RESUMO:
As novas políticas educativas e reabilitativas exigem a pessoa no centro do processo, para a capacitação e cidadania, fundamentada na autodeterminação. A teoria de agência causal assume que as ações-decisões são tomadas pelas pessoas no controlo da própria vida em função dos seus objetivos. Todavia, as pessoas com dificuldades intelectuais e desenvolvimentais (DID) continuam a ser desvalorizadas, vendo-se restringidas nestas decisões. Apesar de preditor da qualidade de vida e do interesse crescente, a autodeterminação é um constructo pouco explorado. A teoria exige instrumentos de avaliação robustos. Este artigo preliminar objetiva analisar a fiabilidade e validade da versão portuguesa do Inventário de Autodeterminação (IADp), aplicado a 52 participantes, entre 13-54 anos (22.37±13.7), 23 do género feminino e 29 do masculino, com e sem DID. Os índices de validade de conteúdo (IVC>.90) confirmam a representatividade dos itens, corroborados por acordos moderados-forte entre peritos (≥.76) e Kappa de Cohen (.49≤k≤1). A consistência interna e estabilidade temporal são excelentes (α≥.91; r≥.90). As correlações são significativas (p<.01) entre-componentes (r≥.39), componentes-características (r≥.56), características (r≥70) e total (r>.71). Os itens parecem organizar-se por três fatores, e infere-se a invariância dos itens entre participantes com e sem DID. O IADp parece ser um instrumento adequado para avaliar a autodeterminação.
PALAVRAS-CHAVE:
Avaliação; Dificuldade intelectual e desenvolvimental; Inventário de autodeterminação; Validação; Teoria de agência causal
ABSTRACT:
The new educational and rehabilitative policies claim for persons-centered plans, aiming an active citizenship based on self-determination skills. Causal agency theory assumes that action-decisions are made by persons themselves, to control their own life according to their own goals. However, people with intellectual and developmental disabilities (IDD) are still devalued and restricted on these decisions. Although a powerful quality of life predictor and growing interest, self-determination is still less explored. The theory demands robust assessment instruments. This preliminary article aims to analyze the reliability and validity of the Portuguese version of the Self-Determination Inventory (P-SDI), applied to 52 participants aged between 13 and 54 years (22.37±13.7), including 23 females and 29 males, with and without IDD. Content validity indexes (IVC>.90) confirm the representativeness of the items, corroborated by moderate to strong experts’ proportion agreement (≥.76) and Cohen Kappa (.49≤k≤1). Internal consistency and temporal stability are excellent (α≥.91; r≥.90). Correlations are significant (p<.01) between components (r≥.39), components-characteristics (r≥.56), between characteristics (r≥70) and with total (r>.71). The items appear to be organized into three factors, and the invariance of the items is inferred between participants with and without IDD. The P-SDI seems to be an appropriate instrument for assessing self-determination.
KEYWORDS:
Assessment; Intellectual and developmental disability; Self-determination inventory; Validation; Causal agency theory
1 Introdução
A inclusão educativa é um tema na agenda nacional mundial. A sua implementação implica processos de ensino-aprendizagem para a cidadania ativa, assente na capacitação de todos os alunos por respostas ajustadas à diversidade das características individuais. O perfil do aluno à saída da escolaridade obrigatória não pretende a uniformização ou a massificação de conteúdos e resultados, mas antes o estabelecimento de um quadro de referência que pressupõe percursos diferenciados baseados na responsabilização e valorização individual para o sucesso, com a aquisição de valores e competências que não se esgotem no contexto académico, mas que permitem responder aos desafios complexos da transição para a vida adulta e ativa (TVAA), para a participação social (Despacho n.º 6478/2017). Uma destas competências é a autodeterminação, que tem vindo a ser reconhecida como pilar do processo de aprendizagem ao longo da vida para a cidadania ativa, e que tem ganho mais relevo, particularmente no âmbito de grupos vulneráveis, como o caso das pessoas com Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais (DID).
Inerente à própria definição de DID, que implica a existência de limitações concomitantes e significativas ao nível do funcionamento intelectual e adaptativo, que se expressam nas dimensões conceituais, práticas e sociais e que se manifestam durante o período de desenvolvimento (American Psychiatric Association [APA], 2013) ou até aos 22 anos (Schalock et al., 2021), a tendência generalizada é ainda para o estigma, desvalorização das suas capacidades e superproteção (Santos, 2020), que se assumem como razões para a exclusão social deste grupo, dada a ideia que estas pessoas não conseguem tomar decisões (Shogren et al., 2018).
A autodeterminação é um princípio para a garantia da inclusão educacional, laboral e social da pessoa com DID (Santos et al., 2022), e um dos domínios com mais peso na qualidade de vida (Simões & Santos, 2017). Alinhando-se com as atuais diretrizes e documentos internacionais (e.g., Convenção dos Direitos da Pessoa com Deficiência [Nações Unidas, 2007]) exige a reconfiguração dos currículos educativos e práticas institucionais, com a necessidade de reorganizar conteúdos e competências (Santos, 2022). A autonomia e independência exige, entre outros, a capacidade de escolha para tomadas de decisões fundamentadas, que no campo da DID, desde as mais simples (e.g., escolher o que vestir ou comer) às mais complexas (e.g., casamento ou voto) tendem a ser assumidas por terceiros, por preconceitos associados ao compromisso cognitivo que conduzem à descredibilização e desresponsabilização das pessoas com DID (Santos et al., 2022).
