Resumos
A conversão de biomassas agroindustriais em bioetanol com consequente valorização de rejeitos e resíduos, tem sido objeto de estudos de várias pesquisas realizadas no Brasil e no mundo. Neste trabalho foi avaliada a potencialidade do uso da polpa e da casca da banana (Musa cavendishii ), tanto in natura como previamente hidrolisada por ácido e enzimas, como substrato da fermentação alcoólica. Os rendimentos médios em bioetanol (em base úmida de biomassa) obtidos com a polpa (0,48 ± 0,05 g g-1) e com a casca (0,34 ± 0,11 g g-1), ambos in natura, possibilitaram a eficiência do processo de conversão, da ordem de 95% do rendimento teórico. A produtividade máxima alcançada em bioetanol foi de 3,0 ± 0,7 g L-1 h-1 com o uso da polpa e de 1,32 ± 0,03 g L-1 h-1 com a casca. Nas condições operacionais avaliadas o pretratamento dos resíduos com ácido sulfúrico não é recomendado para a produção de bioetanol.
bioálcool; biocombustíveis; resíduos agrícolas
The conversion of agroindustrial biomasses in bioethanol with consequent enrichment of wastes has been the object of various research projects conducted in Brazil and around the world. This study evaluated the potential of the Musa cavendishii banana pulp and peels using in natural state and also waste previously hydrolyzed by acid and enzimes, as substrate of alcoholic fermentation. The mean bioethanol yields (on wet biomass base), obtained with the pulp (0.48 ± 0.05 g g-1) and with the peels (0.34 ± 0.11 g g-1), both in natural state, enabled a conversion process efficiency to the order of 95% of theoretical yield. Maximum value reached in bioethanol was 3.0 ± 0.7 g L-1 h-1 with pulp and 1.32 ± 0.03 g L-1 h-1 with peels. Under the evaluated operating conditions, the pre-treatment of wastes with sulfuric acid is not recommended for bioethanol production.
bioalcohol; biofuels; agricultural waste
ENERGIA NA AGRICULTURA
Energia alternativa de biomassa: bioetanol a partir da casca e da polpa de banana
Alternative energy from biomass: bioethanol from banana pulp and peels
Ozair SouzaI, II; Marco A. SchulzII; Gustavo A. A. FischerI; Theodoro M. WagnerI; Noeli SellinI, II
IDEQ/UNIVILLE, CP 246, CEP 89201-972, Joinville, SC. Fone: (47) 3461-9056
IIMestrado em Engenharia de Processos/UNIVILLE. Fone: (47) 3461-9180. E-mail: osouza@univille.br
RESUMO
A conversão de biomassas agroindustriais em bioetanol com consequente valorização de rejeitos e resíduos, tem sido objeto de estudos de várias pesquisas realizadas no Brasil e no mundo. Neste trabalho foi avaliada a potencialidade do uso da polpa e da casca da banana (Musa cavendishii ), tanto in natura como previamente hidrolisada por ácido e enzimas, como substrato da fermentação alcoólica. Os rendimentos médios em bioetanol (em base úmida de biomassa) obtidos com a polpa (0,48 ± 0,05 g g-1) e com a casca (0,34 ± 0,11 g g-1), ambos in natura, possibilitaram a eficiência do processo de conversão, da ordem de 95% do rendimento teórico. A produtividade máxima alcançada em bioetanol foi de 3,0 ± 0,7 g L-1 h-1 com o uso da polpa e de 1,32 ± 0,03 g L-1 h-1 com a casca. Nas condições operacionais avaliadas o pretratamento dos resíduos com ácido sulfúrico não é recomendado para a produção de bioetanol.
Palavras-chave: bioálcool, biocombustíveis, resíduos agrícolas.
