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Análise climática da Bacia Hidrográfica do Rio Mamanguape

Climatic analysis of the Mamanguape River Basin

Resumos

A precipitação no Nordeste brasileiro apresenta grande variabilidade, motivo pelo qual o monitoramento dos períodos secos e chuvosos se faz necessário, haja vista ser imprescindível para garantir o gerenciamento adequado dos recursos hídricos. Neste sentido foi utilizado o Índice de Anomalia de Chuva a fim de monitorar os períodos secos e chuvosos e suas intensidades. Utilizaram-se dados de 31 postos distribuídos ao longo da Bacia Hidrográfica do Rio Mamanguape com série histórica de 18 anos (de 1994 a 2011). Dentro de cada ano foram observados dois períodos distintos, um período úmido, que vai de março a agosto e um período seco, que se estende de setembro a fevereiro. Esta pesquisa apresenta a climatologia espacial da bacia, a qual evidenciou três regiões distintas, sendo a primeira a região leste, a segunda é a região central e a terceira é a região oeste. Por fim, foram efetuadas projeções de redução e aumento da precipitação em 20% sobre o valor atual obtido a partir da série histórica, como recomendado pelo IPCC (2001); foi possível, desta forma, projetar futuras variações climáticas na região da bacia as quais são passíveis de alterar, de maneira significativa, seu aporte hídrico.

índice de anomalia de chuva; período seco; período chuvoso


The rainfall in Northeast of Brazil presents great variability, thus, monitoring the dry and rainy periods is necessary, as this is essential to ensure proper management of water resources. Therefore, the Rainfall Anomaly Index was used to monitor the dry and rainy periods, as well as their intensities. Data from 31 stations distributed along the basin of the Mamanguape river with a time series of 18 years (from 1994 to 2011) was used. Within each year two distinct periods were observed, one wet season from March to August and a dry period from September to February. The study also included the weather spatial basin, which revealed three distinct regions, the first being the eastern region, the second is the central region and the third is the western region. Finally, projections were made for reduction and increase in precipitation in 20% of the current value obtained from the time series as recommended by the Intergovernmental Panel on Climate Change. Thus it was possible to project future climate changes in the watershed that may significantly alter the water intake

rainfall anomaly index; dry season; rainy season


Introdução

Uma das características do Nordeste brasileiro (NEB) é a irregularidade temporal e espacial na precipitação, proveniente de um conjunto de fatores, como suas características fisiográficas e a influência de vários sistemas atmosféricos (Araújo et al., 2008Araújo. L. E.; Sousa F. A. S.; Ribeiro, M. A. F. M.; Santos A. S.; Medeiros P. C. Análise estatística de chuvas intensas na Bacia Hidrográfica do Rio Paraíba. Revista Brasileira de Meteorologia, v.23, p.162-169, 2008. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-77862008000200005
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). Silva et al. (2009)Silva, D. F. da; Sousa F. A. S.; Kayano M. T.; Galvíncio J. D. Influência da variabilidade climática global e de suas escalas temporais sobre a precipitação no Alto Mundaú (PE). Revista Brasileira de Geografia Física, v.2, p.64-82, 2009. afirmam que a precipitação pluviométrica no NEB é resultado do acoplamento de vários sistemas atmosféricos como, por exemplo, a Zona de Convergência Intertropical (Uvo, 1989), os vórtices ciclônicos de ar superior (Kousky & Gan, 1981Kousky, V. E.; Gan, M. A. Upper tropospheric cyclones vortices in the tropical south atlantic. Tellus, v.33, p.538-551, 1981. http://dx.doi.org/10.1111/j.2153-3490.1981.tb01780.x
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), os Sistemas Frontais (Kousky, 1979) e os Distúrbios de Leste (Espinoza, 1996Espinoza, E. S. Distúrbios nos ventos de leste no Atlântico Tropical. São José dos Campos: INPE, 1996. 127p. Dissertação Mestrado); referidos sistemas podem ser modificados pelas características fisiográficas da região e por anomalias atmosféricas de escala planetária.