Os planeamentos centrados na pessoa baseiam-se na premissa de que é o próprio sujeito que deve assumir o controle/ação ativa da sua vida (Santos, 2022). Apesar do investimento na área, com o aparecimento e evolução das teorias ao longo do tempo (Frielink et al., 2018; Ryan & Deci, 2017; Wehmeyer et al., 1996), surge recentemente a teoria da agência causal, que acompanha a evolução no campo à luz das abordagens sócioecológicas, baseada nas características positivas e para a capacitação, e procurando um melhor enquadramento e compreensão do desenvolvimento da autodeterminação (Shogren et al., 2020). Esta teoria identifica o papel das necessidades psicológicas básicas e integra a motivação (Shogren et al., 2018; Wehmeyer, 2020) numa abordagem desenvolvimental (Mumbardó-Adam et al., 2017) e, apesar de se fundamentar no modelo funcional de autodeterminação (Shogren et al., 2015), apresenta diferenças significativas na conceitualização que impactam a avaliação e a intervenção (Mumbardó-Adam et al., 2017).
A nova teoria foca-se na noção de agente causal, e do papel ativo da pessoa na sua própria vida e em todas as decisões que a afetam, orientada para os seus próprios objetivos (Shogren et al., 2018). Assume-se que as ações são causadas pelo próprio e não por terceiros. A autodeterminação integra fatores de ordem superior incluindo três características essenciais que resultam da conjugação de sete componentes de ordem inferior (Mumbardó-Adam et al., 2017), acrescentando às já existentes (autonomia, autorregulação, empoderamento psicológico e autorrealização (Wehmeyer et al., 1996) – a auto-iniciação, autodireção, percursos reflexivos e controle das expectativas (Mumbardó-Adam et al., 2018). Esta inovação oferece uma oportunidade para uma compreensão mais rigorosa das características essenciais da autodeterminação. Esta conceitualização foca-se no desenvolvimento da autodeterminação ao longo da vida de todas as pessoas, independentemente do seu diagnóstico (Xu et al., 2022) e objetiva compreender como é que a pessoa adota ações autodeterminadas no seu contexto (Shogren et al., 2018).
A autodeterminação é, então, definida como uma “característica disposicional manifestada [pela pessoa] assumindo o papel de agente causal na sua própria vida” (Shogren et al., 2015, p. 258). Parte-se do princípio de que uma pessoa autodeterminada tende a pensar e agir de uma determinada maneira, influenciada por fatores contextuais (Shogren et al., 2018). A proatividade da pessoa, não se esperando pela ação-decisão de terceiros, é reforçada e organiza-se em três características essenciais: ação volitiva, englobando escolhas e decisões conscientes e informadas de forma autónoma e auto-iniciando as respetivas ações baseadas nas próprias motivações e preferências; ação agêntica, reguladora da progressão face aos objetivos estabelecidos previamente e que exige auto-direção e percursos reflexivos para ultrapassar eventuais desafios; e crenças de controle de ação, que permitem a compreensão da relação entre ações, meios e fins e que exige empoderamento pessoal e autorrealização (Shogren et al., 2015; Shogren, Little et al., 2017a). Como característica disposicional a autodeterminação pode ser medida (Shogren et al., 2018), pelo que a sua avaliação providenciará informação robusta para intervenções mais ajustadas (Mumbardó-Adam et al., 2018).
A intervenção no âmbito da autodeterminação apresenta evidências de efeitos positivos na TVAA (Wehmeyer, 2020), reforçando a necessidade de uma maior atenção à estimulação deste construto, dadas as evidências que apontam para comportamentos menos autodeterminados de pessoas com DID (Nunes & Santos, 2019; Pires et al., 2024). A autodeterminação é uma competência que não se restringe ao contexto e período escolar, estendendo-se a sua relevância ao longo da vida, pelo que a investigação deve abranger também adultos (Pires et al., 2024). Mesmo assumindo a institucionalização como resposta maior para pessoas com DID, é visível o interesse crescente pelo construto, constatando-se inúmeros grupos de autorrepresentantes onde as pessoas com DID, mesmo com apoio, são incentivados a discutir e a decidir/escolher, assumindo o controle da sua própria vida. Neste contexto, há necessidade de instrumentos robustos e sólidos e enquadrados numa teoria validada e consensual. Um dos novos instrumentos é o Inventário da Autodeterminação (IADp), uma medida autorrelatada de autodeterminação recentemente desenvolvida e alinhada com a Teoria de Agência Causal, foi validada nos Estados Unidos da América (EUA) com estudantes com e sem deficiência (Shogren et al., 2020). O IADp surge de um consenso entre peritos de várias áreas (e.g., Psicologia, Educação) ao nível da definição das características essenciais e dos seus respectivos componentes (Shogren et al., 2020).
