Resumo
O artigo investiga as causas da estagnação econômica do Brasil a partir da década de 1980, utilizando o método de controle sintético para construir uma trajetória contrafactual de crescimento. Comparando o desempenho real do PIB per capita brasileiro com um cenário sintético baseado em países como Coreia do Sul, Colômbia e Chile, o estudo estima uma perda acumulada de 48,19% no PIB per capita até o ano 2000. Os resultados sugerem que políticas econômicas adotadas no período, como intervenção estatal, resistência à abertura comercial e instabilidade macroeconômica, desviaram o país de um caminho de crescimento sustentado. O trabalho destaca o papel das instituições e reformas estruturais no desempenho econômico de longo prazo, reforçando a importância de ambientes favoráveis ao investimento e à inovação. Conclui-se que a divergência institucional em relação aos países de referência explica parte significativa da estagnação brasileira.
Classificação JEL. O43, O47.
Palavras-chave
Crescimento econômico; Brasil; Controle sintético
1. Introdução
Embora ainda seja frequentemente referido como o “país do futuro”, o Brasil apresenta, nas últimas décadas, um padrão de crescimento econômico marcado por instabilidade e descontinuidade, que extrapola as variações típicas dos ciclos econômicos. Como ilustrado na Tabela 1, após um período de crescimento acelerado entre as décadas de 1950 e 1970, a economia brasileira entrou, nos anos 1980, em uma fase de estagnação e declínio. Desde então, o país não conseguiu retomar a trajetória de expansão sustentada que anteriormente alimentava expectativas de ascensão à condição de potência econômica global (Lindauer et al., 2002). Ainda hoje, o Brasil permanece classificado como economia em desenvolvimento ou, na terminologia contemporânea, uma economia emergente. Essa trajetória parece corroborar a célebre frase atribuída ao general Charles de Gaulle, segundo a qual “o Brasil é o país do futuro... e sempre será”,
Taxas de crescimento anual médio do PIB e do PIB per capita do Brasil em períodos selecionados (1950-2019)
Diante desse cenário adverso, a trajetória do crescimento econômico brasileiro tornou-se objeto relevante de investigação, especialmente por se tratar de um caso em que a desaceleração foi rápida e persistente, com notórias dificuldades para retomar uma trajetória consistente de crescimento após o período de estagnação. Apesar de sua importância, ainda são escassos os estudos que buscam compreender, de forma sistemática, as causas do baixo crescimento observado na década de 1980 — período que ficou conhecido como a “década perdida”, Na literatura, destacam-se duas abordagens principais. A primeira, de curto prazo, representada por Bacha e Bonelli (2005), enfatiza fatores macroeconômicos como a escassez de financiamento externo e o aumento das taxas de juros internacionais. A segunda, de longo prazo, adotada por autores como Ellery Jr et al. (2000), Bugarin et al. (2002), Graminho (2006) e Gomes et al. (2010), recorre a modelos teóricos de crescimento econômico com foco na acumulação de capital físico e humano e no comportamento da produtividade total dos fatores.
No curto prazo, Carneiro e Modiano (1999) destacam que os choques externos provocados pelo segundo choque do petróleo e pela elevação das taxas de juros internacionais exigiram um ajuste da oferta doméstica, em resposta à escassez de divisas e à necessidade de atender às condições impostas por instituições financeiras internacionais para a renovação de empréstimos. Tais empréstimos eram, à época, essenciais para manter o equilíbrio do Balanço de Pagamentos. Como consequência, a primeira metade da década de 1980 foi marcada por sucessivos cortes no orçamento público e pela adoção de políticas de substituição de importações, com ênfase em investimentos na exploração de petróleo e na produção interna de insumos básicos, especialmente aqueles direcionados à exportação. Nessas circunstâncias, a formulação da política macroeconômica e os resultados observados passaram a ser condicionados, em grande medida, à disponibilidade de financiamento externo (Bacha e Bonelli, 2005).