Em virtude da atuação de vários sistemas meteorológicos, o volume de água das bacias é dependente do regime de tais eventos; assim, é extremamente necessária a implantação de uma gestão adequada nas bacias, visto que se trata de recursos hídricos dos quais depende o pleno desenvolvimento das atividades humanas; desta forma, o aporte hídrico das bacias é de fundamental importância para a manutenção das atividades humanas e para a preservação do meio ambiente.

Tendo em vista a grande importância da Bacia do Rio Mamanguape como uma das principais bacias hidrográficas do estado da Paraíba e como principal responsável pelo desenvolvimento socioeconômico da região canavieira do Estado, tal bacia agrega diversas atividades que compõem a heterogeneidade da região, dinâmica e ao mesmo tempo frágil, a qual necessita de projetos relacionados ao seu desenvolvimento versus sua sustentabilidade.

Segundo Santos et al. (2011)Santos, E. P.; Correia, M. F.; Aragão, M. R. S.; Silva, F. D. S. Eventos extremos de chuva e alterações no regime hidrológico da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: Uma aplicação do índice RAI (Rainfall Anomaly Index). Engenharia Ambiental, v.8, p.315-330, 2011. “a previsão e o monitoramento de eventos meteorológicos extremos são de grande relevância para projetos de abastecimento de água, geração de energia elétrica e atividades agrícolas”.

Freitas (2005)Freitas, M. A. S. Um sistema de suporte à decisão para o monitoramento de secas meteorológicas em regiões semi-áridas. Revista Tecnologia, v.19, p.84-95, 2005. afirma que o monitoramento de períodos de seca pode ser efetuado através do emprego de índices podendo-se, através deles, desenvolver um sistema de acompanhamento das características dos períodos de seca, tal como as medidas a serem efetivadas de acordo com os valores atingidos por tais parâmetros.

É importante que políticas regionais sejam desenvolvidas para reduzir, ou até mesmo eliminar, os efeitos adversos nos sistemas hidrológicos; para isto é imprescindível conhecer as características ambientais da área em questão através de um monitoramento eficaz uma vez que é impossível gerir adequadamente os recursos hídricos de uma área sobre a qual não se tenha qualquer conhecimento prévio de suas peculiaridades climáticas.

Segundo Santos et al. (2011)Freitas, M. A. S. Um sistema de suporte à decisão para o monitoramento de secas meteorológicas em regiões semi-áridas. Revista Tecnologia, v.19, p.84-95, 2005. o Índice de Anomalia de Chuva (IAC) constitui, através de cálculos simples, uma ferramenta de grande utilidade no auxílio do monitoramento e no gerenciamento de danos associados à ocorrência de cheias ou estiagens severas tornando-se eficientes não apenas na determinação da duração e na intensidade dos eventos mas principalmente na definição da área atingida pelo fenômeno. Araújo & Silva (2011)Araújo, L. E. A.; Silva, D. Influência da variabilidade climática sobre a distribuição espaço-temporal da precipitação no Baixo Paraíba (PB). Caminhos de Geografia, v.12, p.289-304, 2011. afirmam que o IAC só necessita de dados de precipitação, é simples de ser calculado e visa tornar o desvio da precipitação, em referência à condição normal de diversas regiões passíveis de comparação. Para Azevedo & Silva (1994)Azevedo, P. V. de; Silva, V. de P. R. da. Índice de seca para a microrregião do Agreste da Borborema, no estado da Paraíba. Revista Brasileira de Meteorologia, v.9, p.66-72, 1994. o monitoramento regional ou estadual do índice de seca pode ser útil a vários propósitos, tais como: fornecer, às autoridades de planejamento, uma ideia do grau de anormalidade relativa às condições do tempo e do clima na região; definir as melhores épocas de semeadura e avaliar as disponibilidades hídricas do solo e só então verificar a eficiência do sistema de abastecimento de água para os reservatórios.