O IADp tem sido traduzido a nível mundial, constatando-se a existência de várias versões, que demonstram atributos psicométricos aceitáveis e alinhados com o modelo concetual. A versão espanhola apresenta consistência interna aceitável nos componentes (.63autonomia <α<.83controlo expetativas) e características essenciais: αação volitiva =.82, αação agêntica =.87 e, αcrenças controlo ação =.91 exceção nos itens da autorregulação que tal como a versão original (Shogren, Wehmeyer et al., 2017) demonstrou uma consistência interna inadequada (Mumbardó-Adam et al., 2018). A validade concorrente foi confirmada com coeficientes de correlação a demonstrar correlações moderadas a fortes entre as características essenciais do IADp e os quatro domínios do modelo funcional (.46<r<.53), tal como a validade discriminante estabelecida pela invariância entre alunos com e sem deficiência. O modelo parece corroborar o original: unidimensional com três características essenciais e sete componentes (Mumbardó-Adam et al., 2018; Shogren et al., 2024). A versão chinesa aponta valores de fiabilidade excelentes, com alpha de Cronbach total de .92, e os resultados dos estudantes com DID apresentam mais variabilidade do que os dos pares típicos, tal como na versão francesa), apesar da inexistência de diferenças ao nível da variável latente (Shogren et al., 2024; Xu et al., 2022). Na versão francesa a consistência interna foi de .88; os coeficientes de correlação variaram entre .08 e .55 (Shogren et al., 2024). A versão para língua gestual americana corrobora estes resultados (Garberoglio et al., 2022).
A nível nacional, a única escala de autodeterminação – EADp (Santos et al., 2022; Torres et al., 2022) baseia-se no anterior modelo funcional, focado na função dos comportamentos autodeterminados (Wehmeyer et al., 1996) e não englobando as características essenciais da nova teoria (Mumbardó-Adam et al., 2018). A fiabilidade foi provada: consistência interna (αtotal=.89) e estabilidade temporal (.84<r<.97), tal como a validade de conteúdo – índices de validade de conteúdo de 1 no critério da relevância, acordos moderados a fortes entre peritos e com valores de Kappa de Cohen superiores a .79 (critério ambiguidade); e construto com correlações entre fracas e moderadas (.01>r<.51) e com a análise fatorial exploratória a apontar uma solução bifatorial, não corroborando o modelo original. Apesar dos valores robustos, há necessidade de uma abordagem mais aprofundada para confirmar a estrutura hierárquica (Santos et al., 2022). Este instrumento releva-se um pouco extenso na sua aplicação e enquadra-se no modelo antecessor à mais recente teoria. Acresce que à luz da evolução cientifica neste campo – necessidade de compreender a autodeterminação como ação volitiva, deve-se identificar/avaliar os comportamentos em si, e não as funções desses comportamentos (Shogren et al., 2018). É neste sentido que, e dada a necessidade de uma medida de autodeterminação inclusiva e normalizada para pessoas com e sem DID, sensível às variações a curto-prazo, que providencie informação para a intervenção e que se alinhe com o novo enquadramento conceitual, se selecionou o Self-Determination Inventory (Shogren & Raley, 2022) para ser adaptado a nível nacional.
Ter um instrumento de avaliação da autodeterminação robusto permitirá a obtenção de dados válidos e fiáveis que se poderão assumir como indicadores para a implementação de modelos de intervenção-formação (Serrão et al., 2022). A utilização de um instrumento numa cultura diferente exige procedimentos que transcendam a mera tradução dos itens, havendo necessidade de um trabalho rigoroso na tradução e adaptação semântico-cultural dos constructos e respetivos indicadores (International Test Commission [ITC], 2017), dada a influência que o contexto e o período temporal assumem na compreensão das conceitualizações (Shogren et al., 2015). Acresce a necessidade de considerar a utilização do IADp em vários contextos culturais para explorar a relevância cultural da autodeterminação (Xu et al., 2022). Neste sentido, e tentando contribuir para práticas baseadas na evidência, que incluam a aprendizagem de competências específicas (consolidadas) de autodeterminação ao longo da vida, o objetivo deste estudo é traduzir e adaptar a versão portuguesa do IADp e analisar as qualidades métricas (fiabilidade e validade) para adolescentes e adultos com e sem DID. Como fase inicial do processo de validação, procede-se à exploração das qualidades psicométricas da versão portuguesa. Um dos contributos, para além da disponibilização de uma abordagem avaliativa sólida, é a fundamentação da nova concepção em evidências, enfatizando a sua maior abrangência – envolvendo pessoas com e sem DID, cimentando que a autodeterminação é para todos, não se circunscrevendo a um grupo etário específico (envolvendo adolescentes e adultos) e assumindo o formato de autorrelato, partindo do princípio de que é a própria pessoa o agente causal, tomando decisões e fazendo escolhas que considera relevantes na sua própria vida.
2 Método
Nesta seção, abordam-se os aspectos metodológicos do estudo, incluindo os participantes, o instrumento adaptado para mensuração da autodeterminação e os procedimentos éticos e operacionais adotados para a coleta e análise de dados.
