à existência de estereótipos e ao fenômeno da injustiça epistêmica, melhor descrito por Fricker e Lackey. Afinal, de que forma esses estereótipos e a injustiça epistêmica se manifestam nesses casos? Essa pergunta será respondida a partir de uma pesquisa jurisprudencial, selecionando-se as decisões proferidas pelo STJ em Habeas Corpus e Revisão Criminal, entre 01/03/2012 e 31/03/2022, que tenham resultado em absolvição ou relaxamento da prisão em razão da inobservância do procedimento do art. 226 do CPP. Os resultados mostram que os preconceitos que acometem indivíduos negros, de baixa escolaridade e de baixa renda, com empregos menos prestigiados e que já tiveram algum contato com a atividade criminosa não se manifestam de forma explícita, mas são determinantes para a ocorrência do erro judiciário. Por outro lado, os estereótipos ligados à natureza da infração penal e à posição processual da pessoa não apenas são bastante explícitos, como são assumidamente levados em conta pelo juízo. Esses estereótipos constituem o principal critério de distribuição de credibilidade às narrativas dos sujeitos processuais, revelando que a injustiça epistêmica é uma importante causa dos erros judiciários.
Palavras-Chave Erro judiciário; Injustiça epistêmica; Reconhecimento de pessoas
Abstract
This article intends to demonstrate that miscarriages of justice arising from eyewitness identifications failures are related to the existence of stereotypes and the phenomenon of epistemic injustice, best described by Fricker and Lackey. After all, how do these stereotypes and the epistemic injustice manifest themselves in these cases? This question will be answered based on a jurisprudential research, selecting the decisions handed down by STJ in Habeas Corpus and Criminal Review, between 03/01/2012 and 03/31/2022, which have resulted in exoneration or imprisonment relaxation due to infringement of the procedure of 226th article from CPP. The results show that the prejudices that affect black individuals, with low education and low income, with less prestigious jobs and who have already had some contact with criminal activity, are not explicitly manifested, but are decisive for the occurrence of miscarriage of justice. On the other hand, stereotypes linked to the nature of the criminal offense and the person’s procedural position are not only quite explicit, but are admittedly taken into account by the court. These stereotypes constitute the main criterion for distributing credibility to the procedural subjects narratives, revealing that epistemic injustice is an important cause of miscarriage of justice.
Keywords Miscarriage of justice; Epistemic injustice; eyewitness identification
Sumário: Introdução; 1. Análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; 2. A injustiça epistêmica no reconhecimento de pessoas; Considerações Finais; Referências.
Introdução
Não é novidade na doutrina e na jurisprudência que a inobservância do procedimento legal para o reconhecimento de pessoas torna o sistema penal suscetível à ocorrência de erros judiciários. Isso porque a memória humana pode sofrer perdas e distorções, sobretudo quando uma pessoa estranha “foi vista em condições precárias (pouca luz, à distância, por muito pouco tempo)”3. Além disso, existem diversas variáveis que podem influenciar o reconhecimento, inclusive questões relacionadas a raça, gênero e estereótipos4. Por isso, os especialistas são unânimes em recomendar a observância de técnicas específicas, como as técnicas de reconhecimento por alinhamento, em que o suspeito é colocado ao lado de outras pessoas com características físicas semelhantes5. Ainda,
Buscando minimizar os possíveis vieses inerentes ao reconhecimento, existem algumas normas básicas a serem seguidas: uma refere-se à condução do reconhecimento “as cegas”, e a outra a testagem do equilíbrio do alinhamento. A primeira diz respeito a quem conduz o reconhecimento. Este profissional (por exemplo, policial) além de estar capacitado para conduzir o reconhecimento, também não deve ter conhecimento sobre quem é o suspeito (em outras palavras, faça um reconhecimento “cego”). [...] Portanto, um cuidado fundamental a ser adotado para eliminar esse tipo de viés é o double-blindness, em que nem o policial, nem a testemunha sabem quem é o suspeito. [...] A segunda, testagem de quão equilibrado e não enviesado (denominado em inglês de fairness test) está o alinhamento deverá ser feita antes do próprio ato de reconhecimento. De fato, para a construção dos alinhamentos a dimensão nominal (número de pessoas por alinhamento) é menos importante que a dimensão funcional (número de pessoas semelhantes ao suspeito)6.
Como se observa, essas recomendações foram, em grande medida, encapadas pelo legislador, no art. 226 do CPP, que cuidou de estabelecer um procedimento adequado para o reconhecimento de pessoas. Assim, nos termos da lei, o reconhecimento apenas pode ocorrer após a descrição da pessoa a ser reconhecida. Da mesma forma, a pessoa a ser reconhecida deve ser colocada ao lado de outras semelhantes, sempre que possível.
Isso nem sem razão, uma vez que o uso de técnicas inadequadas tende “a resultar em relatos limitados ou, até mesmo, falsos, [...] prejudicando a investigação policial e o sistema de justiça como um todo”7. Por isso, o Superior Tribunal de Justiça passou a entender, em 2020, que a norma insculpida no art. 226 do Código de Processo Penal não é mera recomendação legislativa, mas regra cuja inobservância vicia a prova e a torna nula8.
Essa nova orientação do STJ, no entanto, resolve o sintoma de um problema mais profundo: as falhas no reconhecimento de pessoas e seus consequentes erros judiciários estão associados, em primeira análise, aos estereótipos que recaem sobre pessoas com características homogêneas e ao fenômeno da injustiça epistêmica. Mas, afinal, de que forma esses estereótipos e a injustiça epistêmica se manifestam nos casos de erro judiciário decorrentes do reconhecimento de pessoas?
Para responder a essa pergunta, será realizada, em um primeiro momento, a pesquisa qualitativa da jurisprudência do STJ nos últimos 10 anos (entre 01/03/2012 e 31/03/2022), notadamente em ações de Habeas Corpus e Revisão Criminal, com a respectiva consulta aos processos de origem para obter informações específicas sobre as pessoas acusadas. A seleção dos julgados a serem investigados levará em conta os seguintes requisitos: 1) a existência, em um primeiro momento, de condenação ou decretação de prisão; 2) em um segundo momento, absolvição e/ou relaxamento da prisão da pessoa acusada, por qualquer dos fundamentos do art. 386 do CPP; 3) a inobservância do procedimento de reconhecimento insculpido no art. 226 do CPP.
O objetivo é identificar, pela aplicação do método indutivo, o perfil comum aos(as) acusados(as) e réus(rés) de todas as decisões, apontando para a existência de um estereótipo, presente no imaginário social, que influencia na tarefa de reconhecimento. Nessa etapa, pretende-se, ainda, coletar e apresentar os excertos das decisões que demonstram desprezo ou desconsideração das narrativas das pessoas que ostentam esse estereótipo, em detrimento do prestígio ou preferência pelas narrativas apresentadas por outras pessoas.