Ainda segundo esses autores, a crise financeira do início da década de 1980 encerrou tanto o ciclo do regime militar quanto a viabilidade de um modelo de crescimento baseado na intervenção estatal e na substituição de importações. Com a transição para o regime democrático, a instabilidade macroeconômica passou a ser enfrentada por meio de sucessivos planos econômicos heterodoxos, que fracassaram em seu intento de controlar a inflação sem comprometer o crescimento. Esses planos acabaram agravando a crise, culminando em episódios como as moratórias das dívidas externa e interna. Esses eventos, tomados em conjunto, ajudam a explicar a estagnação econômica brasileira observada ao longo da década de 1980.
Entretanto, embora as dificuldades externas enfrentadas pelo Brasil nos anos 1980 tenham sido parcialmente resolvidas com a renegociação da dívida externa no início dos anos 1990 e a estabilização macroeconômica obtida com o Plano Real em 1994, o baixo desempenho econômico permaneceu nas décadas seguintes. As explicações de curto prazo disponíveis na literatura (Bacha e Bonelli, 2005; Carneiro e Modiano, 1999) são suficientes para compreendera estagnação econômica da década de 1980, período marcado por choques externos, desequilíbrios fiscais e instabilidade monetária. No entanto, elas não esclarecem adequadamente por que a economia brasileira continuou incapaz de retomar o ritmo de crescimento observado antes daquele período.
Nesse contexto, estudos como os de Bugarin et al. (2002), Graminho (2006) e Gomes et al. (2010) atribuem a persistência dessa estagnação a quedas estruturais na produtividade total dos fatores (TFP), considerada pela literatura econômica como um “resíduo” não diretamente observável (Abramovitz, 1956). Dado que não há consenso claro sobre quais elementos determinam precisamente as alterações da TFP, torna-se relevante complementar essa literatura com análises empíricas capazes de evidenciar mudanças estruturais no processo de crescimento. Este artigo contribui justamente nesse aspecto, ao apresentar uma abordagem empírica contrafactual, utilizando o método de controle sintético. Essa metodologia permite demonstrar que algo estruturalmente relevante mudou na trajetória de crescimento do Brasil a partir de 1980, provocando efeitos negativos e permanentes nas décadas subsequentes, mesmo após resolvidos os desequilíbrios conjunturais iniciais.
Para construir essa trajetória contrafactual, o estudo utiliza o método de controle sintético, desenvolvido por Abadie e Gardeazabal (2003) e aperfeiçoado em estudos subsequentes (Abadie et al., 2010; 2015; Abadie, 2021), que permite estimar o impacto de intervenções ou mudanças institucionais em contextos nos quais apenas uma unidade — neste caso, o Brasil — é exposta ao “tratamento”, A lógica do método consiste em construir um grupo de controle sintético a partir de uma combinação ponderada de países que apresentavam trajetórias econômicas semelhantes à brasileira antes da década de 1980. Essa combinação busca replicar o comportamento do PIB per capita brasileiro no período pré-intervenção, permitindo estimar, com maior rigor, o desvio observado a partir do momento em que se iniciam as mudanças institucionais. Com isso, o estudo busca oferecer evidência empírica sobre o custo agregado dessas transformações, contribuindo para o debate sobre as causas da estagnação econômica brasileira no longo prazo.
O artigo está organizado da seguinte forma: a próxima seção descreve a base de dados e a metodologia utilizada para estimar os efeitos de longo prazo associados à trajetória institucional adotada pelo Brasil a partir da década de 1980. Em seguida, são apresentados os principais resultados do exercício empírico, acompanhados de testes de robustez. Por fim, a seção final discute as implicações dos achados, propõe hipóteses explicativas para os resultados observados e aponta caminhos promissores para investigações futuras..
2. Estratégia de identificação
A avaliação dos efeitos de um conjunto de políticas implementadas ao longo de uma década representa um desafio metodológico relevante. Uma abordagem comum consiste em comparar a trajetória econômica posterior à intervenção com a tendência observada nas décadas anteriores, por meio da identificação de quebras estruturais (Bugarin et al., 2002; Kehoe e Prescott, 2002; Kydland e Zarazaga, 2001). Embora intuitiva, essa estratégia pressupõe a estabilidade de fatores externos ao longo do tempo, o que dificilmente se sustenta empiricamente (Carrasco et al., 2014). No caso brasileiro, o início dos anos 1980 foi marcado por choques internacionais significativos, como a duplicação dos preços do petróleo e a elevação das taxas de juros nos mercados globais — eventos que impactaram diversos países da América Latina. Diante desse contexto, torna-se problemático assumir que, na ausência de mudanças institucionais, a economia brasileira manteria a trajetória observada anteriormente.