ABSTRACT
The conversion of agroindustrial biomasses in bioethanol with consequent enrichment of wastes has been the object of various research projects conducted in Brazil and around the world. This study evaluated the potential of the Musa cavendishii banana pulp and peels using in natural state and also waste previously hydrolyzed by acid and enzimes, as substrate of alcoholic fermentation. The mean bioethanol yields (on wet biomass base), obtained with the pulp (0.48 ± 0.05 g g-1) and with the peels (0.34 ± 0.11 g g-1), both in natural state, enabled a conversion process efficiency to the order of 95% of theoretical yield. Maximum value reached in bioethanol was 3.0 ± 0.7 g L-1 h-1 with pulp and 1.32 ± 0.03 g L-1 h-1 with peels. Under the evaluated operating conditions, the pre-treatment of wastes with sulfuric acid is not recommended for bioethanol production.
Keywords: bioalcohol, biofuels, agricultural waste.
INTRODUÇÃO
Devido os compromissos mais sólidos assumidos com a questão ambiental desde a assinatura do Protocolo de Quioto e em função de ser o petróleo, principal fonte de energia utilizada hoje, um combustível fóssil e não renovável, uma das maiores preocupações do mundo atual tem sido o suprimento de energia nas próximas décadas, razão por que fizeram renascer a atenção quanto às fontes alternativas de energia.
Existem diversas fontes alternativas de energia que, embora não possam substituir o petróleo em sua totalidade, podem contribuir para diminuir o consumo. A geração de energia a partir de biomassa tem sido objeto de vários estudos (Yu et al., 2002; Leite et al., 2003; Gonçalves et al., 2009; Souza et al., 2010; Quadros et al., 2010).
Qualquer matéria-prima orgânica passível de ser transformada em energia pode ser classificada como biomassa e, de acordo com sua origem, pode ser florestal (madeira), agrícola (soja, arroz e cana-de-açúcar, entre outras) ou oriunda de rejeitos urbanos ou industriais, sólidos ou líquidos (ANEEL, 2008).
Os rejeitos e os resíduos agrícolas, em sua maioria contendo materiais lignocelulósicos, ocupam lugar de destaque entre a biomassa disponível sobretudo em função da sua abundância e do caráter renovável. A biomassa lignocelulósica é composta, basicamente, por 40 a 60% de celulose, 20 a 40% de hemicelulose e 15 a 25% de lignina (Moreira, 2005).
A disponibilidade de palhas, folhas, resíduo de exploração madeireira, rejeitos agrícolas e outros, tem despertado o interesse para seu uso como matéria-prima na produção de bioetanol, mais precisamente o etanol de segunda geração (Mojovic et al., 2006; Sassner et al., 2006; Sharma et al., 2007), processo no qual os açúcares fermentescíveis, por não se encontrarem solúveis como na fermentação do caldo de cana-de-açúcar (etanol de primeira geração), precisam ser previamente hidrolisados de seus polímeros celulose e hemicelulose. No entanto, a necessidade da obtenção de altas concentrações de açúcares fermentecíveis livres sem, contudo, gerar elementos tóxicos à fermentação, tem dificultado o emprego desses resíduos (Cardona & Sánchez, 2007; Solomon et al., 2007). Segundo Balat (2011) as rotas mais estudadas e indicadas para a despolimerização de substratos lignocelulósicos têm sido a hidrólise ácida e a hidrólise enzimática, com pré-tratamento físico (explosão a vapor) ou químico (solução de NaOH).
O Brasil se destaca como um dos maiores produtores agrícolas do mundo e, em consequência disto, é capaz de gerar grandes quantidades de rejeitos e resíduos agroindustriais. Entre essa biomassa se encontra a da bananicultura, a qual, segundo Souza et al. (2010), além dos frutos rejeitados para comercialização, para cada tonelada de banana colhida aproximadamente três toneladas de resíduos são gerados, entre os quais a casca do fruto industrializado, o pseudocaule, as folhas e o engaço da bananeira.
Todos esses resíduos estão sendo avaliados pela Universidade da Região de Joinville - Univille na geração de energia e, como parte integrante desse estudo, este trabalho trata especificamente do uso da polpa e casca da banana como substrato da fermentação alcoólica. Foram determinadas as propriedades físico-químicas dos resíduos in natura, avaliada a influência de diferentes métodos de hidrólise sobre a despolimerização da celulose e, a partir das condições operacionais ideais de pretratamento, estimados os valores de rendimento, produtividade e eficiência da fermentação.
