Open-access Altas Habilidades/Superdotação: Subnotificação e Análise de Matrículas no brasil

Giftedness: Underreporting and Enrollment Analysis in Brazil

RESUMO:

Este artigo analisa os dados de matrículas de alunos com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) no Brasil. O objetivo foi analisar a subnotificação de registros com base nos números de alunos com AH/SD identificados pelo Censo Escolar e pela Sinopse Estatística da Educação Básica, assim como nos números estimados por diversos especialistas. O artigo faz um comparativo entre ambos os números, isto é, os reais e os potenciais. A metodologia emprega a análise documental e a análise quantitativa dos dados. Um dos principais resultados mostra que apenas dois municípios brasileiros ultrapassaram o percentual mínimo de 3%, estabelecido na literatura, de alunos com AH/SD. Outro resultado mostra que, dos 5.570 municípios existentes no Brasil, quase 60% não têm registrada nenhuma matrícula desse tipo de alunado. Outros municípios, mesmo tendo uma grande população escolar na Educação Básica, possuem, proporcionalmente, um número reduzido de matrículas de alunos com AH/ SD. A conclusão do artigo é que, no Brasil, apenas um percentual muito reduzido dos indivíduos com AH/SD é, infelizmente, identificado. Isso resulta em um alto e generalizado nível de subnotificação nos registros de matrículas de alunos com AH/SD em todos os sistemas de ensino das Unidades Federativas e dos municípios brasileiros.

PALAVRAS-CHAVE:
Matrícula; Altas Habilidades; Superdotação; Superdotado; Taxa

ABSTRACT:

This article analyzes the enrollment data of students with Giftedness in Brazil. The objective was to examine the underreporting of records based on the numbers of students with Giftedness identified by the School Census and the Statistical Synopsis of Basic Education, as well as the estimated figures provided by various experts. The article compares both sets of numbers, that is, the actual and potential figures. The methodology employs document analysis and quantitative data analysis. One of the main findings shows that only two Brazilian municipalities have exceeded the minimum percentage of 3%, as established in the literature, for students with Giftedness. Another result reveals that out of the 5,570 municipalities in Brazil, nearly 60% have no recorded enrollments of this type of student. Some municipalities, despite having a large student population in Basic Education, show a proportionally low number of enrollments for students with Giftedness. The conclusion of the article is that, in Brazil, only a very small percentage of individuals with Giftedness are, unfortunately, identified. This results in a high and widespread level of underreporting in the enrollment records of students with Giftedness in all educational systems in the Brazilian Federative Units and municipalities.

KEYWORDS:
Enrollment; Giftedness; Gifted; Rate

1 Introdução

No Brasil, conforme será mostrado neste artigo, o número de alunos com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) identificados e matriculados nas diferentes redes de ensino ainda é reduzido se comparado ao potencial total estimado desse público. No entanto, de forma gradual, tem havido uma mudança positiva nesse cenário com a inclusão de um número crescente de alunos com AH/SD que são matriculados nos sistemas de ensino em todo o país. Apesar disso, os dados apresentados confirmarão uma diferença muito grande entre, de um lado, os números oficiais de matrículas de alunos com AH/SD e, de outro, a potencial população estimada com AH/SD que existe no país e que, por uma série de motivos, ainda não teve oportunidade de ser identificada. Isso continua a ocorrer, infelizmente, apesar de todas as políticas públicas anunciadas desde a década de 1970, quando as primeiras iniciativas desse tipo no Brasil passaram a ser publicadas com o objetivo de atender à população com AH/SD. Foi o caso, por exemplo, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1971 (Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 19713), a qual estabelecia as normas para o ensino de 1º e 2° graus, onde o termo “superdotado” foi adotado, de forma pioneira, oficialmente no Brasil (Branco et al., 2017; Faveri & Heinzle, 2019; Oliveira, 2022; Pérez & Freitas, 2014; Rangni & Costa, 2011).

Infelizmente, nos diversos sistemas de ensino do Brasil, apenas uma parcela reduzida do universo de pessoas com AH/SD é devidamente identificada e tem o necessário acompanhamento profissional (Wechsler & Fleith, 2017), o que pode ser atestado pelo contingente de alunos com AH/SD identificados no Censo Escolar da Educação Básica (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira [Inep], 2022a). Em 2022, foram registradas 26.815 matrículas desse alunado, em um total de 47,3 milhões de alunos matriculados na Educação Básica (Inep, 2022a). Isso representa um percentual de apenas 0,057% de alunos com AH/SD registrados no Censo Escolar sobre o total de matriculados, um percentual 118 vezes menor que os 6,73% de alunos com AH/SD (3,3 milhões) sobre o total de matriculados (49,4 milhões) nos níveis elementar e médio do sistema público4 de ensino das escolas dos Estados Unidos da América (EUA), de acordo com os dados mais recentes (Institute of Education Sciences, 2022a, 2022b).

