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Os recursos hídricos no agronegócio brasileiro: Uma análise insumo-produto do uso, consumo, eficiência e intensidade* * This research was supported in part by The Brazilian National Council for Scientific and Technological Development (CNPq) under grant number 305838/2017-2.

Resumo

Neste artigo, avaliam-se, no agronegócio, o uso e o consumo de água bem como o nível de eficiência e intensidade da água com relação à renda e ao emprego. Para isso, desagregam-se e compatibilizam-se as Contas Ambientais da Água com a Matriz insumo-produto do país de 2015. Verificou-se que as atividades do agronegócio respondem por 18,85% do uso da água e por 90% do consumo da água do país. Os melhores índices de eficiência e de intensidade na geração de renda e de emprego destacaram, no uso da água, a agroindústria e, no consumo da água, os agrosserviços. As taxas de consumo e as taxas de retorno da água ao meio ambiente evidenciam que, de cada hm3/ano de água usada, na agropecuária, 70,45% é incorporada em sua produção e 29,55% retorna ao meio ambiente; e, na agroindústria, a taxa de consumo é de 54,58% e de retorno, 45,42%. Portanto, se considerar-se que o agronegócio é um grande exportador de alimentos para o mercado internacional, pode-se afirmar também que, por meio de suas exportações, fornece volumes significativos de recursos hídricos para a economia mundial.

Palavras-chave
insumo-produto; setor água; produção setorial; meio ambiente

Abstract

In this paper, in agribusiness, the use and consumption of water, as well as the level of efficiency and intensity of water in relation to income and employment are analyzed. To do this, the Environmental Water Accounts with the country’s input-output matrix of 2015 are disaggregated and reconciled. Agribusiness activities account for 18,85% of water use and 90% of the country’s water consumption. The best indices of efficiency and intensity of income and employment generation highlighted, in relation to the use of water, the agribusiness and, in water consumption, agri-services. The rates of consumption and the rates of return of water to the environment show that, for each hm3/year of water used, in agriculture and cattle raising, 70,45% is incorporated in its production and 29,55% returns to the environment; and, in the agroindustry, the consumption rate is 54,58% and return 45,42%. Therefore, if we consider that agribusiness is a major exporter of food for the international market, we can also affirm that, through its exports, it supplies significant volumes of water resources to the world economy.

1. Introdução

Ao longo das últimas décadas, na economia mundial, os sistemas produtivos agrícolas sofreram transformações importantes em função da mecanização do campo, do desenvolvimento de defensivos e de fertilizantes químicos, da biotecnologia e da tecnologia da informação. Em virtude disso, no Brasil, a produção rural passou a integrar-se à dinâmica econômica das indústrias produtoras de bens e insumos para a agricultura, bem como as indústrias processadoras e de serviços de base agrícola, naquilo que ficou conhecido como agronegócio.

O sucesso do agronegócio foi tal que o Brasil, de um país importador de produtos agropecuários, na década de 1970, tornou-se, em pouco tempo, um dos maiores produtores mundiais de alimentos. Certamente, além da modernização dos processos produtivos, os recursos hídricos vêm contribuindo significativamente com o crescimento do agronegócio na medida em que a água desempenha um papel fundamental na produção de alimentos no campo e em seu processamento industrial no setor urbano. Assim, não é difícil imaginar que as atividades produtivas do agronegócio brasileiro em constante crescimento pressionam permanentemente a demanda de água, dado seu status de referência mundial para o fornecimento de alimentos. Contudo, na economia brasileira, a água é tratada como um recurso escasso.

Embora o país possua as maiores reservas de água doce (12%) do planeta, para entender a escassez de água, é preciso considerar que essas reservas estão desigualmente distribuídas geográfica e demograficamente. Enquanto a região Norte apresenta a maior concentração de água em virtude da localização da Bacia do Rio Amazonas e o Aquífero Alter do Chão, a grande parte da população brasileira concentra-se nas regiões Sudeste e Nordeste que, historicamente, sofrem de secas e escassez de água (Pena, 2018Pena, R. F. (2018). A escassez de água no Brasil. Brasil Escola. Acessado em 24 out 2018: https://brasilescola.uol.com.br/geografia/escassez-agua-no-brasil.htm
https://brasilescola.uol.com.br/geografi...
).

Nesse contexto, as atividades agropecuárias frequentemente são associadas à falta de água, seja pelo desperdício em função de uma inadequada gestão dos recursos hídricos, pela agressão ao meio ambiente, seja por simplesmente existir falta de clareza sobre o volume de água utilizado e o volume de água consumido no sistema econômico.

A respeito, segundo a Agência Nacional da Aguas (ANA, 2018ANA - Agência Nacional De Águas (Brasil). (2018). Contas econômicas ambientais da água no Brasil, 2013-2015. Brasília: ANA, IBGE, SRHQ.), as Contas Econômicas Ambientais da Água (CEAA), em 2015, informam que, dos 3.219.507 hectômetros cúbicos de água (hm3) usada na economia brasileira, em sua grande maioria, 99,05% ou 3.188.907 hm3 retornaram ao meio ambiente e às próprias atividades produtivas, e somente 0,95% ou 30.600 hm3 foram consumidas pelos processos produtivos, pelas famílias e pelos rebanhos. Desse modo, existe uma diferença substancial entre o volume utilizado e o volume consumido no sistema econômico do país.

Nesse panorama, deve-se salientar que grande parte da água usada pelo agronegócio na propriedade rural provém da chuva e somente em torno de 10% da área agrícola do país é irrigada. Deve-se considerar também que a produção de alimentos incorpora significativos volumes de água, pois, de cada hm3 de água ano utilizada na agricultura, 70,46% é consumida (incorporada em produtos) e 29,54% retorna ao meio ambiente (ANA, 2018ANA - Agência Nacional De Águas (Brasil). (2018). Contas econômicas ambientais da água no Brasil, 2013-2015. Brasília: ANA, IBGE, SRHQ.).