A produção de bioetanol a partir dessas biomassas torna-se um processo bastante atraente pois, além de permitir a criação de uma fonte alternativa e renovável de energia e de contribuir com a redução de resíduos no meio ambiente, a geração de energia pode agregar valor à matriz produtiva da fruta reduzindo, assim, o risco de perdas provocado por sua comercialização.
MATERIAL E MÉTODOS
As biomassas utilizadas foram a polpa e a casca da banana Musa cavendishii, popularmente conhecida no sul do Brasil como banana nanica. Os resíduos foram coletados numa indústria da região, cortados em pedaços de 1-2 cm e homogeneizados em liquidificador doméstico de 2 L, em meio aquoso, na concentração de 250 g L-1 de massa úmida de biomassa (g MU L-1). Esta concentração é correspondente a 74,8 g L-1 de massa seca (g MS L-1) para a polpa e 28,5 g MS L-1 para a casca.
Foram realizadas duas séries de ensaios cada uma contendo dezoito ensaios de pré-tratamento para cada um dos resíduos avaliados. Em ambos os casos foi utilizado, como testemunha, o resíduo in natura, na temperatura ambiente e sem adição de ácido. Como reatores foram utilizados frascos Erlenmeyer de 250 mL contendo 100 mL de volume de trabalho (VT) e biomassa na concentração de 250 g MU L-1. A Tabela 1 apresenta as diferentes condições operacionais avaliadas.
Os ensaios a 100 e 120 °C foram conduzidos em autoclave a vapor e a 90 °C, em banho termostatizado.
A partir dos resultados da hidrólise os resíduos foram fermentados em biorreator de bancada (ensaios F) e, como ensaio padrão de fermentação (testemunha), foi utilizada glicose (20 g L-1) em substituição ao resíduo a ser avaliado. Todos os ensaios foram realizados com uma replicata sendo retiradas, a cada 2 h, duas amostras para determinação das concentrações médias de açúcares totais (AT) e etanol (P).
Para obtenção do inóculo e realização do ensaio padrão de fermentação (ensaio FGY), foi utilizado o meio de cultivo, aqui denominado GY, o qual foi preparado a partir dos meios propostos por Pamarola-Adrados et al. (2005) e Saito & Cabello (2006). As concentrações de nutrientes do meio GY foram de (em g L-1): glicose, 20; extrato de levedura, 3; (NH4)2SO4, 0,5; K2HPO4, 0,5; MgSO4.7H2O, 0,1 e CaCl2, 0,1.
Para os ensaios de fermentação empregando-se a polpa (ensaios FPol) ou a casca de banana (FCas) como substrato, o meio base de cultivo, previamente esterilizados em autoclave a 120 °C durante 15 min, foi o mesmo do inóculo, exceto a glicose, que foi substituída pelo resíduo avaliado.
Foi empregada a levedura Saccharomyces cerevisiae isolada de fermento comercial seco; o microorganismo foi mantido por meio de repiques semanais em cultivo de superfície, empregando-se placas de Petri com meio GY adicionado de 20 g L-1 de Ágar-agar.
O inóculo foi produzido em frasco de 500 mL contendo 190 mL do meio de cultivo GY e 10 mL de suspensão microbiana obtida de quatro placas de Petri, do cultivo de manutenção; a mistura foi incubada em agitador orbital com frequência de agitação de 120 min-1, 30 °C, durante 18 h.
Para os ensaios em fermentador de bancada (ensaios F) foi utilizado o biorreator Biostat® B da B. Braun com dorna de 5 L e volume de trabalho de 2 L contendo 20% v/v de inóculo. Experimentos realizados: 1 ensaio padrão com glicose 20 g L-1 (Ensaio FGY); 3 ensaios com polpa de banana in natura, nas concentrações de 250, 375 e 500 g MU L-1 (FPol250, FPol375 e FPol500) e 2 ensaios com casca de banana in natura nas concentrações de 250 e 1210 g MU L-1 (FCas250 e FCas1210). Para o ensaio FCas1210, devido à alta concentração de sólidos, a casca foi previamente cozida em água fervente, na proporção de 1 mL de água para cada 2 g de massa úmida de resíduo, durante 30 min, seguida da filtração em malha de algodão para obtenção de caldo de fermentação. O acréscimo do gasto energético devido à operação de cozimento em comparação ao uso do resíduo não cozido, não foi objeto deste estudo e deverá ser avaliado em estudo posterior.