2.1 Participantes
Dado os objetivos do estudo, e face aos procedimentos para a análise da fiabilidade e validade, duas amostras foram consideradas. Em primeiro lugar, e para a primeira etapa de análise da validade de conteúdo, reporta-se a participação de dez peritos, cuja seleção foi criteriosa obedecendo aos seguintes princípios (não necessariamente cumulativos): ter pelo menos uma graduação (licenciatura) inicial em áreas diferenciadas no campo da DID (e.g., Educação, Psicologia, Psicomotricidade), experiência profissional no apoio às pessoas com DID há pelo menos 10 anos com funções técnicas e/ou de direção, ser representativo do grupo-alvo em análise, e domínio dos processos de metodologia de validação.
Para a segunda etapa, o estudo empírico, a amostra de conveniência envolveu 52 adolescentes/adultos, entre os 13 e os 54 anos (22.37±13.7), 23 (44,2%) do gênero feminino e 29 (55,8%) do gênero masculino, com e sem diagnóstico médico prévio de DID a frequentarem os respectivos estabelecimentos escolares regulares e/ou em situação de institucionalização em Portugal continental. Todos os participantes com DID tinham capacidade de compreensão dos conceitos abstratos, com autonomia ao nível da linguagem expressiva e receptiva para efeitos do preenchimento do inquérito. A maioria era estudante (n=41, 78,8%) e sem necessidade de medidas de apoio à aprendizagem ao longo do seu percurso educativo, vivendo em casa de familiares (n=42, 80,8%). Apenas oito (14.4%) apresentam atestado de incapacidade (superior a 50%).
Os critérios de inclusão envolviam: idade superior a 13 anos – por motivos de maior fidedignidade das respostas em função da sua maturidade, a frequentar ou o sistema de escolar nacional e inscritos num agrupamento escolar, ou em situação de institucionalização e a frequentar o centro de atividades para a capacitação e inclusão e/ou formação profissional. No caso das pessoas com DID, exigia-se ainda a existência de um diagnóstico prévio no processo clínico.
2.2 Instrumento
O Inventário de Autodeterminação versão Portuguesa (IADp), em forma de autor-relato, avalia a autodeterminação de adolescentes (>13 anos) e adultos através de 21 itens que versam sobre habilidades de autodeterminação, i.e., fazer escolhas, definir e perseguir metas, tomar decisões. A cotação destes itens faz-se com recurso a uma escala deslizante entre 0 (discordo) e 20 (concordo) (Shogren et al., 2020). Os itens, tal como a versão original, organizam-se em sete componentes: autoiniciação e autonomia; autodireção e percursos reflexivos; e empoderamento psicológico, autorrealização e controle de expectativa que se agrupam em três características essenciais: ação volitiva, ação agêntica, e crenças de controle de ação. A versão utilizada, dada inexistência de uma plataforma/sistema online, foi a de papel-e-lápis. O processo de geração de itens é apresentado pelos autores originais mas que não apresentam valores de índices de validade de conteúdo (IVC) (Shogren, Wehmeyer et al., 2017).
A fiabilidade para o modelo de fator único de 21 indicadores, medido pelo coeficiente de McDonald foi w=.90 (Shogren, Little et al., 2017). Os índices de fiabilidade da versão original (norte-americana) do inventário foram calculados e quando a subescala de autorregulação foi incluída, o coeficiente de alfa e ómega variou de .60 a .87 para alunos com deficiência e .46 a .85 para pares típicos. Estes índices melhoraram significativamente quando a subescala de autorregulação foi eliminada: variando entre .71 a .87 para adolescentes com deficiência e .69 a .85 para os pares típicos. A consistência interna foi considerada aceitável (α≥.70) (Shogren, Little et al., 2017).
2.3 Procedimentos
Após a autorização dos autores originais, o IADp foi traduzido e adaptado culturalmente. Os requisitos éticos foram garantidos: desde a aprovação ética (Parecer n.º 2022/02), até o envio dos Termos de Consentimento Livre e Esclarecido a diferentes estabelecimentos escolares e/ou instituições – onde o estudo foi explicado desde o objetivo e etapas planeadas, que, depois de assinados e recolhidos, permitiram a aplicação do instrumento, em local e horário acordado com cada participante de forma a interferir o menos possível com as atividades diárias. O inventário foi preferencialmente autoadministrado, i.e., todos os indivíduos responderam autonomamente, encontrando-se o investigador na sala, com o intuito de clarificar dúvidas e prestar esclarecimentos necessários. Nos casos em que se verificaram dificuldades na compreensão da leitura e/ou da escrita, foi o próprio investigador que fez a entrevista e/ou prestou apoio, garantindo a privacidade das respostas individuais. As questões foram iguais para todos os participantes (com e sem DID) e a aplicação demorou, em média, 30 minutos.
A análise dos dados foi realizada recorrendo ao software SPSS versão 21, optando-se pelos procedimentos inerentes a uma investigação desta natureza, onde para a análise do índice de validade de conteúdo, todos os índices foram calculados: índice de validade de conteúdo (IVC) de cada item, proporção de concordância, escala IVC-concordância universal, escala IVC-média e Kappa de Cohen. Para a análise da fiabilidade, a consistência interna, pelo alpha de Cronbach e para a estabilidade temporal (pela técnica do teste-reteste) e analisada pelos coeficientes de correlação Pearson. Para a validade de construto, optamos pela análise fatorial exploratória através da análise dos componentes principais, com método de rotação Varimax, e baseados nos índices Kaiser-Meyer-Olkin, teste de esfericidade de Bartlett (Pestana & Gageiro, 2008).