Em seguida, na segunda seção, buscar-se-á, através da revisão da bibliografia sobre o tema – sobretudo das obras de Miranda Fricker e de Jennifer Lackey – e através do método dedutivo, aproximar os dados observados na amostra jurisprudencial coletada e o fenômeno da injustiça epistêmica. O objetivo é demonstrar que os estereótipos – referentes à natureza da infração penal imputada, à posição processual de sujeito passivo da ação penal e às características sociais, econômicas e raciais – identificados na primeira seção levam, por um lado, a um déficit de credibilidade dos discursos das pessoas acusadas. Por outro lado, defere um excesso de credibilidade aos demais sujeitos envolvidos no processo, prejudicando os reconhecidos por erro judiciário.
Assim, fica claro que o objetivo do presente artigo é, em primeiro lugar, avaliar os estereótipos que informam a epistemologia de vítimas e testemunhas que são colocadas a reconhecer, das autoridades policiais que conduzem a prova e dos juízos que decidem sobre a inocência ou a culpa da pessoa acusada. Em um segundo momento, o escopo é demonstrar que o equivocado reconhecimento de pessoas, que gera os erros judiciários, é preponderantemente resultado da injustiça epistêmica.
Essa análise é de suma importância, porque, em primeiro lugar, promove a reflexão e a conscientização sobre os estereótipos e preconceitos que estão disseminados em toda a sociedade e determinam decisões e comportamentos nas mais variadas esferas. Além disso, esse diagnóstico alcança uma das causas mediatas do erro judiciário, para além da mera inobservância do procedimento legal, permitindo sua prevenção e, consequentemente, o recrudescimento da credibilidade e da legitimidade do sistema penal como um todo.
1. Análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
A pesquisa empírica proposta foi realizada pela busca da expressão “erro judiciário”, nas decisões proferidas pelo Superior Tribunal de Justiça, no período de 10 anos (entre 01/03/2012 e 31/03/2022). Foram selecionadas decisões em Habeas Corpus ou Revisão Criminal que atendessem, concomitantemente, três requisitos, quais sejam: 1) houve, em um primeiro momento, condenação ou decretação de prisão; 2) em um segundo momento, a pessoa acusada foi absolvida e/ou sua prisão foi relaxada, por qualquer dos fundamentos do art. 386 do CPP; 3) o erro decorreu da inobservância do procedimento de reconhecimento insculpido no art. 226 do CPP. A pesquisa resultou em 24 acórdãos, dos quais apenas seis, todos referentes a Habeas Corpus, preencheram os requisitos formulados para investigação9.
Esses critérios são suficientes para a pesquisa aqui proposta, uma vez que não existe, para o cumprimento dos objetivos postos, a preocupação em se investigar apenas o erro judiciário indenizável, na distinção assumida por Seña10. Ao contrário, busca-se analisar qualquer forma de erro judiciário, isto é, qualquer “atuação judicial danosa enquanto exercício da função estatal atinente ao Poder Judiciário”11. Da mesma forma, na seleção dos dados, não houve a preocupação de identificar e diferenciar os erros de acusação dos erros de convicção, sobretudo porque suas causas são semelhantes e os prejuízos são igualmente devastadores12.
Vale ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça13 já decidiu que “a restrição preventiva da liberdade de alguém que posteriormente venha a ser absolvido” equivale ao erro judiciário. Isso porque “a prisão injusta revela ofensa à honra, à imagem, mercê de afrontar o mais comezinho direito fundamental à vida livre e digna”. Assim, “a absolvição futura revela da ilegitimidade da prisão pretérita, cujos efeitos deletérios para a imagem e honra do homem são inequívocos”, como se verifica no excerto:
Sob esse ângulo, forçoso convir que a situação de o cidadão ser submetido à prisão processual e depois absolvido, é equivalente àquela em que o Estado indeniza o condenado por erro judiciário ou pelo fato de este permanecer preso além do tempo fixado na sentença. Forçoso, assim, concluir, que quando preso preventivamente o cidadão e depois é absolvido, in casu, pelo Tribunal do Júri, também se configura situação em que houve erro judiciário, sem que tenha havido condenação14.
Assim, esse julgado aponta, para além da adequação dos parâmetros definidos pela pesquisa, para a pertinência da análise tanto de decisões pertencentes à classe de Revisões Criminais quanto de Habeas Corpus, em que pese a existência de vozes dissonantes na doutrina15.
Por fim, em cada decisão foram identificadas a natureza da infração penal imputada e, quando disponíveis, as características específicas da pessoa acusada referentes à cor, ao grau de escolaridade, à profissão e à existência de alguma passagem pela polícia. Quando possível, inclusive, houve a consulta ao processo de origem, com a finalidade de colher essas informações. Superados esses breves esclarecimentos metodológicos, é possível detalhar as decisões investigadas.
A primeira decisão que merece uma análise mais detida é o HC 682.986/SP, que impôs a absolvição e o relaxamento da prisão (que, frisa-se, não foi precedida de flagrante) pelo equivocado reconhecimento pessoal do paciente. O reconhecimento ocorreu na delegacia, sem a observância do procedimento do art. 226 do Código de Processo Penal, “sem a apresentação de pessoas semelhantes nem a indicação de justificativa plausível acerca de impossibilidade de realização do ato nos termos estabelecidos na norma legal”16. Também não existiam outras provas que indicassem a vinculação do acusado ao crime e não houve ratificação do reconhecimento em juízo.
Consta, ainda, que a decisão coatora de segundo grau explicou que “as palavras da vítima Ana Karolina foram corroboradas pelos depoimentos dos policiais Marco e Fábio, tendo Marco confirmado que Ana Karolina reconheceu os réus, pessoalmente, na Delegacia”17. O ministro relator do Habeas Corpus ressaltou em seu voto, contudo, que
Apenas uma das vítimas, ANA KAROLINA, reconheceu os réus pessoalmente na delegacia, pois a vítima ALEXIA teria entrado em estado de choque, e o depoimento prestado pelos policiais ratifica o procedimento realizado na delegacia18.
Por outro lado, foram ouvidas quatro testemunhas arroladas pela defesa, que confirmaram que o acusado estava em um churrasco no dia do fato. Além disso, o acusado – incurso em roubo majorado pelo concurso de agentes, branco, com ensino médio incompleto, ajudante de marceneiro e já cadastrado anteriormente como suspeito de outro roubo – apenas foi levado à delegacia porque tinha relação de amizade com outro investigado. Foi o que constou do parecer do Ministério Público Federal:
Assim, verifica-se que não foram observados os procedimentos definidos no art. 226 do CPP para o reconhecimento pessoal realizado nos autos, não tendo sido referenciados outros elementos de prova a indicar a vinculação do acusado com a prática delitiva, mas somente o fato de ter sido acusado em razão do relacionamento de amizade que mantinha com outro investigado pela prática de delitos semelhantes, registrando-se que o paciente apresentou narrativa e testemunhas, quanto ao seu paradeiro na noite em questão (confraternização com amigos, da qual foi embora na companhia de um amigo em uma motocicleta, com posterior abordagem por policiais militares, em via pública, no intervalo entre 22h e 23h), que, se não o afasta da cena do crime, ao menos traz dúvida quanto a sua participação no delito, o que já é suficiente para fundamentar o decreto absolutório19.
