Acessibilidade / Reportar erro

“Que tipo de aluno é esse?”: psicologia, pedagogia e formação de professores

“¿QUÉ TIPO DE ALUMNO ES ESE?”: PSICOLOGÍA, PEDAGOGÍA Y FORMACIÓN DE PROFESORES

RESUMO

O texto analisa a presença das explicações acerca das diferenças individuais e de personalidade em livros de psicologia educacional utilizados para a formação de professores entre as décadas de 1920 e 1960 no Brasil. Trata-se de estudo que permite mostrar como tais explicações agregam e privilegiam saberes e perspectivas filosóficas, biológicas, psicanalíticas ou religiosas, em momentos diversos. Destacam-se também as características das recomendações dirigidas aos professores e a constituição de prescrições relativas aos processos de ensino. Os vínculos entre a psicologia e a pedagogia ao longo do período estudado podem ser observados nos discursos dessas obras, nas quais o caráter dedutivo das consequências educativas baseado nos conhecimentos sobre o desenvolvimento humano ganha caráter progressivo.

PALAVRAS-CHAVE
manuais de ensino; psicologia educacional; diferenças individuais; formação de professores

RESUMEN

El texto analiza la presencia de explicaciones acerca de las diferencias in - dividuales y de personalidad en libros de psicología educacional utilizados para la formación de profesores entre las décadas de 1920 y 1960 en Brasil. Se trata de un estudio que permite mostrar cómo esas explicaciones agregan y privilegian saberes y perspectivas filosóficas, biológicas, psicoanalíticas o religiosas, en diferentes momentos. Se destacan también las características de las recomendaciones dirigidas a los profesores y la constitución de prescripciones relativas a los procesos de enseñanza. Los vínculos entre la psicología y la pedagogía a lo largo del período estudiado pueden ser observados en los discursos de esas obras, en las cuales el carácter deduc - tivo de las consecuencias educativas a partir de los conocimientos sobre el desenvolvimiento humano adquiere un carácter progresivo.

PALABRAS CLAVE
manuales de enseñanza; psicología educacional; diferencias individuales; formación de profesores

ABSTRACT

The paper analyzes the explanations about individual differences and personality in educational psychology books used for training teachers in Brazil, between 1920 and 1960. This is a study that shows how such explanations aggregate and prioritize knowledge and philosophical, biological, psychoanalytical or religious perspectives in different situations. Also noteworthy are the characteristics of recommendations to teachers and the establishment of requirements for the teaching processes. The links between psychology and pedagogy throughout the study period can be seen in the discourse of those publications, in which the deductive character of the educational consequences of the knowledge of human development gains a progressive character.

KEYWORDS
textbooks; educational psychology; individual differences; teacher training

A nova maneira de propor a questão se resume simplesmente nisso: estudemos a matéria-prima antes do ajustamento das máquinas que a devam trabalhar.

Lourenço Filho, 1954Lourenço Filho, M. B. Testes ABC: para a verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita. 5. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1954., p. 15 [referindo-se à questão das diferenças individuais de aproveitamento escolar]

O ofício de instruir é então a gestão permanente de grupos heterogêneos, desses grupos nos quais é preciso tornar suportável o escândalo recorrente de uma injustiça: porque alguns sabem fazer em alguns minutos e quase sem esforço o que outros só conseguem dominar à custa de um trabalho interminável. Não é espantoso que essa questão tenha se tornado tão urgente em uma sociedade na qual a rentabilidade da escola é espontaneamente pensada sobre o modelo industrial, mesmo se há concordância de que os alunos não são exatamente matérias-primas a serem transformadas e com relação aos quais se poderia comparar bem precisamente o valor acrescentado pela escolarização com os custos da produção.

Chartier, 1990Chartier, A. M. En quoi instruire est un métier. In: Cornu, L. Le métier d'instruire: pédagogie et philosophie. Centre Regional de Documentation Pédagogique de Poitou-Charentes: Paris, 15-16 maio 1990, p. 21-38. (Colloque de La Rochelle), p. 35-36

INTRODUÇÃO: SABERES DOS PROFESSORES PARA GOVERNO DOS ALUNOS

Os mestres em formação costumam perguntar: como se pode atender às necessidades de cada criança quando se é responsável pela classe inteira, e, às vezes, por várias classes de uma escola? Como levar em conta as diferenças de interesses e ritmos de aprendizagem dos estudantes diante da heterogeneidade dos indivíduos que compõem uma classe? Essas questões sobre como lidar com a diversidade em sala de aula não são novas, mas retomam o tema das diferenças individuais e relacionam-se com a maneira como, historicamente, constituíram-se a pedagogia e a psicologia. Considerando as contribuições de diversas análises já realizadas sobre o percurso histórico dessas disciplinas no Brasil, propusemo-nos a entender como as explicações sobre as diferenças de personalidade compareceram em livros destinados à formação docente no Brasil entre as décadas de 1920 e 1960.

A segunda metade do século XIX foi caracterizada pela confiança dos intelectuais brasileiros na possibilidade de promover o aperfeiçoamento dos indivíduos e da sociedade por meio da educação escolar. Segundo Gondra (2004)Gondra, J. G. Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004., diversas teses produzidas ainda no período Imperial na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro sobre o tema da educação defendiam a reforma higiênica dos colégios, mediante a instituição de um modelo pedagógico adequado ao desenvolvimento das dimensões física, intelectual, moral e social do homem. Para tanto, exigia-se a adaptação das rotinas e exigências escolares às possibilidades das crianças de cada sexo e de cada idade. Além disso, considerava-se imperioso que ciência, religião e civilização caminhassem juntas na educação das novas gerações.

A partir da segunda metade do século XIX, assiste-se à intensificação do processo mundial de difusão da escola pública, obrigatória e gratuita para toda a população. No Brasil, esse movimento ocorreu na passagem do século XIX para o século XX e coincidiu com a instituição da Primeira República, que estabeleceu uma ruptura com a Igreja e pretendeu fundar uma nova identidade para os cidadãos, adequada a uma visão laica do homem e da sociedade. A formulação de um novo projeto de nacionalidade foi influenciada, nesse período, pela introdução em solo brasileiro de teorias raciais que procuravam explicar as diferenças entre os homens. Segundo Schwarcz (1993)Schwarcz, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993., essas teorias contrapunham-se ao humanismo de Rousseau, para quem a liberdade e a perfectibilidade eram atributos de toda a humanidade.

A partir do século XIX, observou-se a emergência de modos de pensar que rejeitavam a concepção unitária da humanidade, própria do Iluminismo, erigindo o conceito de raça como central na explicação das diferenças entre os grupos humanos. Desenvolveram-se então duas perspectivas distintas empenhadas em explicar a origem da humanidade: o monogenismo e o poligenismo. De acordo com a versão monogenista, os diferentes grupos humanos tinham uma origem comum, e as distinções entre eles eram devidas ao grau de aperfeiçoamento ou degeneração observável em cada caso. Para a visão poligenista, ao contrário, os grupos humanos haviam sido criados a partir de ramos distintos, correspondentes às diferenças raciais. A segunda vertente favoreceu a explicação dos comportamentos e capacidades humanas como sendo resultantes de leis biológicas imutáveis, assim como a associação entre o aspecto exterior dos indivíduos e seus atributos psicológicos e morais.

Estabeleceu-se, dessa forma, uma visão determinista da humanidade, que rejeitava os princípios da igualdade entre os homens e do livre-arbítrio. A controvérsia entre monogenistas e poligenistas foi atenuada a partir da divulgação de A origem das espécies, de Darwin, publicada em 1859. A teoria expressa nesse livro foi acolhida pelas duas tendências opostas. Satisfez os monogenistas ao afirmar a origem comum da humanidade e foi aceita também pelos poligenistas, que admitiram a ideia de uma origem única em um passado remoto, ressaltando, contudo, o distanciamento progressivo entre os grupos humanos, que justificava as diferenças irremediáveis de heranças e aptidões (Schwarcz, 1993Schwarcz, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993.). A aproximação entre a perspectiva poligenista e a teoria evolucionista favoreceu o surgimento do "darwinismo social", doutrina avessa à miscigenação:

Denominada "darwinismo social" ou "teoria das raças", essa nova perspectiva via de forma pessimista a miscigenação, já que acreditava que "não se transmitiriam caracteres adquiridos", nem mesmo por meio de um processo de evolução social. Ou seja, as raças constituiriam fenômenos finais, resultados imutáveis, sendo todo cruzamento, por princípio, entendido como erro. As decorrências lógicas desse tipo de postulado eram duas: enaltecer a existência de "tipos puros" – e portanto não sujeitos a processos de miscigenação – e compreender a mestiçagem como sinônimo de degeneração não só racial como social. (idem, p. 58)

Entre os idealizadores da nova nacionalidade brasileira encontrava-se um grupo de intelectuais brasileiros adeptos da controversa eugenia, que, segundo Schwarcz, "se converteu em uma espécie de prática avançada do darwinismo social", dedicada a promover o melhoramento biológico da espécie humana (idem, p. 60). Convictos da superioridade da raça branca sobre as raças negra, amarela e indígena, os eugenistas atribuíam o atraso do país à miscigenação racial e defendiam a imposição de restrições legais à procriação de alcoólatras, alienados e portadores de outras taras e vícios. A introdução dos sistemas públicos de ensino coincidiu, portanto, com a difusão em nosso país de teorias que atribuíam à hereditariedade e à raça as capacidades individuais e, assim, um papel limitado à educação na transformação do comportamento humano.

