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Marcos históricos na reforma da educação

RESENHA

Marcos históricos na reforma da educação

BROOKE, Nigel (Org.). Marcos históricos na reforma da educação. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012, 520 p. (Coleção EDVCERE, 19).

Não tem sido fácil para aqueles que desenvolvem pesquisa e lecionam disciplinas relacionadas ao campo da política educacional, e que também têm apreço pelas fontes primárias, ter acesso a textos originais sobre experiências realizadas em diferentes países. Nos últimos 50 anos, reformas da educação ou, na definição de Nigel Brooke, "ações planejadas em escala sistêmica" (p. 13) tiveram notável desenvolvimento, tornando ainda mais urgente a necessidade de se esclarecerem as ideias e interesses e as múltiplas influências e atores que definem suas identidades.

É isso que o livro Marcos históricos na reforma da educação oferece generosamente ao leitor. Ao longo de um pouco mais de quinhentas páginas, Nigel Brooke coloca-nos em contato com textos e autores nem sempre divulgados no Brasil. Dois eixos recorrem o livro. O primeiro enfatiza a procura das raízes das reformas nas circunstâncias e forças locais. O segundo indica que a escolha dos textos levou em conta a "possibilidade de iluminar aspectos da história e o funcionamento do sistema educacional brasileiro" (p. 13-14).

A obra está dividida em nove seções precedidas por uma introdução do autor que apresenta os textos e os contextos e procura explicitar "as insatisfações que levaram às expressões originais das reformas" (p. 14). Trata-se de um total de 63 textos, a maioria traduzida para o português, com exceção de alguns escritos de autores brasileiros. Em conjunto, as leituras apresentam importantes reformas realizadas nos Estados Unidos e em países da Europa e da América Latina, além de identificar "as especificidades das reformas brasileiras que exprimem versões dessas mesmas propostas" (p. 14).

A seção 1, "Reformas curriculares da Guerra Fria", inicia-se com duas leituras sobre as reformas curriculares norte-americanas realizadas sob o impacto do lançamento do Sputnik pela União Soviética, que deixam clara a intenção de recuperar a competitividade científica e tecnológica dos Estados Unidos. A terceira leitura mostra como a confiança no desenvolvimento econômico e social "calcado na aprendizagem técnica e científica" (p. 23) também era partilhada por importantes educadores brasileiros na década de 1930. A leitura seguinte trata do impacto dos materiais pedagógicos norte-americanos no mercado brasileiro de livros didáticos nos anos de 1960. A quinta e sexta leituras são dedicadas à avaliação de projetos norte-americanos de desenvolvimento curricular.

A seção 2, "O impacto da Teoria do Capital Humano", inclui um texto de Schultz, principal responsável pela formulação dessa teoria. A três leituras seguintes discutem a importância do ensino técnico e profissionalizante para os países em desenvolvimento e também da combinação de educação geral e profissionalizante para os alunos impossibilitados de enfrentar uma educação geral prolongada. O texto 5 mostra como, no Brasil, a reforma profissionalizante do ensino médio da década de 1970 ecoou esse pensamento hegemônico. A sexta leitura inclui a crítica às reformas curriculares profissionalizantes nos países africanos e "serve como uma avaliação das reformas propostas em todos os continentes, incluído o nosso" (p. 58). Encerra-se a seção com uma leitura que discute a perda de relevância da Teoria do Capital Humano como referência para o planejamento educacional nas décadas seguintes.

A seção 3, "Reformas revolucionárias", abre espaço para iniciativas educacionais de governos socialistas latino-americanos. Dois textos envolvendo a educação cubana em dois momentos afastados no tempo abrem e fecham a seção. O texto 2 trata da reforma peruana, e o terceiro aborda a reforma educacional instituída pelo Governo Sandinista na Nicarágua, na década de 1970.