Certamente, a pressão sobre o maior uso e consumo de água versus os argumentos de sua escassez aumentam o debate sobre os riscos e as incertezas da exploração econômica dos recursos hídricos que degradam o meio ambiente. Razão pela qual a comunidade internacional e as autoridades ambientais vêm questionando de forma crescente o agronegócio brasileiro sobre a necessidade de adequar suas atividades produtivas com a preservação do meio ambiente. Contudo, pouco se sabe sobre as interações que existem entre o agronegócio e os recursos hídricos, ou seja, a contribuição sistêmica da água nos processos de produção e de consumo do agronegócio brasileiro.

Nesse contexto, considerando a acelerada expansão do agronegócio brasileiro e a maior necessidade de recursos hídricos que isso implica, este artigo tem como objetivo mensurar, na estrutura do agronegócio brasileiro, o uso e o consumo de água e suas implicações inerentes à geração de renda e de emprego. Em particular, pretende-se avaliar a eficiência e a intensidade das atividades do agronegócio na exploração dos recursos hídricos do país. Com isso, espera-se, em um primeiro momento, compreender melhor a abrangência das interações do agronegócio com os fluxos da água, bem como fornecer subsídios para um melhor planejamento dos recursos hídricos nos próximos anos.

Após esta introdução, o presente artigo está dividido da seguinte maneira: na seção 2, apresentam-se o método utilizado para desagregar setorialmente o uso e o consumo das CEAA, a estrutura matemática para mensurar o agronegócio e a base de dados utilizada; a seção 3 avalia, no país, a evolução do estoque de água, bem como os fluxos setoriais da água destinados às atividades econômicas; a seção 4 avalia, na estrutura do agronegócio, inicialmente, o uso e o consumo de água, para logo estabelecer indicadores físico-econômicos de eficiência e intensidade, na dimensão econômica, de modo a relacionar o volume de água com a renda e, na dimensão social, relacionar o volume de água com o emprego; na última seção, são apresentadas as principais conclusões obtidas no decorrer da análise.

2. Metodologia

Para a desagregação, as CEAA do Brasil foram utilizadas como referência às metodologias propostas por Montoya, Lopes, e Guilhoto (2014)Montoya, M. A., Lopes, R. L., & Guilhoto, J. J. M. (2014). Desagregação setorial do balanço energético nacional a partir dos dados da matriz insumo-produto: Uma avaliação metodológica. Economia Aplicada, 18(3), 379-419. http://dx.doi.org/10.1590/1413-8050/ea463
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, que compatibilizam e desagregam matrizes físicas com base nos fluxos das Tabelas de Recursos e Usos das Matrizes Insumo-Produto (MIP) do país.

Já, para calcular a dimensão ambiental do agronegócio, foram utilizadas como referencial as metodologias de Davis e Goldberg (1957)Davis, J. H., & Goldberg, R. (1957). A concept of agribusiness. Boston: Harvard University., Furtuoso (1998)Furtuoso, M. C. O. (1998). O produto interno bruto do complexo agroindustrial brasileiro (Tese de Doutorado, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo (Esalq/USP), Piracicaba). http://dx.doi.org/10.11606/T.11.2020.tde-20200111-121125
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, Guilhoto, Furtuoso, e Barros (2000)Guilhoto, J. M. G., Furtuoso, O. C. M., & Barros, G. S. C. (2000). O agronegócio na economia brasileira, 1994 a 1999. Confederação Nacional da Agricultura., Montoya, Pasqual, Lopes, e Guilhoto (2016)Montoya, M. A., Pasqual, C. A., Lopes, R. L., & Guilhoto, J. J. M. (2016). Consumo de energia, emissões de CO2 e a geração de renda e emprego no agronegócio brasileiro: Uma análise insumo-produto. Economia Aplicada, 20(4), 383-412. http://dx.doi.org/10.11606/1413-8050/ea134600
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, CEPEA (2017)CEPEA - Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada. (2017). Metodologia - PIB do agronegócio brasileiro: Base e evolução. Piracicaba: Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo (ESALQ/USP)., dentre outros, que utilizam as matrizes insumo-produto desenvolvidas por Leontief (1970)Leontief, W. (1970). Environmental repercussions and the economic structure: An inputoutput approach. The Review of Economics and Statistics, 52(3), 262-271. http://dx.doi.org/10.2307/1926294
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.

2.1 A desagregação das Contas Econômicas Ambientais da Água

No Brasil, embora as CEAA e as MIP apresentem setores compatíveis com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) 2.0 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o nível de agregação é diferente. Enquanto as CEAA apresentam uma Tabela de Recursos e usos composta por sete fluxos hídricos e seis setores ou atividades econômicas em unidades físicas, a Tabela de Recursos e usos da MIP apresenta 127 produtos e 67 setores consumidores em unidades monetárias. Em decorrência disso, a compatibilização das informações gera apenas seis setores e/ou atividades - um reduzido número de setores e/ou atividades consumidoras, o que afeta e limita os resultados e as análises do sistema. Assim, para superar esse problema e mensurar a contribuição da água para os processos produtivos do agronegócio, torna-se necessário desagregar os setores das CEAA tomando como referência os dados das MIP.

Para tal procedimento, utilizou-se a metodologia desenvolvida por Montoya et al. (2014)Montoya, M. A., Lopes, R. L., & Guilhoto, J. J. M. (2014). Desagregação setorial do balanço energético nacional a partir dos dados da matriz insumo-produto: Uma avaliação metodológica. Economia Aplicada, 18(3), 379-419. http://dx.doi.org/10.1590/1413-8050/ea463
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, que toma como fator de desagregação ou expansão setorial o peso dos fluxos intersetoriais apresentados na Tabela de Recursos e usos por origem e destino.