Deve-se ter isso em mente ao se buscar compreender como, nas primeiras décadas do século XX, se procurou explicar e administrar as diferenças individuais entre as crianças que frequentavam as escolas. É preciso considerar, ainda, que, no Brasil, a transição para o Estado republicano laico não se fez sem conflitos. A criação, em 1921, da revista A Ordem, por iniciativa de Jackson Figueiredo, é emblemática da resistência oposta pelos intelectuais católicos ao novo regime. A educação era um tema privilegiado pelo periódico e, nos artigos da área, defendia-se que o ensino não podia ser reduzido a um processo técnico cientificamente embasado, mas exigia uma reflexão filosófica, cultural e ética sobre suas finalidades (Massimi, 2004Massimi, M. A abordagem aristotélica-tomista na psicologia brasileira do século XX: a continuidade de uma tradição. In: ______. (Org). História da psicologia no Brasil do século XX. São Paulo: EPU, 2004. p. 15-34.).

Na última década do século XIX, a escola republicana tomou forma nos grupos escolares, que, organizados para permitir o ensino simultâneo, impuseram como condição de funcionamento a homogeneização das classes, por meio da divisão dos educandos em grupos da mesma idade e com o mesmo nível de conhecimento. Uma vez que as classes passaram a ser compostas por crianças da mesma faixa etária, sobressaíam as diferenças individuais entre elas. Diante disso, os especialistas entenderam que não bastava ampliar o acesso ao ensino primário para toda a população escolar. Era preciso criar a "escola sob medida", segundo a expressão de Claparède, autor cujas obras foram muito divulgadas no Brasil nas primeiras décadas do século XX. Para esse teórico, era preciso identificar as aptidões naturais dos educandos, com vistas a oferecer a cada um o ensino mais condizente com suas possibilidades e inclinações.

A questão de saber como os professores apropriavam-se das explicações da psicologia, classificavam seus alunos em tipos e escolhiam como tratá-los e ensiná-los é, decerto, um importante aspecto que se deve desenvolver. Sem dúvida, com relação aos períodos mais recuados, torna-se difícil recuperar informações e depoimentos. Porém, esse elo da compreensão sobre os efeitos da preparação profissional pode enriquecer em muito os processos de produção dos conteúdos para a formação docente. Ao se tentar compreender como, em momentos diversos, buscou-se auxiliar os mestres em sua tarefa de ensinar acolhendo e respeitando as diferenças individuais, recorre-se ao exame de manuais de psicologia educacional para a formação docente publicados no Brasil entre as décadas de 1920 e 1960. Busca-se elucidar as seguintes questões: como os autores definiam a personalidade? Como explicavam as diferenças de personalidade? A que autores e teorias psicológicas costumavam recorrer para explicar essas diferenças? Quais categorias de personalidade propunham para a classificação dos indivíduos? Pretende-se identificar, ainda, as orientações educacionais que os autores derivavam de seus saberes sobre as diferenças de personalidade.

Os manuais de psicologia educacional, cuja relação encontra-se ao final do texto, constituem as fontes nucleares neste estudo. Como materiais destinados à formação docente, esses livros buscavam atender aos programas e exigências oficiais. Além de divulgar uma versão legítima da psicologia para os educadores, estabeleciam seleções do conteúdo da disciplina de referência, privilegiando os aspectos da matéria considerados mais relevantes para a atuação dos futuros mestres. Os autores dos manuais pedagógicos ofereciam sua própria leitura da bibliografia produzida no campo científico, ajustada às suas representações sobre o trabalho docente, a escola e o aluno (Silva; Correia, 2004Silva, V. B.; Correia, A. C. L. Saberes em viagem nos manuais pedagógicos (Portugal-Brasil). Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação Carlos Chagas; Campinas: Autores Associados, v. 34, n. 123, p. 613-632, set./dez., 2004.). Por suas características de materiais destinados ao ensino, que tinham como finalidade explicar e sintetizar as ideias dos grandes teóricos, os manuais eram considerados obras "menores", pouco prestigiadas ou reconhecidas. Segundo Vivian Batista da Silva (2005, p. 24):

Poderíamos, então, destacar a hierarquia construída na literatura educacional dividindo os textos em dois níveis, um mais legítimo – ligado à produção de saberes teóricos – e outro mais relacionado às práticas docentes. Essa divisão estruturou os conteúdos dos manuais pedagógicos e foi reconhecida em afirmações como a de Rafael Grisi (1956), ele mesmo escritor de um manual, segundo as quais existiu uma "pedagogia dos céus", feita pelos teóricos, em academias e bibliotecas, e uma "pedagogia da terra", realizada pelos professores no dia a dia de suas atividades.

É justamente por se tratar de um tipo de literatura mais aproximada do cotidiano da formação docente que esses manuais devem ser valorizados como fonte para os estudos pedagógicos. Considerando a função dos manuais de psicologia educacional nos cursos de formação docente, seus autores procuravam demonstrar as aplicações dos conhecimentos da psicologia na vida escolar. Sendo assim, esses manuais constituem um recurso privilegiado para o conhecimento das explicações acerca das diferenças de personalidade e também das orientações práticas derivadas dessas explicações oferecidas pelos especialistas aos docentes.

Nos manuais de psicologia educacional, a preocupação com as diferenças entre os indivíduos aparecia em diversos capítulos. Os autores empenhavam-se em explicar as origens dessas diferenças, na maior parte dos casos atribuindo-as parcialmente à hereditariedade, parcialmente ao meio. Apresentavam os testes psicológicos como instrumentos de medida destinados a quantificar as diferenças de inteligência e aptidão. Discorriam sobre as diferenças psicológicas observadas entre os sexos, as idades e os indivíduos provenientes de diferentes regiões geográficas. Efetuavam distinções entre o desenvolvimento psicológico normal e anormal. Elaboravam considerações sobre as diferenças de personalidade, compreendida como a unidade resultante da composição entre todas as características orgânicas e psicológicas, o "eu" ou o "modo de ser" do indivíduo. Diante dos saberes apresentados, formulavam recomendações pedagógicas aos mestres em formação, procurando ajudá-los a administrar em sala de aula a diversidade.

No artigo "Os livros didáticos de psicologia educacional: pistas para análise da formação de professores(as) – 1920-1960", Maria Madalena Assunção (2007) analisou o conteúdo de livros didáticos de psicologia educacional, quatro dos quais coincidem com os que ora se examina. Avaliou diferentes edições dos títulos selecionados, agrupando-as por décadas. Segundo a autora, os manuais publicados nos anos 1920 identificavam como objetos da psicologia a consciência, o espírito e a imortalidade da alma.

Na década de 1930, os manuais tornaram-se mais numerosos, indicando a relevância que a disciplina passou a ter nos cursos de formação docente. Nesse período, a psicologia, que já vinha se distanciando "das ideias de essência e alma", orientou-se de modo mais forte para a perspectiva científica, aproximada da biologia (idem, p. 74). A principal novidade observada pela autora nos anos 1940 foi o surgimento do guia Noções de psicologia educacional, de Theobaldo Miranda Santos, que formula orientações práticas para a educação da criança e introduz conteúdos relativos ao adolescente. Em 1958 surge o livro Psicologia educacional, de Afro do Amaral Fontoura, cujo capítulo inicial é dedicado à apresentação da disciplina "psicologia educacional", e não mais "psicologia". Esse é também o primeiro manual que trata mais longamente do desenvolvimento infantil, destinando capítulos específicos a cada etapa da infância e à adolescência (idem, p. 75-76).

A análise detida dos discursos dos manuais sobre as diferenças individuais de personalidade concorre para que se entendam as formas pelas quais os conhecimentos psicológicos são organizados nesses livros e como refletem a apropriação de teorias diversas. Também pelo recurso a esses materiais pode-se observar como são entendidas as manifestações das diferenças individuais nas instituições escolares. Daí vale a pena analisar as explicações e recomendações acerca das diferenças entre os alunos e os mecanismos de classificação (as tipologias inclusive) e as intervenções práticas que daí podem decorrer.