Neste contexto, o objetivo é avaliar a variabilidade climática da Bacia do Rio Mamanguape, no estado da Paraíba. Especificamente investigar, através da utilização do Índice de Anomalia de Chuva (IAC) desenvolvido por Rooy (1965)Rooy, M. P. van. A Rainfall anomaly index independent of time and space, Notos. v.14, p.43-48, 1965., adaptado por Freitas (2005)Freitas, M. A. S. Um sistema de suporte à decisão para o monitoramento de secas meteorológicas em regiões semi-áridas. Revista Tecnologia, v.19, p.84-95, 2005. e readaptado por Araújo et al. (2009)Araújo, L. E.; Moraes Neto, J. M. de; Sousa, F. de A. S. Classificação da precipitação e da quadra chuvosa da Bacia do Rio Paraíba utilizando índice de anomalia de chuva (IAC). Ambi-Agua, v.4, p.93-110, 2009. http://dx.doi.org/10.4136/ambi-agua.105
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o total mensal e anual de precipitação da bacia e o aumento e redução da precipitação média anual e mensal, em 20% sugeridos pelo IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change).

Material e Métodos

A área de estudo é a Bacia do Rio Mamanguape (Figura 1). Segundo o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH, 2006PERH - Plano Estadual de Recursos Hídricos. Resumo estendido. João Pessoa: Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba, AESA. – Consórcio TC/BR – Concremat, 2006. 112p.) a sede possui 30 municípios e ocupa uma área de 3.522,69 km². Está localizada entre as latitudes 6º 36' 49'' – 7º 11' 08'' S e longitudes 34º 54' 42'' – 35º 57' 51'' O; a bacia está inserida nas mesorregiões da Zona da Mata e Agreste paraibano; de acordo com o IBGE (2007)IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Contagem da população 2007. Brasília: IBGE, 2007. s.p. a população residente estimada foi de 457.905 habitantes.

Figura 1
Localização da Bacia do Rio Mamanguape, em relação ao estado da Paraíba

Os dados pluviométricos mensais foram fornecidos pela AESA (Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba) para o cálculo do Índice de Anomalia de Chuva (IAC) adaptado por Freitas (2005)Freitas, M. A. S. Um sistema de suporte à decisão para o monitoramento de secas meteorológicas em regiões semi-áridas. Revista Tecnologia, v.19, p.84-95, 2005. e readaptado por Araújo et al. (2009)Araújo, L. E.; Moraes Neto, J. M. de; Sousa, F. de A. S. Classificação da precipitação e da quadra chuvosa da Bacia do Rio Paraíba utilizando índice de anomalia de chuva (IAC). Ambi-Agua, v.4, p.93-110, 2009. http://dx.doi.org/10.4136/ambi-agua.105
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tal como para a confecção da climatologia da Bacia Hidrográfica do Rio Mamanguape, caracterizando os períodos secos ou úmidos podendo ser analisadas, desta forma, as contribuições dos períodos chuvosos.

As Eqs. 1 e 2 (Rooy, 1965; Freitas, 2005) dispostas a seguir, são utilizadas para a aplicação do IAC:

- para anomalias positivas

- para anomalias negativas

sendo:

N - precipitação mensal atual, mm

N - precipitação média mensal da série histórica, mm

M - média das dez maiores precipitações mensais da série histórica, mm

X - média das dez menores precipitações mensais da série histórica, mm

Foram obtidos dados de 31 postos distribuídos ao longo da bacia, dos quais foi disponibilizada uma série histórica de 18 anos. Do ponto de vista climatológico, uma série como esta é considerada bastante curta, no entanto, conforme Santos et al. (2011)Santos, E. P.; Correia, M. F.; Aragão, M. R. S.; Silva, F. D. S. Eventos extremos de chuva e alterações no regime hidrológico da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco: Uma aplicação do índice RAI (Rainfall Anomaly Index). Engenharia Ambiental, v.8, p.315-330, 2011. permite formular hipóteses sobre tendências de aumento ou redução das chuvas em condições atmosféricas extremas. Segundo tais autores, para a aplicação do IAC é recomendável a utilização de séries históricas com pelo menos 30 anos de dados. Caso a série em questão tenha menos de 30 anos de dados, faz-se necessária uma adaptação através da qual a quantidade de médias utilizadas para o cálculo do IAC deve ser modificada de maneira a se tornar proporcional à quantidade de dados disponíveis; assim, deve-se calcular, em uma série de 18 anos de dados, por exemplo, as médias das 6 maiores ou 6 menores precipitações totais do período analisado.

