O livro "Família, escola e desempenho escolar" (Nogueira, Resende e Nogueira, 2023) é composto de artigos derivados do macroprojeto "Estudo Longitudinal da Geração Escolar 2005" (Geres 2005), cujo propósito foi identificar a influência das características escolares na evolução da aprendizagem de alunos de escolas públicas e privadas em Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Campinas, Salvador e Campo Grande, com base nas notas de português e matemática na Prova Brasil. Os pesquisadores utilizaram os dados do Geres para conduzir duas pesquisas com o objetivo de analisar os fatores familiares que contribuíram para a aprendizagem dos alunos.
A primeira pesquisa consistiu em um survey que identificou características familiares, informações dos pais sobre o sistema de ensino, práticas culturais, modos de exercício da autoridade e níveis de expectativa e aspiração social e escolar. As respostas foram cruzadas com os resultados dos alunos para identificar relações entre perfis familiares, práticas e desempenho estudantil. Aprofundando essa pesquisa, foi realizada uma segunda fase utilizando entrevistas cujo objetivo era compreender detalhadamente os processos educativos familiares e sua relação com o desempenho escolar. A estrutura do livro segue o desenho da pesquisa, com cinco textos sobre a fase quantitativa e três sobre a segunda fase, qualitativa.
A primeira seção do livro começa com o artigo "A influência da família no desempenho escolar: uma análise descritiva", que estabelece correlações entre as respostas ao survey familiar de alunos do primeiro ano do ensino fundamental e sua proficiência em língua portuguesa, considerando dois eixos de análise: capital cultural, expectativas e aspirações familiares e relação com a escola e ordem familiar. Os resultados revelam que a proficiência em português está positivamente associada a fatores como atividades culturais familiares, posse de objetos com relevância escolar, aspirações elevadas dos pais com relação ao sucesso acadêmico dos filhos e adiamento da entrada destes no mercado de trabalho, bem como à frequência na educação infantil, à antecipação do ingresso nesse nível, ao acompanhamento das tarefas de casa e à avaliação constante do desempenho acadêmico.
O primeiro artigo não traz uma análise que considera os perfis socioeconômicos das famílias, o que já acontece no segundo artigo, "Perfis familiares e escolha do estabelecimento de ensino". Em um contexto educacional de intensificação do papel das famílias como agentes participativos na vida escolar dos filhos, os autores mostram as desigualdades sociais vinculadas à posse de recursos econômicos e culturais em um momento crucial de determinação das trajetórias escolares. A pesquisa empírica, conduzida por meio de questionários, revela uma hierarquia de condições que beneficia, em ordem decrescente, famílias que optaram: a) por escolas privadas; b) por escolas federais; c) por escolas estaduais e municipais com bom desempenho na Prova Brasil; e d) pelas demais escolas estaduais e municipais. Apesar das conexões entre práticas culturais, critérios de escolha da escola e acompanhamento da rotina escolar com as condições objetivas das famílias, os resultados alertam para a necessidade de superar as dicotomias entre rico e pobre, público e privado.
Se, nos dois primeiros artigos, são apresentadas análises predominantemente descritivas, o terceiro artigo, "Evidências empíricas associadas às práticas familiares: a construção de fatores a partir do questionário contextual", é metodológico. O texto pretende analisar, por meio da técnica de análise fatorial confirmatória, o questionário elaborado pelo Observatório Sociológico Família-Escola (OSFE) no âmbito do Geres, de modo a otimizar seus itens e validá-los em termos estatísticos segundo as relações teóricas sugeridas pela literatura. Após a escolha e a aplicação de índices matemáticos aos itens pensados teoricamente como pertencentes aos fatores do questionário, o autor procedeu à exclusão de alguns itens que apresentaram baixa representatividade ao fator de origem. Além disso, o autor analisou a correlação entre diferentes fatores e chegou à conclusão de que, pela alta correlação, alguns não poderiam ser distintos, sugerindo uma agregação.
O texto quatro, "Fatores familiares e desempenho escolar: estudo baseado em modelos de regressão linear", utiliza o agrupamento dos itens apresentados no survey familiar desenvolvido no capítulo anterior para analisar, com base em modelos de regressão linear, a relação entre a proficiência dos alunos em português e os fatores familiares. A análise foi realizada utilizando modelos parciais, visando estimar o efeito isolado de cada um dos fatores para a constituição de um modelo final.
A contribuição do estudo é confirmar a importância de diversos fatores para o desenvolvimento do desempenho escolar; mais especificamente, a análise ratificou que, a despeito da amostra relativamente homogênea de classes médias baixas e populares, existem diferenciações internas marcantes.