Para estimar os efeitos das políticas que transformaram o arcabouço institucional brasileiro a partir da década de 1980, este estudo utiliza o método de controle sintético, originalmente proposto por Abadie e Gardeazabal (2003) e posteriormente refinado por Abadie et al. (2010). Sua aplicação é especialmente adequada em estudos de caso nos quais apenas uma unidade — neste caso, o Brasil — é exposta a uma intervenção, permitindo a construção de um contrafactual a partir de uma combinação ponderada de unidades não tratadas.
Apesar de sua flexibilidade e transparência, o método de controle sintético exige o cumprimento de pressupostos rigorosos para garantir estimativas não viesadas1. Um dos mais relevantes é que os países doadores utilizados para compor o grupo de comparação não tenham sido submetidos a intervenções similares àquela sofrida pela unidade tratada. Esse critério é essencial, mas difícil de verificar com precisão, uma vez que muitas das características que definem o “tratamento” — neste caso, transformações institucionais — não são diretamente observáveis. Ainda assim, este estudo parte da hipótese de que a instabilidade institucional ocorrida no Brasil nos anos 1980 foi substancialmente superiora observada em países comparáveis.
A definição do grupo de países comparáveis — os chamados doadores potenciais — segue diretamente das exigências metodológicas do controle sintético. Após estabelecer que o Brasil foi submetido a um tratamento institucional distinto, a etapa seguinte consistiu em selecionar países que não tenham experimentado mudanças similares no mesmo período. O critério inicial adotado para essa seleção foi a disponibilidade e completude dos dados. A Penn World Table oferece informações para 183 países, enquanto a base do Fundo Monetário Internacional sobre investimento e estoque de capital cobre 194. No entanto, a interseção entre essas bases, com dados completos no período de 1960 a 2000, restringe a amostra a apenas 28 países — incluindo o Brasil. Assim, 27 países compuseram o conjunto inicial de possíveis doadores. Para garantir a validade do contrafactual, foram excluídos países que, como o Brasil, implementaram políticas e tiveram mudanças institucionais semelhantes. Com base nesse critério substantivo, Argentina, México e Peru foram removidos da amostra. O modelo final, portanto, utiliza 24 países como potenciais doadores na construção da trajetória sintética do Brasil.
A partir da definição do grupo de países doadores, o próximo passo foi a consolidação da base de dados utilizada na construção do controle sintético2. As informações empregadas neste estudo provêm de duas fontes principais. A variável de resultado — o Produto Interno Bruto (PIB) per capita — foi calculada com base na razão entre o PIB pelo lado da despesa, ajustado por paridade de poder de compra (em dólares de 2017), e a população estimada de cada país em cada ano. Esses dados, assim como a maioria das covariadas, foram obtidos na Penn World Table (Feenstra et al., 2015). Dessa mesma fonte derivam-se variáveis como o índice de preços ao consumidor e as parcelas de exportações e importações de bens, utilizadas para aferir o grau de abertura econômica de cada país.
Também foi incluído o índice de capital humano disponibilizado pela Penn World Table, construído a partir da combinação entre os anos médios de escolaridade e as taxas de retorno da educação estimadas por equações Mincerianas. Dependendo do país, o índice foi calculado com base na metodologia de Barro e Lee (2013) ou de Cohen e Leker (2014), conforme o critério de melhor ajuste adotado por Feenstra et al. (2015). Por fim, as covariadas relacionadas à participação do investimento público e privado no PIB — também expressas em dólares de 2017 — foram extraídas da base de dados de investimento e estoque de capital do Fundo Monetário Internacional.