Nota-se que, embora o acusado tenha, assim como as vítimas e os policiais, apresentado sua versão dos fatos, seu conhecimento sobre o ocorrido e sua contribuição para o processo foram completamente desconsiderados na decisão a respeito de sua prisão. Com efeito, consta do acórdão que o tribunal de origem considerou que os depoimentos da vítima e dos policiais eram “coerentes e harmônicos”. Também ficou consignado que não existia nada nos autos que indicasse “que as ofendidas e os policiais estivessem perseguindo os apelantes, ou que tivessem qualquer motivo para incriminar falsamente pessoas que sabem ser inocentes”20.
Da mesma forma, no AgRg no HC 685.033/SP, constou que a condenação (também sem prévia prisão em flagrante) por erro judiciário decorreu de um reconhecimento fotográfico realizado em fase pré-processual que não seguiu estritamente o procedimento insculpido no art. 226 do CPP. O procedimento não foi sequer confirmado em juízo porque a vítima já não conseguia mais reconhecer com certeza nessa ocasião. Consta, inclusive, que, ao reconhecer a acusada, o ofendido não tinha plena certeza e admitiu que a paciente estava diferente, isto é, mais gorda e com o cabelo enrolado.
O tribunal de origem entendeu, no entanto, ser “plenamente justificável a insegurança do ofendido, sobretudo diante do longo período transcorrido desde os fatos (cerca de três anos)”21. O depoimento da vítima foi, ainda, corroborado pelo depoimento do policial civil, “que confirmou ter apresentado diversas fotos constantes da delpol [...], tendo o ofendido, naquela oportunidade, apontado a ré com convicção, como a autora do delito”22. Por isso, a decisão proferida pelo tribunal de segunda instância asseverou que
O depoimento do policial merece credibilidade, mesmo porque não se demonstrou que razões ele teria para mentir sobre a dinâmica dos fatos e imputar-lhe, falsamente, crime dessa gravidade se nem mesmo a conhecia23.
A paciente, branca e incursa no crime de estelionato, crime pelo qual já havia sido presa antes inclusive,
Negou a acusação, dizendo que não praticou o delito descrito na denúncia. Disse morar em Americana e nunca praticou crime na vizinha Piracicaba. Mencionou que está presa por estelionato e sempre confessou os crimes que praticou24.
Não foi sua versão, contudo, que prevaleceu, uma vez que, no acórdão impugnado pelo Habeas Corpus, o juízo entendeu que “a negativa não convence, pois frágil, inverossímil e dissociada do conjunto probatório”25. Ficou consignado, ainda, que
Em sede de crimes patrimoniais, especialmente aqueles cometidos na clandestinidade, presentes apenas os agentes ativo e passivo da infração, o entendimento que segue prevalecendo, sem qualquer razão para retificações, é no sentido de que, na identificação do autor, a palavra da vítima é de fundamental importância (TACRIM - Ap. 440.643-6 - 8ª Câmara - j. 23.07.86 - Rel. Juiz Canguçu de Almeida, v. u., JUTACRIM 91/407). “Não há desmerecer o valor da palavra da vítima: ao revés, sua condição de protagonista do evento delituoso é a que a credencia, sobre todos, a discorrer das circunstâncias dele. “Tão só em casos excepcionais, de manifesta contravenção da verdade sabida, será lícito opor restrições ao teor de suas palavras. No geral, a palavra da vítima é a primeira luz que afugenta as sombras sob que se pretende abrigar a impunidade”
(TACRIM - Ap. n° 1.047.937/5, Rel. : Juiz Carlos Biasotti)26.
No HC 687.103/RN, o erro decorreu da inobservância do procedimento do reconhecimento pessoal do paciente, ocorrido na delegacia apenas após identificação pela vítima em fotografia divulgada na internet pela imprensa. Não houve prévio flagrante, tampouco a apresentação de pessoas semelhantes ou a indicação de justificativa plausível acerca da impossibilidade de realização do ato nos termos estabelecidos na norma legal. Antes do reconhecimento, inclusive, as vítimas tiveram contato com o denunciado na delegacia, o que é amplamente advertido pela doutrina especializada como conduta que deve ser evitada, sob pena de se contaminar a prova.
Ademais, a decisão impugnada consignou que o paciente – preso e incurso no crime de roubo majorado pelo concurso de agentes e corrupção de menores – afirmou, no interrogatório judicial, que “não é verdadeira a acusação e não participou do assalto, não sabendo porque as vítimas o reconheceram”27. Apesar disso, a decisão coatora defendeu que “não obstante a negativa do réu, o contexto probatório bem evidencia a ocorrência delituosa praticada pelo acusado e seu comparsa adolescente, em especial pelo que se extrai dos depoimentos das vítimas”28. Ademais,
Em matéria de crimes contra o patrimônio, a palavra da vítima, quando narra de forma coerente e segura os fatos, demonstrando que o único objetivo é apontar os verdadeiros culpados pelo delito, merece credibilidade e é suficiente para embasar uma condenação29.
Na sequência, no AgRg no HC 643.429/SP30, verificou-se que o erro judiciário se perpetrou pelo reconhecimento fotográfico feito pelas vítimas na delegacia sem a observação dos parâmetros legais. Consta nos autos a informação de que o verdadeiro autor do fato era branco e usava capacete por ocasião da infração, enquanto o paciente – incurso no crime de roubo majorado pelo concurso de agentes, servente e já condenado em outra ocasião por roubo – era pardo. Ele apenas não foi efetivamente recolhido à prisão porque se encontrava em local incerto e não sabido.
No HC 648.232/SP, mais uma vez a condenação por erro judiciário foi determinada em razão do equivocado reconhecimento pessoal do paciente que ocorreu na delegacia e que se formalizou um mês e meio após o fato. O reconhecimento foi validado mesmo após a vítima ter consignado que tinha somente 70% de certeza e que teria visualizado o autor do fato apenas através da viseira do capacete. Sobre isso, o acórdão impugnado entendeu que
O fato de a vítima ter dito que o fazia com 70% de certeza não enfraquece a prova acusatória, notadamente por ter afirmado que quando esteve na delegacia de polícia, um mês e meio após o crime, o apontamento se deu de forma segura e inequívoca, sendo compreensível que em juízo, já passados seis meses dos fatos, ela tivesse se esquecido de alguns detalhes da fisionomia do agente31.
O paciente, que a todo momento negou a imputação, foi incurso no crime de roubo majorado pelo concurso de agentes, era pardo, ajudante de pedreiro, tinha apenas o 1º grau de instrução e era suspeito da prática de outros roubos. Mesmo assim, a decisão impugnada entendeu que “a vítima [...] apresentou declarações harmônicas e convincentes acerca dos fatos”. Asseverou, ainda, que “nada consta dos autos que permita a conclusão de que os policiais civis tivessem motivo para incriminar o apelado graciosa e falsamente, merecendo os depoimentos total credibilidade”32, complementando que
Como é cediço, a palavra da vítima, neste tipo de crime patrimonial, tem grande relevância, e nada há a fazer crer que ela teria algum motivo para falsamente acusar inocente da prática do delito. Registre-se que, em crimes como este há grande relevância na versão da vítima, principalmente quando ofertada de maneira segura, como no caso em comento 33.