O método para estabelecer o fator de expansão compõe-se de duas etapas. A primeira consistiu em compatibilizar as tabelas de Recursos e usos das CEAA com as MIP. Como resultado, por um lado, obteve-se, pelo lado setorial da matriz hídrica, uma agregação de seis grandes setores que usam e consomem água com seus respectivos subsetores, que perfazem um total de 67, tal qual a estrutura das MIP do país (Tabela A-1 no Apêndice). Por outro lado, foi possível identificar os setores intensivos no uso de água e no consumo de água, ou seja, em que setores os fluxos hídricos mais relevantes estão contidos. A respeito disso, segundo a ANA (2018)ANA - Agência Nacional De Águas (Brasil). (2018). Contas econômicas ambientais da água no Brasil, 2013-2015. Brasília: ANA, IBGE, SRHQ., o uso total da água considera toda a água retirada do meio ambiente e das atividades econômicas para ser utilizada pelos setores produtivos e pelas famílias. Já o consumo total de água constitui a parcela da água retirada para uso que não retorna ao ambiente, pois, durante o uso no processo produtivo, foi incorporada nos produtos e consumida pelas famílias e pelos rebanhos. Assim, nessa etapa, verificou-se que, no Brasil, os setores de energia elétrica, de água e esgoto concentram em conjunto 98,41 % do uso total da água, e o setor da agropecuária, 70,46% do consumo total de água (Tabela 3). Certamente, seus fluxos expressos nas Tabelas de Recursos e usos representam significativamente a interação da água com as atividades econômicas do Brasil.

A segunda etapa consistiu em estimar uma matriz de coeficientes a ser multiplicada pelos valores do uso e do consumo setorial da água, de modo a alocar os valores entre os subsetores da matriz hídrica ampliada. Como fator de expansão, foram utilizados os seguintes critérios: i) o uso e o consumo de água de cada setor, em hm3, foi multiplicado pelo coeficiente que representa a participação do subsetor no uso ou no consumo total do setor, em R$; e ii) os coeficientes setoriais foram utilizados alternativamente de acordo com o sentido dos fluxos da água, ou seja, o fluxo entre o meio ambiente e o sistema econômico, bem como o fluxo circular dentro do sistema econômico. Note-se, conforme a Tabela 1, que cada conta ambiental da água está associada aos fluxos dos setores que foram utilizados para a desagregação setorial. Como resultado, no Apêndice, é apresentada a Tabela de recursos e usos física de 2015 desagregada para 12 grandes setores (Tabela A-2).

Tabela 1
Fluxos e setores ponderadores para desagregação das Contas Econômicas Ambientais da Água.

As vantagens de estimar matrizes hídricas desagregadas e compatíveis com as matrizes insumo-produto radicam em permitirem avaliar, mais detalhadamente, o uso e o consumo setorial de água. A incorporação de fluxos da água de forma desagregada possibilita programar análises de impacto sobre o meio ambiente em termos setoriais e abre espaço para avaliar a contribuição da água por produtos ou por cadeias produtivas. Embora as próprias estatísticas dos dados disponíveis determinam as limitações, deve-se ressaltar que os critérios utilizados para a expansão das matrizes hídricas receberam o máximo cuidado para manter-se a coerência econômica entre os fluxos físicos e fluxos econômicos.

2.2 Mensuração do agronegócio

Para a operacionalização do modelo, foi necessária a compilação da matriz insumo-produto física e econômica com tecnologia setor-setor baseada na indústria. Seguidamente, o Agronegócio foi dividido em quatro agregados: I) Insumos Agropecuários; II) Produto Agropecuário; III) Agroindústria; IV) Agrosserviços. Além desse procedimento, para uma análise comparativa, neste trabalho, o Resto da Economia foi desagregada em mais três agregados: V) Indústria; VI) Serviços Industriais; VII) Serviços.

Para obterem-se os valores do uso da água (UH2O), do consumo de água (CH2O), da renda (PIB) e do emprego (L), o processo metodológico é similar e os cálculos são efetuados separadamente para cada variável, generalizada no modelo matemático com o símbolo W, que representa alternativamente as variáveis de interesse.

Inicialmente, para o cálculo da quantidade ou valor de W do segmento I ou Insumos Agropecuários, foram utilizadas as informações disponíveis nas tabelas de insumo-produto, referentes aos valores dos insumos adquiridos pelos produtores da agropecuária. A coluna com os valores dos insumos foi multiplicada pelos respectivos coeficientes da variável de interesse. Para obterem-se os coeficientes de W por unidade monetária da atividade q, dividiu-se o valor da variável de interesse (Wq), pela produção do setor (Xg), ou seja,

(1) CW q = W q X q , para q = 1 , 2 ,... 67 setores W = U H 2 O , C H 2 O , PIB , L alternativamente

em que: CWq = coeficiente da variável W por unidade monetária do setor q.

Logo, para estimar-se o valor do agregado I, multiplicaram-se os valores de cada setor comprado pela produção agropecuária pelo respectivo coeficiente da variável de interesse W de cada setor:

(2) E I = q = 1 n Z q * CW q ,

em que: EI = quantidade de W no agregado I ou Insumos Agropecuários;

Zq = valor total do Insumo do setor q para a produção de W.

Para o segmento II, considera-se, no cálculo, a quantidade de W gerada pela produção agropecuária; e, para evitar dupla contagem, subtraem-se dele as quantidades que foram utilizadas como insumos, já incorporadas na quantidade de EI do agregado I.

Tem-se, então, que

(3) E II = W q Z ql * CW q

em que: EII = quantidade de W no agregado II ou Produto Agropecuário;

Zql = quantidade do insumo agropecuário adquirido pela própria atividade da produção agropecuária.

Para estimar o agregado III ou Agroindústria, adota-se o somatório da quantidade de W gerada pela agroindústria, subtraídas as quantidades de insumos da agroindústria que foram utilizados como insumos no agregado I:

(4) E III = qal W qal Z qal * CW qal ,

em que: EIII = quantidade de W do agregado III ou Agroindústria;

Zqal = quantidade do insumo da agroindústria adquirido pela produção agropecuária.