PSICOLOGIA, EDUCAÇÃO E ESTUDO DAS DIFERENÇAS INDIVIDUAIS

É o estudo das diferenças individuais que nos indica hoje o não ser possível adotar um mesmo processo de ensino para todos os indivíduos de uma mesma classe, de vez que o ritmo mental de cada um é diferente. O ensino deverá respeitar as possibilidades de cada um, no máximo possível. (Penteado Junior, 1949Penteado Junior, O. A. Compêndio de psicologia: problemas de psicologia educacional para o uso das escolas normais. 2. ed. São Paulo: Edição do autor, 1949., p. 177-178)

Durante a Primeira República, a psicologia escolar praticada no Brasil voltava-se prioritariamente para a aplicação, no domínio médico e escolar, dos procedimentos e teorias psicológicas produzidas nos Estados Unidos e na França. Na América do Norte, a psicologia escolar avançou com a criação de publicações e instituições dedicadas ao desenvolvimento de pesquisas na área da psicologia experimental e psicometria (Barbosa; Marinho-Araújo, 2010Barbosa, R. M.; Marinho-Araújo, C. M. Psicologia escolar no Brasil: considerações e reflexões históricas. Estudos de Psicologia, Campinas: PUC, v. 27, n. 3, p. 393-402, jul./set. 2010., p. 394). Na França, no ano de 1904, o Ministério da Educação Pública solicitou a Alfred Binet que desenvolvesse um recurso para a identificação das crianças que teriam dificuldades em acompanhar o ensino regular e que exigiriam ensino especializado para não fracassar. Para atender a essa demanda, Binet organizou uma série de provas que, supostamente, não pressupunham aprendizagem escolar, como a leitura, mas que consistiam em tarefas da vida cotidiana que exigiam capacidades variadas, tais como ordenar, compreender, inventar e criticar. O objetivo não era avaliar uma capacidade específica, mas descobrir o potencial global da criança para a aprendizagem. Desse modo, surgiram os testes de inteligência, que se difundiriam mundialmente nas décadas seguintes (Gould, 2003Gould, S. J. A falsa medida do homem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.) e seriam amplamente divulgados no Brasil como instrumento privilegiado para a identificação do nível de inteligência dos escolares.

Além da classificação da inteligência dos alunos, a psicologia que se desenvolveu nas primeiras décadas do século XX interessou-se pela identificação das aptidões especiais das crianças. Na obra A escola sob medida, publicada pela primeira vez em 1921, o influente psicólogo suíço Édouard Claparède defendia que a escola deveria agir no sentido de reforçar as diferenças entre os alunos, em vez de procurar compensá-las. Definia aptidão como "uma disposição natural a comportar-se de certa maneira, a compreender ou sentir de preferência certas coisas ou a executar certas espécies de trabalho (aptidão para a música, para o cálculo, para as línguas estrangeiras etc.)" (Claparède, 1959Claparède, E. A escola sob medida. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1959., p. 140-141). Para ele, os professores deveriam procurar estimular nos estudantes o aperfeiçoamento das habilidades que eles naturalmente já revelavam. No seu entender, não valia a pena procurar incentivar as crianças a realizar atividades para as quais elas não demonstravam aptidão. Dizia ele:

Na corrida de obstáculos que constitui um ano escolar, empurrados, atropelados, fartos, nossos filhos, por uma espécie de apreensão, bem natural, dirigem todas as suas preocupações, senão todas as suas energias, aos ramos de estudo para os quais não sentem disposição particular. Gastam-se no trabalho ingrato de cultivar o solo estéril e de deixar inculto justamente aquele que prometia uma bela colheita. (idem, p. 147-148)

Essa compreensão dos fatos levou o autor a recomendar que os educadores aprendessem a identificar os talentos inatos dos alunos para favorecer seu desenvolvimento. Sendo assim, a "escola sob medida" de Claparède contribuía para reforçar as diferenças tidas como naturais entre os indivíduos. No texto "A ideologia das aptidões naturais", Noëlle Bisseret lembra que o esforço empreendido por Claparède para definir cientificamente o conceito de aptidão realizou-se com o objetivo de atender à necessidade prática de efetuar a seleção escolar e profissional dos estudantes. Tratava-se, também para esse pensador, de fazer render o máximo possível as aptidões naturais dos indivíduos em benefício da sociedade. No entanto, como demonstra Bisseret em seu trabalho, os especialistas encarregados de investigar as aptidões naturais nos estudantes tendiam a valorizar aqueles que possuíam atributos semelhantes aos seus e a desqualificar as características percebidas nos outros, considerados menos aptos: "Dessa forma, a hierarquia das aptidões se constitui à imagem da hierarquia social: a inteligência geral (fator G) é o apanágio dos dirigentes; capacidades específicas e limitadas caracterizam os que executam" (Bisseret, 1979Bisseret, N. A ideologia das aptidões naturais. In: Durand, J. C. G. (Org.). Educação e hegemonia de classe: as funções ideológicas da escola. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p. 31-67., p. 50).

Um estudo das transformações históricas vividas pela psicologia no Brasil, empreendido por Regina Campos e outros (2004), propõe sua divisão em cinco períodos: o primeiro, do início do século XX até o início a década de 1930, é designado como "fase heroica", quando, de acordo com Lourenço Filho, um grupo restrito de estudiosos pioneiros dedicou-se a divulgar no país as teorias psicológicas e a explorar suas possibilidades no âmbito de instituições de saúde mental e educação. Já nesse período, diversos trabalhos sobre o emprego dos testes psicológicos para a identificação das aptidões naturais foram publicados no Brasil, na forma de livros e artigos em revistas pedagógicas. Nesses textos, os testes eram apresentados como um recurso inovador, por meio do qual se esperava poder identificar a ocupação mais indicada para cada indivíduo, aquela que lhe permitiria oferecer a melhor contribuição possível para a sociedade e, simultaneamente, lhe proporcionaria a máxima satisfação pessoal, na medida em que corresponderia exatamente às suas inclinações (Margotto, 2004Margotto, L. R. Psicologia, educação e exclusão: algumas justificativas para o uso dos testes de aptidão na década de 1920. Interações, Campo Grande: Universidade Católica Dom Bosco, ano IX, n. 18, p. 153-175, 2004.).

No segundo período, de 1930 a 1940, os especialistas empenharam-se em promover a aplicação dos conhecimentos psicológicos à realidade brasileira, atuando em instituições voltadas à promoção da saúde mental e ao ensino. Buscavam, sobretudo, promover o ajustamento dos indivíduos à escola e ao trabalho. O período seguinte, que se estende até 1960, define-se pelo início da formação universitária em psicologia, e sua característica marcante é o desenvolvimento mais expressivo de pesquisas científicas na área, grande parte das quais incidia sobre as relações entre cognição e cultura no interior da cultura brasileira. No período entre 1960 e 1990, os interesses voltam-se para a exploração da hipótese da carência cultural e seu potencial explicativo para o fracasso escolar e a doença mental. O último período, iniciado em 1990 e ainda vigente, é marcado pela influência das teorias genético-funcionais, a partir das obras de Piaget e Vygotsky, além de caracterizar-se pela expansão dos cursos de pós-graduação em psicologia (Campos et al., 2004Campos, R. H. F. et al. Funcionalismo no Brasil: Pioneiros. In: Massimi, M. (Org.). História da psicologia no Brasil do século XX. São Paulo: EPU, 2004. p. 155-198., p. 157-158).

Embora os autores caracterizem a primeira fase como um período dedicado principalmente à divulgação de conhecimentos produzidos pela psicologia experimental no exterior, surgiram, já naquela época, os primeiros laboratórios de psicologia experimental em nosso país. No Brasil, o primeiro laboratório de psicologia experimental foi instalado no Pedagogium, em 1906, por iniciativa de Medeiros e Albuquerque, então diretor da instrução pública do Rio de Janeiro, e Manuel Bomfim, pioneiro na difusão em solo brasileiro da psicologia experimental desenvolvida na França, por Binet, e na Suíça, por Claparède (idem, p. 162-163). No ano de 1914, foi criado em São Paulo o primeiro laboratório de psicologia experimental para estudo dos escolares, instalado na Escola Normal Caetano de Campos. Fausto Ramalho Tavares (1995), em pesquisa sobre os principais eventos que marcaram as relações entre o conhecimento psicológico e a cultura escolar paulista no primeiro período republicano, descreve a inauguração do primeiro laboratório. A iniciativa de criar o gabinete, bem como de instituir uma cadeira de psicologia aplicada à educação, representava o esforço dos educadores da época em promover o desenvolvimento científico da pedagogia. As investigações, medições e testes realizados nesse laboratório estavam voltados para a descoberta das características infantis e pelo estudo das diferenças individuais. Tavares descreve o modo como era produzida por professores e psicólogos a biografia escolar do estudante desde o ano de 1914, quando o modelo da "Carteira Biográfica Escolar" foi apresentado como anexo à brochura O laboratório de pedagogia experimental, publicada na oportunidade do curso ministrado em São Paulo pelo mestre convidado Ugo Pizzoli, diretor da Escola Normal e catedrático da Universidade de Modena. Marta Carvalho (1997, p. 273), em artigo sobre a disciplina e a higiene escolar, retoma o evento e descreve a organização do registro proposto por Pizzoli. Tratava-se de uma carteira que reunia fotografias anuais do aluno e dados históricos sobre suas características antropológicas e fisiopsicológicas.

A psicologia era, então, a área de conhecimento que adquiria maior destaque entre os saberes que produziam conhecimentos sobre a criança. De acordo com Oscar Thompson, diretor da Escola Normal de São Paulo na época em que se criou o gabinete, a psicologia era a disciplina que deveria orientar a reformulação metodológica do ensino, favorecendo sua adaptação às características dos alunos. Tratava- -se, ainda, da ciência capaz de desvendar o desenvolvimento infantil em cada fase, permitindo distinguir a normalidade da anormalidade (idem). Muitos dos autores estrangeiros e brasileiros que tiveram seus textos publicados na forma de livros e artigos destinados aos professores nessa época e nas décadas seguintes expressariam o mesmo ponto de vista.