Por fim, no HC 598.886/SC, a condenação por erro judiciário foi decretada em razão do equivocado reconhecimento fotográfico extrajudicial do paciente, que se realizou sem a observância do procedimento legal e sem que houvesse qualquer outra prova em seu desfavor. A prova foi reputada suficiente mesmo sendo o paciente 25 centímetros mais alto que o autor do fato e estando os verdadeiros assaltantes com o rosto parcialmente coberto (apenas os olhos descobertos). Para o tribunal de origem, essa diferença de altura não poderia ser tomada isoladamente para afastar a condenação34.
Instada a confirmar o reconhecimento em juízo, uma das vítimas afirmou que, em razão do tempo, não seria possível efetuar novo reconhecimento. Ainda assim, o paciente foi condenado, incurso no crime de roubo majorado pelo concurso de agentes, embora tenha constado que:
Nada relacionado ao crime foi encontrado em seu poder e a autoridade policial nem sequer explicou como teria chegado à suspeita de que poderia ser ele um dos autores do roubo – ficam mais evidentes com as declarações de três das vítimas em juízo, ao negarem a possibilidade de reconhecimento do acusado35.
Como se verifica, a amostra obtida foi exígua, em razão das limitações que os bancos de dados dos tribunais e os próprios processos podem apresentar. Trata-se de uma limitação já esperada de uma pesquisa que parte dos casos de exoneração, porque “depende da habilidade de identificação e contagem de todos os casos de erro judiciário, sendo que a maioria dos casos permanece oculta”36. Há que se ter em conta, portanto, que a proporção do problema é consideravelmente maior, o que reforça a importância da investigação aqui proposta.
Com efeito, em levantamento realizado pelo STJ, provavelmente despojado das mesmas limitações que um pesquisador externo possui, foram analisadas decisões proferidas em Habeas Corpus e em recursos de Habeas Corpus que tramitaram no tribunal no período de 27/10/2020 a 19/12/2021. Na pesquisa, foram localizados 89 casos em que a ordem foi concedida em razão de “falha, vício ou inexistência do ato de reconhecimento formal do acusado”37.
De todo modo, a partir dos dados obtidos com a análise jurisprudencial, é possível observar, em primeira análise, que todos os casos de erro judiciário levantados se referiram a crimes patrimoniais, notadamente o roubo circunstanciado pelo concurso de pessoas. Apenas uma pessoa sofreu imputação por crime diverso (estelionato). Em mais de uma situação, inclusive, o crime se deu em um formato de “arrastão” e os(as) verdadeiros(as) autores(as) do fato estavam com o rosto encoberto no momento da infração penal, circunstância que torna a prova do reconhecimento de pessoas bastante duvidosa.
Isso explica porque quatro das seis decisões investigadas tinham origem no estado de São Paulo. Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública38 indicam que essa unidade federativa ostentou nos últimos anos os maiores índices de furtos e roubos (de veículos, de celulares, a estabelecimentos comerciais e residenciais, a transeuntes e de carga) e de estelionatos, em comparação com os demais estados brasileiros.
Além disso, todas as pessoas prejudicadas pelo erro judiciário possuíam preponderantemente baixa escolaridade e eram ocupantes de empregos informais, também com baixa remuneração (como servente, ajudante de pedreiro e ajudante de marceneiro). Não por outro motivo Baratta aponta que, como as estatísticas criminais normalmente se baseiam na criminalidade identificada e perseguida, que não contempla as cifras negras dos crimes de colarinho branco, existe a ideia difundida de que a criminalidade se concentra em grupos sociais de estratos inferiores e é, portanto, ligada a fatores pessoais e sociais relacionados com a pobreza39.
Essas conotações da criminalidade incidem não só sobre os estereótipos da criminalidade, os quais, como investigações recentes têm demonstrado, influenciam e orientam a ação dos órgãos oficiais, tornando-a, desse modo, socialmente “seletiva”, mas também sobre a definição corrente de criminalidade, que o homem da rua, ignorante das estatísticas criminais, compartilha”40.
Diante disso, é coerente que não tenham sido localizadas Revisões Criminais que se subsumissem aos parâmetros definidos, uma vez que o art. 105, I, e) da CF/88 estabelece que o STJ apenas tem competência para julgar as revisões criminais referentes a seus julgados. Ocorre que a competência criminal originária deste tribunal está adstrita a autoridades públicas do alto escalão, como Governadores dos Estados e do Distrito Federal, desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, membros dos Tribunais Regionais Federais, Eleitorais e do Trabalho, membros dos Conselhos e Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais (art. 105, I, a) da CF/88). São autoridades mais comumente envolvidas em crimes contra a Administração Pública e não na criminalidade de rua e que desfrutam de elevada remuneração ou subsídio.
Assim, a inexistência de Revisões Criminais motivadas por erro judiciário demonstra que as categoriais sociais mais abastadas e com grau de escolaridade maior, como os ocupantes de cargos de provimento por concurso público, são poupadas dos equívocos que acometem outros sujeitos epistêmicos. Muito provavelmente, isso também ocorre porque são sujeitos que não sofrem com os estereótipos a que as categorias identificadas se submetem.
Ademais, ao menos em quatro dos seis casos (nos demais a informação não estava disponível), os(as) acusados(as) já possuíam algum tipo de histórico criminal (condenação ou suspeita de participação). Isso revela que o sistema penal não os(as) vê como sujeitos “temporariamente expulsos da vida social normal e destinados a serem reeducados, reabilitados e reenviados à comunidade”. Ao contrário, são tratados como sujeitos “permanentemente marginalizados, inadequados para a ‘reciclagem social’ e designados a serem mantidos permanentemente fora, longe da comunidade dos cidadãos cumpridores da lei”41.
Por outro lado, é importante consignar que a questão racial foi inconclusiva na pesquisa realizada. Essa limitação pode ser explicada pelas restrições das bases de dados, que dificilmente disponibilizam essa informação, e pela quantidade exígua de amostras avaliadas. Disso decorre a necessidade de se recorrer a outras pesquisas sobre o tema, que podem subsidiar as conclusões aqui formuladas.
Nesse contexto, é válido destacar a pesquisa conduzida pela Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso da Justiça da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro. A instituição apurou casos de reconhecimento fotográfico em sede policial que não foram confirmados em juízo e que foram contemplados por sentenças absolutórias posteriormente. A pesquisa investigou fatos ocorridos ou processos iniciados entre maio de 2012 e julho de 2020, em 10 estados, concluindo que 83% dos prejudicados eram negros (pretos e pardos)42, revelando maior incidência dos casos aqui investigados em pessoas com essa característica.