A partir dessa base de dados se estima o modelo de controle sintético para o PIB per capita do Brasil. Mais formalmente, se utiliza um painel de dados com observações para um conjunto J+1 de regiões, que no caso da presente proposta são países, para um intervalo de tempo de T períodos, que aqui são anos, onde J corresponde ao número de países não tratados considerados. Nesta proposta, se assume que, entre os países considerados, as mudanças institucionais ocorreram de forma distinta no Brasil a partir de 1980, denotado formalmente como To, com 1 ≤ T0 ≤ T. Considerando que , representam, respectivamente, o valor da variável de resultado da avaliação (PIB per capita do Brasil), denotado formalmente por um índice i, com e sem intervenção, o interesse é obter estimativas para o efeito do tratamento dado por:
onde , uma vez que, este é observável. Desta maneira, se busca estimativas para os valores de a partir dos demais J países. Segundo Abadie et al. (2010), estes podem ser originados em um modelo fatorial do tipo:
onde j indexa os J países não tratados, δt é um fator desconhecido e comum aos países, Zj é um vetor de variáveis observáveis não afetadas pelo tratamento e θt é seu associado vetor de parâmetros, µj é um vetor de efeito específico do país j, com γt seu associado vetor de parâmetros desconhecidos, e εjt representa choques transitórios não observados. Deste modo, o modelo de controle sintético busca uma matriz de pesos , onde , de forma que existe um vetor w* tal que:
Ou seja, se busca um vetor que pondere as variáveis de resultado dos países que não foram afetados pelo tratamento no período pré-intervenção e as covariadas observáveis destes países de forma que se obtenha, respectivamente, o valor da variável de resultado do Brasil em cada período e as suas covariadas observáveis. Tal vetor representa uma estrutura de ponderação dos países não tratados e corresponde ao sintético do Brasil. Este vetor pode ser obtido através da minimização de uma medida de distância entre os valores das variáveis do país tratado, X1, e o mesmo conjunto de variáveis para os países não tratados no mesmo período ponderadas pela matriz de pesos, X0W dada por:
onde V é uma matriz simétrica positiva semidefinida a ser estimada de forma que seja minimizado o Erro Quadrático Médio do Estimador (EQME). Este procedimento de estimação dá transparência a estimação do controle sintético, pois, os países doadores e os pesos atribuídos a eles são conhecidos, assim, é relativamente fácil avaliar a similaridade desses países com o país tratado e qualquer pessoa é capaz avaliar visualmente o quão bem o resultado do sintético corresponde ao resultado do país tratado antes da mudança na política.
Um ponto que merece ser ressaltado é que os pesos estimados na construção da unidade sintética não convergem para uma ponderação que garanta o ajustamento perfeito quando o período pré-intervenção vai para infinito, exceto na situação em que a variância do erro idiossincrático vai para zero, o tamanho dos testes de hipótese comumente utilizados na literatura é afetado. Sendo assim, o controle sintético não permite que se faça inferência estatística através dos tradicionais testes de hipótese a não ser que o tratamento seja puramente aleatório, algo que raramente ocorre na prática e que não se adéqua ao presente estudo. A obtenção de sintéticos que permitam inferência estatística é um tema no qual a literatura está em evolução até esse momento.
No entanto, embora o método de controle sintético não se baseie em testes de hipótese clássicos, é possível realizar inferência por meio de exercícios placebo com permutação dos tratamentos, conforme sugerido por Abadie et al. (2010). Esses exercícios permitem comparar a magnitude do efeito estimado com os efeitos obtidos em unidades não tratadas, oferecendo uma medida informal de significância estatística e uma inferência semelhante a proposta por Fisher (1935). Neste procedimento, o controle sintético é executado separadamente em cada país no grupo de doadores como se fosse um país tratado, usando os membros restantes do grupo como controle. O país de placebo resultante é comparado com sua correspondência sintética e o teste é repetido no próximo país incluso no grupo de doadores. Como nenhum dos países do grupo de doadores recebe o tratamento, a variação entre o país de placebo e sua correspondência sintética ocorre aleatoriamente. Ao comparar a diferença entre o país tratado e seu controle sintético com as diferenças entre os países de placebo e seus controles, é possível avaliar a probabilidade de que o efeito do tratamento observado no país tratado seja por acaso.