3 Resultados
A análise psicométrica de um instrumento deve estar sempre alinhada com o exame da fiabilidade (ausência de erro aleatório) e validade, i.e., o instrumento avalia o constructo que se pretende medir (Alexandre & Coluci, 2011; Nunnally,1981), na abordagem de conteúdo, critério e de construto (ITC, 2017). Numa primeira fase, a abordagem descritivo-qualitativa implicou a revisão intensa da literatura sobre o construto (Wynd et al., 2003). As diretrizes internacionais no processo de adaptação transcultural foram seguidas (ITC, 2017), e uma atenção particular foi dada à redação, legibilidade e facilidade de compreensão das questões.
Em seguida, uma retrotradução foi concretizada e os produtos foram comparados. A versão pré-final foi estabelecida e enviada a dez especialistas (Polit & Beck, 2006; Yaghmaie, 2003), selecionados por sua experiência académico-metodológica e pela experiência profissional na área de DID, para a análise da validade de conteúdo – examinar a representatividade dos indicadores. Uma abordagem empírica-quantitativa foi então concretizada (Alexandre & Coluci, 2011). Após explicados os objetivos do estudo e esclarecida a população-alvo, etc., os especialistas classificaram cada item de acordo com sua relevância, clareza, simplicidade e ambiguidade por meio de uma escala Likert de quatro opções, variando entre 1 (muito irrelevante) a 4 (muito relevante) (Yaghmaie, 2003). Estas quatro opções foram dicotomizadas: as avaliações 1 e 2 foram consideradas sem validade de conteúdo; e 3 e 4, como tendo validade de conteúdo (Polit & Beck, 2006; Wynd et al., 2003; Yaghmaie, 2003). Os peritos tinham oportunidade de fazer comentários e/ou reflexões qualitativas. Os índices de validade de conteúdo (IVC) de cada item, média (IVC-M) e acordo universal (IVC-AU), proporção de acordo entre peritos e o Kappa de Cohen foram calculados (Tabela 1).
Indices de Validade de Conteúdo IADp: relevância (R), clareza (C), simplicidade (S) e ambiguidade (A)
Os valores de corte para a manutenção dos itens foram os seguintes: IVC≥.78, IVC-AU ≥.80, e IVC-M≥.90 (Polit & Beck, 2006; Wynd et al., 2003). Valores inferiores a .75 ditavam a eliminação dos itens (Yaghmaie, 2003). Tal como se observa na Tabela 1, todos os itens (n=21) foram considerados relevantes ou muito relevantes, com IVC≥.90) para o construto da autodeterminação. A decisão foi a manutenção de todos os itens/indicadores. Contudo, e dados alguns valores mais baixos em outros critérios (simplicidade e ambiguidade), e baseados nas recomendações qualitativas dos peritos, alguns itens foram reformulados para uma maior legibilidade e compreensão dos respondentes. Através da Tabela 2, vê-se que as proporções de acordo (PA) entre os peritos apontam acordos significativos entre os peritos, apesar da tendência para valores entre .43 e .52 pelo perito 9, nos critérios de clareza, simplicidade e ambiguidade. Este perito foi o que pareceu em menor acordo com os restantes.
Finalmente, o Kappa de Cohen (Tabela 3) – cujo cálculo joga com o acordo observado e o esperado pelo acaso que quantificou, cujos valores de corte variam (Wynd et al., 2003): k<.40 o acordo é fraco, se .41>k<.60 o acordo é considerado moderado, forte se .61>k<.75 e excelente se k≥76. Tal como se constata a tendência para acordo forte a excelente, apesar do valor mais baixo (k=.49) entre os peritos 8 e 10 que, contudo, se expressa num acordo moderado.
Dada as suas insuficiências per si, foi realizado um teste de campo, para a avaliação da fiabilidade pela análise da consistência interna (alpha de Cronbach, α) e estabilidade temporal (técnica do teste-reteste) para averiguar as correlações entre os resultados das duas aplicações do IADp intervaladas por 2/3 semanas. A fiabilidade foi analisada ao nível da consistência com valores totais de .91 considerada como excelente (Nunnally, 1981), e da estabilidade temporal, onde os coeficientes de correlação de Pearson variaram entre moderados e fortes (.38≤r≤.83), com o valor total de .90, alinhando-se com as recomendações da literatura (Marôco, 2021). Na Tabela 4 são apresentados os resultados da estatística descritiva verificando-se que apenas no item 11 (contornar obstáculos) apresenta diferenças entre os participantes com e sem DID.
Consistência interna e valores da estatística descritiva (médias e desvio-padrão) obtidos através da comparação dos valores de autodeterminação dos participantes com e sem DID
A análise correlacional (Tabela 5) demonstra correlações positivas, moderadas a fortes, e significativas (p<.01) entre componentes (r≥.39), entre si e características essenciais (r≥.56) e fortes entre as características essenciais entre si (r≥70). Todos os componentes e as características essenciais parecem concorrer de forma ainda mais robusta para o total com a maioria dos valores superiores a .70. Estas ilações baseiam-se nas recomendações de Marôco (2021) que apontam para correlações moderadas se entre .41 e .69, elevadas se entre .70 e .89 e superiores se r>.90.
