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ROMANELLI, Geraldo; NOGUEIRA, Maria Alice; ZAGO, Nadir (Orgs.). Família & escola: novas perspectivas de análise. Petrópolis: Vozes, 2013. (Ciências da educação)

ROMANELLI, Geraldo; NOGUEIRA, Maria Alice; ZAGO, Nadir. Família & escola: novas perspectivas de análise. Petrópolis: Vozes, 2013. (Ciências da educação)

Conhecidos pesquisadores das relações entre família e escola no campo da sociologia da educação, Romanelli, Nogueira e Zago retomam essa temática, articulando-a à nova conjuntura brasileira, em um livro que reúne onze estudos de pesquisadores de diferentes instituições do país. Do lançamento de Família & escola: trajetórias de escolarização em camadas médias e populares, em 2000, até hoje, muita coisa mudou no Brasil.

Após os anos de 1990, o país passou por transformações sociais significativas, tais como redução do número de pessoas que vivem em situação de pobreza, diminuição das desigualdades sociais e redução das taxas de desemprego. Uma conjunção de fatores concorreu para tais resultados, entre eles o crescimento econômico, alterações na estrutura do mercado de trabalho, mudança de concepção das políticas públicas para o trabalho no campo, adoção de políticas de transferência de renda (como o Bolsa Família), além de crescimento da inclusão da população no sistema escolar, com relativa diminuição de desigualdades de raça, origem social, gênero e geração. Mas, se ocorreram avanços, há gargalos do sistema de ensino ainda não resolvidos (entre outros, pouco mais de 50% dos jovens na faixa etária de 15 a 17 anos estão no ensino médio [esse percentual varia segundo as fontes] ou estão no ensino fundamental com grande defasagem). Os avanços maiores foram no ensino fundamental.

O eixo que organiza o livro continua a ser o debate das desigualdades no processo de escolarização perante as novas configurações da relação família-escola. Na primeira parte do livro, três textos focalizam: relações família-escola em geral, dimensão de gênero e dimensões geracionais. Romanelli procede a uma leitura crítica de estudos sociológicos sobre família e escola publicados em periódicos no Brasil (impressos e digitais) no período de 1997 a 2011. O autor aponta contribuições à compreensão dessas relações no país, identifica características e lacunas, levanta questões de ordem teórico-metodológica, assim como oferece sugestões para que esse campo de estudos avance, já que se revela, segundo seus estudos, promissor para o entendimento das complexas relações entre família e escola.

Carvalho discorre sobre resultados de estudos apresentados em quatro teses e seis dissertações, defendidas entre 1993 e 2007, que estabelecem relações entre rendimento escolar, família, escola e gênero. Nesses trabalhos, a autora procura explicações sobre a dissonância entre o lugar social de “subordinação” das mulheres na sociedade, os melhores índices obtidos por elas no processo de escolarização e a acusação da escola de que a mulher (a mãe) é responsável pelo baixo rendimento dos filhos. Tomizaki apresenta o resultado de um estudo empírico, em que são analisadas distinções entre projetos de futuro profissional de duas gerações de um grupo de famílias operárias do ABC Paulista. A autora enfoca as relações entre família, escola e trabalho, dando visibilidade a uma variável pouco tratada na pesquisa sobre relações família-escola: a geração.

Os três textos que compõem a segunda parte do livro abordam a desigualdade no processo de escolarização, relacionando-a ao pertencimento social das famílias. Nogueira propõe discussões sobre a pertinência da tese de que emergiu no país uma “nova classe média”. Apresentando o resultado de estudos empíricos realizados com as famílias cujos filhos estão matriculados em escola particular em Belo Horizonte, a autora procura entender o significado da preferência por escola particular por parte dessas famílias. Focalizando a distribuição de vagas no sistema público de ensino nas cidades de Belo Horizonte e Rio de Janeiro, Costa, Alves, Moreira e Dopazzo de Sá analisam dois aspectos inerentes a esse processo: as estratégias das famílias na escolha da escola que consideram mais adequada às suas expectativas para o futuro dos filhos e como as escolas também selecionam alunos, apesar das regulações estabelecidas pelos respectivos sistemas de ensino.

Os autores avaliam que, nesse ajuste entre as estratégias das famílias e das escolas, são construídas hierarquias de estabelecimentos nos sistemas públicos de ensino. No âmbito das populações que vivem da agricultura familiar, Zago explora o significado da escola e dos processos de escolarização para os filhos e filhas de pequenos produtores do estado de Santa Catarina, em um contexto de grandes transformações sociais no campo e da crise daquele tipo de produção agrícola. A autora compara os resultados obtidos nesse contexto (2012) aos alcançados com população semelhante em outra conjuntura (1989), e chama a atenção para os impasses e perspectivas das novas gerações entre ficar na agricultura ou migrar para a cidade.