Cabe salientar que, para fins de definição do setor Agroindústria, utilizou-se a CNAE 2.0 do IBGE. Como resultado, os setores que compõem o agregado III são: abate e produtos de carne, inclusive os produtos do laticínio e da pesca; fabricação e refino de açúcar; outros produtos alimentares; fabricação de bebidas; fabricação de produtos do fumo; fabricação de produtos têxteis; confecção de artefatos do vestuário e acessórios; fabricação de calçados e de artefatos de couro; fabricação de produtos da madeira; fabricação de celulose, papel e produtos de papel; fabricação de biocombustíveis; fabricação de produtos de borracha e de material plástico. Pelo nível de agregação setorial das MIP disponíveis no Brasil (67 setores), fica evidente que alguns setores considerados contêm valores que não fazem parte de processamentos de produtos agrícolas. Assim, para evitar superestimação desse agregado, foram utilizados os índices de ponderação do CEPEA (2017)CEPEA - Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada. (2017). Metodologia - PIB do agronegócio brasileiro: Base e evolução. Piracicaba: Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo (ESALQ/USP). que resgatam a participação relativa do produto agrícola processado.

No caso do agregado IV ou Agrosserviços, referente à distribuição final, considera-se, para fins de cálculo, o valor agregado dos setores relativos ao transporte, ao comércio e aos “outros serviços”. Do valor total obtido, destina-se ao Agronegócio apenas a parcela que corresponde à participação do Produto Agropecuário e a parcela da Agroindústria na demanda final dos setores, respectivamente.

A sistemática adotada no cálculo do valor da distribuição final ou Agrosserviços pode ser representada por

(5) DFD = DFG IIL DF PI DF ,

em que: DFD = demanda final doméstica;

DFG = demanda final global;

IILDF = impostos indiretos líquidos pagos pela demanda final;

PIDF = produtos importados pela demanda final.

Para evitar uma dupla contagem no cálculo das variáveis de interesse do Agronegócio, é necessário subtrair da margem de comercialização as parcelas de insumos utilizadas nos setores de serviços, pertencentes ao segmento I:

(6) MC = WT + WC + WS Z qs * CW qs ,

em que: MC = margem de comercialização;

WT = quantidade de W do setor transporte;

WC = quantidade de W do setor comércio;

WS = quantidade de W do setor serviços;

Zqs = quantidade do insumo serviços adquiridos pelos produtores agropecuários;

CWqs = coeficiente de serviços da variável de interesse.

Logo, o agregado IV ou Agrosserviço é

(7) E IV = MC * DF ql + qal DF qal DFD ,

em que: EIV = quantidade de W do agregado IV ou agrosserviço;

DFql = demanda final doméstica da produção agropecuária;

DFqal = demanda final doméstica da agroindústria.

Finalmente, a quantidade total de W do Agronegócio é dada pela soma dos seus agregados, ou seja,

(8) E Agroneg ó cio = E I + E II + E III + E IV .

2.3 Base de dados

Os dados utilizados nesta pesquisa foram extraídos das CEAA e das Contas Nacionais das MIP do Brasil, publicados pelo IBGE (2018)IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2018). Contas econômicas ambientais da Água: Brasil 2013-2015 (CEAA). Contas Nacionais, 60. https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=detalhes&id=2101555
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php...
, os quais correspondem ao ano de 2015.

Para a compilação das matrizes, adotou-se o modelo de tecnologia do setor cuja hipótese central é de que a tecnologia é uma característica das atividades, isto é, a tecnologia para a produção dos produtos é determinada pela atividade que os produz. Cabe salientar, contudo, conforme explica a ANA (2018)ANA - Agência Nacional De Águas (Brasil). (2018). Contas econômicas ambientais da água no Brasil, 2013-2015. Brasília: ANA, IBGE, SRHQ., dada a complexidade e a escassez de informações, na compatibilização dos dados físicos com os dados econômicos, existem pequenas diferenças entre os valores divulgados nas CEAA e os publicados no Sistema Nacional de Contas (SCN), devido a uma mudança de classificação da atividade dos serviços de água e esgoto da Administração pública para a atividade água e esgoto.

Outra modificação feita nas CEAA foi o aumento dos gastos de consumo intermediário dos serviços de água e esgoto na atividade agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e aquicultura, de forma a contemplar os valores de água cobrados nos perímetros públicos de irrigação. Entretanto, considerando que as alterações feitas na conta ambiental restringem-se ao setor de água e esgoto, que produz uma pequena proporção da água utilizada e consumida no sistema econômico como um todo, o procedimento que se adotou foi o de usar as informações do SCN em função de apresentar uma melhor estrutura de dados insumo-produto.

As informações das MIP são a preços básicos e estão em milhões de reais de 2015, e as informações físicas estão em hm3, o que corresponde a um milhão de metros cúbicos (m3) ou um bilhão de litros de água.

3. Os estoques e os fluxos setoriais da água na economia brasileira

Os estoques de recursos hídricos consideram as águas superficiais (rios, reservatórios artificiais, lagos, glaciares, neve e gelo), águas subterrâneas (aquíferos) e água no solo. A principal entrada de água no sistema ocorre via precipitação e volumes de água oriundos de outros territórios. A retirada de água ocorre por processos hidrológicos, como evapotranspiração e descargas líquidas para outros territórios em bacias hidrográficas transfronteiriças, podendo ocorrer de forma permanente ou temporária. Assim, pela dinâmica do meio ambiente, os estoques considerados pelo SEEA-Water se alteram permanentemente, conforme mostra a Tabela 2.

Tabela 2
Estoques de água subterrânea e de reservatórios artificiais - 2013 a 2015.

De acordo com o volume de água inicial em 2013 e final de 2015, o estoque de água no território brasileiro, composto pelas águas subterrâneas e reservatórios artificiais, sofreu em média um decréscimo de 0,06% ou 794 hm3 no período. No entanto, verifica-se que, embora haja um decréscimo do estoque de água subterrânea de 7.169 hm3, que equivale a uma queda de 0,68% ao ano, há simultaneamente uma elevação dos estoques dos reservatórios artificiais de 6.375 hm3, que equivale a um acréscimo de 2,93% ao ano. Nessa velocidade, em apenas dois anos, as elevações dos estoques artificiais seriam maiores do que os decréscimos nas águas subterrâneas. Além disso, a água subterrânea, salvo novas descobertas, duraria em torno de 150 anos, enquanto os estoques artificiais dobrariam a cada 33 anos (Finamore & Montoya, 2019Finamore, E. B., & Montoya, M. A. (2019). O fluxo circular do consumo e do uso da água no Brasil e a demanda hídrica do agronegócio brasileiro. In 57° Congresso da Sober, Ilhéus.).