A seção 4, "Uma nação em risco", devolve o leitor ao contexto norte-americano, dessa vez na década de 1980 A primeira leitura foi extraída de relatório sobre a situação educacional dos Estados Unidos que inspirou a maioria das reformas por três décadas, principalmente, o uso de avaliações externas e as políticas de accountability. A leitura 2 mostra como essas reformas estiveram apoiadas no currículo e na avaliação de competências. Com ligeiras diferenças, a terceira leitura discute o apoio do governo norte-americano ao "uso das avaliações para cobrar melhorias no desempenho dos alunos" e sua contribuição para que a responsabilização se estabeleça "como espinha dorsal da política educacional" a partir da década de 2000 (p. 146). A leitura seguinte discute a evolução das políticas de testes high-stakes e de responsabilização durante o Governo Bush e suas consequências para alunos, professores e para a aprendizagem. A leitura 5 enfatiza a necessidade de melhoria no alinhamento entre os padrões e os testes e "deixa evidentes as dificuldades reais em produzir e fazer valer tanto os padrões quanto os currículos que os sustentam, mesmo após mais de 30 anos de experimentação" (p. 147). A última leitura aborda as políticas de responsabilização e os avanços no uso de testes padronizados no Brasil.

A seção 5, "Racionalidade econômica", mostra como a economia aproximou-se da educação no transcurso da última década pela aplicação de "conceitos e critérios da economia ao próprio modo de organizar a educação" (p. 201). A seção abre-se com a leitura de um texto de Friedman considerado a matriz de reformas que advogam a desestatização da oferta escolar e a redução do papel do Estado ao monitoramento dos estabelecimentos educacionais. As duas leituras seguintes tratam da experiência de desestatização da educação no Chile. A escolha da escola e as escolas charter são abordadas nas duas leituras subsequentes, que apresentam uma revisão de pesquisas norte-americanas sobre o tema. A partir da leitura 6, Brooke reintroduz o leitor no contexto das reformas latino-americanas, com a discussão das consequências das reformas descentralizadoras acontecidas no Chile, no México e na Colômbia. O texto 7 apresenta uma análise comparativa dos processos de descentralização em seis países latino-americanos. Esse tema também está presente no texto 8, que analisa a criação dos conselhos municipais de educação no estado de São Paulo. A seção encerra-se com um texto sobre a gestão da educação municipal após a implantação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF).

A seção 6, "Crise cultural", trata da reforma educacional iniciada na Grã-Bretanha pelos governos conservadores dos anos de 1960 e retoma a discussão da presença do pensamento econômico na formulação e condução da política educacional. A primeira leitura faz essa discussão "à luz da crítica dos exageros igualitários dos trabalhistas" e avalia a política educacional do partido conservador da década de 1980 (p. 268). As duas leituras seguintes apresentam textos do pensamento conservador britânico: o texto 2 trata da crítica à escola compreensiva e às políticas progressistas, e o 3 aprofunda a crítica ao pensamento igualitário que norteou as políticas educacionais durante o governo trabalhista, propondo a criação de opções seletivas dentro do sistema educacional. As leituras 4 e 5 são dedicadas a reformas curriculares conservadoras da década de 1980, e a leitura 6 trata da continuidade das políticas conservadoras, após o retorno do Partido Trabalhista ao poder, em 1997. O último texto encerra a seção apresentando as mudanças ocorridas no modelo de privatização da educação com a inclusão da competição das escolas por alunos e vauchers e da terceirização dos serviços de apoio às escolas.

A extensa seção 7, "A reforma educacional no mundo globalizado", é destinada ao processo de internacionalização das reformas educacionais na década de 1990. A primeira leitura mostra como a maioria dos países latino-americanos executaram reformas que envolviam propósitos e iniciativas muito semelhantes, fazendo parte de uma "estratégia econômica para alavancar a competitividade" (p. 327). A leitura 2 aborda a mesma questão em relação a Portugal na década de 1990, enxergando as reformas como uma modernização decorrente das novas exigências econômicas colocadas pela formação da Comunidade Europeia. A terceira leitura reconduz-nos ao contexto da América Latina e às mudanças da década de 2000 decorrentes dos desafios da nova ordem econômica mundial e da sua interpretação pelos organismos internacionais. A leitura seguinte trata da circulação mundializada e instantânea de informação, das mudanças na natureza do trabalho e das novas demandas para a educação. O texto 5 relata o processo de disseminação das reformas educacionais em países de língua inglesa, mostrando que sua natureza e justificativas na "modernização dos sistemas educacionais para competir no mundo globalizado eram as mesmas" dos países latino-americanos (p. 329). Nas duas leituras seguintes, é a vez do papel dos organismos internacionais no processo de globalização da reforma educacional, principalmente, dos bancos de desenvolvimento. A seção encerra-se com uma pesquisa sobre as consequências do processo de globalização nos conteúdos curriculares de sete países da América Latina, incluído o Brasil.