3. Resultados
Antes de apresentar os principais resultados, é importante contextualizar brevemente o processo de construção do modelo. A seleção das covariadas desempenha um papel central no desenvolvimento de modelos de controle sintético, pois influencia diretamente a qualidade do ajuste no período pré-tratamento. No presente estudo, o conjunto de variáveis que resultou na melhor aproximação visual da trajetória do PIB per capita brasileiro — e que, simultaneamente, produziu o menor valor da Raiz do Erro Quadrático Médio (REQM) nesse período — é apresentado na Tabela 2.
Média dos valores observados e de seus preditores sintéticos para o PIB per capita no Brasil
O modelo selecionado utiliza como variáveis preditoras dados contemporâneos e defasados de investimento público e privado, inflação, capital humano e grau de abertura comercial3. A Tabela 2 apresenta a comparação entre os valores observados dessas variáveis para o Brasil e os valores estimados pelo controle sintético no período pré-tratamento. Embora essa semelhança não garanta, por si só, um ajuste perfeito da trajetória do PIB per capita, ela sinaliza a capacidade do conjunto de covariadas em reproduzir adequadamente a dinâmica econômica brasileira no período analisado. Os resultados sugerem que, ainda que o ajuste não seja exato, o modelo sintético obtido oferece uma aproximação substancialmente superior àquela que seria obtida por uma média simples dos países doadores.
Com base nessas covariadas, a Tabela 3 apresenta os pesos atribuídos a cada país na construção do sintético. O resultado é uma combinação linear em que a Coreia do Sul assume o peso dominante (0,578), seguida por Colômbia (0,227) e Chile (0,195)4. Há evidências consistentes na literatura de que esses países adotaram, nas décadas seguintes à crise dos anos 1980, estratégias institucionais e macroeconômicas significativamente distintas das seguidas pelo Brasil — o que reforça a adequação da composição do grupo sintético.
Colômbia, Chile e Coreia do Sul enfrentaram, no início dos anos 1980, choques externos semelhantes aos enfrentados pelo Brasil, como a crise da dívida e pressões inflacionárias, mas adotaram estratégias econômicas substancialmente distintas. No caso colombiano, o período foi marcado por um processo gradual de abertura comercial, com redução de tarifas e eliminação de barreiras ao comércio, além da implementação de reformas voltadas à atração de investimento estrangeiro direto (Goldberg e Pavcnik, 2005). O país também deu início a privatizações em setores estratégicos, como telecomunicações e aviação, ao mesmo tempo em que promoveu ajustes fiscais e monetários ortodoxos, que contribuíram para a redução da inflação ao longo da década.
No Chile, as reformas iniciadas ainda no final da década de 1970 foram aprofundadas nos anos 1980 e deram origem a um ciclo de crescimento conhecido como o “milagre chileno” (Bergoeing et al., 2002). As medidas incluíram a privatização de empresas estatais, a desregulamentação de mercados — especialmente o financeiro — e a liberalização comercial. Paralelamente, o país promoveu políticas de austeridade fiscal que ajudaram a controlar o déficit público e a estabilizar os preços. Essas reformas estruturais ampliaram o acesso ao crédito, aumentaram a eficiência dos mercados e impulsionaram o investimento produtivo.
A Coreia do Sul, por sua vez, apostou em um modelo baseado na expansão da indústria voltada à exportação e na modernização de seu sistema financeiro. O país implementou reformas que eliminaram barreiras à entrada de capital estrangeiro e estimularam a concorrência bancária, favorecendo a alocação eficiente de recursos (Singh, 1997). O apoio estatal a setores estratégicos como construção naval, siderurgia e eletrônica foi articulado com uma política fiscal disciplinada e um programa de estabilização monetária que conseguiu reduzir significativamente a inflação ao longo da década. Como resultado, a Coreia do Sul iniciou uma trajetória de crescimento sustentado e diversificação produtiva que a levou a se tornar uma das economias mais industrializadas do mundo (Acemoglu et al., 2022; Koyama e Rubin, 2022).
