Acessibilidade / Reportar erro

NOTAS DE LEITURA

Edil Vasconcellos de Paiva

Professora adjunta da Faculdade de Educação da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. E-mail: edilvp@terra.com.br

GATTI, Bernardete Angelina. A construção da pesquisa em educação no Brasil. Brasília: Editora Plano, 2002, 86p.

MOROZ, Melania e GIANFALDONI, Mônica Helena T.A. O processo de pesquisa: iniciação . Brasília: Editora Plano, 2002, 108p.

BARBIER, René. A pesquisa-ação. Brasília: Editora Plano, 2002, 157p.

SZYMANSKI, Heloisa (org.). A entrevista na pesquisa em educação; a prática reflexiva. Brasília: Editora Plano, 2002, 86p.

VIANNA, Heraldo Maecelim. Pesquisa em educação - a observação. Brasília: Editora Plano, 2003, 106p.

Meu interesse em conhecer os cinco primeiros livros da série Pesquisa em Educação, organizada por Bernardete Gatti para a Editora Plano, foi principalmente orientado para a minha atividade docente na disciplina nos cursos de graduação. Constatamos, em um trabalho de pesquisa sobre a bibliografia disponível em língua portuguesa para o professor de graduação, nas décadas de 1970/1990, que tem sido considerável a ampliação da produção bibliográfica brasileira sobre esse tema. Entretanto, constatamos também que o aumento de publicações sobre trabalhos monográficos ou de iniciação à pesquisa não vem se fazendo acompanhar de publicações sobre temas mais específicos relacionados ao processo de investigação. O fato de a série objetivar "oferecer uma visão da gama de opções em coleta de dados para a pesquisa em educação e dar uma contribuição ao desenvolvimento de procedimentos de pesquisa" (Gatti, 2002, p. 7) motivou o exame desses livros pela possibilidade de tomar conhecimento de bibliografia que viesse a enriquecer e ampliar aquela disponível para o professor de pesquisa em educação.

Com o livro A construção da pesquisa em educação do Brasil Bernardete Gatti oferece uma contribuição significativa na apresentação de um histórico da produção das investigações no campo da educação no país, suas implicações e as questões de método nas pesquisas desenvolvidas. A autora dá destaque a convergências teóricas e metodológicas nas várias fases desse processo, que tem início com a criação do INEP (1938) e vai até o início da implantação dos programas de pós-graduação ao final da década de 1970. Nessa trajetória destaca o papel da ANPEd na integração e no intercâmbio de pesquisadores e na disseminação da pesquisa em educação e questões a ela ligadas. Mostra que esse quadro institucional passou por mudanças substantivas com o grande desenvolvimento da pós-graduação strictu sensu, resultante de estímulos específicos à pesquisa, das avaliações periódicas e das exigências para as carreiras docentes universitárias. Para a apresentação desse histórico e organização dessa retrospectiva do desenvolvimento e da institucionalização da pesquisa em educação no país, eu necessitava consultar uma série de artigos de revistas, a maioria deles nos Cadernos de Pesquisa, da Fundação Carlos Chagas, alguns de autoria da própria Gatti, nem sempre de fácil acesso. Destaco essa parte do trabalho, sem deixar de relevar a discussão que apresenta sobre a pesquisa e, especificamente, a pesquisa em educação; os embates no encaminhamento das questões teórico-metodológicas entre os pesquisadores; as opções pelo uso de modelos quantitativos e qualitativos; as limitações em ambas as abordagens e o impacto da pesquisa em educação. A autora deixa claro que não há um modelo de pesquisa científica, como não há "o" método científico para o desenvolvimento da pesquisa" e que "o conhecimento científico se fez e se faz por meio de uma grande variedade de procedimentos e criatividade do pesquisador" (p. 14). Em educação "pesquisar significa trabalhar com algo relativo a seres humanos ou com eles em seu processo de vida" (p. 12). Retomando discussões relacionadas aos enfoques quantitativos e qualitativos na pesquisa em educação, a autora constata que as questões de método e de teoria ainda não foram suficientemente aprofundadas tanto na tradição lógico-empirista, como nas tradições críticas. As relações entre teorização, métodos e instrumentos deixam claro o papel do embate de idéias, perspectivas e teorias com a prática.

