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EDITORIAL

A RBE 58 está sendo finalizada em um momento político de grande relevância nacional e que contou com a participação efetiva da ANPEd. Trata-se da aprovação pela Câmara dos Deputados, por unanimidade, do Plano Nacional de Educação (PNE 2011-2020). Ainda que a tramitação tenha ocorrido com morosidade, o PNE aprovado aumenta para dez por cento o produto interno bruto (PIB) a ser aplicado na educação, caracterizando um avanço significativo para a política nacional de investimento na área, que até o momento não chegava a seis por cento. Nesse processo, mais uma vez percebemos a importância do engajamento das entidades da sociedade civil na construção das condições políticas e técnicas que possibilitaram a aprovação do PNE. Vale destacar também a ampla discussão em curso sobre ética na pesquisa que tem sido construída no âmbito da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), a partir do trabalho desenvolvido pelo Grupo de Trabalho encarregado de elaborar diretrizes que balizem os procedimentos para as áreas de ciências sociais e humanas. A ANPEd, com inúmeras entidades científicas, faz parte desse fórum, visando à elaboração de critérios que possam atender às necessidades dessas áreas do conhecimento.

A RBE publica neste número doze artigos e uma resenha que se inscrevem em campos temáticos da história e memória da educação, das políticas públicas, do ensino médio e superior, do aprendizado de crianças indígenas e dos estudos sobre os movimentos sociais. A diversidade de ênfases teóricas e metodológicas que sustenta as discussões nas produções científicas em educação caracteriza os diferentes artigos.

O primeiro grupo de textos inscreve-se na área de história da educação. David Vincent, em "Alfabetização e desenvolvimento", analisa práticas de alfabetização na Inglaterra ao longo do século XIX. Os dados sugerem que a Inglaterra levou mais tempo que países considerados modernos para alcançar suas metas educacionais, mas que mostrou desigualdades similares em relação à idade, gênero e renda. O artigo "Higiene, tipologia da infância e institucionalização da criança pobre no Brasil (1875-1899)", autoria de Irma Rizzini e José Gonçalves Gondra, discute a emergência da infância como problema social e o tratamento que lhe foi dado por médicos formados pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Os autores analisam as marcas dos discursos higienistas em dois internatos criados no Rio de Janeiro, entre 1875 e 1899, para crianças "órfãs, abandonadas e desvalidas". Vívian Matias dos Santos apresenta, em "Para pensar o campo científico e educacional: mulheres, educação e letras no século XIX", um estudo acerca da inserção de mulheres, nos séculos XVIII e XIX, em espaços pensados por e para "homens de ciências e de letras". Com a abordagem de "fragmentos historiográficos", ressaltam-se questões de gênero, adentrando discursos e práticas que perpassaram a história intelectual no Brasil antes da criação das primeiras universidades.

Os dois artigos que se seguem discutem políticas da educação no país, com ênfase nas Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio e a formação de professores da educação básica. Monica Ribeiro da Silva e Eloise Médice Colontonio, em "As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e as proposições sobre trabalho, ciência, tecnologia e cultura: reflexões necessárias", apresentam uma análise dos sentidos de trabalho, ciência, cultura e tecnologia na sociedade brasileira atual. O artigo problematiza, com base em autores vinculados à teoria crítica, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. Valdinei Costa Souza é autora de "Política de formação de professores para a educação básica: a questão da igualdade", no qual analisa o Programa Parfor Presencial no conjunto das políticas de formação docente. A autora destaca, por um lado, a discrepância entre a necessidade de formar professores e a oferta real de vagas pelo referido programa e, por outro, as dificuldades de os inscritos permanecerem nos cursos de formação docente.

Na sequência, os artigos diversificam-se pela transversalidade de espaços de aprendizagem: educação indígena, educação superior e educação básica. O artigo "Participação e aprendizagem na educação da criança indígena", de Rogério Correia da Silva, apresenta um diálogo entre os campos da educação e da antropologia para pensar a criança indígena em dois movimentos. No primeiro, buscam-se contribuições dos estudos etnológicos de populações ameríndias, e no segundo procura-se incorporar as contribuições daqueles que analisam os processos de aprendizagem de práticas sociais. A síntese dos dois movimentos é tomada como referência para a análise etnográfica do aprendizado de crianças Xakriabá e de sua participação nas práticas sociais de sua comunidade.