Diferentemente dos países que compõem o controle sintético, o Brasil optou, durante os anos 1980, por uma estratégia econômica marcada pelo aprofundamento da intervenção estatal e pela manutenção do modelo de substituição de importações. Reformas estruturais importantes, tais como privatizações e a liberalização do comércio exterior, foram postergadas ou mesmo ignoradas, enquanto se adotaram medidas como controles generalizados de preços e a expansão significativa dos gastos públicos. Essas decisões contribuíram para agravar os desequilíbrios fiscais e dificultaram o necessário ajuste do Balanço de Pagamentos, resultando na recorrente necessidade de financiamento monetário dos déficits públicos. Como consequência direta desse processo, o Brasil enfrentou uma escalada inflacionária, que evoluiu rapidamente para um quadro crítico de hiperinflação no final da década, comprometendo de forma permanente as condições de estabilidade e crescimento econômico.
Os efeitos agregados das escolhas econômicas distintas feitas pelo Brasil, em comparação ao grupo de países doadores — Chile, Colômbia e Coreia do Sul —, podem ser visualizados na Figura 1. Este é o principal resultado do estudo. No período anterior a 1980, observa-se uma trajetória bastante próxima entre o PIB per capita brasileiro e o seu correspondente sintético, com um erro médio inferior a US$ 305. A partir de 1980, contudo, ocorre um claro descolamento entre as duas trajetórias, sugerindo que as políticas adotadas naquele período alteraram significativamente o rumo do crescimento econômico do país, afastando-o de seu potencial estimado.
Os resultados indicam que, no ano de 2000, o PIB per capita brasileiro foi aproximadamente US$ 8.727 inferior ao estimado pelo controle sintético, o que representa uma perda acumulada de 48,19% em relação ao cenário contrafactual. Essa diferença é estatisticamente significativa ao nível de 5%, conforme mostrado na Tabela 46, que apresenta também o erro quadrático percentual médio e a posição relativa do Brasil entre os países doadores. Ao longo do período pós-tratamento, a distância entre o Brasil e seu sintético se amplia progressivamente7: de 14ª maior diferença em 1980, passa a ser a maior em 2000. Saltos relevantes ocorrem especialmente em 1987 — ano da moratória da dívida externa — e em 1989, auge da hiperinflação. Embora não se possa atribuir causalidade direta a esses eventos isolados, eles ilustram os efeitos cumulativos de uma sequência de escolhas de política econômica que impactaram negativamente a trajetória de crescimento do país.
Diante dos resultados apresentados, conclui-se que não há um único fator ou evento isolado capaz de explicar a estagnação econômica brasileira iniciada nos anos 1980. Trata-se, antes, do efeito acumulado de um conjunto de decisões de política econômica que afetaram negativamente os incentivos ao investimento produtivo e à inovação. Essas escolhas contribuíram para a desaceleração da acumulação de capital, a queda da produtividade e, em última instância, para a persistência de um baixo desempenho econômico ao longo das décadas seguintes.
4. Considerações finais
Este estudo utilizou o método de controle sintético para estimar os efeitos de longo prazo das escolhas de política econômica e institucional adotadas pelo Brasil a partir da década de 1980. Os resultados indicam que, ao adotar uma trajetória institucional distinta daquela seguida por países como Chile, Colômbia e Coreia do Sul, o Brasil acumulou perdas significativas de crescimento ao longo de duas décadas. Em 2000, o PIB per capita brasileiro era aproximadamente 48% inferior ao estimado no cenário contrafactual construído com base nesses países.
Embora o exercício empírico não tenha por objetivo testar uma teoria formal do desenvolvimento, os achados levantam uma hipótese relevante: a de que as instituições econômicas desempenham papel central na determinação do desempenho de longo prazo. Em especial, instituições que asseguram previsibilidade das regras, proteção de contratos e incentivos ao investimento produtivo parecem estar associadas às trajetórias mais bem-sucedidas de crescimento, conforme sugerido por Acemoglu et al. (2004) e North (1990). Nesse sentido, a ausência de reformas estruturais no Brasil, somada à instabilidade macroeconômica e ao padrão recorrente de intervenção estatal, pode ter gerado um ambiente pouco propício à acumulação de capital e à inovação.