As fermentações foram conduzidas a 30 °C e pH 4,5 ± 0,1, controlado automaticamente pela adição de KOH 1M e HCl 1M. Para a agitação foram empregados frequência de 150 min-1 e sistema de agitação composto de duas turbinas espaçadas 20 mm, contendo cada uma seis pás planas (flat-blade) de diâmetro 65 mm, comprimento 18 mm e largura de 12 mm. A distância da última turbina ao fundo da dorna foi de 45 mm.
A determinação do teor de umidade foi realizada por gravimetria: em cadinhos limpos, previamente secos até massa constante, foram adicionados 3 g de amostra úmida (MU) e secadas a 105 °C durante 24 h; em seguida, as amostras foram resfriadas em dessecador e pesadas para determinação da massa seca (MS); com os valores encontrados utilizou-se a Eq. 1 para o cálculo da umidade.
Foram realizadas no Laboratório de Bromatologia da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos da Universidade de São Paulo, Pirassununga, SP. O teor de lignina foi determinado pelo método de Klason em permanganato de potássio e a celulose indiretamente, a partir dos valores do teor de fibra em detergente ácido (FDA) e teor de fibra em detergente neutro livre de cinzas (FDN), conforme descrito por Silva & Queiroz (2002) e Soest (1967).
As amostras foram previamente centrifugadas a 4000 min-1 durante 4 min em centrífuga Biofuge, contendo rotor 7591; após a centrifugação o sobrenadante foi filtrado em membrana de 45 μm e analisado em cromatografia líquida de alta eficiência (HPLC); prosseguindo, foram empregados o detector de índice de refração Merck, modelo RI-71 e a coluna Eurokat Pb. Os valores de açúcares totais (AT) foram obtidos a partir da soma dos carboidratos glicose (Glc), frutose (Frt) e sacarose (Scr).
De cada ensaio de fermentação foram retiradas amostras periódicas para as determinações das concentrações AT, conforme metodologia descrita anteriormente, e de etanol (P); para P foram empregadas a cromatografia gasosa (CG) utilizando-se cromatógrafo Agilent, 6890 e a coluna da Hewlett-Packard HP-1 com fase estacionária 100% dimetil polisiloxano.
Os valores de rendimento em açúcares totais obtidos nos ensaios de hidrólise ácida foram calculados de acordo com a Eq. 2.
R - rendimento percentual em AT, %
AT - concentração de açúcares totais no caldo após tratamento, g L-1
AT0 - concentração de AT no caldo sem tratamento: ensaio HA0,0,0, g L-1
MU - massa úmida de biomassa, 250 g L-1
Os valores de rendimento das fermentações representados pelo fator de conversão de açúcares totais em etanol (YP/AT) foram calculados de acordo com a Eq. 3.
Pf - concentração de etanol no tempo final de fermentação, g L-1
P0 - concentração de etanol no início do processo fermentativo, g L-1
AT0 - concentração inicial de açúcares no início da fermentação, g L-1
ATf - concentração de açúcares no tempo tf, g L-1
tf - tempo de fermentação correspondente à obtenção da máxima concentração de etanol no caldo fermentado, h
Os valores de produtividade total em etanol obtidos nas fermentações (QP) foram expressos em massa do produto formado por unidade de tempo e por unidade de volume (g h-1 L-1) e obtidos pela Eq. 4, conforme definição de Gaden Jr. (1959).
Os valores de rendimento em produto foram comparados aos do rendimento teórico máximo obtido nas fermentações alcoólicas (51,11%), conforme Sharma et al. (2007), para se obter a eficiência do processo, de acordo com a Eq. 5.
As duplicatas dos ensaios de fermentação foram analisadas pelo método ANOVA com teste de Tukey para P < 0,05 empregando-se o programa computacional Origin 7.5.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As propriedades físico-químicas da polpa e da casca da banana Musa cavendishii são apresentadas na Tabela 2.