Por sua vez, a escola primária era vista como um espaço privilegiado para o desenvolvimento da psicologia, pois, reunindo uma grande quantidade de indivíduos da mesma faixa etária, servia de laboratório. Além disso, acreditava-se, na escola era possível observar as primeiras manifestações da personalidade infantil, as aptidões em um estado mais puro, mais próximo da natureza. Sendo assim, pode-se dizer que a instituição da psicologia em nosso país esteve, desde o início, articulada às práticas e aos saberes pedagógicos e à investigação das diferenças individuais (Antunes, 2008). Uma análise acerca da transformação das crianças em alunos e da classificação desses alunos de acordo com a ciência psicológica pode ser encontrada no trabalho "O governo dos escolares: uma aproximação teórica às perspectivas de Michel Foucault" (Ó, 2001Ó, J. R. O governo dos escolares: uma aproximação teórica às perspectivas de Michel Foucault. Cadernos Prestige, Lisboa: Educa, n. 4, 2001. 44p.).

Aos primeiros laboratórios de psicologia experimental instalados em nosso país, seguiram-se outras iniciativas. Isaías Alves, na Bahia, dedicava-se desde os anos 1920 à adaptação da escala de inteligência de Binet e Simon para as crianças brasileiras. Em Recife, Ulisses Pernambucano criou, em 1925, o Instituto de Orientação e Seleção Profissional (ISOP) e a Escola para Anormais anexa à Escola Normal (Campos et al., 2004Campos, R. H. F. et al. Funcionalismo no Brasil: Pioneiros. In: Massimi, M. (Org.). História da psicologia no Brasil do século XX. São Paulo: EPU, 2004. p. 155-198., p. 169). Ressalte-se igualmente o trabalho desenvolvido por Helena Antipoff, psicóloga e educadora russa que se estabeleceu em Minas Gerais a partir de 1929, depois de ter estagiado no Laboratório de Psicologia da Universidade de Paris, entre 1909 e 1912, onde participou dos trabalhos de padronização dos testes de QI, e após ter atuado como assistente de Claparède em Genebra, onde realizou sua formação universitária como psicóloga. Na Sociedade Pestalozzi de Belo Horizonte, presidida por Antipoff, criou-se, em 1934, um consultório médico-pedagógico para o atendimento de crianças excepcionais e com problemas de adaptação à escola (Campos; Lourenço; Antonini, 2002______.; Lourenço, E.; Antonini, I. G. Helena Antipoff e a psicologia no Brasil. In: ______. (Org). Helena Antipoff: textos escolhidos. São Paulo: Casa do Psicólogo; Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2002. p. 13-31., p. 26).

Ao ocupar o cargo de diretor do Ensino em São Paulo, nos anos de 1930 e 1931, Lourenço Filho criou o Serviço de Psicologia Aplicada, organizado em quatro seções, de medidas mentais, medida do trabalho escolar, orientação profissional e estatística. Atribuiu a chefia do novo serviço a Noemi Silveira, que havia sido sua aluna na Escola Normal de São Paulo e realizado estágio na Universidade de Colúmbia, supervisionada por John Dewey (Monarcha, 2009; Campos et al., 2004Campos, R. H. F. et al. Funcionalismo no Brasil: Pioneiros. In: Massimi, M. (Org.). História da psicologia no Brasil do século XX. São Paulo: EPU, 2004. p. 155-198., p. 168). A esse serviço coube a função de aferir os testes de inteligência de Binet-Simon e Dearborn e aplicar os testes ABC, de Lourenço Filho, tendo em vista a identificação do grau de maturidade dos escolares para o aprendizado da leitura e da escrita. Os testes foram aplicados aos alunos do primeiro ano, a fim de promover a homogeneização das classes, dividindo-se os educandos em fortes, médios e fracos (Monarcha, 2009, p. 221; Lima, 2007Lima, A. L. G. O espectro da irregularidade ronda o aluno: um estudo da literatura pedagógica e da legislação sobre a "criança-problema". 2004. 236p. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004., p. 145-152).

No mesmo período, Arthur Ramos (1939), médico formado pela Faculdade de Medicina da Bahia, dedicou-se ao estudo da criança-problema no âmbito do Serviço de Higiene Mental da Seção de Ortofrenia e Higiene Mental do Instituto de Pesquisas Educacionais do Distrito Federal e publicou A criança problema: higiene mental na escola primária, um dos primeiros livros a apresentar resultados de um estudo empírico realizado no país sobre os problemas de aprendizagem (Patto, 1990Patto, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990., p. 80; Lima, 2004Lima, A. L. G. O espectro da irregularidade ronda o aluno: um estudo da literatura pedagógica e da legislação sobre a "criança-problema". 2004. 236p. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.).

De maneira crescente, a psicologia passou a ser requisitada pelos educadores para atender às queixas escolares relacionadas a dificuldades de aprendizagem e a problemas de comportamento. Estabeleceu-se, desde então, uma relação assimétrica entre psicólogos e educadores, uma vez que os docentes atribuíram autoridade aos especialistas do campo da psicologia para explicar as causas dos entraves escolares e orientar sua conduta na escola (Barbosa; Araújo-Marinho, 2010Barbosa, R. M.; Marinho-Araújo, C. M. Psicologia escolar no Brasil: considerações e reflexões históricas. Estudos de Psicologia, Campinas: PUC, v. 27, n. 3, p. 393-402, jul./set. 2010., p. 395).

EXPLICAÇÕES SOBRE AS DIFERENÇAS DE PERSONALIDADE E RECOMENDAÇÕES AOS PROFESSORES NOS MANUAIS DE PSICOLOGIA EDUCACIONAL

Pensamos que os enunciados sobre a personalidade presentes nos discursos dos manuais de psicologia educacional devem ser entendidos como formulações que obedecem a regras próprias de produção e distribuição. Quer isso dizer que obedecem a regras que impõem qualificações à posição do sujeito que enuncia e estabelecem limites sobre o que pode ser dito e em que condições.

Ao concentrarmos nossa atenção sobre os capítulos dos manuais dedicados ao estudo da "personalidade", constatamos que estes aparecem, geralmente, como os capítulos finais dos livros. A decisão de tratar por último desse tema justificava-se pela própria compreensão que se tinha de personalidade como integração de todos os elementos que constituíam os indivíduos, ou, segundo a definição de Morton Prince, citada por Fontoura (1966, p. 375, grifo do original)Fontoura, A. A. Psicologia educacional. Psicologia da aprendizagem; psicologia diferencial. 11. ed. Rio de Janeiro: Aurora, 1966. [2ª e 3ª partes]., como a "soma total de todas as disposições biológicas congênitas e tendências do indivíduo e todas as disposições adquiridas".

Apesar das variações, pode-se identificar uma estrutura típica da exposição didática nos manuais, que se caracteriza pelo movimento que vai da análise de cada um dos elementos que compõem a psicologia do indivíduo à síntese, representada pelo conceito de personalidade. Têm-se assim um primeiro capítulo dedicado a apresentar a psicologia como área de estudos, seguido de diversos capítulos que examinam fatores específicos da psicologia do escolar ou da criança, tais como a inteligência, a motivação, a percepção, a linguagem, o caráter etc., e, finalmente, um capítulo ou parte de capítulo dedicado ao tema da personalidade. Comparando- -se a extensão desse capítulo final nos diferentes manuais, observa-se uma grande variação, a qual acompanha a variação de número de páginas dos livros como um todo. Entre os manuais aqui considerados, aqueles que foram redigidos por Guerino Casassanta (1955), Theobaldo Miranda Santos (1955) e Afro do Amaral Fontoura (1966) apresentam textos mais extensos e com maior preocupação didática. Os capítulos desses manuais têm um número maior de subdivisões e oferecem quadros ou esquemas que sintetizam a matéria. Nesses compêndios há também uma quantidade maior de referências ao trabalho do professor. Nos trabalhos de Santos e Fontoura, a parte final de cada capítulo é dedicada à orientação pedagógica.

Observe-se que a delimitação apresentada por Foucault (2004, p. 121-122)Foucault, M. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. a propósito dos enunciados pode ser útil à compreensão de nossas questões:

Descrever um enunciado não significa isolar e caracterizar um segmento horizontal, mas definir as condições nas quais se realizou a função que deu a uma série de signos (não sendo esta forçosamente gramatical nem logicamente estruturada) uma existência, e uma existência específica. Esta a faz aparecer não como um simples traço, mas como relação com um domínio de objetos; não como resultado de uma ação ou de uma operação individual, mas como um jogo de posições possíveis para um sujeito; não como uma totalidade orgânica, autônoma, fechada em si e suscetível de – sozinha – formar sentido, mas como um elemento num campo de coexistência; não como um acontecimento passageiro ou um objeto inerte, mas como uma materialidade repetível.