Finalmente, a análise fatorial exploratória (Tabela 6) pela análise das componentes principais, com método de rotação Varimax, e baseados nos índices Kaiser-Meyer-Olkin, teste de esfericidade de Bartlett (Pestana & Gageiro, 2008), eigenvalues superiores a 1 e pesos fatoriais >.40, aponta uma estrutura trifatorial explicando 53.7% da variância total, apesar de se recomendar o aprofundamento desta análise com uma amostra maior e utilizando análises confirmatórias.
4 DiscussÃo
O presente estudo visa contribuir para o processo de validação da versão portuguesa do IAD para adolescentes e adultos com e sem DID, através do estudo preliminar da sua validade (conteúdo e construto) e fiabilidade (consistência interna e estabilidade temporal), dada a exigência do rigor metodológico decorrente das novas abordagens e normativos, ao nível da adoção de procedimentos, mecanismos e resultados fidedignos para a recolha de evidências que fundamentem a tomada de decisões válidas ao nível da prestação de apoios e de intervenções centradas na pessoa, i.e., práticas baseadas na evidência. O perfil para a cidadania ativa, consciente e informada – objetivo das políticas mundiais – engloba todas as pessoas, não as discriminando por diagnóstico, destaca-se como direito (Nações Unidas, 2007) e exige autodeterminação (Decreto-Lei n.º 54/2018; Despacho n.º 6478/2017).
Apesar do investimento na área (Santos et al., 2022; Torres et al., 2022), a autodeterminação continua a ser subvalorizada, especialmente com as pessoas com DID, associando-a exclusivamente ao compromisso intelectual (Santos, 2020). Há necessidade urgente de processos de aprendizagem ao longo da vida baseados em dados robustos. Alguns dos instrumentos utilizados atualmente apresentam fragilidades conceituais não se enquadrando em modelos válidos e atuais, e metodológicas, estando associados às tendências mais tradicionalistas onde a decisão é da responsabilidade de terceiros (Santos et al., 2022). Acresce a necessidade de estudos transculturais pelo que a existência de uma versão portuguesa, em paralelo com outras (Shogren et al., 2024) revela-se primacial. Este tipo de análise fornecerá informação para ajuizar sobre a potencial utilidade da nova versão, apontando direções para futuras investigações ao nível da autodeterminação de pessoas com e sem DID. Os resultados parecem consistentes com outras versões (Shogren et al., 2020; Xu et al., 2022), parecendo indiciar-se a (quase) inexistência de diferenças entre participantes com e sem DID.
Decorrente das novas evidências e conceitualizações para a capacitação e da valorização do papel do agente causal, é hoje interiorizada a necessidade de enriquecer as intervenções educativas e reabilitativas através da aprendizagem de habilidades que permitam que seja a própria pessoa a controlar a sua vida, de acordo com as suas características (capacidades e necessidades), necessidade de apoios e motivações/preferências (Santos, 2022; Shogren et al., 2018; Wehmeyer, 2020) ao longo da trajetória desenvolvimental (Mumbardó-Adam et al., 2017). Como característica disposicional, a autodeterminação pode ser avaliada. O único instrumento que se conhece à data e que se enquadra na teoria do agente causal é o Inventário de Autodeterminação (Shogren et al., 2020), razão pela qual foi escolhido para ser analisado na sua versão portuguesa.
As recomendações exigem um olhar mais rigoroso à análise de validade de conteúdo enquanto ponto de partida para a tradução e adaptação de instrumentos, tendo-se seguido os passos recomendados na literatura (ITC, 2017; Serrão et al., 2022), numa dupla abordagem (Wynd et al., 2003) e iniciando-se pela revisão da literatura: 1) tradução e retrotradução, validação por peritos quanto à relevância, clareza, simplicidade e ambiguidade, i.e., representatividade e compreensão dos itens (Yaghmaie, 2003) para a equivalência de conteúdo/semântica e concetual, e 2) teste-piloto para uma exploração preliminar das suas características métricas e eventual reformulação/modificação dos itens e instrumento, para finalmente se reunirem as condições para a sua aplicação a uma amostra representativa que permita abordagens confirmatórias (Serrão et al., 2022).
A adaptação de um instrumento não pode circunscrever-se à sua mera tradução (Santos et al., 2014), devendo considerar-se o contexto e valores socioculturais e político-sociais (Alexande & Coluci, 2011; Santos, 2022). Desta forma, dois investigadores com domínio das línguas inglesa e portuguesa (ITC, 2017) e com experiência nas áreas da autodeterminação, DID e avaliação, traduziram o instrumento de forma independente, para em seguida se compararem as duas versões. As poucas discrepâncias foram resolvidas por um terceiro investigador e estabeleceu-se a primeira versão do IADp que foi retro-traduzida para a língua original, no sentido de se assegurar a qualidade da tradução, e a comparação das versões confirmou a equivalência do conteúdo.