A constatação mais significativa, no entanto, extraída da análise jurisprudencial realizada foi a verificação de que diversas decisões deixaram explícita sua franca preferência pela narrativa das vítimas, das testemunhas e/ou dos(as) policiais, unicamente por ocuparem essa posição processual ou funcional. Fizeram questão, ainda, de consignar que essa inclinação estava relacionada à natureza da infração penal: crimes patrimoniais, que são essencialmente praticados por pessoas pertencentes a setores social e economicamente subintegrados. Em verdade, as narrativas das vítimas até foram desconsideradas em alguns momentos, mas apenas quando manifestaram dúvida e infirmaram a culpa da pessoa acusada, jamais para fazer valer a presunção de inocência.
Trata-se, pois, de uma interpretação diametralmente oposta ao preconizado pela Constituição Federal, ao se considerar a pessoa acusada presumidamente mentirosa e culpada, exclusivamente em razão da posição que ocupa no processo penal e da natureza do crime que lhe foi imputado. Aliás, como se nota pelos excertos colacionados, essa presunção de culpa não alcança os acusados por crimes de colarinho branco ou crimes tradicionalmente cometidos por autoridades públicas ou pessoas de elevado poder aquisitivo. Isso porque as decisões analisadas fizeram questão de esclarecer que a preferência pelas narrativas de vítimas, testemunhas e policiais se aplicava (apenas) aos crimes patrimoniais.
A expressão “narrativa” é usada de forma proposital nesse contexto, porque não é novidade a tese do processo como narrativa ou story-telling jurídico e processual, que oferece construções interpretativas de eventos e um “método para descobrir aquilo que verdadeiramente ocorreu”43. E, como histórias que são, “são perigosas e abertas à suspeição” e “abrem caminhos para a imprecisão, para a variabilidade, bem como manipulações na reconstrução dos fatos”. Estão, ainda, suscetíveis a “perigos de erro, de incompletude, de manipulações e de reconstruções incorretas dos fatos [...], podendo levar a equívocos dramáticos e a erros substanciais na decisão final da controvérsia”44.
Mais do que isso, como narrativa construída, o processo tem uma perspectiva cultural: “qualquer narrativa funda-se em uma cultura e é construída através de uma cultura (compreendida como conhecimento de mundo)”, fazendo sempre referência ao pano de fundo cultural de cada narrador, também chamado de stock of knowledge45. Esse pano de fundo cultural inclui diversos “ingredientes”: preconceitos (sexuais, raciais, religiosos, étnicos e profissionais), tramas (práticas e comportamentos considerados normais em uma comunidade, que condicionam a valoração dos fatos), estereótipos e perfis (são “generalizações grosseiras” e “uma espécie de idealização de personagens típicos que se comportam em modos típicos”, “usados como um meio para reconduzir pessoas ou comportamentos específicos a tipos bem conhecidos”), generalizações de senso comum e quantificações estatísticas ou probabilísticas não justificadas e não verificadas46.
Todos esses dados, portanto, permitem induzir que a pessoa prejudicada pelo erro judiciário decorrente de falhas no reconhecimento de pessoas é aquela acusada da prática de crime patrimonial, que possui baixo grau de escolaridade e empregos mal remunerados. Normalmente, também já tiveram algum contato prévio com a atividade criminosa e são, preponderantemente, negras. Resta, assim, apenas verificar a estreita relação entre esses dados e o fenômeno da injustiça epistêmica.
2. A injustiça epistêmica no reconhecimento de pessoas
A partir da análise jurisprudencial qualitativa formulada na primeira seção, não restam dúvidas de que os erros judiciários causados por falhas no reconhecimento de pessoas decorrem não apenas da inobservância do procedimento, mas também e sobretudo de estereótipos socioeconômicos e, até mesmo, raciais. Decorrem, ainda, do desprezo de narrativas de pessoas específicas, que pertencem a setores subintegrados da sociedade e que ocupam “o banco dos réus” em crimes patrimoniais.
É claro que, ao contrário do que se verificou quanto à posição processual de réu e à natureza da infração penal, em relação aos quais houve explícita preterição narrativa, os depoimentos das vítimas e das testemunhas não deixaram expressas as influências que os preconceitos e estereótipos atinentes às características sociais, econômicas e raciais exerceram sobre seu (sub)consciente no momento do reconhecimento. Da mesma forma, as decisões judiciais analisadas não consignaram sua inclinação a uma ou outra narrativa com base nesses critérios. No entanto, a uniformidade das características processuais e pessoais dos(as) acusados(as) não permite outra conclusão senão a de que existem, em relação a essas características, preconceitos que influem diretamente no reconhecimento pessoal e na decretação da prisão. É nesse contexto, portanto, que se pode falar em injustiça epistêmica, mais especificamente em injustiça testemunhal.
A injustiça epistêmica é uma “injustiça distributiva em relação a bens epistêmicos”47, como informação, educação e credibilidade. Especificamente em sua dimensão testemunhal, consiste em um “mal feito a alguém especificamente por sua capacidade como conhecedor” (sujeito epistêmico). “Ocorre quando o preconceito faz com que o ouvinte dê um nível de credibilidade deflacionado à palavra de um orador”, em razão de um “preconceito na economia da credibilidade”48. Em outras palavras, “uma injustiça testemunhal ocorre quando um sujeito tem sua capacidade de testemunhar algo a alguém reduzida ou impedida por conta de um preconceito de identidade”49, “devido ao seu pertencimento a um ou mais grupos sociais”50. Explica-se.
A injustiça testemunhal está intimamente atrelada à noção de poder social, consistente na capacidade de agentes sociais influenciarem no funcionamento das coisas no mundo51. O objetivo desse poder é efetuar o controle social:
Com o nascimento do delinquente, uma posição do sujeito é criada como o assunto para certos discursos teóricos; com a privação de direitos de um determinado grupo social, o interesse desse grupo se torna politicamente dispensável52.
Em alguma medida esse poder sempre se manifesta estruturalmente, porque depende de uma coordenação prática entre os demais agentes sociais. Afinal, “qualquer operação de poder depende do contexto de um mundo social funcional – instituições compartilhadas, significados compartilhados, expectativas compartilhadas”53. Para além da coordenação prática, no entanto, em alguns casos, o poder depende, ainda, de uma coordenação social imaginativa, isto é, de concepções presentes no imaginário coletivo social que equivalem a estereótipos (isto é, associações e generalizações de um atributo a um grupo social) e que são compartilhadas pelos agentes sociais54.
Como melhor explicado por Santos55, esses estereótipos não são necessariamente um problema, pois podem até ser úteis em tarefas cotidianas. O problema é quando eles se manifestam como preconceitos de identidade e servem de critério para a avalição da credibilidade do interlocutor nas trocas testemunhais. Isso gera uma disfunção epistêmica (o ouvinte faz um “julgamento depreciativo da credibilidade do orador”, prejudicando a aquisição do conhecimento) e um problema ético (“o orador é injustamente prejudicado em sua capacidade como conhecedor”)56. Em outras palavras, o marco distintivo da injustiça testemunhal em relação a outras formas de rejeição de uma narrativa é a influência do preconceito de identidade, que faz com que haja uma distorção na credibilidade atribuída a um sujeito epistêmico:
A ideia é que o preconceito tenderá a aumentar ou diminuir a credibilidade atribuída ao falante e, às vezes, isso será suficiente para atravessar o limiar da crença e da aceitação, de modo que o preconceito do ouvinte o fará perder parcelas do conhecimento57.