Na terceira parte, dois textos tratam de práticas pedagógicas que estabelecem mediações pedagógicas entre família e escola: dever de casa e reforço escolar. Tais práticas só muito recentemente vêm sendo objeto de análise por parte de pesquisadores do campo da sociologia da educação. Resende procedeu a um levantamento de estudos realizados no Brasil, em que identificou a adesão das escolas e das famílias ao dever de casa, prática que, ao mesmo tempo em que estabelece elo entre família e escola, gera tensões entre essas instituições. A autora aponta inconsistência de conclusões nos estudos consultados sobre a relação entre dever de casa e desempenho escolar. Já Carvalho trata do reforço escolar, que, para alguns autores, vem ganhando terreno como mercado de trabalho que atende a demandas tanto da escola como das famílias, segundo análises produzidas com base em pesquisa realizada em João Pessoa (Paraíba) e cidades vizinhas. A autora levanta a hipótese de que o reforço vem constituindo-se em um “sistema educativo na sombra”, uma instituição informal paralela ao sistema escolar, que levaria à reconfiguração da escola formal.

Na última parte do livro são apresentadas reflexões elaboradas com base em estudos sobre grupos da população beneficiados por políticas de inclusão. Cavalieri, Coelho e Maurício trabalharam dados de pesquisa nacional1 1 O material empírico analisado pelas autoras foi obtido em pesquisa nacional realizada em 2008 e 2009, em quinhentos municípios das regiões Nordeste e Sudeste, e em estudo qualitativo realizado nos municípios de Colatina (ES), Natal (RN), Nova Friburgo (RJ), Olímpia (SP), Recife (PE), Russas (CE), São Paulo (SP) e São Sebastião do Passé (BA). e de estudo qualitativo em oito municípios do Brasil sobre a ampliação da jornada escolar. As autoras apontam tanto a diversificação quanto o direcionamento de propostas a alunos que vivem em condições socioeconômicas precárias e apresentam baixo desempenho. Mostram, ainda, que os projetos de ampliação do horário escolar não são desenvolvidos em toda a rede nem em todas as turmas das escolas.

No geral, eles refletiram resultados diferenciados no que se refere ao fortalecimento das relações entre família e escola. Neves focaliza a política de inclusão no ensino superior, ouvindo alunos cotistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e bolsistas do Programa Universidade para Todos (PROUNI) de quatro instituições de ensino superior (comunitárias, confessionais e filantrópicas), oriundos de famílias de baixa renda e reduzida escolaridade, que, mesmo tendo cursado o ensino médio em escolas públicas de qualidade precária, lograram acesso a universidades públicas ou instituições privadas em Porto Alegre e região metropolitana. A autora demonstra que, para esses alunos alcançarem tal resultado, muito contribuíram as políticas públicas de inclusão (PROUNI, cotas raciais e sociais e acréscimo de bônus) e o apoio da família. Lima encerra o livro com a análise dos dados da Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD 2009) sobre beneficiários do PROUNI na região metropolitana de São Paulo. Tais dados indicam que, apesar do empenho da família e da possibilidade de bolsas do PROUNI, os alunos têm dificuldade de acesso a cursos superiores de universidades públicas e àqueles de maior prestígio, os quais lhes possibilitariam a entrada no mercado de trabalho em posição de prestígio e, consequentemente, melhor salário.

Sintetizando, trata-se de um livro de sociologia da educação que, via análise das relações família-escola, apresenta um panorama de temas e desafios para a pesquisa em educação tratados com instrumentais da sociologia. Os autores, ao mesmo tempo em que discutem propostas que emergiram nos últimos anos na sociedade para diminuir desigualdades, mostram como os atores sociais (alunos, profissionais da educação e família) delas se apropriam. Assim, operaram como cartógrafos da educação brasileira contemporânea (Baudelot).2 2 Baudelot (1991, p. 40) afirma que, “no fundo, o trabalho do sociólogo da educação assemelha-se ao do cartógrafo” (Christian baudelot, A sociologia da educação: para quê?. Teoria & Educação, Porto Alegre, Pannonica, n. 3, p. 29-42, 1991). Os textos apresentados não só subsidiam uma análise crítica de medidas que foram ou estão sendo introduzidas no Brasil, como também apontam limitações na busca da ampliação de igualdades na educação brasileira. Não se pretende, com o livro, esgotar a análise da realidade brasileira, mas com certeza sua leitura contribui para pensá-la e para refletir sobre os rumos da pesquisa sobre tal realidade na ótica da sociologia da educação.

O livro interessa aos estudiosos das relações entre família e escola, aos profissionais e não profissionais da educação que atuam nos sistemas de ensino, nos sistemas de decisão política, aos pais, associações e entidades civis que, direta ou indiretamente, buscam compreender desafios postos à diminuição das desigualdades nos processos de escolarização.

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    O material empírico analisado pelas autoras foi obtido em pesquisa nacional realizada em 2008 e 2009, em quinhentos municípios das regiões Nordeste e Sudeste, e em estudo qualitativo realizado nos municípios de Colatina (ES), Natal (RN), Nova Friburgo (RJ), Olímpia (SP), Recife (PE), Russas (CE), São Paulo (SP) e São Sebastião do Passé (BA).
  • 2
    Baudelot (1991, p. 40) afirma que, “no fundo, o trabalho do sociólogo da educação assemelha-se ao do cartógrafo” (Christian baudelot, A sociologia da educação: para quê?. Teoria & Educação, Porto Alegre, Pannonica, n. 3, p. 29-42, 1991).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    Dez 2013
  • Aceito
    Set 2014
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