Ao se concordar com o autor, uma das exigências para a adequada caracterização dos enunciados consiste na identificação das posições de sujeito assumidas pelos seus autores. Os manuais de psicologia examinados neste artigo foram escritos por integrantes prestigiados do magistério, que atuavam como docentes em escolas normais ou universidades nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco e Ceará. A leitura dos textos dos manuais indica que esses educadores eram principalmente leitores dos conhecimentos da psicologia produzidos por pesquisadores estrangeiros. Nos capítulos dos manuais dedicados ao estudo da personalidade, mais de cem autores são mencionados ao todo. Théodule Ribot, psicólogo francês que publicou um livro sobre as doenças da personalidade, é o autor mais citado, seguido por Ernst Kretschmer, professor de psiquiatria e neurologia do Instituto Neurológico de Marburgo, na Alemanha, e Carl Gustav Jung, psiquiatra suíço fundador da psicologia analítica.

Entre os brasileiros citados, encontram-se o educador escolanovista Anísio Teixeira; Henrique Geenen, docente de filosofia no Instituto de Ciências e Letras e autor do Compendio de psychologia (1925), aqui examinado; Franco da Rocha, médico e divulgador da psicanálise em São Paulo; e Júlio Porto-Carrero, importante divulgador da psicanálise no Rio de Janeiro. Apresentam-se, ainda, as ideias dos sacerdotes católicos padre Leonel Franca, fundador da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), e padre Bastos D'Avila, que criou na PUC- -Rio a Escola de Sociologia Política e Economia.

O compêndio da autoria de Sylvio Rabello (1943, p. VI), então docente de psicologia da Escola Normal de Pernambuco, explicita seu objetivo de reunir em um volume os conhecimentos dispersos da psicologia para uso dos educadores:

O autor da Psicologia da Infância teve em mira oferecer em língua portuguesa aqueles conhecimentos sobre a criança, dispersos pelas doutrinas, nos livros e nas revistas, sem um instante despreocupar-se de realizar obra brasileira, isto é, ajustada a nossa situação de cultura e tradição. [...] na Psicologia da Infância acham-se os resultados de estudo e de pesquisa feitos durante toda uma década.

Os manuais de psicologia educacional eram dedicados aos futuros mestres, alunas e alunos das Escolas Normais, institutos de educação e faculdades onde os autores lecionavam, incluindo diversas instituições católicas. Em alguns casos, sob o título, informava-se que o conteúdo do compêndio estava adequado aos programas oficiais. Os autores dos manuais de psicologia educacional examinados posicionavam- se como especialistas da área, como intermediários entre os psicologistas estrangeiros – de que eram leitores – e seus colegas de profissão e discípulos. Dito isso, cabe verificar que conhecimentos da psicologia sobre as diferenças de personalidade e que conselhos ofertavam aos professores em formação.

Foucault recomenda que as formações discursivas não sejam tomadas como unidades autônomas, fechadas, como se fossem o resultado do encontro entre o pensamento de um autor e um domínio da realidade. Entende que os discursos são elementos em um campo de coexistência que precisa ser considerado. A análise dos textos sobre a personalidade nos manuais de psicologia educacional permite perceber que seus enunciados associam-se a outros discursos, dentre os quais sobressaem o da religião católica, o da psicanálise, o da psicologia experimental e o da Escola Nova. A associação com o discurso religioso aparece na ideia de que "a personalidade é o atributo exclusivo do homem" (Casassanta, 1955Casassanta, G. Manual de psicologia educacional. 2. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 1955., p. 358) e na valorização de uma essência individual perene, independente das experiências vividas:

A referência católica expressa-se, ainda, na definição da personalidade como sendo constituída por dois elementos fundamentais: corpo e alma, e na ênfase sobre a liberdade de escolha dos seres humanos, dotados de razão e da capacidade de julgar e responsabilizar-se pelas suas ações. Observa-se, ainda, o tom religioso no modo pelo qual os autores católicos referem-se à missão do professor, que, por meio da educação e do amor, contribui para formar a personalidade do aluno: "Cumpre, portanto, colocar, na obra educativa, todo o coração e todo o amor. O amor sabe arquitetar meios de penetrar no coração da criança" (idem, p. 369).

O discurso da psicologia experimental foi mobilizado quando se tratava de descrever o empenho dos pesquisadores em construir instrumentos de medida capazes de captar os diversos elementos da personalidade: "Em geral, esses testes (muito complexos), que pretendem medir a personalidade no seu todo, recebem o nome de psicodiagnósticos, para diferençá-los dos testes que medem apenas um fenômeno mental isolado" (Fontoura, 1966Fontoura, A. A. Psicologia educacional. Psicologia da aprendizagem; psicologia diferencial. 11. ed. Rio de Janeiro: Aurora, 1966. [2ª e 3ª partes]., p. 405). Em alguns casos, os autores apresentam exemplos dos testes de personalidade existentes. Em Manual de psicologia educacional, Guerino Casassanta apresenta o psicodiagnóstico projetivo de Rorschach e o psicodiagnóstico miocinético de Mira y Lopez, entre outros testes.

Esperava-se dos estudos empreendidos por meio dos psicodiagnósticos uma melhor compreensão dos tipos de personalidade existentes, bem como a possibilidade de traçar o perfil individual de cada pessoa, tendo em vista identificar suas aptidões e promover, por meio da educação, o máximo desenvolvimento de seu potencial. Essa expectativa foi expressa, entre outros, pelo psicólogo francês Henri Piéron, em palestra proferida na Escola Normal de São Paulo e transcrita em psychologia e psychotechnica(1927, p. 67): "Há, evidentemente, necessidade de por a educação no desenvolvimento das aptidões próprias dos indivíduos, em vez de nivelá-los para a obtenção de um tipo médio ou medíocre, que nenhuma vantagem trará para a coletividade".

Os enunciados derivados do discurso psicanalítico falam da existência do inconsciente, valorizam as experiências e relações vividas na infância e explicam a dinâmica entre impulsos contraditórios experimentados pelo mesmo indivíduo, que se expressa por meio de sua personalidade. Rabello (1943)Rabello, S. Psicologia da infância. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1943. formulava uma tipologia das personalidades baseando-se nos conceitos psicanalíticos de introversão e extroversão. Recorria ainda à psicanálise para explicar certos traços do comportamento individual, tais como o negativismo, a hipocondria, a neurose etc., entendidos como resultados da repressão de desejos, que permaneciam irrealizados, gerando frustração.

Enquanto oferecia subsídios à produção de enunciados sobre a personalidade em diversos manuais, a psicanálise foi também às vezes ignorada ou mesmo explicitamente recusada. No Manual de psicologia educacional, Guerino Casassanta (1955, p. 13-14, grifo do original) escreve: "Freud assinalou a sua passagem na Terra, com a divulgação de um corpo de doutrina cruel, a qual, erigindo a libido em divindade absoluta, a ela atribui a explicação dos fatos da consciência humana".

Os autores dos manuais de psicologia educacional recorriam ao discurso da Escola Nova para expressar a ideia de que a principal finalidade da educação era fazer de cada criança uma pessoa capaz de oferecer sua melhor contribuição para a sociedade. Além disso, diversos enunciados defendiam o direito de todas as crianças à educação e o respeito às diferenças individuais na escola. Recomendava-se que os professores se dedicassem à identificação das diferenças entre seus alunos e procurassem, da melhor maneira possível, ajustar o ensino às necessidades individuais:

A Escola Nova veio reconhecer que cada estudante tem a sua personalidade, e que esta precisa ser respeitada. Não se pode castigar um menino porque ele tem menos capacidade para aprender Matemática do que os seus colegas. Seria o mesmo que castigar uma criança porque mede apenas 1 metro e trinta centímetros de altura, enquanto seus colegas da mesma idade medem 1 metro e 50 [...]. (Fontoura, 1966Fontoura, A. A. Psicologia educacional. Psicologia da aprendizagem; psicologia diferencial. 11. ed. Rio de Janeiro: Aurora, 1966. [2ª e 3ª partes]., p. 376)

Como a "personalidade" se definia e caracterizava nos discursos desses autores? Para responder a essa questão, procurou-se identificar de que modo os enunciados presentes nos manuais pretenderam fixar a personalidade como objeto, por meio de sua definição, de sua descrição e da investigação sobre suas origens no indivíduo. Buscou-se, ainda, acompanhar as tentativas de explicar as diferenças de personalidade e estabelecer sua tipologia.

Deve-se observar que os enunciados sobre a personalidade não são eventos singulares, frutos da descoberta ou da reflexão individual de seus autores, mas retomam e são retomados em outros textos, mobilizando enunciados proferidos em outras circunstâncias. As formulações sobre a personalidade presentes nos diferentes manuais examinados muitas vezes se repetem ou reproduzem textos científicos da psicologia em que se baseiam seus autores. Como exemplo do que se está afirmando, apresentam-se os seguintes trechos, que definem a personalidade como núcleo do indivíduo ou, simplesmente, como o "eu":

Temos em nós mesmos um centro em torno do qual se agrupam todos os fenômenos que nos dizem respeito: é o eu, é a nossa personalidade. (Mendes, 1943Mendes, J. Psicologia educacional: conforme o programa das Escolas Normais de 1º e 2º Graus. Juiz de Fora: Editora Lar Católico, 1943., p. 230, grifo do original)

A personalidade constitui a síntese integral da atividade psíquica do homem. Representa o conjunto das tendências, disposições e caracteres, fisiológicos e psicológicos, inatos e adquiridos, formando uma unidade em torno do eu. (Santos, 1955Santos, T. M. Noções de psicologia educacional. 6. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955., p. 309, grifo do original)

Em contrapartida, a existência de definições distintas nos discursos indicam que a personalidade não era percebida da mesma maneira por todos os estudiosos, não aparecia como um objeto nítido e imóvel diante deles, oferecendo-se docilmente à descrição. Ao contrário, a personalidade parece ter sido o conceito empregado pelos especialistas para nomear justamente a complexidade resultante do encontro, em cada indivíduo, entre os elementos biológicos, os elementos derivados da experiência e, em alguns casos, o elemento transcendente, ou seja, algo que desafiava as tentativas de agrupamento, classificação e normalização.