A análise que Gatti faz de artigos sobre pesquisa em educação publicados nos Cadernos de Pesquisa é um roteiro de estudo a quem estiver interessado em aprofundar seus conhecimentos sobre a pesquisa em educação e sobre questões ligadas a essa pesquisa.

O livro de Moroz e Gianfaldoni, O processo de pesquisa: iniciação, como o próprio título indica, apresenta esse processo, destacando as atividades que são - ou deveriam ser - desenvolvidas na elaboração do conhecimento científico. O conteúdo apresentado corresponde ao enunciado no subtítulo; trata-se de fato de um trabalho para o iniciante no conhecimento das etapas de investigação, no planejamento e na realização da coleta, análise e interpretação dos dados, na comunicação e no relato da investigação. O iniciante, desde o aluno de graduação que prepara sua monografia, também muito se beneficiará com as orientações relacionadas ao trabalho com a literatura especializada e sua revisão quando as autoras mostram como realizar levantamento e fichamento bibliográficos, fichas de leitura e elaboração de referências, aspectos tantas vezes descurados em trabalhos acadêmicos. As autoras apresentam um texto didático ilustrado em várias partes com exemplos que são examinados passo a passo levando à concretização de aspectos abordados especialmente quando tratam dos tipos de pesquisa e da análise de dados.

René Barbier se tornou conhecido dos pesquisadores brasileiros desde 1985 com a publicação pela Zahar de seu livro Pesquisa-ação na instituição educativa. Nesse terceiro livro da série: A pesquisa-ação, o autor mostra a pertinência de uma concepção mais radical de pesquisa-ação que expressa uma verdadeira transformação da maneira de conceber e de fazer pesquisa em ciências humanas. A pesquisa-ação, apesar de realizada em vários campos do conhecimento, ainda não é unanimidade entre pesquisadores na área de ciências humanas, daí a oportunidade do trabalho de Barbier como uma contribuição "que avança em relação às premissas dessa modalidade investigativa da realidade social tal como se apresentou na primeira metade do século passado (Gatti, in Barbier, 2000, p. 12).

O histórico da pesquisa-ação é apresentado em dois períodos, no primeiro, de emergência e consolidação entre os anos que precedem a Segunda Guerra Mundial até o anos de 1960, quando a pesquisa-ação foi disseminada no Japão, Inglaterra, Alemanha e França. O segundo período é marcado pelo desenvolvimento da pesquisa-ação com uma radicalização política e existencial no Canadá, na Inglaterra e na França a partir dos anos de 1970 até nossos dias. O autor descreve de modo aprofundado a nova pesquisa-ação e seu questionamento epistemológico e a partir de referências a uma gama de autores, com posições que se alinham ao seu pensamento, conclui que eles consideram a pesquisa-ação essencialmente política e participativa e deixam de lado as dimensões do vir a ser humano. São essas dimensões que, na concepção de Barbier, conduzem a uma " pesquisa-ação existencial, pessoal e comunitária, e até mesmo transpessoal no momento em que a pesquisa se torna mais interna, permanecendo contudo coletiva" (p. 61). A pesquisa-ação existencial, tendo o espírito de criação no seu cerne, é desenvolvida com rigor clínico, participação coletiva e com objetivos de "uma mudança de atitude do sujeito (indivíduo ou grupo) em relação à realidade que se impõe em última instância (princípio de realidade)" (p.71). A pesquisa-ação integral envolve as dimensões de contrato, participação, discurso e ação. "A ação, inicialmente individual, atinge uma coletividade ou um grupo caracterizado por suas qualidades comunitárias" (p. 79). A pesquisa-ação existencial integral faz uso da complexidade, da escuta sensível e da idéia de pesquisador coletivo.