Os valores de umidade apresentados na Tabela 2, tanto para a polpa quanto para as cascas, foram próximos daqueles encontrados no Atlas NAS (do inglês, Atlas of Nutritional Data on United States and Canadian Feeds), citados por Hammond et al. (1996): 75,7 e 83,8%, respectivamente; as demais propriedades diferiram de outros valores encontrados na literatura. Sharma et al. (2007) caracterizaram as cascas de bananas residuais provenientes de uma indústria de alimentos da Índia e determinaram o teor de celulose de 28,67% em base de massa seca (% MS) e a concentração de açúcares redutores totais de 36,83 g kg-1 MS. Considerando o teor de umidade de 83,8% referenciado no Atlas NAS, esses valores seriam da ordem de 4,65 e 0,6% em base de massa úmida (% MU). Arredondo et al. (2009) apresentaram valor de açúcar para a polpa, de apenas 4,3 ± 0,6% MS, ou seja, 1,1% MU considerando o teor de umidade de 74,6%, dado pelo autor. Acredita-se que, neste caso e em função do alto teor de amido encontrado pelo autor na amostra analisada (53,2%), o mesmo tenha feito a caracterização da polpa verde e não da polpa madura, como apresentado na Tabela 2 além de que o autor não especificou o tipo de açúcar a que se referiu nem o método analítico empregado para tal. De acordo com Mohapatra et al. (2010), quanto mais madura a fruta maior o teor de açúcar na polpa e menor a presença de amido. Hammond et al. (1996) afirmam que na banana verde quase a totalidade do carboidrato não-estrutural da fruta está na forma de amido mas, durante seu amadurecimento, rapidamente é convertida em açúcar.
Com o objetivo de aumentar a quantidade de açúcares fermentescíveis disponíveis para a fermentação alcoólica, a polpa e a casca de banana foram previamente submetidas à sacarificação ácida. A Tabela 3 apresenta os valores de rendimento (R) em AT obtidos após a hidrólise ácida dos resíduos com H2SO4.
Conforme se observar na Tabela 3, o uso apenas do aquecimento a 120 °C durante 15 ou 30 min, sem a adição de ácido (ensaios HA0,120,15 e HA 0,120,30), proporcionou rendimento em base úmida, da ordem de 26% para a polpa e de 4% para as cascas. Com o emprego de ácido sulfúrico os valores máximos de rendimento (34,10% para a polpa e 5,39% para as cascas) foram alcançados com o uso de H2SO4 2%, 120 °C, 15 min (ensaio HA2,120,15).
Com a hidrólise ácida da polpa e da casca de banana realizada foi possível obter, no caldo hidrolisado, no máximo 0,34 e 0,05 g AT para cada unidade de massa úmida tratada (g AT g-1 MU), respectivamente, enquanto no caso do aquecimento desses resíduos sem ácido, referidos valores foram da ordem de 0,26 e 0,04 g AT g-1 MU. Este pequeno aumento proporcionado com a adição de H2SO4 no preparo do caldo precisa ser analisado com cuidado visto que análises cromatográficas de massa realizadas posteriormente revelaram a presença de 5-hidroximetilfurfural (5-HMF), nos caldos hidrolisados com H2SO4 2 a 120 °C, tanto no tempo de reação de 15 min quanto de 30 min. Este composto, gerado a partir da hidrólise da celulose em condições mais severas, é inibidor da fermentação alcoólica sendo responsável pela ocorrência de uma cinética lenta com rendimento e produ-tividade limitados (Campo et al., 2006). Consequentemente, haveria a necessidade de submeter o caldo hidrolisado a um processo de purificação antes de ser conduzido à fermentação aumentando, assim, o custo final do bioetanol a ser produzido.
Recomenda-se, então, dentro das condições experimentais avaliadas, o uso das biomassas in natura apenas aquecidas (sem ácido para a fermentação).
O consumo de açúcares totais e a produção de bioetanol obtidos no ensaio padrão FGY e na fermentação da polpa 500 g MU L-1 (ensaio FPol500) são mostrados nas Figuras 1A e 1B, respectivamente; comportamento cinético similar foi observado nos demais ensaios de fermentação realizados.