Os resultados foram analisados e classificados de acordo com a metodologia adaptada por Freitas (2005)Freitas, M. A. S. Um sistema de suporte à decisão para o monitoramento de secas meteorológicas em regiões semi-áridas. Revista Tecnologia, v.19, p.84-95, 2005. e readaptada por Araújo et al. (2009)Araújo, L. E.; Moraes Neto, J. M. de; Sousa, F. de A. S. Classificação da precipitação e da quadra chuvosa da Bacia do Rio Paraíba utilizando índice de anomalia de chuva (IAC). Ambi-Agua, v.4, p.93-110, 2009. http://dx.doi.org/10.4136/ambi-agua.105
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utilizando uma nova classificação de anos secos e úmidos (Tabela 1).

Tabela 1
Classes de intensidade do índice de anomalia de chuva da Bacia Hidrográfica do rio Mamanguape

Visando melhorar e avaliar a variabilidade temporal da precipitação e observar as diferenças entre os períodos secos e chuvosos na bacia do rio Mamanguape, foram analisados anos específicos da série histórica e selecionados dois anos secos (1998 e 2010) e dois anos úmidos (2000 e 2004). A escolha específica desses anos se deve ao fato de serem anos extremos (extremamente secos e extremamente úmidos, respectivamente) com relação aos demais anos da série histórica.

As projeções de 20% foram calculadas a partir da média climatológica obtida através da série histórica de dados.

Ressalta-se que ao longo da série histórica de dados foram encontradas algumas lacunas; todavia, as mesmas não representaram alterações significativas nos resultados visto que através do IAC é possível reduzir a margem de erro decorrente de valores em falta. Essas lacunas não devem, de acordo com Nikolova (2007)Nikolova, N. Regional climate change: Precipitation variability in mountainous part of Bulgaria. Instituto Geográfico “jovan cvijic” SASA. Coleção de Papeis, p.79-86, 2007.ser preenchidas, pois a reposição de valores em falta na série histórica de precipitação traz mais subjetividade à investigação.

Resultados e Discussão

A Figura 2 apresenta um período de seis meses classi-ficados úmidos com precipitação acima da média mensal (88,8 mm). O período chuvoso ocorre entre os meses de março a agosto sendo o mês de junho o mais representativo atingindo uma média de 181,2 mm de precipitação. Observa-se, também, que o período seco ocorre entre os meses de setembro e fevereiro, tendo outubro como o mês mais seco, com média de 11,7 mm.

Figura 2
Fluviograma da Bacia do Rio Mamanguape

Aplicando o Índice de Anomalia de Chuva (IAC) para melhor avaliar o grau de severidade dos eventos e de duração de períodos secos e úmidos para a série histórica de precipitação, observa-se que o período é composto por seis anos úmidos (33%), variando entre as classes de Úmido, Muito Úmido ou Extremamente Úmido, porém se constata haver predominância de anos secos com doze anos secos (67%) ao longo da série sendo classificados Seco, Muito Seco ou Extremamente Seco (Figura 3).

Figura 3
Índice de anomalia de chuva (IAC) da Bacia do Rio Mamanguape

Apesar da série relativamente curta, pode-se observar, mesmo com predominância de anos com IAC negativos, um fato que chama a atenção, isto é, que o intervalo de anos secos consecutivos intercalados por um ano úmido, tem diminuído gradativamente; esses resultados corroboram com Molion (2008a)Molion, L. C. B. Aquecimento global: Uma visão crítica. Revista Brasileira de Climatologia, v.1, p.7-24, 2008a. de vez que o período compreendido entre 1994 e 1998 está dentro de um dos períodos de aquecimento global (1977-1998), tendo como característica uma ocorrência maior de eventos de El Niño, o qual provoca secas na região Nordeste; referidos eventos acabam por prejudicar demasiadamente o setor econômico da região, a qual se caracteriza pela predominância de monoculturas como a da cana-de-açúcar.