Depois da seleção, convite e aceitação para participação no estudo, foi enviado a cada perito a primeira versão do IADp, para a análise e evidência empírica dos itens e secções. A seleção dos peritos, bem como o número total (n=10) estão de acordo com as recomendações da literatura (Polit e Beck, 2006; Yaghmaie, 2003). Os peritos foram criteriosamente selecionados com base na suas qualificações académicas e profissionais com a população-alvo, conjugando experiência profissional, investigação ao nível metodológico de validação: quatro eram doutorados e três eram mestres na área de Educação Especial/Psicologia e Reabilitação Psicomotora, três assumiam cargos de direção de organizações prestadoras de apoios a adultos com DID, quatro exerciam a sua atividade profissional em escolas ou instituições, com um técnico responsável por um grupo de autorrepresentação. Houve um cuidado especial em incluir dois peritos representantes do grupo-alvo para assegurar a sua compreensão. Além da quantificação dos itens quanto à sua relevância, clareza, simplicidade e ambiguidade (Yaghmaie, 2003), os peritos tinham oportunidade de avançar com comentários qualitativos que, depois de analisados pelos investigadores, permitiram a reformulação de alguns itens.
Todas as sugestões e observações foram consideradas. Algumas recomendações passaram pelo protocolo, reforçando a necessidade de explicitar alguns conceitos (e.g., objetivo) e de melhorar a formatação para maior atratividade (aumentar o tamanho da letra, frases mais curtas). As cotações de resposta também foram revistas. Finalmente, os peritos dicotomizaram os itens em relevantes (cotações 3 e 4) e irrelevantes (cotações 1 e 2). Os IVC corroboram a representatividade de todos os itens, destacando-se o critério da relevância cujos valores foram todos superiores a .90 nos itens, e a .92 no IVC-AU e M (Polit & Beck, 2006; Wynd et al., 2003; Yaghmaie, 2003). Os valores mais baixos em outros critérios levaram à reformulação dos itens (e.g., no item 19 a expressão “no meu caminho” foi substituída por “no dia a dia”; nos itens 12 e 20 e por “os meus pontos fortes” poder ser algo abstracto e de maior dificuldade, optou-se por “características positivas)”. O acordo entre peritos é significativo e excelente, com maioria dos valores >.81, exceção dos valores associados ao perito 9, que se mantiveram dentro dos valores de corte. Esta análise foi corroborada pelos valores de Kappa, com apenas um valor de .49 entre os peritos 8 e 10, que refere a um acordo moderado. A validade de conteúdo do IAPp foi provada – a decisão foi de manter todos os itens, criando condições para o teste piloto. A comparação com outros estudos não é possível, dado não terem avançado com estes valores.
Em seguida, e dada a necessidade de explorar outras qualidades métricas, concretizou-se o estudo piloto. A fiabilidade do IADp foi provada com resultados a revelar consistência interna (α=.91, Nunnally, 1981) e estabilidade temporal total de (.38≤α≤.83), mesmo considerando que o tamanho da amostra (reduzida) influencia este valor (Pestana & Gageiro, 2008). Os valores mais baixos ao nível do teste-reteste (r=.38) parecem estar associados aos itens da componente autoiniciação (itens 3, 13 e 16). Apesar das outras versões não apresentarem dados relativos à estabilidade temporal, os valores da consistência interna parecem alinhar-se com as evidências mais recentes (Mumbardó-adam et al., 2018; Shogren et al., 2024; Xu et al., 2022). Os itens (1, 19 e 17) de autorregulação no nosso estudo parecem ser consistentes (.56≤α≤.58), não se alinhando com outros estudos (Mumbardó-Adam et al., 2018; Shogren, Wehmeyer et al., 2017). Os itens (6, 8 e 15) relativos ao empoderamento psicológico são os que apresentam valores mais baixos ao nível da consistência interna (α=.48) Os fatores contextuais poderão explicar estes resultados, dado o foco funcional na autorregulação – apesar dos objetivos estabelecidos serem da responsabilidade de terceiros e não do próprio (Santos, 2020) em detrimento do empoderamento psicológico que implica criar oportunidades para que seja o próprio a conseguir, parecendo que se confunde flexibilidade com facilitismo (Santos, 2022). Infere-se o foco das intervenções nacionais nas funções dos comportamentos autodeterminados (Torres et al., 2022; Wehmeyer et al., 1996).
Ao nível da validade de construto, os valores encontrados apontam correlações positivas e significativas (p<.01) quer entre os componentes entre si (.45≤r≤.70) – exceção entre a autonomia e a autoiniciação (r=-39), como entre as componentes com as características essenciais (r≥.56), e entre as características essenciais onde os valores são ainda mais robustos (r≥.71) e que se espelham na contribuição para o total do inventário (r>.72). Os valores encontrados no nosso estudo são superiores ao de Shogren et al. (2024) na China. A AFE parece prever a organização dos itens numa solução trifatorial, que explica 53.7% da variância total. Apesar da cautela na interpretação dos dados pela amostra reduzida, esta exploração inicial parece indiciar o que outros estudos apontam: um modelo unidimensional onde se integram três características essenciais (Mumbardó-adam et al., 2018; Shogren et al., 2024; Xu et al., 2022), apesar da organização diferenciada dos itens, não apontando a organização heptagonal. Os valores médios parecem não variar significativamente entre participantes com e sem DID, alinhando-se com estudos mais recentes (Shogren et al., 2024; Xu et al., 2022), exceção feita no item 11 (contornar obstáculos) onde as pessoas com DID tendem a mostrar menos comportamentos autodeterminados. É interessante comparar estes resultados com outros estudos nacionais, onde se aplicou a EADp (Nunes & Santos, 2019; Pires et al., 2024; Torres et al., 2022) e onde se encontraram diferenças significativas em todos os domínios (autonomia, autorregulação, empoderamento psicológico e autorrealização). Esta discrepância pode espelhar as diferenças associadas aos dois modelos.