Assim, “o sujeito que comete a injustiça o faz a partir da posse de um afeto negativo de identidade que associa pejorativamente características morais, políticas e epistêmicas ao seu interlocutor”58. Esse raciocínio epistemológico opõe-se à chamada norma evidencialista, que impõe que o julgamento de credibilidade do(a) interlocutor(a) de um(a) ouvinte seja compatível com as evidências de que esse(a) orador(a) está falando a verdade. Significa que, quando um(a) ouvinte forma seu convencimento sobre a credibilidade de um(a) interlocutor(a), deve confrontá-lo(a) com as evidências disponíveis, bem como com as evidências que deveria ter disponíveis, não se admitindo, portanto, uma exposição limitada às evidências59.
Com efeito, o percurso ideal da epistemologia é o de, inicialmente, pesquisar e avaliar objetivamente todas as evidências sobre uma questão com o objetivo de, apenas então, chegar à conclusão imparcial que elas impõem. O vício nesse percurso causa um desvio inaceitável, conhecido como confirmation bias (viés de confirmação). Trata-se da construção do caso para justificar uma conclusão já pronta, a partir da coleta seletiva ou atribuição de valor e peso indevidos às evidências que dão subsídio à posição de alguém, negligenciando ou descartando evidências aptas a contradita-la60.
Quando esse percurso ideal, portanto, é violado e o(a) ouvinte atribui a(o) interlocutor(a) credibilidade inferior às evidências de que ele(a) está falando a verdade, ocorre um déficit de credibilidade, que caracteriza a injustiça epistêmica testemunhal61. A consequência desse julgamento deflacionado da credibilidade do(a) depoente é que o(a) orador(a) se torna incapaz de transmitir seu conhecimento ou sua percepção sobre os fatos testemunhados62. Dessa forma, é possível dizer, em resumo, que a injustiça testemunhal ocorre quando um(a) ouvinte viola a norma evidencialista, ignorando evidências relevantes e atribuindo uma depreciação à credibilidade do(a) interlocutor(a) em razão de algum preconceito, destituindo-o(a) de sua capacidade de sujeito epistêmico (conhecedor(a))63.
Importante ressaltar, contudo, que, diante da análise jurisprudencial formulada na seção anterior, é preciso concordar com Lackey, que, ao contrário de Fricker, acredita que a injustiça testemunhal também pode decorrer de um excesso de credibilidade que se atribui a experts ou autoridades em geral em razão de seu status social. Isso leva a uma resistência ou insensibilidade em relação a evidências relevantes, causando a chamada visão do túnel epistêmica: apenas uma tese é perseguida com determinação, sem considerar todo conjunto probatório. Da mesma forma, o próprio ouvinte pode atribuir excesso de credibilidade a si mesmo, como um viés em favor de si mesmo, que o impossibilita de reconhecer suas próprias fragilidades64.
Com efeito, nos casos de erro judiciário analisados, a equivocada formação da culpa se concretizou pela preponderância que se atribuiu ao depoimento da vítima ou da testemunha, cuja credibilidade é inflacionada (excesso de credibilidade), em relação ao depoimento do(a) acusado(a), o que foi expressamente consignado em algumas decisões. Com isso, na disputa entre a palavra de ambos, a credibilidade que se atribui a cada um dos sujeitos foi decisiva para a prisão ou para a liberdade, para a condenação ou para a absolvição. Da mesma forma, há que se considerar o excesso de credibilidade que se atribui às autoridades policiais responsáveis pela condução dos(as) acusados(as), pela realização da prova de reconhecimento ou pelo desenvolvimento da investigação, o que também foi explícito na pesquisa desenvolvida.
Também em oposição a Fricker, Lackey assevera que a injustiça testemunhal deve sim ser verificada em uma dimensão relacional e distributiva. Assim, também há injustiça testemunhal “quando a credibilidade é distribuída de forma inadequada entre os membros de um contexto comunicacional ou uma comunidade, em razão de um preconceito”65. Portanto, ainda que se atribua a credibilidade adequada a um(a) interlocutor(a), se aos(às) demais se atribui um excesso de credibilidade, também haverá injustiça testemunhal, pois o resultado prático é o mesmo de uma avaliação deficitária. Afinal, a credibilidade não é um bem infinito, então “quando alguém recebe muito, outros frequentemente recebem menos”66.
Nesse sentido, os julgamentos penais, que são “uma prática epistêmica por excelência”67, são um exemplo bastante contundente sobre a finitude da credibilidade enquanto bem epistêmico. Isso porque a satisfação da pretensão acusatória implica necessariamente na rejeição da pretensão defensiva, ou vice-versa. Assim, uma vez atribuído o excesso de credibilidade à pessoa que figura em um polo processual, automaticamente a credibilidade é retirada do(a) adversário(a), concretizando a dimensão distributiva da injustiça epistêmica.
Na justiça penal, em que os fatos criminais estão sob discussão, o resultado do processo dependerá, em última análise, de quem conseguiu ter sua versão dos fatos como mais digno de crédito. [...] Em situações como essa, em que as transações epistêmicas são uma competição de credibilidade entre sujeitos, excesso de credibilidade e déficit de credibilidade são dois lados da mesma moeda68.
Como se verifica, é válida, nesse contexto, a crítica que doutrina faz à visão limitada de Fricker sobre a injustiça epistêmica, que obstaculiza sua completa aplicação no cenário jurídico69. Com efeito, é preciso considerar outras formas de injustiça epistêmica que prejudicam grupos sociais e políticos vulneráveis, como as consideradas por Lackey70.
A partir de todos esses elementos, é possível deduzir que a injustiça epistêmica é, em última análise, a própria causa dos erros judiciários, porque eles estão atrelados, preponderantemente, a uma prova de reconhecimento mal produzida. As falhas no reconhecimento, por sua vez, decorrem, em um primeiro momento, de estereótipos que influenciam vítimas e testemunhas que atuam em reconhecimentos que não atendem aos comandos legais. Em um segundo momento, decorrem da desvalorização do depoimento do(a) acusado(a) de crimes patrimoniais por parte das autoridades públicas e judiciais que avaliam a prova e chancelam esses estereótipos. Foi a mesma conclusão sinalizada por Páez e Matida, ao analisarem o cenário jurídico-penal brasileiro:
As condenações de pessoas inocentes com base na identificação inválida podem ser examinadas pelas perspectivas de Fricker e Lackey. Nas investigações de roubos, é comum a situação em que a palavra do réu (preto, pobre e da favela) não é levada em conta. Quando ele é ouvido (porque, em muitos casos, ele não é), sua versão é rapidamente desqualificada. [...] Em complemento a esses casos de identificação contaminada, é importante traçar os casos em que o excesso de credibilidade foi automaticamente atribuído à polícia sem qualquer preocupação em obter outras versões. Durante as operações policiais, as declarações da polícia recebem sistematicamente mais credibilidade que o testemunho das vítimas da violência policial71.