A Figura 4 mostra o IAC da Bacia Hidrográfica do Rio Mamanguape para os anos secos de 1998 e 2010, ou seja, anos em que o IAC se apresentou negativo. Observa-se que dentro do período seco, que vai de setembro a fevereiro (Figura 3) apenas um mês, o mês de janeiro de 2010, apresentou valor de IAC positivo; entretanto, dentro do semestre úmido três meses apresentaram IAC negativos, sendo eles março e maio de 2010 e abril de 1998, corroborando com os resultados de Silva et al. (2009)Silva, D. F. da; Sousa F. A. S.; Kayano M. T.; Galvíncio J. D. Influência da variabilidade climática global e de suas escalas temporais sobre a precipitação no Alto Mundaú (PE). Revista Brasileira de Geografia Física, v.2, p.64-82, 2009. que afirmam que o IAC, em anos secos, tende a ser negativo até mesmo no período chuvoso. O caso do mês de março de 2010 ter sido um mês de IAC negativo é especialmente relevante visto que, de acordo com Araújo et al. (2009)Araújo, L. E.; Moraes Neto, J. M. de; Sousa, F. de A. S. Classificação da precipitação e da quadra chuvosa da Bacia do Rio Paraíba utilizando índice de anomalia de chuva (IAC). Ambi-Agua, v.4, p.93-110, 2009. http://dx.doi.org/10.4136/ambi-agua.105
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o mês de março é mais eficiente em termos de precipitação, em razão da atuação da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) que atinge seu máximo no mês de março. Em virtude da sua eficiência, este mês é de suma importância para o aporte hídrico dos mananciais.

Figura 4
Índice de anomalia de chuva (IAC) mensais de anos secos da Bacia Hidrográfica do Rio Mamanguape

A Figura 5 mostra o IAC da Bacia Hidrográfica do rio Mamanguape para os anos úmidos de 2000 e 2004, ou seja, anos em que o IAC se apresentou positivo; nela é possível observar que dentro do semestre seco o mês de setembro de 2000 e os meses de janeiro e fevereiro de 2004 apresentaram valores positivos de IAC. Conforme Brito & Braga (2005)Brito, J. I. B.; Braga, C. C. Chuvas no estado da Paraíba em 2004. Boletim SBMET, p.27-32, 2005. as fortes chuvas de janeiro e fevereiro de 2004 foram ocasionadas pela interação entre a atividade convectiva produzida pelo Vórtice Ciclônico, a ZCAS (Zona de Convergência do Atlântico Sul) e pela ZCIT, que continuou posicionada ao sul de sua climatologia; outro fator que também pode ter causado as intensas chuvas em janeiro e fevereiro de 2004, foi o aumento da Pressão a Nível médio do Mar (PNM) no Atlântico Subtropical sul que pode, consequentemente, ter produzido um aumento na advecção de umidade para o Nordeste do Brasil, conforme Brito & Braga (2005)Brito, J. I. B.; Braga, C. C. Chuvas no estado da Paraíba em 2004. Boletim SBMET, p.27-32, 2005..

Figura 5
Índice de anomalia de chuva (IAC) mensais de anos úmidos da Bacia Hidrográfica do Rio Mamanguape

Dentro do semestre chuvoso os meses de março e maio de 2000 e os meses de março, abril e agosto de 2004, se apresentaram com valores negativos de IAC. Conforme Brito & Braga (2005)Brito, J. I. B.; Braga, C. C. Chuvas no estado da Paraíba em 2004. Boletim SBMET, p.27-32, 2005. os meses de março e abril de 2004 sinalizaram chuvas inferiores à média climatológica visto que em março a ZCIT se posicionou ao sul de sua climatologia apesar de ter apresentado pouca intensidade, de vez que sobre o oceano Atlântico tropical predominaram anomalias positivas da temperatura da superfície do mar (TSM) ao norte do equador e negativa ao sul; esses autores afirmam que em abril de 2004 a ZCIT se posicionou ao norte da climatologia, o Atlântico tropical continuou a apresentar padrões de anomalias de TSM semelhante ao de março e os vórtices ciclônicos estiveram com o centro sobre o estado da Paraíba. Essas configurações dificultaram a produção de precipitação na Paraíba porém sistemas Ondulatórios de Leste e ZCIT contribuíram para a ocorrência de chuva na Paraíba, durante abril de 2004; de maio a julho de 2004 as chuvas são superiores à média climatológica devido à atuação dos Sistemas Ondulatório de Leste, da PNM que apresentaram, em geral, anomalias positivas sobre o Atlântico Subtropical e a Zona de Convergência Secundária do Leste do Nordeste (Brito & Braga, 2005Brito, J. I. B.; Braga, C. C. Chuvas no estado da Paraíba em 2004. Boletim SBMET, p.27-32, 2005.).