A seção 8, intitulada "Equidade", reúne textos que evidenciam as razões da preocupação com a distribuição igualitária das oportunidades educacionais, mesmo em reformas educacionais ancoradas no desenvolvimento econômico. O texto 1 situa no combate à pobreza da década de 1960 as primeiras buscas pela superação das históricas desigualdades educacionais. A leitura seguinte trata dos sentidos do termo equidade e analisa a visão presente nas políticas do Banco Mundial. A leitura 3 relata a história de um programa chileno criado no contexto da redemocratização e inspirado na promoção da equidade entre alunos de escolas das regiões mais pobres. A leitura 4 apresenta um texto sobre a reforma inspirada na equidade promovida nas escolas rurais da Colômbia na década de 1970. As leituras 5 e 6 trazem exemplos de como o Brasil lidou com a problemática da equidade, analisando, respectivamente, o FUNDEF e sua contribuição no combate às desigualdades da educação e também a experiência da Escola Plural na rede municipal de ensino da cidade de Belo Horizonte como um processo de inclusão social. A seção encerra-se com um texto que nos leva de volta à Inglaterra e às reformas da educação comprometidas com a promoção da equidade do Novo Trabalhismo.

A seção 9, "A implementação das reformas em larga escala", apresenta as novas tendências das abrangentes e atuais reformas educacionais derivadas da "constatação das enormes dificuldades em promover mudanças reais e duradouras através das reformas criadas e implementadas a partir de órgãos centrais" (p. 443). A primeira leitura trata da avaliação de programas federais de reforma educacional valendo-se de um estudo de 293 programas educacionais norte-americanos das décadas de 1960 e 1970. Em seguida, a leitura 2 está dedicada às reformas em ex-colônias africanas que receberam empréstimos de agências de ajuda externa. O próximo texto trata das chances de sucesso das reformas na educação de países da América Latina como uma decorrência da negociação política entre diferentes grupos de atores envolvidos no processo de mudança. A leitura 4 analisa um projeto de reforma estabelecido na Índia, e, na sequência, o texto 5 aborda a falta de impacto das tentativas de mudar o ensino como uma decorrência da falta de incentivos institucionais. A leitura 6 discute as reformas curriculares dos Estados Unidos, avaliando a estratégia adotada na década de 1980 de "centrar os esforços de mudança no nível da escola" (p. 449). O texto 7 aborda as condições e a capacidade da escola para gerir a mudança, reintroduzindo o tema dos incentivos institucionais e seu papel na motivação extrínseca dos atores. A leitura seguinte oferece uma síntese das várias discussões apresentadas ao longo do livro, com destaque para a gestão referenciada em padrões, para os sistemas de avaliação e para a informação em tempo real como elementos vinculados ao sucesso das reformas. A última seção resume as "tendências atuais de reforma educacional" e faz "uma previsão dos rumos futuros" (p. 449) com base na análise de duas experiências ocorridas em Nova York e em Ontário.

Enfim, o livro põe o leitor em contato com a abrangente pesquisa e a reflexão talentosa realizada por Nigel Brooke sobre textos e autores nem sempre conhecidos no Brasil. Com a publicação desse livro, pesquisadores e interessados no tema encontrarão uma fonte importante e ordenada de informações sobre reformas educacionais, facilitando novas pesquisas e novas reflexões.

Alicia Maria Catalano de Bonamino é Doutora em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Professora da mesma instituição. E-mail: alicia@puc-rio.br

Recebido em outubro de 2012

Aprovado em novembro de 2012

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2013
  • Data do Fascículo
    Mar 2013
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