Consequentemente, é a pessoa negra, de baixa escolaridade e de baixa renda, com empregos menos prestigiados e que já teve algum contato com a atividade criminosa, isto é, a protagonista dos crimes patrimoniais e das decisões analisadas, que é prejudicada pelo reconhecimento viciado. O problema é que essa prova constitui, na maioria das vezes, o fundamento exclusivo da prisão ou da condenação. Como reconhece a doutrina especializada:
O reconhecimento formal do suspeito tem, mutatis mutandis, a mesma função da confissão: permitir à autoridade policial considerar encerrada a tarefa de investigar a autoria delitiva e, por conseguinte, considerar provado o crime, em seus aspectos objetivo e subjetivo. [...] A denúncia é oferecida, o acusado, provavelmente, já estará preso – com base também nessa prova isolada – e o processo caminhará até a instrução, na qual, mesmo com a ausência de confissão do réu, e sem que se perquira sobre o procedimento adotado no momento do reconhecimento na delegacia, o juiz, à luz da confirmação, pela vítima, de que reconheceu mesmo o imputado na fase inquisitorial, o condena às penas do crime de roubo72.
Com isso, a injustiça epistêmica, especificamente a injustiça testemunhal, triunfa, na medida em que os estereótipos preconceituosos que permeiam a posição processual de acusados(as) e réus(réus) e os grupos socioeconômicos e raciais subintegrados, deflacionam sua credibilidade (déficit de credibilidade). Isso ocorre através de uma coordenação social imaginativa que contamina as próprias vítimas e testemunhas que participam da prova de reconhecimento e é posteriormente chancelada pelo juízo. Essas pessoas acusadas têm, com isso, sua capacidade de transmissão de conhecimentos desprezada, ignorando-se, assim, sua posição como sujeito epistêmico.
Não por outro motivo, o Superior Tribunal de Justiça já reconheceu, embora em caso concreto diverso, o instituto da injustiça epistêmica, no AREsp 1940381/AL. Tratava-se de acusação de menor por ato infracional análogo a homicídio tentado, cuja condenação se baseou nos depoimentos indiretos do bombeiro e da policial militar que atenderam a ocorrência, sem que houvesse a produção de qualquer prova direta e ignorando-se a tese da legítima defesa apresentada pelo réu. O STJ entendeu, então, que o Estado se omitiu e deixou de produzir as provas que estavam ao seu alcance, incorrendo em perda de uma chance probatória. O Superior Tribunal também asseverou que houve injustiça epistêmica pela desconsideração da narrativa do réu, que era “jovem pobre, em situação de rua, sem educação formal e que se tornou pai na adolescência”73.
Como se verifica, a pessoa prejudicada não estava nem um pouco distante do perfil aqui identificado. Por isso, essa decisão deve ser festejada, uma vez que oferece um indício de que os tribunais já não toleram esse fenômeno, o que se espera ser estendido aos casos de erro judiciário, sobretudo quando decorrentes do reconhecimento de pessoas.
Considerações Finais
A partir da análise jurisprudencial e da revisão bibliográfica sobre o tema, é possível responder satisfatoriamente à pergunta formulada na introdução, isto é, de que forma os estereótipos e a injustiça epistêmica se manifestam nos casos de erro judiciário decorrentes do reconhecimento de pessoas.
Percebe-se que, nesses casos, os preconceitos que acometem indivíduos negros, de baixa escolaridade e de baixa renda, com empregos menos prestigiados e que já tiveram algum contato com a atividade criminosa não se manifestam de forma explícita. No entanto, são determinantes, o que fica claro, em primeiro lugar, pela uniformidade com que essas características apareceram na amostra jurisprudencial analisada. Em segundo lugar, pela suficiência do reconhecimento como prova para a prisão ou para a condenação dessas pessoas, mesmo quando destituído de outras provas que corroborassem com a acusação. A análise empírica, por outro lado, revela que os estereótipos ligados à natureza da infração penal – que, em última análise, está essencialmente relacionada também às características pessoais do(a) acusado(a) – e à posição processual da pessoa não apenas são bastante explícitos, como são assumidamente levados em conta pelo juízo.
De todo modo, os resultados demonstram que esses estereótipos preconceituosos são o critério de distribuição de credibilidade às narrativas e aos sujeitos epistêmicos. Isso revela, a partir do aprofundamento teórico, um típico caso de injustiça epistêmica, que, especificamente em sua dimensão testemunhal, se manifesta como fenômeno imanente nos casos de erro judiciário, constituindo sua principal causa.
A identificação desse fenômeno como causa e a consequente possibilidade de prevenção e mitigação da ocorrência de erros judiciários é fundamental. Toda comunidade e a própria democracia se beneficiam de um sistema penal idôneo e imparcial, que zela pela distribuição assertiva e equitativa da credibilidade. São características que legitimam o poder punitivo e estimulam o cumprimento voluntário das normas penais.
Afinal, é cediço que a persecução penal não possui recursos humanos, materiais e financeiros infinitos. Assim, quando sobrecarrega populações específicas, naturalmente precisa desviar a atenção em relação a outros grupos, assegurando, por via oblíqua, a impunidade, tão prejudicial à credibilidade da justiça penal e à efetivação das normas. Ademais, essa investigação contribui para a identificação e para a conscientização a respeito da existência de um imaginário social contaminado por preconceitos relativos a classes sociais, cor, antecedentes criminais e posições processuais, cujo enfrentamento é igualmente importante para o melhor convívio social.
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4
Ibid., p. 29.
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5
Ibid., p. 28.
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7
CECCONELLO, William W.; MILNE, Rebecca; STEIN, Lilian M. Oitivas e interrogatórios baseados em evidências: considerações sobre entrevista investigativa aplicado na investigação criminal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 8, n. 1, p. 489-510, jan./abr. 2022. Disponível em: <https://revista.ibraspp.com.br/RBDPP/article/view/665/443>. Acesso em: 17 maio 2023. p. 491.
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DUCE, Mauricio; FINDLEY, Keith A. Editorial of dossier “Wrongful convictions and prosecutions: current status, causes, correction and reparation mechanisms” - Wrongful convictions and prosecutions: an introductory overview. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 523-566, maio/ago. 2022. Disponível em: <https://revista.ibraspp.com.br/RBDPP/article/view/746/444>. Acesso em: 21 out. 2022. p. 528.
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14
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17
Ibid.
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18
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 682.986. Paciente: Luis Henrique Zacarone de Oliveira. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Olindo Menezes. Brasília, 22 mar. 2022. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202102360547&dt_publicacao=25/03/2022>. Acesso em: 30 set. 2022.
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19
Ibid.
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20
Ibid.