Observou-se, desta forma, para os anos úmidos específicos (2000 e 2004) três meses (setembro de 2000 e janeiro e fevereiro de 2004) não obedeceram às características do período seco, mas dentro do semestre úmido cinco meses se apresentaram em desacordo com as caracteríticas de um período úmido, sendo eles março e maio de 2000 e março, abril e agosto de 2004.

Os valores de precipitação acumulada do período estudado da série histórica foram espacializados. Verificam-se precipitações elevadas nas partes Noroeste e Centro-Oeste, porém mais na porção leste da bacia, demonstrando que há influência do contraste térmico entre o continente e oceano e demais sistemas atuantes na região (Figura 6).

Figura 6
Distribuição espacial da precipitação acumulada

Ao efetuar os cálculos das médias climatológicas da série histórica a fim de gerar a climatologia da bacia, é possível observar que as chuvas não ultrapassaram os 150 mm de precipitação apresentando, portanto, as médias climatológicas mais baixas na porção oeste (Figura 7).

Figura 7
Climatologia da Bacia do Rio Mamanguape

Através da média anual da Bacia Hidrográfica do Rio Mamanguape, a qual foi de 88,8 mm, foi possível traçar projeções de redução e aumento da precipitação em 20%, como recomendado pelo IPCC (2001)IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change. Climate change 2001: Impacts, adaptation and vulnerability, 2001. 1032p. (Tabela 2).

Tabela 2
Precipitação da série histórica com respectivos valores de redução e aumento em 20%

Foi possível observar que o mês de março, de extrema importância para o aporte hídrico da bacia, com redução de 20% da sua precipitação, assemelhou ao mês de agosto (mês de menor precipitação dentro do semestre úmido) com a precipitação atual, ou seja, com a redução de 20% o aporte hídrico da bacia fica comprometido.

Com o aumento de 20% a precipitação pode atingir 106,6 mm; desta forma, o aporte hídrico da bacia é favorecido uma vez que até mesmo os dois últimos meses do semestre seco (janeiro e fevereiro) se assemelharam ao mês de agosto (último mês do semestre úmido) com a precipitação atual. Com isto se ressalta que projeções como esta são de grande relevância para o planejamento das atividades humanas já que, para Molion (2008b) o planejamento de atividades, particularmente a agricultura e a geração de energia elétrica, da mesma maneira que a defesa civil requerem uma antevisão da tendência do clima com intervalos de tempo suficientemente amplos, de 10 a 20 anos de antecedência, para que seus resultados possam ser aproveitáveis.

A relevância deste trabalho se revela nas próprias informações levantadas referentes ao comportamento da climatologia da bacia, servindo de subsídio à gestão dos recursos hídricos. Assim, através destas informações é possível que medidas mitigatórias sejam tomadas em curto prazo, a fim de evitar ou minimizar impactos tanto ambientais quanto sociais.

Conclusões

1. O semestre úmido na Bacia do Rio Mamanguape vai de março a agosto com junho sendo o mês de maior contribuição para o aporte hídrico da bacia; em contrapartida, o semestre seco vai de setembro a fevereiro com outubro sendo o mês mais seco do período.

2. A dimunição do intervalo entre anos secos consecutivos intercalados por um ano úmido denota um favorecimento ao aporte hídrico da bacia.

3. Anos secos se comportam mais coerentemente com as características de cada período (seco ou úmido) haja vista que 1998 e 2010 apresentaram apenas quatro meses em desconformidade com as características de cada período, comparados com os anos úmidos (2000 e 2004) que apresentaram oito meses em desacordo com as características de seus respectivos períodos.

4. A Bacia do Rio Mamanguape possui três regiões com padrões distintos de precipitação, sendo a primeira a região leste, a segunda é a região central e a terceira é a região oeste da bacia.

5. Com as projeções de redução e aumento da precipitação em 20% o comportamento da climatologia permanece o mesmo; entretanto, com a redução de 20%, o aporte hídrico da bacia é extremamente desfavorecido e com o aumento é amplamente favorecido.

Literatura Citada

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan 2015

Histórico

  • Recebido
    05 Dez 2013
  • Aceito
    01 Ago 2014
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