O capítulo 5, "Fatores familiares e desempenho escolar: estudo baseado na Modelagem de Equações Estruturais (MEE)", difere do anterior não somente pela técnica de análise MEE, mas também por incorporar a proficiência em matemática e outros fatores, como sexo e raça. Em geral, são semelhantes os fatores que afetam a proficiência em matemática e português, havendo algumas diferenças. Primeiramente, o "capital informacional", ou seja, o conhecimento dos pais sobre o funcionamento do sistema escolar, afeta significantemente o desempenho em matemática, o que não acontece com português. Segundo os autores, isso ocorre porque a matemática depende mais de intervenção escolar que o aprendizado da língua materna. Outro achado é o maior impacto, na proficiência em português, das práticas de escrita em vez das práticas de leitura. As hipóteses são que as práticas de escrita possuem uma complexidade cognitiva maior que a leitura, e a escola é o lugar privilegiado de desenvolvimento da escrita. Quanto aos fatores raça e sexo, não houve diferenças significativas de desempenho vinculados a essas variáveis.
A segunda parte do livro, abordando pesquisas qualitativas, é introduzida pelo texto "As famílias da escola particular: entre o desejado e o possível". As famílias participantes não representam os usuários das escolas particulares de elite de Belo Horizonte, sendo parte da subamostra de menor quintil socioeconômico. Contrariando expectativas, a pesquisa revela que a qualidade do ensino não é o principal motivo para a escolha dessas escolas, mas sim fatores como segurança, público atendido e melhores condições disciplinares. As entrevistas também revelam uma visão negativa das escolas públicas, associadas a violência, indisciplina e ensino massificado, que os entrevistados procuram evitar.
As razões da escolha pela escola pública federal são escrutinadas no artigo "As famílias da escola federal: da sorte ao engajamento". No texto, as autoras examinam os motivos da opção pelo Centro Pedagógico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (CP) por famílias que evitaram a determinação estatal da matrícula em escolas próximas às suas residências, para tentar, por meio aleatório, a matrícula em uma escola prestigiada.
Os resultados mostram que a escolha do CP se deve por indicação de amigos e parentes que trabalham ou trabalharam na UFMG, pela localização em um lugar mais seguro de Belo Horizonte e pela aleatoriedade. Mais especificamente, a escolha é baseada na boa reputação da escola e na expectativa de uma trajetória virtuosa advinda da construção de um capital relacional e informacional baseada na localização em uma prestigiada universidade brasileira.
O último artigo do livro, "As famílias das escolas estaduais e municipais: condições objetivas e mobilização familiar", versa sobre escolas estaduais de Minas Gerais e de Belo Horizonte. A intenção dos autores foi elaborar uma perspectiva comparativa entre quatro subgrupos de famílias, a depender do destaque da escola na Prova Brasil e do desempenho dos filhos nos testes de proficiência: alunos de escolas destacadas com melhor desempenho, alunos de escolas destacadas com pior desempenho, alunos de escolas "comuns" com melhor desempenho e alunos de escolas "comuns" com pior desempenho. Com o estudo, os autores demonstram a correspondência entre as condições socioeconômicas das famílias e suas práticas, mas ressaltam que essas correspondências certamente devem ser matizadas para haver uma complexificação das suas ações educativas.
Em geral, é possível afirmar que as contribuições trazidas pelo livro respondem de forma precisa e múltipla à questão: "Quais fatores influenciam o desempenho escolar dos alunos?". As respostas são marcadas pela amplitude e variedade tanto do escopo da amostra quanto do desenho da pesquisa e da forma de análise. Com base na resposta a questionários, os modelos analíticos possibilitaram identificar quantitativamente os fatores que determinam o desempenho escolar. Além disso, os dados foram refinados por meio de entrevistas que trouxeram as nuances do perfil parental e sua relação inequívoca com as práticas dos sujeitos, mas sem desconsiderar toda a complexidade e a diversidade da realidade social e educacional que se apresenta. Certamente a leitura da obra serve de inspiração para que novas pesquisas na área da relação família-escola compartilhem do esmero metodológico e da postura de entendimento plural do fenômeno, tão bem exemplificados nesta importante coletânea de artigos.
Declaração de disponibilidade de dados:
Não informado o uso de dados, não utilizou dados de pesquisa.
REFERÊNCIA
Editado por
-
Editor/a responsável:
Andressa Santos Rebelo https://orcid.org/0000-0003-1873-5622
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
04 Ago 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
-
Recebido
16 Abr 2024 -
Revisado
16 Out 2024 -
Aceito
14 Nov 2024