Embora aparentemente escasso o recurso hídrico, segundo as tabelas de estoques da ANA (2018)ANA - Agência Nacional De Águas (Brasil). (2018). Contas econômicas ambientais da água no Brasil, 2013-2015. Brasília: ANA, IBGE, SRHQ., existe abundância de água no território nacional. Por exemplo, em 2015, o volume de entrada de água vindo dos rios e dos riachos foi de 9.276.760 hm3 e das precipitações (água do solo) foi de 13.127.952 hm3, sendo, portanto, uma questão de política pública o dimensionamento, a localização e a construção dos estoques artificiais necessários para a irrigação e a ocupação plena do solo agricultável brasileiro.

Com relação aos fluxos setoriais da água, as contas econômicas e ambientais da água no Brasil mostram como eles interagem com as atividades econômicas e com as famílias (Tabela 3), a saber: a) fluxos de água retirados do meio ambiente para o sistema econômico; b) fluxos reutilizados e/ou circulam dentro do próprio sistema econômico; e c) fluxos do sistema econômico que retornam para o meio ambiente. Assim, a conta ambiental é construída do ponto de vista do meio ambiente, visto que os usos diminuem os estoques de água do planeta, e os recursos aumentam os estoques de água do planeta. Dessa maneira, as interações insumo-produto dos recursos hídricos com as atividades econômicas, neste trabalho, são visualizadas pelo uso e pelo consumo de água no sistema econômico.

A Tabela 3 mostra a composição final dos recursos e dos usos físicos de água na economia brasileira no ano de 2015. Observa-se que o uso total de água na economia brasileira alcança 3.219.507 hm3 ao ano (coluna 9). Esse volume representa o total de água retirada do meio ambiente (3.201.731 hm3), mas as águas que são provenientes de outras atividades econômicas (17.775 hm3). Chama atenção que, do total de água utilizada no país, em sua grande maioria, 3.188.907 hm3 ou 99,05%, retornou ao meio ambiente (3.171.131 hm3) e às próprias atividades produtivas (17.776 hm3); e apenas 30.600 hm3 ou 0,95% foram consumidas pelas atividades (30.554 hm3) e pelas famílias (46 hm3).

Nesse contexto, verifica-se, no fluxo do uso total da água nas atividades econômicas e nas famílias (linha 3), que o setor Eletricidade e Gás concentra 96,73% ou 3.114.300 W do fluxo, certamente em função de sua necessidade de turbinar grandes quantidades de água nas hidrelétricas do país. No entanto, também é o setor que apresenta a taxa de 100% de retorno da água ao meio ambiente (linha 11 e coluna 4). Em virtude disso, a água utilizada para geração de eletricidade é considerada como uso não consuntivo, já que toda a água que foi usada na atividade retorna a seu curso. Cabe salientar também que as taxas de retorno ao meio ambiente são elevadas na Indústria extrativa, com 73,01% (linha 11 e coluna 2), e nas Demais atividades, com 63,45% (linha 11 e coluna 6).

Com relação ao fluxo do consumo total de água (linha 7), verifica-se também elevada concentração na medida em que o setor Agropecuário consome 77,46% ou 23.704 hm3 dessa água no país, seguido de longe pelo setor indústria de Transformação com 11,27% ou 3.450 hm3. A avaliação conjunta da taxa setorial do consumo de água (linha 10) e a taxa setorial do retorno de água ao meio ambiente (linha 11) permitem visualizar melhor o papel da água na produção da agropecuária e da indústria de transformação, ou seja, quanto da água utilizada foi consumida ou incorporada na produção e quanto foi devolvida ao meio ambiente.

A agropecuária apresenta uma taxa de consumo de 70,46% e uma taxa de retorno ao meio ambiente de 29,54%, indicando em conjunto que, na produção agrícola e pecuária, a água é incorporada em grandes volumes. Essa característica, em menor intensidade, aparece também na indústria de transformação, uma vez que, em seu processo produtivo, apresenta uma taxa de consumo de 53,99% e uma taxa de retorno de 46,01%. Cabe salientar que grande parte da indústria de transformação processa produtos da agropecuária, o que certamente influencia sua taxa de consumo setorial.

4. Os recursos hídricos no agronegócio brasileiro

Com base nos fluxos do uso e consumo da água observados nos setores produtivos, pode-se argumentar que o desempenho da atividade agrícola, pecuária, floresta e, portanto, da agroindústria e dos serviços que os circundam dependem significativamente do clima e, consequentemente, da disponibilidade de recursos hídricos do país. A questão é: qual é a dimensão ambiental da água no agronegócio brasileiro?

4.1 O uso da água no agronegócio brasileiro

O agronegócio brasileiro, em 2015, chegou a responder por 18,85% ou 605.358 hm3 da água utilizada no país. Como mostra a Tabela 4, do volume total do agronegócio, 22,39% ou 135.539 hm3 de água foram usadas na produção de insumos agropecuários, tais como adubos e fertilizantes, energia elétrica, produtos farmacêuticos e veterinários, sementes, ração animal, dentre outros (agregado I). Já a produção rural usou 5,33% ou 32.276 hm3 de água do agronegócio nas lavouras, na produção pecuária e nas atividades de exploração florestal (agregado II).

Tabela 3
Fluxos relativos do uso e consumo da água na economia brasileira - 2015 (hm3/ano e percentuais).
Tabela 4
O uso da água no agronegócio e na economia brasileira - 2015 (hm3/ano e percentual).

A agroindústria, embora concentre 80,07% da água (5.989 hm3/7.297 hm3 = 0,8207) utilizada pela indústria nacional (7.297 hm3 = 5.989 hm3 + 1.308 hm3), no agronegócio apenas participa com 0,99% ou 5.989 hm3 da água usada (agregado III). Em particular, o maior uso da água destaca-se na indústria de Abate e produtos de carne, inclusive os produtos do laticínio e da pesca (2.727 hm3) e na indústria de outros produtos alimentares (1.853 hm3).