Conforme a Figura 1B, o tempo de fermentação (h) necessário para o consumo total da glicose no ensaio padrão FGY foi de apenas 6 h mas em trabalho semelhante Palmarola-Adrados et al. (2005) precisaram de 20 h de fermentação para o consumo total de glicose. Além de terem utilizado maior concentração inicial de glicose no meio de fermentação (30 g L-1) do que a empregada em FGY (20 g L-1), os autores utilizaram, como inóculo, 10 g MS L-1 de leveduras desidratadas provenientes de fermento comercial. Neste trabalho foram empregados, como inóculo, 20% v v-1 de suspensão do mesmo micro-organismo, porém previamente cultivado durante 18 h no mesmo tipo de meio do caldo de fermentação. Apesar do tipo de inóculo utilizado neste trabalho conduzir a menor valor de X0 no caldo de fermentação (X0 = 1,6 g MS L-1), os microorganismos empregados já estavam adaptados ao meio de cultivo e se encontravam em condições biológicas de máximo crescimento celular aumentando, desta forma, a velocidade de consumo do substrato.
No ensaio FPol500 (Figura 1A), o tempo final de fermentação (tf) foi de 10 h, com produção de etanol (P) de 39,7 ± 2,1 g L-1 a partir da concentração inicial de açúcares (AT) de 82,3 ± 0,9 g L-1; para os demais ensaios com polpa esses valores foram da ordem de tf = 6 h, P = 23,5 ± 5,2 e AT = 44,1 ± 1,8 para FPol250 e tf = 9 h, P = 25,3 ± 1,1 e AT = 56,8 ± 5,6 para FPol375.
Com a casca, conseguiu-se obter no máximo AT = 15,9 ± 5,1 e P = 7,5 ± 0,5 g L-1 ao se utilizar biomassa na concentração de 1210 g MU L-1 (ensaio FCas1210). O valor de AT foi da ordem de apenas duas vezes maior do observado no ensaio FCas250 (AT = 7,6 ± 0,7 g L-1) quando se esperava uma diferença de aproximadamente quatro vezes, discrepância passível de ser explicada devido principalmente a dois fatores: dificuldades operacionais no processo de extração do açúcar, especificamente na filtração manual em tecido de algodão com perda de substrato (enquanto no caso de FCas250 o substrato foi utilizado integralmente na composição do caldo de fermentação, em FCas1210 os sólidos insolúveis grosseiros, provenientes das cascas, se mantiveram retidos no filtro saturados de líquido contendo açúcar) e propriedades diferentes entre os lotes de cascas utilizados em cada um dos ensaios (falta de padrão para emprego da fruta no mesmo estado de maturação).
Em geral, foi possível observar que o aumento da concentração de biomassa conduziu ao aumento proporcional na concentração inicial de AT, exceto para o caso das cascas, e proporcionou o aumento da velocidade de consumo dos açúcares totais pelos microorganismos presentes no meio porém esse tipo de comportamento não se refletiu no rendimento, na produtividade nem na eficiência dos processos avaliados.
A Tabela 4 apresenta esses parâmetros obtidos a partir das respectivas cinéticas de cada ensaio de fermentação realizado.
Pode-se verificar, na Tabela 4, que não houve diferenças significativas (P < 0,05) entre os rendimentos em etanol (YP/AT), produtividade total (QP) e eficiência do processo (a), obtidos em FPol e em FCas; portanto, dentro das condições experimentais avaliadas esses parâmetros não foram afetados pela quantidade de resíduo empregada no caldo de fermentação. A escolha da concentração ideal de cada um desses resíduos dependerá de alguns fatores, tais como: fluidez da mistura e análise do seu efeito sobre o consumo de energia para sua homogeneização (no caso de sistema agitado), custo da matéria-prima, rendimento do processo de extração do produto do caldo fermentado (filtração e destilação) e quantidade de matéria residual gerada ao longo de todo o processo de obtenção do produto final. Essas variáveis serão objeto de estudo na continuidade deste trabalho.