Referindo-se ainda à aprendizagem, o artigo de Ida Lucía Morchio e Adriana Mabel Fresquet, "Aprender en la universidad: análisis de aspectos que lo condicionan desde la perspectiva de profesores y alumnos de la Universidad Nacional de Cuyo (UNCuyo/Argentina) y de la Universidad Federal do Río de Janeiro (UFRJ/Brasil)", apresenta duas fases de uma pesquisa desenvolvida no Brasil e na Argentina que envolveu alunos e professores de várias áreas nos dois países. O propósito que orientou a pesquisa sobre aprender na universidade foi tomado, por um lado, na compreensão da aprendizagem do aluno como base para desenhar ações que promovam sua tomada de consciência e o controle dos processos que realizam e, por outro, possibilitar ao professor uma revisão de suas práticas docentes considerando a perspectiva de quem aprende.

Com foco na escola, mais especificamente na sala de aula, Luciano Campos da Silva e Daniel Abud Seabra Matos apresentam em "As percepções dos estudantes mineiros sobre a incidência de comportamentos de indisciplina em sala de aula: um estudo a partir dos dados do SIMAVE/PROEB 2007" um survey que levantou as percepções dos estudantes de escolas públicas de Minas Gerais sobre a incidência de comportamentos de indisciplina em sala de aula. Os autores analisam como alguns fatores associam-se à percepção de indisciplina: nível de ensino, sexo, nível socioeconômico e proficiência em língua portuguesa e matemática. Os resultados apontam para uma forte relação entre fracasso escolar e indisciplina e entre práticas pedagógicas e indisciplina, e uma baixa associação entre indisciplina e nível socioeconômico.

Davide Carbonai e Ronaldo Bernardino Colvero, autores do artigo "Papéis sociais no ensino médio: uma análise baseada na teoria das redes", analisam como as redes sociais foram utilizadas para estudar 22 turmas em instituições da região da Toscana, Itália. O artigo de Marcos Jacobo Estrada Ruiz, "La prospectiva de la participación social en la educación en México: el punto de vista de los especialistas", apresenta resultados de uma pesquisa realizada naquele país, indicando que as práticas participativas no cenário educacional fundam-se em eventos que são alheios à lógica do Estado e das práticas governamentais. Com isso, as condições de possibilidade de mudanças na participação social na educação encontram-se nos esforços que se podem dar a partir das organizações da sociedade civil.

O artigo de autoria de Clenio Lago e Mauricio João Farinon, "A educação no horizonte da construção linguística", toma como base a teoria crítica de Adorno e a perspectiva hermenêutica de Gadamer, situando-as na corrente filosófica denominada pós-metafísica. Os autores retomam proposições de Adorno e Gadamer e estabelecem um diálogo entre esses dois filósofos, na intenção de dar outro sentido à educação no século XXI. Finalizando a seção de artigos, "Trajetória intelectual de pesquisadores da educação: a fecundidade do estudo dos memoriais acadêmicos", de Teresa Cristina Rego, apresenta resultados de pesquisa realizada sobre o tema da constituição identitária e suas relações com narrativas autobiográficas. Como fonte, a pesquisa utilizou doze memoriais apresentados em concursos de livre-docência e de professor titular, produzidos por professores ligados direta ou indiretamente aos estudos educacionais. Na seção Resenha, Elizabeth Maria Beserra Coelho apresenta reflexões acerca do livro Povos indígenas e escolarização: discussões para se repensar novas epistemes nas sociedades latino-americanas, organizado por Mariana Paladino e Gabriela Czarny, publicado pela FAPERJ/Editora Garamond, Rio de Janeiro, 2012. A obra soma-se à produção de trabalhos sobre a relação dos estados nacionais com os povos indígenas, no que concerne às políticas de escolarização.

Desejamos a nossos leitores uma ótima leitura.

A Comissão Editorial

Rio de Janeiro, julho de 2014

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Out 2014
  • Data do Fascículo
    Set 2014
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