Os agrosserviços, com uma participação de 71,29% ou 431.553 hm3, constitui-se como o principal agregado que utiliza água no agronegócio brasileiro. O uso de água no segmento serviços direcionado à agroindústria é significativamente maior do que o direcionado à agropecuária, na medida em que os serviços agroindustriais concentram 74,08% ou 319.712 hm3 da água utilizada nos agrosserviços, eos serviços agropecuários somente 25,92% ou 111.841 hm3. Aliás, o uso de água nos serviços agroindustriais é quase o dobro (1,9 = 319.712 hm3/(135.539 hm3 + 32.276 hm3)) do que se utiliza em conjunto na produção de insumos (agregado I) e na produção rural (agregado II).

Em geral, para entender a natureza do uso da água no agronegócio e na economia brasileira, dois aspectos importantes devem ser considerados. Por um lado, deve-se levar em consideração que o setor Água, esgoto e gestão de resíduos (53.999 hm3) está fortemente vinculado ao setor urbano, principalmente no fornecimento de seus serviços para a produção de insumos e produção industrial. Por outro lado, o setor Eletricidade e Gás, que concentra 96,73% ou 3.114.300 hm3 do uso total da água do país, evidencia que grande parte da água utilizada no sistema econômico, como um todo, perpassa pelo uso da energia elétrica (Tabela 3).

4.1.1 Eficiência e intensidade hídrica do uso da água

A integração de informações hídricas com informações econômicas e sociais, conforme a metodologia do SEEA-Water, permite obter indicadores de eficiência e de intensidade hídrica para o agronegócio e economia brasileira como um todo.

Na dimensão econômica, a eficiência hídrica é o indicador que calcula a razão entre o PIB de uma atividade econômica e o volume de água usada por ela. Representa quantos reais são gerados por metro cúbico usado de água no ano (R$/m3); assim, a eficiência está relacionada aos maiores resultados da atividade produtiva pelo uso de recursos hídricos, de modo que, quanto maior for o índice, melhor será a eficiência hídrica. A intensidade hídrica é a razão entre o volume usado de água por determinada atividade econômica e o PIB gerado por ela. Representa quantos litros de água foram usados por cada real gerado no ano (litros/R$); por conseguinte, os melhores índices de intensidade estão associados ao menor uso de recursos hídricos por atividade produtiva; assim, quanto menor o índice, melhor será a intensidade.

Na dimensão social, a eficiência hídrica dá-se pela razão entre os empregos da atividade econômica e o volume de água usada por ela, em outras palavras, quantos empregos são gerados por metro cúbico usado de água no ano (Empregos/m3). Já a intensidade hídrica é a razão entre o volume usado de água por determinada atividade econômica e o emprego gerado por ela (m3/Empregos).

A Tabela 5 mostra o PIB, os empregos e o uso de água no agronegócio e na economia brasileira, bem como os índices de eficiência e intensidade hídrica para o ano de 2015. Note-se que o agronegócio responde por 20,7% ou 1.068.071 milhões do PIB e 27,6% ou 28.165.950 dos empregos do país.

Tabela 5
Indicadores de eficiência e intensidade do uso da água na geração de renda e emprego no agronegócio brasileiro - 2015.

Na dimensão econômica, embora o coeficiente R$/m3 mostre, no agronegócio, atividades mais eficientes no uso de recursos hídricos do que o resto da economia, já que gera R$ 1,76 por cada metro cúbico de água usada, enquanto o resto da economia gera R$ 1,57, o padrão médio de eficiência da economia brasileira (R$ 1,61) deve ser considerado baixo. Isso porque a intensidade hídrica do país e do agronegócio mostra elevada vazão no uso da água, indicando a necessidade de 622,90 litros e 566,78 litros de água para cada R$ 1,00 de valor adicionado gerado, respectivamente.

Nesse panorama, a agroindústria destaca-se, sobre todos os agregados, por apresentar o melhor índice de eficiência hídrica que gera R$35,83 por m3 de água usada e um índice de intensidade hídrica de apenas 27,91 litros de água para cada R$ 1. Tal evidência sugere um elevado valor adicionado da atividade por litro consumido. Contudo, as atividades produtivas dos serviços e, principalmente, dos insumos agropecuários destacam-se pela baixa eficiência no uso da água e pelo excesso do uso de recursos hídricos. Já a produção agroindustrial apresenta um índice intermediário de eficiência que gera R$35,83 por m3 de água e uma intensidade de 27 litros por cada unidade de renda gerada.

Na dimensão social, a eficiência hídrica evidencia, no agronegócio, atividades mais geradoras de emprego do que o resto da economia, já que, em média, gera 47 empregos por cada hectômetro cúbico de água usada, enquanto o resto da economia gera 32 empregos. A vazão de água medida pela intensidade hídrica mostra-se alta no agronegócio, chegando a 21.493 m3 por trabalhador e, no resto da economia, a 35.322 m3. Assim sendo, os volumes de água por trabalhador na economia brasileira demandam cada ano a retirada de abundantes recursos hídricos do meio ambiente.

Da comparação dos diversos agregados. emergem, em torno da média do agronegócio (47 empregos/hm3), dois níveis de eficiência na geração de emprego: a agroindústria (759 empregos/hm3) e o produto agropecuário (390 empregos/hm3), com índices de localização bem acima da média; e os agrosserviços (22 empre-gos/hm3) e insumos agropecuários (10 empregos/hm3) abaixo da média.

Cabe salientar que a agroindústria se destaca por apresentar o maior índice de eficiência, com 749 empregos gerados por hm3 de água, e o menor índice de intensidade, utilizando 1.318 m3 de água por emprego gerado. Trata-se de uma atividade que gera 16,15 vezes mais empregos por hm3 de água do que a média do agronegócio (47 empregos por hm3 de água usada) e que, simultaneamente, também se destaca na geração de renda (R$35,83 por m3).