De acordo com Henrique Geenen (1925, p. 225), professor de filosofia no Instituto de Ciências e Letras de São Paulo, "A personalidade individual é um vasto sistema que abraça todos os elementos psíquicos, psico-orgânicos, conscientes, semiconscientes e inconscientes: é a síntese de um grupo de sínteses". Para Geenen, o conceito referia-se também à sensação experimentada pelo indivíduo de ser um, de ser o mesmo no decorrer do tempo. Djacir Menezes (1933, p. 147), catedrático de psicologia da Escola Normal Pedro II, no Ceará, expressava a mesma compreensão, dizendo: "O Eu compreende toda nossa experiência individual, nossas recordações, o sentimento de nossa situação presente, de nossa identidade no tempo. Não se pode conceber separadamente memória e personalidade".

O conceito de personalidade referia-se, portanto, às percepções de unidade e de continuidade experimentadas pelos indivíduos. Conforme João de Sousa Ferraz (1957, p. 261), no livro Noções de psicologia educacional, "Wheeler define a personalidade como organização total das tendências reacionais do indivíduo. É uma espécie de padrão unitário que reflete o equilíbrio dos traços mentais ou a soma de caracteres psíquicos de cada um, particularizando-o".

Entre as muitas tentativas de delimitar a personalidade, vale destacar as empreendidas pelos autores de orientação católica. Para Justino Mendes, pseudônimo de Monsenhor José João Perna, responsável pela cadeira de psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Santo Tomaz de Aquino, em Uberaba, autor do livro Psicologia educacional (1943, p. 231), a personalidade consistia "no poder de conhecer- -se a si mesmo, de possuir-se e de governar-se". Theobaldo Miranda Santos (1955, p. 309), docente de filosofia na Faculdade de Santa Úrsula do Rio de Janeiro, autor de Noções de psicologia educacional, dizia que ter personalidade significava ser um "indivíduo dotado de razão e liberdade", distinto, por isso mesmo, de coisa, categoria na qual o autor incluía as pedras, as plantas e os animais. Mais do que apenas o núcleo da individualidade ou a resultante da composição entre tendências inatas e adquiridas, essas definições acrescentavam uma dimensão moral à personalidade.

Essa dimensão estava presente também em Nelson Cunha de Azevedo, professor-chefe na Escola Normal Santa Rita, em São Paulo, e Onofre de Arruda Penteado Junior (1949), docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, para quem a "manifestação da personalidade" chamava- -se caráter. Theobaldo Miranda Santos (1955) considerava o caráter como uma parte da personalidade, assim como a constituição física e o temperamento. Contudo, referia-se a uma concepção segundo a qual nem todos os indivíduos chegavam a desenvolver uma autêntica personalidade. De acordo com esse modo de pensar, a personalidade consistia em uma meta, em um resultado a ser alcançado a partir de um trabalho do indivíduo sobre si próprio:

Há quem distinga ainda pessoa e personalidade. A pessoa seria atributo de todo homem, enquanto a personalidade seria uma aquisição de certas pessoas ao alcançarem o ápice das prerrogativas espirituais do homem. A pessoa será, assim, um substratum metafísico, a personalidade uma realização moral; a primeira, um dom da natureza, a outra, uma conquista do esforço, lá um ponto de partida, aqui um ideal que nesta vida nunca se atinge em sua plenitude. (idem, p. 310)

Variavam as definições e também as explicações sobre as origens da personalidade no indivíduo e sobre as relações entre personalidade e caráter. Os autores atribuíam maior ou menor importância à biologia, ao ambiente e à vontade. Nelson Cunha de Azevedo privilegiava os fatores biológicos na determinação da personalidade. Escrevia: "Os fatores orgânicos têm papel capital no que respeita ao caráter. Tais fatores decorrem especialmente do sistema nervoso vegetativo e do equilíbrio endócrino" (Azevedo, 1936Azevedo, N. C. Psicologia educacional. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936., p. 247). João de Sousa Ferraz, psicólogo paulista, autor de diversos livros sobre a disciplina, atribuía um papel preponderante à biologia, embora admitisse a possibilidade de transformação das tendências inatas pelos meios natural e social (Ferraz, 1955Ferraz, J. S. Noções de psicologia educacional. São Paulo: Saraiva, 1957., p. 73). Afro do Amaral Fontoura (1966), professor da Universidade Católica do Rio de Janeiro, e Theobaldo Miranda Santos entendiam que a personalidade era a resultante da combinação entre todos os fatores biológicos e culturais que participavam na formação dos indivíduos. Para Santos (1955, p. 309)Santos, T. M. Noções de psicologia educacional. 6. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955., "Na organização da personalidade se congregam, numa estrutura global, fatores orgânicos, psíquicos, sociais e culturais". Fontoura (1966, p. 378)Fontoura, A. A. Psicologia educacional. Psicologia da aprendizagem; psicologia diferencial. 11. ed. Rio de Janeiro: Aurora, 1966. [2ª e 3ª partes]. explicava: "Podemos dizer que a personalidade é a estrutura resultante de todos os elementos da nature(natureza, conjunto dos fenômenos inatos no indivíduo) multiplicados por todos os elementos da nurture (alimentação, aprendizagens, educação, influências do meio e >dos grupos sociais)". Como esses elementos eram numerosos, a formação da personalidade era um problema complexo. Contudo, era possível sintetizá-lo em uma fórmula "com aparência de matemática": "Personalidade = Co x T x Ca x S x V x I". Nessa fórmula "Co" significava constituição; "T", temperamento; "Ca", caráter; "S", sentimentos; "V", vontade; e "I" inteligência (idem, p. 379). A participação da vontade ou "esforço pessoal", como um fator constituinte da personalidade, estava presente ainda nos textos de Justino Mendes (1943) e Theobaldo Miranda Santos (1955), representantes da vertente católica.

João de Sousa Ferraz e Sylvio Rabello recorriam à psicanálise para explicar a formação da personalidade. Em seu livro, João de Sousa Ferraz (1957), citando Freud, afirmava que a personalidade resultava da integração de três setores da atividade no espírito humano: consciente, pré-consciente e inconsciente. Sylvio Rabello, que lecionava psicologia na Escola Normal de Pernambuco, baseando-se em Adler, explicava que a manifestação da personalidade dependia do equilíbrio entre duas tendências opostas no indivíduo: o afã de domínio e o sentimento de comunidade. Afirmava, ainda, que havia diferenças "qualitativas" entre os sexos:

Esse sentimento de domínio ou de afirmação da própria personalidade é mais agressivo no sexo masculino – o que lhe permite até certo limite proteger-se a si mesmo. Daí surgir mais tardiamente nele o sentimento de comunidade. No sexo feminino, o sentimento de domínio não chega a manifestar-se de maneira tão acentuada que permita compensar a própria debilidade; e por isso recorre cedo ao sentimento de comunidade por uma necessidade de proteção que não é capaz de promover por si. Num é a agressividade o instrumento de defesa; noutro a defesa advém-lhe da comunidade. Dessa linha de vida adotada inicialmente decorre a diferenciação da fisionomia mental e das atitudes assumidas pelos sexos. (Rabello, 1943, p. 361)Rabello, S. Psicologia da infância. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1943.

Os autores apresentavam tipologias da personalidade ou do caráter recorrendo a Théodule Ribot; Alfred J. E. Fouillée, autor de trabalhos sobre o temperamento e o caráter; Gerardus Heymans, psicólogo holandês que desenvolveu estudos relacionando hereditariedade e caráter; Spranger ou Jung, de cujas obras eram leitores. Às vezes mostravam propostas distintas de classificação, sem manifestar preferências, como é o caso de Fontoura. Para ele, as variações eram numerosíssimas, de modo que as tipologias levavam em conta apenas traços dominantes da personalidade.

