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RESENHAS

LEASK, Betty. Internationalizing the curriculum. New York: Routledge, 2015. 198

Nos últimos anos, o foco do processo de internacionalização das instituições de ensino superior (IES) tem-se voltado para seu elemento definidor, qual seja, o currículo. Isso porque a mobilidade internacional discente e docente, embora crescente, não consegue abranger todos os estudantes. Seguindo a tendência de IES da Europa e de países como a Austrália, as universidades do mundo inteiro preparam-se para o desenvolvimento de atividades de internacionalização no próprio campus. Trata-se de um processo de reformulação dos currículos dos cursos e das consequentes práticas de ensino e de avaliação.

Uma das pesquisadoras e autoras mais produtivas na área de internacionalização do currículo é Betty Leask, docente da Universidade La Trobe, Austrália. Ao longo dos últimos quinze anos, Leask vem liderando grupos de trabalho e projetos de pesquisa que visam responder a perguntas que educadores e gestores universitários se vêm fazendo, a saber: Por que internacionalizar o currículo? Como elaborar objetivos internacionalizados de aprendizagem? Como usar a diversidade das turmas multiculturais para internacionalizar o currículo? Quais são os facilitadores e os dificultadores da internacionalização do currículo? Como desenvolver a avaliação por um currículo internacionalizado? Como estabelecer e manter conexões entre os objetivos de um currículo internacionalizado com as metas institucionais e com as expectativas de aprendizagem dos alunos?

O conhecimento teórico-prático que possui Betty Leask é metodologicamente transposto para o livro em tela. Na primeira parte, subdividida em cinco capítulos, a autora discorre sobre os conceitos e processos. Na segunda, composta de três capítulos, trata dos aspectos práticos. Na última, Leask fornece, em dois capítulos, recursos e estudos de caso que se complementam, no apêndice, por um guia para o fomento e a condução de atividades em grupo de alunos locais e internacionais. A autora ainda relaciona referências das áreas de internacionalização da educação superior, da interculturalidade e do currículo.

Além de se localizar interdisciplinarmente, a internacionalização do currículo, segundo Betty Leask, é um processo que deve ser abordado complementarmente pelas políticas e práticas das universidades. Assim, a autora anuncia, na "Introdução", que o livro justifica-se como uma defesa teórica e um guia prático para uma abordagem mais internacional e crítica da internacionalização, do ensino e da aprendizagem. É também na seção introdutória que ela define os conceitos fundamentais e os termos operacionais do livro.

Leask emprega o conceito de currículo para abranger todos os aspectos da situação de ensino e aprendizagem. Assim concebendo, critica a visão de um currículo como uma lista de tópicos a serem estudados. De fato, a autora apoia-se na noção de currículo formal, informal e oculto para dar sentido ao processo de internacionalização do currículo. Para Leask, é a relação entre os três elementos que simultaneamente define o aprendizado e desenvolve as habilidades, o conhecimento e as atitudes necessárias para a sociedade globalizada.

Nesse quadro de definições, a internacionalização do currículo é sublinhada como o processo, o meio de "incorporar dimensões internacionais, interculturais e globais no conteúdo do currículo, bem como nos objetivos de aprendizagem, nas atividades de avaliação, na metodologia e em todos os serviços voltados a um curso" (p. 9).1 1 A tradução é de responsabilidade do autor da resenha. Tão importante quanto as definições desses que são termos controversos são as referências que Beth Leask faz a dois grandes equívocos da matéria internacionalização. O primeiro deles é o de que a mobilidade estudantil redunda, natural ou automaticamente, em benefícios para todos os alunos. O segundo equívoco é o de que adaptar um currículo para ensinar em filiais estrangeiras de universidades gera cidadania global. Para a autora, processos assim conduzidos são de contextualização. Ela desenvolve essa explicação para defender a internacionalização do currículo como um processo que não redunda em homogeneização, tampouco em ocidentalização nem nas suas consequentes manutenções e reforços de privilégios de grupos e línguas dominantes. Expressamente, a internacionalização do currículo está para ser usada como um estímulo para criticar e desestabilizar os paradigmas dominantes.

Essa é, de fato, uma das respostas à pergunta "Por que internacionalizar o currículo?", título do segundo capítulo do livro. Beth Leask, com base em estudos teórico-práticos, também responde que a internacionalização do currículo garante o tratamento ético de dilemas da globalização, uma vez que desenvolve no estudante um perfil profissiográfico de engajado com a sua comunidade local e com a global. Assim referindo, a autora reproduz os princípios de uma pedagogia crítica, traduzida por diretivas do tipo "pensar local e agir globalmente".