4.2 O consumo da água no agronegócio brasileiro

Considerando que o consumo total de água é a parcela da água retirada para uso que não retorna ao ambiente (rios, mares, oceanos, etc.), pois, durante o uso, foi incorporada em produtos e consumida pelas famílias e pelos rebanhos, resta saber qual é a dimensão ambiental do consumo de água no agronegócio brasileiro.

A Tabela 6 mostra o consumo de água no país, no agronegócio e nos seus agregados, em 2015. Observa-se que o agronegócio desempenha um papel importante no consumo de recursos hídricos da economia brasileira, pois, dos 30.554 hm3 da água consumida no país, 90% ou 27.498 hm3 concentram-se no agronegócio. Isso, associado à sua participação no uso da água no Brasil (18,85% ou 605.358 hm3), indica que a importância relativa das atividades do agronegócio no consumo de água é maior do que no uso da água, pois as atividades do agronegócio incorporam em seus produtos grande parte da água que utilizam.

Tabela 6
O consumo de água no agronegócio e na economia brasileira - 2015 (hm3/ano e percentual).

A respeito, a produção agropecuária destaca-se como o principal agregado que incorpora água em seus produtos na medida em que detém 74,42% ou 22.738hm3 da água consumida no país1 1 O consumo de água da agropecuária no sistema econômico (Tabela 2) é diferente do consumo no agronegócio (Tabela 6). Isso se deve à metodologia de cálculo do agronegócio que decompõe o consumo de água entre os agregados, ou seja, parte da água da agropecuária está incorporada nos insumos e outra pequena parte dispersa na agroindústria. , seguido de longe pela produção agroindustrial com 10,70% ou 3.269 hm3. Em conjunto, esses agregados respondem por 94,58% do consumo de água do agronegócio.

A importância dos recursos hídricos nos processos produtivos dos agregados do agronegócio pode ser visualizada também a partir das taxas de consumo da água e da taxa de retorno da água ao meio ambiente, apresentados na Tabela 7.

Tabela 7
Dimensão ambiental da água no agronegócio e as taxas de uso, consumo e de retorno ao meio ambiente - 2015 (hm3/ano e percentual).

Com base nesses indicadores, fica evidente que a contribuição da água nos processos produtivos da agropecuária e da agroindústria é crucial já que a taxa de consumo e a taxa de retorno em suas atividades indica que, de cada hm3/ano de água usada, na agropecuária, 70,45% consome ou incorpora em sua produção e 29,55% retorna ao meio ambiente; e, na agroindústria, a taxa de consumo é de 54,58% e de retorno 45,42%. Assim, se considerar-se que o agronegócio brasileiro no mercado internacional detém o status de um grande fornecedor de alimentos, pode-se inferir que, por meio das exportações de produtos agropecuários e agroindustriais, também é um grande exportador de água para a economia mundial.

4.2.1 Eficiência e intensidade hídrica do consumo da água

A Tabela 8 mostra os indicadores de eficiência e de intensidade do consumo da água no agronegócio e no país para o ano de 2015.

Tabela 8
Indicadores de eficiência e intensidade do consumo da água na geração de renda e emprego no agronegócio brasileiro - 2015.

Na dimensão econômica, a eficiência hídrica aponta melhor desempenho na economia brasileira do que no agronegócio, na medida em que, no país, são gerados R$ 168,74 por metro cúbico de água consumida e, no agronegócio, apenas R$38,84. O índice de intensidade, por sua vez, assinala que essa ineficiência no agronegócio é de 4,34 vezes maior do que as atividades do país (4,34 = 25,57÷5,93) por R$ 1 gerado.

Nesse contexto, o produto agropecuário evidencia a menor eficiência hídrica no consumo de água do país, com um índice de R$ 10,91/m3. Certamente, a menor taxa de retorno de água ao ambiente (29,55%) que apresenta (Tabela 7) bem como sua elevada participação (74,42%) no consumo da água na economia brasileira (Tabela 6) explicam, em grande parte, a ineficiência hídrica na produção agropecuária. O maior índice de intensidade hídrica que apresenta esse agregado no país corrobora o elevado consumo de água por unidade monetária, pois são necessários 91,64 litros de água para gerar um real.

Seguidamente, os Insumos Agropecuários e Agroindústria alcançam eficiências hídricas de R$ 58,41/m3 e de R$ 65,64/m3, respectivamente. Contudo, o agrosserviços destacam-se, dentre os agregados, por apresentar os maiores níveis de eficiência (R$1.230,76/m3) e, portanto, os menores índices de intensidade hídrica (0,81 li-tros/RS) com relação ao agronegócio e, também, ao país.

Na dimensão social, o agrosserviço também se destaca no mercado de trabalho do agronegócio, já que apresenta, simultaneamente, a melhor eficiência hídrica, gerando 21.879 empregos por hectômetro cúbico de água consumida, e o melhor aproveitamento da água por emprego gerado, pois apenas consome 46m3 de água por cada emprego gerado. Entretanto, deve-se destacar que, no país, o resto da economia apresenta melhor desempenho social na eficiência (24.142 empregos/hm3) e na intensidade (41m3/emprego) do consumo de água.

Quanto à geração de emprego pelo consumo de água na agroindústria (1.390 empregos/hm3) e nos insumos agropecuários (1.293 empregos/hm3), os padrões que apresentam se localizam acima da média do agronegócio (1.024 empregos/hm3); contudo, na produção agropecuária, observa-se a mais baixa eficiência na geração de empregos (554 empregos/hm3) e a mais alta intensidade no consumo de água por emprego gerado (1.806m3/emprego). Certamente, a capacidade de incorporar grandes volumes de água na produção de alimentos explica, em grande parte, esses indicadores.

Finalmente, cabe manifestar que os indicadores de eficiência e de intensidade do uso e do consumo de água na dimensão ambiental, econômica e social evidenciam a interação e os detalhes dos fluxos de água entre a economia e o meio ambiente. Elas revelam a produtividade dos recursos hídricos bem como a natureza dos processos produtivos, pois indicam, no agronegócio, quais são as atividades produtivas mais eficientes no uso e no consumo de água e quais são os processos produtivos mais intensivos no uso e no consumo de água.