Sendo a personalidade, como é, um todo complexíssimo, em que existem centenas de fatores, elementos e traços formadores, evidentemente não se consegue estabelecer uma classificação de personalidades, porque a possibilidade de se combinarem todos esses fatores entre si dá em resultado milhões ou bilhões de personalidades diferentes. (Fontoura, 1966Fontoura, A. A. Psicologia educacional. Psicologia da aprendizagem; psicologia diferencial. 11. ed. Rio de Janeiro: Aurora, 1966. [2ª e 3ª partes]., p. 390)

Dependendo da maneira como se compreendia a personalidade e seu processo de formação, privilegiavam-se os aspectos biológicos ou sociais na determinação dos tipos de personalidade. Nas classificações de Ribot e Fouillée, as características psicológicas apareciam associadas a fatores físicos e suas múltiplas combinações, tais como a circulação dos fluidos no organismo (sangue, bile); a temperatura; a rigidez ou ao relaxamento muscular; a velocidade do metabolismo etc. A classificação de Spranger, em contraposição, baseava-se em "valores culturais", enquanto a tipologia de Jung privilegiava a inclinação do indivíduo para o isolamento (no mundo interior) ou para a expansão (em direção ao mundo exterior). Djacir Menezes (1933), Nelson Cunha de Azevedo (1936) e Onofre de Arruda Penteado Junior (1949) apresentavam – em parágrafos que praticamente se repetiam – a classificação de Ribot, que dividia os caracteres em três tipos: sensitivos, ativos e apáticos. Penteado Junior, além do modelo de Ribot, citava também a classificação de Fouillée:

Quanto aos tipos, diz ele: "O sanguíneo, (sensitivo, vivo e ligeiro) se caracteriza pelo predomínio da integração devida ao excesso de nutrição, com reação rápida, pouco intensa e pouco duradoura; o nervoso (sensitivo profundo e apaixonado) se caracteriza por um predomínio da integração devido às necessidades nutritivas, com reação mais lenta, intensa e duradoura; o bilioso (ou ativo ardoroso) se caracteriza por uma desintegração rápida e intensa; o fleumático (ou ativo frio) por uma desintegração lenta e menos intensa". (Penteado Junior, 1949Penteado Junior, O. A. Compêndio de psicologia: problemas de psicologia educacional para o uso das escolas normais. 2. ed. São Paulo: Edição do autor, 1949., p. 179)

Justino Mendes entendia, por sua vez, que havia duas tipologias a considerar. A primeira delas era a tipologia dos temperamentos – substrato físico da personalidade, constituída por categorias que coincidiam com as de Fouillée: sanguíneo, linfático ou fleumático, melancólico e colérico (Mendes, 1943Mendes, J. Psicologia educacional: conforme o programa das Escolas Normais de 1º e 2º Graus. Juiz de Fora: Editora Lar Católico, 1943., p. 232). A segunda era a tipologia relativa ao caráter, entendido como conjunto das "qualidades morais mais salientes que constituem a individualidade" (idem, p. 231). Os caracteres dividiam- -se em: afetivo, apático, intelectual, ativo, voluntarioso e temperado (idem, p. 232).

Theobaldo Miranda Santos e Afro do Amaral Fontoura apresentavam as categorias de Spranger, baseadas em seis valores culturais: a ciência, a arte, a economia, a sociedade, o Estado e a religião (Santos, 1955Santos, T. M. Noções de psicologia educacional. 6. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955., p. 324). Fontoura (1966, p. 391)Fontoura, A. A. Psicologia educacional. Psicologia da aprendizagem; psicologia diferencial. 11. ed. Rio de Janeiro: Aurora, 1966. [2ª e 3ª partes]. explicava que cada uma das seis estruturas estava presente em todo indivíduo, mas, em cada tipo, uma delas era predominante: "São, portanto, seis tipos de homem: 1. O homo theoreticus (teórico); 2. O homo oeconomicus (econômico); 3. O homo estheticus (estético); 4. O homo socialis (social); 5. O homo politicus (político); 6. O homo religiosus (religioso)". João de Souza Ferraz valia-se da tipologia de Jung, que dividia as personalidades em introvertidas, extrovertidas e ambivertidas (pessoas que oscilam entre a introversão e a extroversão). Sylvio Rabello (1943, p. 364), recorrendo também à psicanálise, formulava sua própria tipologia. Baseando-se em Freud, Adler e Jung, dividia os caracteres em: agressivos, curiosos, gregários e sexuais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: CLASSIFICAÇÕES PARA O CONTROLE , DIFERENÇAS E JUSTIÇA INTERNA DA VIDA ESCOLAR

O exame dos manuais de psicologia aqui considerados indica que a delimitação da personalidade variava bastante entre os autores no período considerado. Tratava-se de um objeto de contorno impreciso, que admitia uma quantidade variável de elementos, dependendo da perspectiva assumida pelo especialista. Do mesmo modo, havia diferentes maneiras de investigar e explicar sua formação, bem como várias formas de propor a classificação dos indivíduos de acordo com sua personalidade, algumas mais próximas da reflexão filosófica, outras mais fundamentadas na pesquisa experimental. Além da caracterização dos saberes sobre a personalidade e suas tipologias, procurou-se verificar quais as orientações educacionais formuladas pelos autores dos manuais para lidar com as diferenças em sala de aula. Dito de outro modo, como se procurou articular os saberes da psicologia sobre a personalidade ao poder exercido pelos professores sobre seus alunos. Nesse caso, recorre-se ao conceito foucaultiano de governamentalidade como subsídio para a análise.

Em Governing the present (2008), Peter Miller e Nikolas Rose propõem que a "governamentalidade" seja considerada não apenas como um conceito, mas como um campo de pesquisas, um modo específico de estudar questões relacionadas à transformação da conduta, à "ação sobre a ação" de outros ou de si mesmo (autogoverno), com vistas a atingir determinados objetivos.

Em primeiro lugar, sugerem, as pesquisas no campo da governamentalidade devem identificar um problema ou o modo como um determinado tipo de ação ou comportamento passa a ser, em um contexto específico, considerado problemático, passível de intervenção ou correção. Isso porque, da perspectiva do governo, não há muito sentido em formular um problema, a menos que se busquem simultaneamente meios de resolvê-lo (Miller; Rose, 2008, p. 15)Miller, P.; Rose, N. Introduction: governing economic and social life. In: Miller, P.; Rose, N. (Orgs.). Governing the present. Cambridge: Polity Press, 2008. p. 1-25.. Em segundo lugar, os estudos sobre a governamentalidade devem considerar dois aspectos estreitamente relacionados da arte de governar: trata-se das racionalidades e tecnologias, ou seja, de um lado, modos de formular e compreender os problemas, de outro, modos de intervir na realidade com o objetivo de solucioná-los. Entende-se que essa é uma perspectiva de análise fértil para a compreensão das questões aqui formuladas, que se referem ao seguinte problema de governo: como conseguir ensinar simultaneamente uma turma de estudantes, tendo em vista as diferenças de personalidade entre eles?

O primeiro aspecto a ser observado é que, diferentemente do que se pode constatar nos manuais de didática do mesmo período, nos manuais de psicologia educacional a parte prescritiva é muito reduzida em relação à parte explicativa, consistindo, às vezes, em apenas um ou dois parágrafos dos capítulos sobre a personalidade. Esse é o caso dos manuais de Nelson Cunha de Azevedo (1936), Sylvio Rabello (1943), Justino Mendes (1943), Onofre de Arruda Penteado Junior (1949) e João de Sousa Ferraz (1957). Esses autores sugeriam uma atitude, uma disposição de espírito diante das diferenças de personalidade, mas não chegavam a formular um conjunto de práticas a serem colocadas em prática nas escolas. Havia autores que recorriam aos princípios da Escola Nova e democrática para afirmar que as diferentes personalidades deveriam ser respeitadas e encontrar espaço para expressar-se na escola: "O respeito pela personalidade humana é a ideia mais profunda desta grande corrente moderna", dizia Azevedo (1936, p. 250)Azevedo, N. C. Psicologia educacional. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.. As recomendações de outros autores priorizavam o ajustamento dos educandos à sociedade e recomendavam todo cuidado por parte dos professores para prevenir os desajustamentos ou desvios. Noções de psicologia educacional encerrava a seguinte recomendação aos mestres, formulada a partir de uma leitura da psicanálise:

Aos educadores se impõe a difícil tarefa de, através das práticas de profilaxia mental, evitar que os escolares se deformem e se desajustem, e através da higienização das atitudes, encontrar compensações corretoras e atividades substitutivas desejáveis. (Ferraz, 1957Ferraz, J. S. Noções de psicologia educacional. São Paulo: Saraiva, 1957., p. 266)

Os compêndios que se dedicavam mais extensamente à orientação dos educadores eram os de Theobaldo Miranda Santos (1955) e Afro do Amaral Fontoura (1966), autores que escreveram também manuais de didática. Fontoura, recorrendo aos ideais da Escola Nova, defendia a instituição da promoção automática como a forma mais legítima de atender à diversidade nas escolas: "É mais lógico e mais justo: cada aluno aprende tudo o que puder, na escola, mas só o que puder. E não fica preso, repetindo o ano, como castigo pelo crime de ter nascido com menos inteligência que seus colegas" (Fontoura, 1966Fontoura, A. A. Psicologia educacional. Psicologia da aprendizagem; psicologia diferencial. 11. ed. Rio de Janeiro: Aurora, 1966. [2ª e 3ª partes]., p. 377). O autor expressava, ainda, a convicção de que cabia à religião uma parte importante da formação de personalidades solidárias, sugerindo assim os limites da contribuição da psicologia para a educação. Para ele, a formação moral do aluno era indissociável do ensino religioso (idem, p. 384). Theobaldo Miranda Santos pensava da mesma maneira e acreditava, ainda, que os estudos da psicologia dedicados a discernir tipos de personalidade indicavam ser possível e desejável o ajustamento dos métodos educativos às diferenças individuais entre as crianças. Em todo caso, o autor enunciava a proposta, mas não chegava a descrever um conjunto de práticas que permitisse sua concretização.