É no terceiro capítulo que Leak apresenta o quadro conceitual do processo de internacionalização do currículo. Ela o faz afirmando tratar-se do resultado de uma pesquisa, financiada pelo governo australiano no ano de 2012, que envolveu professores universitários de diferentes disciplinas e de diversos países. O quadro consegue absorver e revelar a complexidade do processo de internacionalização por suas camadas de contextos: o global, o nacional e regional, o local, o institucional. Sobre essa base, os professores podem contemplar, em seus currículos e planos de ensino, paradigmas marginalizados, devendo para isso adotar perspectivas de escolas, autores, culturas e línguas as mais diversas.

Por tratar-se de um processo, e esse é exatamente o título do quarto capítulo, a internacionalização do currículo é apresentada em resumo e detalhadamente. Por uma figura, Betty Leask define e ilustra os cinco respectivos estágios: revisar e refletir; imaginar; revisar e planejar; agir; avaliar. Para subsidiar e viabilizar o processo, a autora fornece um instrumento chamado questionário de internacionalização do currículo (QIC), composto de perguntas do tipo "até que ponto". O resultado de avaliação dirige o professor para ações em grau crescente ou de estabilização do processo.

Antes de se aprofundar na parte prática do livro, Betty Leask apresenta, no quinto capítulo, três outros conceitos relacionados à internacionalização do currículo: perfil profissiográfico, cidadania global e competência intercultural. Para desenvolver o primeiro, a autora motiva o leitor com a pergunta "o que faz o egresso de uma universidade único e diferente?" (p. 53). A resposta, no contexto do livro, evidentemente se alinha a atributos de consciência favorável ao Outro, de valorização da diversidade linguístico-cultural, de (re)conhecimento das relações entre a sua área de estudos e a atuação profissional no mundo, entre outros.

O conceito de cidadania global, por sua vez, é tratado de forma coerentemente cuidadosa. Isso porque se trata de um termo que gera interpretação variada, inclusive algumas prejudiciais, como aquelas que se associam a uma cultura e a uma língua dominantes. Leask então revela a sua comunhão com outros autores que vêm fazendo referência à cidadania global responsável. Ao chamar pela "responsabilidade" o currículo transcende o estágio do "pensar..." para o "agir global e localmente". É assim que o conceito de competência intercultural se apresenta. Objetivamente, depois de referir às definições consolidadas por vários autores, Betty Leask converge para aquela que inclui habilidades, conhecimentos e atitudes, geradores de uma comunicação efetiva e apropriada. A contribuição de Leask a esse respeito consiste no alerta de que a competência intercultural é um estado de "tornar-se", ou seja, os estudantes entram, pelo processo de internacionalização do currículo, em um "estado de tornar-se competente interculturalmente" (p. 63).

Na segunda e terceira partes do livro, Betty Leask comprovadamente entrega ao leitor - professor, pesquisador, gestor - os subsídios metodológicos para a internacionalização do currículo de uma disciplina e de um curso. Ela o faz dissecando e exemplificando os seguintes componentes: objetivos de aprendizagem, estratégias de ensino, recursos instrucionais e avaliações. É exatamente por uma avaliação diagnóstica que Leask recomenda que se conheça e se trabalhe a diversidade cultural que caracteriza a sala de aula.

Pontualmente, a autora apoia-se em outra pesquisa financiada pelo governo da Austrália, esta de 2014, para apresentar os "bons princípios práticos: a docência intercultural" (p. 96). Leask encaminha o trabalho para a sua conclusão, explorando os dificultadores que costumam aparecer no processo de internacionalização do currículo. Ela refere àqueles culturais - derivados de valores, crenças e visões dominantes do pensamento de uma disciplina -, aos institucionais - caracterizados pelo perfil dos docentes e técnicos da instituição - e aos pessoais - marcados pela capacidade, disponibilidade e compromissos individuais. Evidenciando ainda mais a natureza prática do livro, Betty Leask apresenta recomendações para lidar com cada bloqueador, destacando, na forma de resumo, três requisitos para a internacionalização do currículo, quais sejam, uma forte fundamentação acadêmica, negociações intensas, liderança e suporte. Nos últimos dois capítulos, a autora reforça a utilidade do livro com, respectivamente, um questionário de aferição do grau de internacionalização de um currículo e alguns estudos de caso.

Por suas bem fundamentadas e exploradas partes, a teórica e a prática, o livro em tela destaca-se na área de internacionalização do currículo como uma recente e valiosa contribuição. Pesquisadores, professores e gestores irão beneficiar-se de um texto sedutor, esclarecedor e orientador de atividades de internacionalização que podem e devem desenvolver-se, para todos os estudantes, no próprio campus.

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    A tradução é de responsabilidade do autor da resenha.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    Jul 2015
  • Aceito
    Ago 2015
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