5. Considerações finais

Este artigo teve como objetivo estimar o uso e o consumo de água no agronegócio brasileiro, bem como avaliar a eficiência e a intensidade que apresenta a água com relação à renda e ao emprego. Para isso, dada a limitação das informações disponíveis, foi necessário desagregar e compatibilizar as Contas Ambientais da Água, tomando como referência os fluxos intersetoriais das tabelas de usos e recursos da Matriz insumo-produto do país.

Com relação aos estoques de água, verificou-se, no período de 2013 a 2015, que existe equilíbrio hídrico no país, na medida em que o decréscimo do estoque de água subterrânea, em pouco tempo, será mais do que compensado pelo crescimento do estoque de reservatórios artificiais.

Os fluxos de água entre o meio ambiente e as atividades econômicas evidenciam que, do uso total da água na economia brasileira, 99,05% retorna para o meio ambiente e apenas 0,95% é consumida na produção (incorporada em produtos), pelas famílias e pelos rebanhos. Nesse panorama, na exploração econômica dos recursos hídricos do país, o setor Eletricidade e gás foi responsável por concentrar 96,73% do uso total da água e o setor Agropecuário por concentrar 77,46% do consumo total da água. Essa evidência permite afirmar que o perfil do uso e do consumo dos recursos hídricos no país são determinados, em grande parte, pelas características dos processos produtivos desses setores.

Nesse contexto, verificou-se que o agronegócio, em 2015, responde por 18,85% do uso total da água no Brasil. Constatou-se que o uso da água nos agregados do agronegócio está fortemente vinculado aos serviços do setor Água, esgoto e gestão de resíduos e, principalmente, ao setor Eletricidade e Gás que, ao concentrar 96,73% do uso total da água do país, evidencia que grande parte da água utilizada no sistema econômico, como um todo, perpassa pelo uso da energia elétrica.

Na dimensão econômica, o indicador de eficiência hídrica (R$/m3) evidenciou no agronegócio a geração de R$1,76 por metro cúbico de água usada. Contudo, esse padrão médio de eficiência deve ser considerado baixo, já que seu indicador de intensidade hídrica (Litros/R$) mostra elevada vazão no uso da água, indicando a necessidade de 566,78 litros de água para cada R$ 1,00 gerado. Na dimensão social, a eficiência hídrica apontou a geração média de 47 empregos por cada hectômetro cúbico de água usada. De fato, a intensidade hídrica (21.493m3/Emprego) mostra, no agronegócio, uma grande quantidade de água usada por cada emprego gerado. Cabe salientar, no entanto, que, dentre os agregados, os melhores índices de eficiência e intensidade no uso da água para a geração de renda e emprego destacaram a agroindústria.

Com relação ao consumo de água, verificou-se que o agronegócio responde por 90% do consumo da água total do país, evidenciando que suas atividades incorporam em seus produtos grande parte da água que utilizam. Em particular, as taxas de consumo e as taxas de retorno da água ao meio ambiente assinalam que, de cada hm3/ano de água usada, na agropecuária, 70,45% é incorporada em sua produção e 29,55% retorna ao meio ambiente; e, na agroindústria, a taxa de consumo é de 54,58% e de retorno 45,42%. Assim, dado o status do agronegócio de ser um grande fornecedor de alimentos no mercado internacional, podemos afirmar que, por meio das exportações de produtos agropecuários e agroindustriais, também é um grande fornecedor de recursos hídricos para a economia mundial.

Na dimensão econômica, o produto agropecuário, com um índice de R$10,91 /m3, apresentou a menor eficiência hídrica no consumo de água do país e, portanto, um elevado consumo de água por unidade monetária gerada (91,64 litros/R$). O agros-serviço, pelo contrário, destaca-se por apresentar os maiores níveis de eficiência (R$1.230,76/m3) e os menores índices de intensidade hídrica (0,81 litros/RS) com relação ao agronegócio e, também, ao país. Na dimensão social, o agrosserviço também se destaca por apresentar, simultaneamente, a melhor eficiência hídrica, gerando 21.879 empregos por hectômetro cúbico de água consumida, e o melhor aproveitamento da água por emprego gerado, consumindo apenas 46m3 de água por cada emprego gerado.

Finalmente, cabe ressaltar que a metodologia utilizada para desagregar as Contas Ambientais da Água permitiram dimensionar o volume do uso e do consumo da água no agronegócio, bem como os indicadores de eficiência e de intensidade na dimensão econômica e social. As informações geradas evidenciam a interação e os detalhes dos fluxos de água entre a economia e o meio ambiente. Elas revelam também a produtividade dos recursos hídricos e a natureza dos processos produtivos, ou seja, indicam, no agronegócio, quais são as atividades produtivas mais eficientes no uso e no consumo de água e quais são os processos produtivos mais intensivos no uso e no consumo de água. Certamente, trabalhos que avaliem esses indicadores nas principais cadeias produtivas permitiriam compreender melhor a abrangência das interações do agronegócio com a água, bem como fornecer subsídios para um melhor planejamento dos recursos hídricos nos próximos anos.

  • *
    This research was supported in part by The Brazilian National Council for Scientific and Technological Development (CNPq) under grant number 305838/2017-2.
  • JEL Codes C67, Q25, E23, Q50
  • 1
    O consumo de água da agropecuária no sistema econômico (Tabela 2) é diferente do consumo no agronegócio (Tabela 6). Isso se deve à metodologia de cálculo do agronegócio que decompõe o consumo de água entre os agregados, ou seja, parte da água da agropecuária está incorporada nos insumos e outra pequena parte dispersa na agroindústria.

Apêndice. Tabelas

Tabela A-1
Agregação e compatibilização setorial entre a Matriz Insumo-Produto (MIP) e as Contas Econômicas Ambientais da Água (CEAA) do Brasil - 2015.

Tabela A-2
Tabela de recursos e usos física desagregada para 12 grandes setores - 2015 (hm3/ano).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2019
  • Aceito
    11 Fev 2020
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