O volume número quatro, A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva, foi organizado por Heloisa Szymanski que é também autora do primeiro capítulo: "Entrevista reflexiva: um olhar psicológico sobre a entrevista em pesquisa" e co-autora com Laurinda Ramalho de Almeida e Regina Célia Rego do segundo e último capítulo: "Perspectiva para a análise de entrevistas". O livro focaliza condições psicossociais presentes numa situação de interação face a face; relações de poder e de desigualdade na entrevista; a construção de significados na narrativa e outros elementos desse processo. Entrevistador e entrevistado são focalizados na apresentação dos vários momentos da entrevista em um texto entremeado de depoimentos e de falas, geradas em situações de investigação, permitindo ao leitor visualizar a dinâmica do desenvolvimento desse processo. Foi também a partir de experiências próprias que as autoras apresentaram propostas de análise de entrevistas delineadas em suas trajetórias como pesquisadoras. Esse texto, além dos conteúdos específicos para o professor de pesquisa em educação, poderá ser muito útil para o professor de prática de ensino e outras disciplinas dos cursos de formação de professores que buscam orientar trabalhos práticos envolvendo a realização de entrevista. Ele oferece subsídios tanto na discussão dos procedimentos das entrevistas como sobre as análises possíveis de seus resultados.

Heraldo Merelin Vianna, em Pesquisa em educação: a observação, aborda a metodologia da observação e a observação na escola. Esse trabalho vem preencher uma lacuna no campo da bibliografia da pesquisa em educação, pois não são numerosos os textos que tratam de modo específico da observação no campo educacional.

O autor focaliza várias dimensões da observação detendo-se na apresentação das observações estruturadas, totalmente estruturadas, que ocorrem em laboratório, e das observações semi-estruturadas, que têm lugar em contextos naturais. As fases do processo de observação são explicitadas destacando-se vários pontos a serem considerados na realização das observações e o cuidado a ser dispensado às notas de campo na preservação da seqüência de interações que ocorrem nas situações observadas. O autor chama a atenção para a problemática do observador e seu papel; enfoca questões do que observar e as vantagens e desvantagens da observação. As observações naturalística e participante foram objeto de maior aprofundamento. Tal contribuição torna-se significativa quando se considera a grande utilização das observações na pesquisa em educação e a ênfase que vem sendo dada ao desenvolvimento dos estudos qualitativos.

Vianna trata de modo esclarecedor da observação na escola em que o foco é colocado no contexto da sala de aula. Considera observações envolvendo a realização sistemática de medidas e um rigoroso controle das situações e abordagens desenvolvidas em um enfoque antropológico. Cabem aqui as observações em relação à utilização do texto nas atividades pedagógicas dos cursos de formação de professores em que as diretrizes curriculares colocam ênfase nos procedimentos de observação e reflexão para o aluno compreender e atuar em situações contextualizadas, tais como o registro de observações realizadas e a resolução de situações-problema características do cotidiano escolar.

Ao apresentar a série Pesquisa em educação, no seu primeiro volume, Gatti explicita que outros textos, de diversos autores, se seguiriam, procurando trazer "questões ligadas ao emprego de entrevistas, de questionários, de observações, de estudos de caso, análise de conteúdo, etnometodologia, grupos focais, e assim por diante" (p. 7). Os cinco primeiros volumes da série concretizam em parte estas metas. Aguardemos os próximos lançamentos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2006
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
ANPEd - Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação Rua Visconde de Santa Isabel, 20 - Conjunto 206-208 Vila Isabel - 20560-120, Rio de Janeiro RJ - Brasil, Tel.: (21) 2576 1447, (21) 2265 5521, Fax: (21) 3879 5511 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbe@anped.org.br