5 Conclusões
Um dos processos centrais para fazer face aos desafios das novas políticas e da implementação dos direitos na prática é assegurar a existência de instrumentos válidos e fiáveis que possam documentar resultados, ajudando à promoção da autodeterminação e à redução das disparidades entre pessoas com e sem DID (Serrão et al., 2022; Shogren et al., 2024). Parece essencial avançar com novos instrumentos com qualidades métricas comprovadas, que reflitam o construto de AD na sua total dimensão e que possam ser aplicados em diversos contextos e visando objetivos distintos, desde a avaliação fidedigna ao estabelecimento de um perfil de autodeterminação, até à avaliação do impacto de programas (estudos pré-pós) e inclusive estudos comparativos entre países e culturas (cross-sectional).
É neste contexto que se fundamenta a pertinência e o ineditismo do nosso estudo. Na sequência das novas conceções aparece o IADp cujas qualidades métricas apontam a sua validade (conteúdo e construto) e fiabilidade (consistência interna e estabilidade temporal) necessitam de ser analisadas. Este estudo preliminar, como ponto de partida da validação do instrumento, é um passo importante em futuras pesquisas e práticas: os resultados permitem refletir sobre o construto da autodeterminação, estabelecer o perfil de autodeterminação de pessoas com e sem DID, o que irá deter repercussões positivas e fundamentais na tomada de decisão futura político-prática, na seleção de estratégias de programação e definição de apoios baseados na escolha/decisão individual ao longo do próprio projeto de vida, contribuindo para um papel ativo da própria pessoa com DID, e para planeamentos centrados nos seus interesses.
Os resultados obtidos apontam para a potencialidade de utilização do IADp, com os dados a indiciarem o inventário como válido e fiável para ser aplicado com pessoas com e sem DID em diferentes contextos, enquadrado à luz da mais recente teoria do agente causal. O IADp procura responder à lacuna na área, aparecendo como um instrumento robusto. Esta possibilidade pode ser determinante em diversos contextos: escolar, onde a aprendizagem destas habilidades é fundamental e exigida por lei com crianças e adolescentes; institucional, reforçando o movimento de autonomia e autorrepresentação de adultos institucionalizados, devendo incluir-se também os idosos; comunitário-laboral, onde a TVAA e a inserção laboral se alicerçam nestas habilidades.
Apesar dos resultados promissores sobre a fiabilidade e validade do IADp, este estudo apresenta limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados para informar pesquisas futuras sobre o desenvolvimento e o uso deste instrumento. Os dados foram recolhidos no âmbito de um estudo piloto. O tamanho da amostra é reduzido e circunscrito do ponto de vista geográfico. Foi utilizada a versão em papel e não a versão online, por diversos motivos: custos inerentes à aplicação por plataformas digitais; tradição neste tipo de aplicação em contexto nacional; e necessidade de um estudo prévio para avaliar a potencialidade do instrumento.
Neste sentido, recomenda-se a continuação de investigações na área com amostras mais representativas para refinar as análises psicométricas ao nível da avaliação da validade concorrente e da análise fatorial confirmatória e da invariância dos itens para avaliar e confirmar a adequabilidade do modelo. A relação e impacto entre construtos (autodeterminação, funcionalidade, necessidades de apoios e qualidade de vida) será outro objetivo a considerar. Tendo em conta a natureza do instrumento, é crucial avaliar a sua capacidade para discriminar o perfil autodeterminado de subgrupos de participantes. A análise item-a-item e a caracterização do perfil de autodeterminação de adolescentes e adultos com (e sem) DID é outra sugestão. A análise dos preditores de autodeterminação, com a identificação de variáveis pessoais e contextuais mediadoras e moderadoras, é outro objetivo a cumprir. Finalmente, estudos transculturais e pré-pós de intervenções ajustadas devem ser concretizados para refletir sobre novas necessidades que as entidades prestadoras de apoio devem estar atentas. O IADp pode vir a deter um papel relevante dado o impacto positivo da autodeterminação na vida das pessoas, com e sem DID, e reforçando a ideia do papel de agente causal e da oportunidade de controle das próprias vidas.
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Este trabalho foi financiado por fundos nacionais por meio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), IP, no âmbito da Unidade de Investigação e Desenvolvimento em Educação e Formação (UIDEF), UIDB/04107/2020. https://doi.org/10.54499/UIDB/04107/2020
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Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
09 Maio 2025 -
Data do Fascículo
2025
Histórico
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Recebido
16 Fev 2024 -
Revisado
01 Maio 2024 -
Aceito
03 Maio 2024