A literatura de desenvolvimento tem destacado o papel das “barreiras à adoção de melhores práticas” como fator crítico para explicar a divergência entre países (Parente e Prescott, 2002). A partir dessa perspectiva, o caso brasileiro pode ser interpretado como um exemplo em que essas barreiras foram mantidas ou até ampliadas no período analisado. Além disso, estudos empíricos têm documentado correlações positivas entre medidas de qualidade institucional — incluindo indicadores de segurança jurídica, eficiência regulatória e abertura comercial — e o desempenho econômico (De Haan et al., 2006; Hall eJones, 1999).
É importante reconhecer que o presente trabalho não permite identificar mecanismos causais específicos nem atribuir os resultados a um único fator. No entanto, os padrões observados sugerem que a deterioração de condições institucionais pode ter desempenhado papel relevante na estagnação da produtividade e na desaceleração do crescimento brasileiro desde os anos 1980. Essa hipótese abre caminho para investigações futuras que explorem, com maior profundidade e formalização, os vínculos entre instituições, políticas econômicas e desempenho de longo prazo.
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1
Para que o método seja robusto e se evite um possível viés de interpolação, as covariadas usadas para formar os pesos devem ter valores para os países do grupo de doadores que são semelhantes aos do país tratado. Ademais, os valores dessas covariadas para o país tratado não podem estar fora de qualquer combinação linear dos valores para o conjunto de doadores. Finalmente, essas covariadas e a variável de resultado devem ter uma relação linear aproximada (Abadie et al., 2010).
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2
No Apêndice A, Tabela A.1, são apresentadas as estatísticas descritivas das variáveis utilizadas.
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3
Assim como em Abadie e Gardeazabal (2003) e Abadie et al. (2010) e tal como sugerido por Ferman et al. (2020), foram utilizadas médias desta variável em períodos específicos. Isto melhora o ajuste, mas, seu uso deve ser feito com parcimônia, pois, quando utilizadas em excesso, conforme mostram Kaul et al. (2021), estas variáveis podem dominar o ajuste e, dessa maneira, tornar as demais covariadas inúteis na construção do sintético. Isto não ocorre no presente exercício, pois, conforme pode ser observado na Figura A.2 do Apêndice A a exclusão de algumas destas covariadas altera o sintético, todavia, estas mudanças não são muito relevantes, o que permite concluir que o modelo é robusto a mudanças nas covariadas.
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4
Na Figura A.2 do Apêndice A é possível observar a análise de sensibilidade proposta por Abadie et al. (2015) conhecida como “leave one out”, Esta consiste em deixar de fora um país doador selecionado a cada vez para avaliar se um deles está de forma predominante, guiando os resultados. A análise indica que o modelo é robusto a mudanças no grupo de doadores, no entanto, a inclusão da Coreia do Sul é fundamental para o ajuste do modelo de controle sintético.
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5
Este pode ser considerado um bom ajuste porque, se por um lado, alguns choques não são perfeitamente previstos pelo sintético, por outro lado, isto garante que o sintético não tenha problemas com sobreajuste (overfitting).
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6
Na Figura A.1 do Apêndice A é mostrada trajetória da diferença entre os valores observados do Brasil e dos demais países utilizados como potenciais doadores (placebos).
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7
Esses p-valores são obtidos seguindo as recomendações de Abadie et al. (2010), que sugerem que seja utilizado o método clássico de construir os p-valores desenvolvido por Fisher (1935). Firpo e Possebom (2018) chamam a hipótese nula usada nesse teste de “nenhum efeito de tratamento. Este é obtido pela inferência de randomização, que atribui o tratamento a cada unidade não tratada, recalcula os coeficientes-chave do modelo e os coleta em uma distribuição que é então usada para inferência. Apesar de sua utilidade, a inferência baseada em placebos deve ser interpretada com cautela, especialmente em contextos com poucos doadores e elevada heterogeneidade entre as unidades.
Apêndice A Tabelas e figuras adicionais
Diferença entre o PIB per capita observado e o sintético para os países potenciais doadores e para o Brasil
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
19 Set 2025 -
Data do Fascículo
2025





Nota: A linha mais escura representa o Brasil.
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