Examinando-se as relações entre os saberes sobre a personalidade e as recomendações formuladas pelos autores dos manuais dedicados a orientar os mestres sobre como lidar com as diferenças individuais em sala de aula, no período considerado, observa-se que a compreensão que se tinha da personalidade não ensejava a formulação de orientações objetivas para os educadores sobre como agir diante da diversidade de tipos humanos. Diante dessa unidade pouco precisa a que chamavam "personalidade", os especialistas viam-se confrontados com a moderna dificuldade de formular uma ciência positiva sobre os seres humanos. Como conhecê-los? Como conduzi-los? Se a personalidade ultrapassava as possibilidades do saber disponível, não se podiam deduzir as técnicas para governá-la. Mesmo assim, confiava-se na psicologia, em seus desenvolvimentos futuros, que produziriam os saberes necessários a uma prática pedagógica esclarecida e eficiente, enfim, adequada às características individuais dos estudantes. Estava-se a décadas da crítica à psicologização do ensino.

Atribuía-se aos educadores a missão de fazer "desabrochar" a personalidade dos indivíduos (Santos, 1955Santos, T. M. Noções de psicologia educacional. 6. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955., p. 336) trazendo à luz suas potencialidades inatas. Esperava- se, ainda, que as escolas tivessem um papel preventivo contra os desvios da personalidade. Em todo caso, tratava-se de contribuir para a melhor expressão possível das aptidões que as crianças já traziam para a escola, e não de formar ou transformar sua personalidade por meio da educação. Exceção digna de nota era o discurso de Guerino Casassanta (1955, p. 368), para quem a personalidade do aluno era resultado do sacrifício do mestre: "Rever-se o professor na personalidade que formou, com o suor do seu sangue, é já uma recompensa".

Muito do que hoje é recorrente nos debates sobre educação põe em cena a questão da justiça interna na vida escolar. Não se pode deixar de reconhecer que o ideal do que é justo no cotidiano da escola deve contemplar o respeito às diversidades de todo tipo: as eventuais diferenças no ritmo de aprendizado, que tanto preocuparam a psicologia, persistem como questão a ser enfrentada pelos professores em seu trabalho. Que hoje exista, talvez mais do que noutros tempos, uma profusão de classificações que, nas fronteiras da medicina, pedagogia e psicologia buscam dar conta das diferenças de comportamento que podem dificultar o aprendizado, não é fato que nos deixe em situação mais confortável do que estiveram os docentes aos quais já se ofereceram "tipologias" para o enquadramento de seus alunos, desde o início do século XX. O preço do conforto da classificação, atualmente, pode ser a medicação que, ao suprimir o comportamento "diferente", pode também engendrar outras manifestações e efeitos. Até quando poderemos sustentar que as vias do conhecimento, da classificação e do controle, tal como vêm se abrindo para as questões educacionais, devam continuar sendo trilhadas?

REFERÊNCIAS

  • Azevedo, N. C. Psicologia educacional São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1936.
  • Casassanta, G. Manual de psicologia educacional 2. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 1955.
  • Escola Normal de São Paulo. Psychologia e psychotechnica São Paulo: Tipografia Siqueira, 1927.
  • Ferraz, J. S. Noções de psicologia educacional São Paulo: Saraiva, 1957.
  • Fontoura, A. A. Psicologia educacional Psicologia da aprendizagem; psicologia diferencial. 11. ed. Rio de Janeiro: Aurora, 1966. [2ª e 3ª partes].
  • Geenen, H. Compendio de psychologia São Paulo: Monteiro Lobato, 1925.
  • Mendes, J. Psicologia educacional: conforme o programa das Escolas Normais de 1º e 2º Graus. Juiz de Fora: Editora Lar Católico, 1943.
  • Menezes, D. Psicologia. Porto Alegre: Globo, 1933.
  • Penteado Junior, O. A. Compêndio de psicologia: problemas de psicologia educacional para o uso das escolas normais. 2. ed. São Paulo: Edição do autor, 1949.
  • Rabello, S. Psicologia da infância São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1943.
  • Santos, T. M. Noções de psicologia educacional 6. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1955.
  • Assunção, M. M. S. Os livros didáticos de psicologia educacional: pistas para a análise da formação de professores(as) – 1920-1960. Temas em Psicologia, Ribeirão Preto: Sociedade Brasileira de Psicologia, v. 15, n. 1, p. 69-84, 2007.
  • Barbosa, R. M.; Marinho-Araújo, C. M. Psicologia escolar no Brasil: considerações e reflexões históricas. Estudos de Psicologia, Campinas: PUC, v. 27, n. 3, p. 393-402, jul./set. 2010.
  • Bisseret, N. A ideologia das aptidões naturais. In: Durand, J. C. G. (Org.). Educação e hegemonia de classe: as funções ideológicas da escola. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. p. 31-67.
  • Campos, R. H. F. et al Funcionalismo no Brasil: Pioneiros. In: Massimi, M. (Org.). História da psicologia no Brasil do século XX São Paulo: EPU, 2004. p. 155-198.
  • ______.; Lourenço, E.; Antonini, I. G. Helena Antipoff e a psicologia no Brasil. In: ______. (Org). Helena Antipoff: textos escolhidos. São Paulo: Casa do Psicólogo; Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2002. p. 13-31.
  • Carvalho, M. M. C. Quando a história da educação é a história da disciplina e da higienização das pessoas. In: Freitas, M. C. (Org.). História social da infância no Brasil. São Paulo: Cortez; USF, 1997. p. 269-287.
  • Chartier, A. M. En quoi instruire est un métier. In: Cornu, L. Le métier d'instruire: pédagogie et philosophie. Centre Regional de Documentation Pédagogique de Poitou-Charentes: Paris, 15-16 maio 1990, p. 21-38. (Colloque de La Rochelle)
  • Claparède, E. A escola sob medida. Rio de Janeiro: Editora Fundo de Cultura, 1959.
  • Foucault, M. A arqueologia do saber. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.
  • Gondra, J. G. Artes de civilizar: medicina, higiene e educação escolar na Corte Imperial. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2004.
  • Gould, S. J. A falsa medida do homem. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
  • Lima, A. L. G. O espectro da irregularidade ronda o aluno: um estudo da literatura pedagógica e da legislação sobre a "criança-problema". 2004. 236p. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2004.
  • ______. Testes ABC: proposta de governo para uma população problemática. Psicologia Escolar e Educacional, Campinas: Associação Brasileira de Pesquisa Escolar e Educacional, v. 11, n. 1, p. 145-152, jan./jun. 2007.
  • Lourenço Filho, M. B. Testes ABC: para a verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e da escrita. 5. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1954.
  • Margotto, L. R. Psicologia, educação e exclusão: algumas justificativas para o uso dos testes de aptidão na década de 1920. Interações, Campo Grande: Universidade Católica Dom Bosco, ano IX, n. 18, p. 153-175, 2004.
  • Massimi, M. A abordagem aristotélica-tomista na psicologia brasileira do século XX: a continuidade de uma tradição. In: ______. (Org). História da psicologia no Brasil do século XX. São Paulo: EPU, 2004. p. 15-34.
  • Miller, P.; Rose, N. Introduction: governing economic and social life. In: Miller, P.; Rose, N. (Orgs.). Governing the present. Cambridge: Polity Press, 2008. p. 1-25.
  • Monarcha, C. Brasil arcaico, Escola Nova: ciência, técnica e utopia nos anos 1920-1930. São Paulo: UNESP, 2009.
  • Ó, J. R. O governo dos escolares: uma aproximação teórica às perspectivas de Michel Foucault. Cadernos Prestige, Lisboa: Educa, n. 4, 2001. 44p.
  • Patto, M. H. S. A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia. São Paulo: T. A. Queiroz, 1990.
  • Ramos, A. A criança problema: a higiene mental na escola primária. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939.
  • Schwarcz, L. M. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil (1870-1930). São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
  • Silva, V. B.; Correia, A. C. L. Saberes em viagem nos manuais pedagógicos (Portugal-Brasil). Cadernos de Pesquisa, São Paulo: Fundação Carlos Chagas; Campinas: Autores Associados, v. 34, n. 123, p. 613-632, set./dez., 2004.
  • ______. Saberes em viagem nos manuais pedagógicos: construções da escola em Portugal e no Brasil (1870-1970). 2005. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
  • Tavares, F. A ordem e a medida: escola e psicologia em São Paulo (1890-1930). Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1995.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Set 2015

Histórico

  • Recebido
    Nov 2012
  • Aceito
    Jun 2014
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - Conjunto 206-208 Vila Isabel - 20560-120, Rio de Janeiro RJ - Brasil, Tel.: (21) 2576 1447, (21) 2265 5521, Fax: (21) 3879 5511 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbe@anped.org.br