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21
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 685.033. Paciente: Ana Luiza Solera. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Olindo Menezes. Brasília, 05 out. 2021. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=136740241&tipo_documento=documento#_registro=202102486091&data=20211008&formato=PDF>. Acesso em: 30 set. 2022.
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22
Ibid.
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23
Ibid.
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24
Ibid.
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25
Ibid.
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26
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 685.033. Paciente: Ana Luiza Solera. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Olindo Menezes. Brasília, 05 out. 2021. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=136740241&tipo_documento=documento#_registro=202102486091&data=20211008&formato=PDF>. Acesso em: 30 set. 2022.
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BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 687.103. Paciente: Welton Ruan Ferreira da Silva. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte. Relator: Ministro Olindo Menezes. Brasília, 16 nov. 2021. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202102594823&dt_publicacao=19/11/2021>. Acesso em: 30 set. 2022.
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28
Ibid.
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29
Ibid.
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30
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 643.429. Paciente: Lucas Elias de Barros. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz. Brasília, 28 maio 2021. Disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/dj/documento/mediado/?tipo_documento=documento&componente=MON&sequencial=128021566&tipo_documento=documento#_registro=202100330872&data=20210531&formato=PDF>. Acesso em: 30 set. 2022.
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32
Ibid.
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33
Ibid.
-
34
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC 598.886. Pacientes: Vanio da Silva Gazola e Igor Tartari Felacio. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Relator: Ministro Rogerio Schietti Cruz. Brasília, 27 out. 2020. Disponível em: <https://www.stj.jus.br/sites/portalp/SiteAssets/documentos/noticias/27102020%20HC598886-SC.pdf>. Acesso em: 30 set. 2022.
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35
Ibid.
-
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DUCE, Mauricio; FINDLEY, Keith A. Editorial of dossier “Wrongful convictions and prosecutions: current status, causes, correction and reparation mechanisms” - Wrongful convictions and prosecutions: an introductory overview. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 523-566, maio/ago. 2022. Disponível em: <https://revista.ibraspp.com.br/RBDPP/article/view/746/444>. Acesso em: 21 out. 2022. p. 532, tradução nossa.
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SCHIETTI CRUZ, Rogerio. Investigação criminal, reconhecimento de pessoas e erros judiciais: considerações em torno da nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 567-600, maio/ago. 2022. Disponível em: <https://revista.ibraspp.com.br/RBDPP/article/view/717/445>. Acesso em: 21 out. 2022. p. 576.
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FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. Anuário Brasileiro de Segurança Pública. 2022. Disponível em: <https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2022/06/anuario-2022.pdf?v=4>. Acesso em: 05 out. 2022. p. 104-114.
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40
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal: Introdução à Sociologia do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 103.
- 41
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42
DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. Diretoria de Estudos e Pesquisas de Acesso da Justiça. Relatório sobre reconhecimento fotográfico em sede policial. Rio de Janeiro, s.d. Disponível em: <https://www.defensoria.rj.def.br/uploads/arquivos/54f8edabb6d0456698a068a65053420c.pdf>. Acesso em: 21 out. 2022.
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44
Ibid., p. 54-55.
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45
Ibid., p. 78.
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46
Ibid., p. 78-82.
- 47
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48
Ibid., p.1, tradução nossa.
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49
SANTOS, Breno R.G. Injustiça Epistêmica. In: OLIVEIRA, Rogel Esteves de et al. (orgs.). Compêndio de Epistemologia. Porto Alegre: Fi, 2022. p. 561-583. Disponível em: <https://www.editorafi.org/ebook/625epistemologia>. Acesso em: 13 fev. 2023. p. 565.
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50
Ibid., p. 567.
- 51
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52
Ibid., p. 13, tradução nossa.
- 53
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54
Ibid., p. 17, tradução nossa.
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55
SANTOS, Breno R.G. Injustiça Epistêmica. In: OLIVEIRA, Rogel Esteves de et al. (orgs.). Compêndio de Epistemologia. Porto Alegre: Fi, 2022. p. 561-583. Disponível em: <https://www.editorafi.org/ebook/625epistemologia>. Acesso em: 13 fev. 2023. p. 565.
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57
Ibid., p. 17, tradução nossa.
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- 59
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60
NICKERSON, Raymond S. Confirmation bias: A Ubiquitous Phenomenon in Many Guises. Review of General Psychology, v. 2, n. 2, p. 175-220, 1998. Disponível em: <https://journals.sagepub.com/doi/10.1037/1089-2680.2.2.175>. Acesso em: 30 ago. 2022. p. 175.
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61
LACKEY, op. cit., p. 146.
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64
Ibid., p. 149-156.
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65
LACKEY, Jennifer. Credibility and the Distribution of Epistemic Goods. In: MCCAIN, Kevin (ed.). Believing in Accordance with the Evidence. v. 398. Cham: Springer, 2018. p. 145-168. Disponível em: <https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-3-319-95993-1_10>. Acesso em: 16 set. 2022. p. 157, tradução nossa.
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66
Ibid., p. 166, tradução nossa.
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67
SANTOS, Breno R.G. Injustiça Epistêmica. In: OLIVEIRA, Rogel Esteves de et al. (orgs.). Compêndio de Epistemologia. Porto Alegre: Fi, 2022. p. 561-583. Disponível em: <https://www.editorafi.org/ebook/625epistemologia>. Acesso em: 13 fev. 2023. p. 567l.
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PÁEZ, Andrés; MATIDA, Janaina. Editorial of dossier “Epistemic Injustice in Criminal Procedure”. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 9, n. 1, p. 11-38, jan./abr. 2023. Disponível em: <https://revista.ibraspp.com.br/RBDPP/issue/view/21/26>. Acesso em: 17 maio 2023. p. 21, tradução nossa.
-
69
Ibid., p. 16.
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70
Ibid., p. 18.
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71
Ibid., p. 29-30, tradução nossa.
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72
SCHIETTI CRUZ, Rogerio. Investigação criminal, reconhecimento de pessoas e erros judiciais: considerações em torno da nova jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Porto Alegre, v. 8, n. 2, p. 567-600, maio/ago. 2022. Disponível em: <https://revista.ibraspp.com.br/RBDPP/article/view/717/445>. Acesso em: 21 out. 2022. p. 583.
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73
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AREsp 1.940.381. Agravante: M.B.B. Agravado: Ministério Público do Estado do Alagoas. Relator: Ministro Ribeiro Dantas. Brasília, 14 dez. 2021. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=202102429156&dt_publicacao=16/12/2021>. Acesso em: 16 set. 2022.
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How to cite (ABNT Brazil):
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Editado por
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Editorial team
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Editor-in-chief: 1 (VGV)
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Reviewers: 2
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Ago 2023 -
Data do Fascículo
May-Aug 2023
Histórico
-
Recebido
01 Dez 2022 -
Revisado
15 Jan 2023 -
Revisado
18 Fev 2023 -
Revisado
10 Mar 2023 -
Revisado
13 Abr 2023 -
Revisado
01 Maio 2023 -
Revisado
12 Maio 2023 -
Revisado
23 Maio 2023 -
Aceito
15 Jun 2023