Empregando os resíduos polpa e casca de banana Musa sp. em estado de maturação normal para consumo humano, Hammond et al. (1996) obtiveram rendimento médio em bioetanol de 0,116 e 0,019 L kg-1 MU, respectivamente. Considerando densidade do etanol de 789 g L-1 a 20 °C (Green & Perry, 2008), esses valores corresponderam a 91,5 e 15,0 g kg-1 MU, os quais foram semelhantes aos respectivos valores médios calculados a partir da relação P/MU para todos os ensaios FPol (80,3 ± 13,3 g kg-1 MU) e para o ensaio FCas250 (14,5 ± 0,8 g kg-1 MU). Entretanto, para o caso do ensaio FCas1210, o rendimento em bioetanol obtido pelos pesquisadores foi da ordem de duas vezes maior que o valor médio alcançado neste trabalho (8,2 ± 0,5 g kg-1 MU) diferença que pode ser explicada pela perda de substrato ocorrida no preparo do caldo de FCas1210, conforme já referido.
Sharma et al. (2007) empregaram uma mistura de casca de banana Musa sp. e cascas de tangerina, ambas secas e moídas para granulometria máxima de 40 mesh e obtiveram rendimento máximo de YP/AT = 0,426 g g-1 AT, valor este próximo ao encontrado neste trabalho (Tabela 4).
Manikandan et al. (2008) hidrolisaram previamente, utilizando apenas as cascas de banana secas e moídas, o resíduo com ácido sulfúrico e alcançaram concentração máxima de bioetanol no caldo fermentado igual a 9,8 g L-1 para uma concentração de 100 g L-1 de resíduo, ou seja, 0,098 g g-1 MS. Considerando teor de umidade de 7,8 g H2O g-1 MS, o rendimento em base úmida de resíduo foi de YP/MU = 11,1 g kg-1 MU, ou seja, menor que o alcançado em FCas250.
Analisando os resultados de rendimento e a produtividade em bioetanol da fermentação da polpa e das cascas de banana madura em comparação a outros resíduos, é possível verificar que ambos são promissores, principalmente para a polpa de banana, cujos valores se aproximam daqueles obtidos com o caldo da cana-de-açúcar. A Tabela 5 apresenta essas comparações.
Em função do baixo valor de rendimento alcançado com a casca de banana em relação aos demais substratos apresentados na Tabela 5, faz-se necessário a continuidade do estudo para o aumento deste parâmetro. Como consequência espera-se, com isto, o aumento também de QP. Em relação à polpa de banana pode-se observar que o substrato conduziu a valores de rendimento próximos aos obtidos por outros pesquisadores e à produtividade superior aos demais substratos empregados, inclusive em relação à cana-de-açúcar. Ribeiro & Horii (1999) empregaram a cana-de-açúcar para uma concentração de 130 g L-1 de sacarose e obtiveram aproxima-damente 55 g L-1 de bioetanol (7% v v-1) após 16 h de fermentação enquanto neste trabalho foi empregado, para o caso da polpa de banana, o valor médio de 61,1 g L-1 de açúcar e obtida uma concentração final média de 29,8 g L-1 de bioetanol, após 8 h de processo. Esta diferença na concentração de bioetanol no caldo fermentado precisa ser avaliada com atenção uma vez que poderá implicar em diferenças significativas nos custos de purificação do produto. Os estudos do processo de destilação do bioetanol da polpa de banana estão em fase inicial de desenvolvimento.
CONCLUSÕES
1. O uso da hidrólise ácida da polpa ou das cascas não é recomendado para produção de bioetanol.
2. O aumento da concentração inicial da polpa de banana in natura de 250 para 500 g L-1 não proporcionou aumento no rendimento nem na produtividade em bioetanol; no entanto, o uso de 500 g L-1 proporcionou aumento de 50% na concentração do produto e no caldo fermentado.
3. A polpa de banana mostrou ter alto potencial para uso na produção de bioetanol.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa de Santa Catarina - FAPESC e ao Fundo de Apoio à Pesquisa da Universidade da Região de Joinville - FAP/UNIVILLE, pelo financiamento da pesquisa realizada.
LITERATURA CITADA
Protocolo 155.10 – 03/09/2010
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
03 Ago 2012 -
Data do Fascículo
Ago 2012
Histórico
-
Recebido
03 Set 2010 -
Aceito
21 Maio 2012