O documento Education of the Gifted and Talented: Report to Congress (Marland, 1972), mais conhecido como Marland Report, encomendado pelo Congresso dos EUA, foi o pioneiro na história, em nível nacional, a tratar sobre a superdotação e estabeleceu uma estimativa de que haveria, pelo menos, 3% a 5% da população estadunidense que teria AH/SD. O relatório Marland teve ampla divulgação não apenas nos EUA, mas também no exterior. A escassez de outras pesquisas e de estudos comparativos facilitou a adoção da estimativa do relatório como um parâmetro, em nível internacional, de que, no mínimo, 3% a 5% de uma população seria superdotada. Devido à metodologia científica rigorosa do relatório Marland, seus conceitos se tornaram referências em escala global, sendo adaptados às realidades socioculturais específicas de outros países (Branco et al., 2017; Faveri & Heinzle, 2019; Pérez & Freitas, 2014; Rangni & Costa, 2011). No entanto, é preciso deixar claro que a afirmação de que haveria somente 3% a 5% de superdotados em uma população é um mito (Borland, 2009). Além dessa faixa estatística de uma curva normal formada, basicamente, pelos superdotados do tipo acadêmico, há outras faixas que englobam outros tipos de pessoas superdotadas, como as do tipo criativo-produtivo (Renzulli, 2014, 2016).

Pérez e Freitas (2011) mostram os reduzidos números de matrículas de alunos com AH/SD no Censo Escolar da Educação Básica no período entre 1999 e 2002, enfatizando o quanto estavam distantes das estimativas mais conservadoras estabelecidas. O artigo questiona o conflito existente entre documentos oficiais de órgãos educacionais do Governo Federal, em que, apesar de os alunos com AH/SD serem, por definição, integrantes da Educação Especial juntamente com os outros dois segmentos, isto é, alunos com deficiência e com transtornos globais de desenvolvimento, alguns daqueles documentos se referiam ao público da Educação Especial apenas como sendo formado por alunos com deficiência, excluindo os alunos com AH/SD. Tal equívoco teria como resultado a insuficiência de ações para esses alunos, como o Atendimento Educacional Especializado (AEE).

Rangni e Costa (2011) analisaram a exclusão dos superdotados ao longo da história no Brasil, mostrando como, desde o início, o atendimento a essa parcela da população dependeu muito mais de iniciativas particulares, como aquelas empreendidas por educadores pioneiros na área, como Helena Antipoff, do que da ação do poder público. As autoras observaram que o número de 5.637 matrículas de alunos com AH/SD, no ano de 2009, estava muito aquém dos números estimados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que variam de 3,5% a 5% de uma população, e isso apenas nas áreas da inteligência lógica e verbal. Isso tem como resultado o desperdício, no Brasil, de talentos de crianças, jovens e adultos altamente capacitados que são muito valorizados em sociedades desenvolvidas.

Pérez e Freitas (2014) mostram que, em 2012, o Censo Escolar registrou apenas 11.025 matrículas de alunos com AH/SD, com 10.902 em classes comuns e 123 em classes especiais, em um universo potencial de 2,5 milhões de alunos. Isso representaria apenas 0,02% do total do número potencial desse alunado. O percentual correspondente ao número total de matrículas na Educação Básica era ainda menor: 0,004%.

Oliveira et al. (2018) fizeram uma análise do índice censitário de matrículas de alunos com AH/SD nas escolas da Educação Básica, públicas e privadas, dos municípios com mais de 200.000 habitantes do estado de São Paulo, nas dependências federais, estaduais e municipais. O estudo aponta, nos municípios analisados, percentuais muito baixos de matrículas de alunos com AH/SD sobre as matrículas totais, bem aquém do percentual mínimo probabilístico de 3% estabelecido no relatório Marland (1972). Um exemplo é o município de São Paulo, que deveria apresentar um número de alunos com AH/SD de aproximadamente 139.000, mas apresentou apenas 1.772 nos anos pesquisados, ou seja, 0,06% dos alunos matriculados.

Pereira e Rangni (2018) pesquisaram o índice censitário das matrículas de alunos com AH/SD nas escolas de Educação Básica da Região Intermediária de Salvador no período de 2010 a 2017. Números muito reduzidos de alunos com AH/SD foram identificados em cada município nos oito anos da análise, inclusive na cidade de Salvador. O maior número de alunos com AH/SD identificados nessa capital foi 121, no ano de 2017, em classes comuns, em um total de 527.801 matrículas na Educação Básica, o que equivale a um percentual de pouco mais de 0,02% de alunos com AH/SD.

Faveri e Heinzle (2019) apontam a sub-representação de alunos com AH/SD nos sistemas educacionais do Brasil e os desafios que eles enfrentam para serem identificados e apoiados nas redes de ensino. O artigo enfatiza o alto grau de subnotificação de matrículas de alunos com AH/SD no Censo Escolar, citando, como exemplo, que o número total de matrículas desses alunos era de apenas 22.161 em 2018 mas que, levando em consideração o número total de 48.455.867 matrículas na Educação Básica, o número de estudantes com AH/SD deveria ser de 2.422.793, de acordo com as estimativas da OMS.

Oliveira e Rangni (2019) realizaram um estudo, relativo ao ano de 2018, sobre a distribuição das matrículas de alunos com AH/SD nas cinco Regiões do Brasil, com base em dados oficiais, apontando a realidade de subidentificação desse tipo de alunado nas redes de ensino do país. Os percentuais de participação das matrículas de AH/SD sobre o total de matrículas na Educação Básica encontrados, para as cinco Regiões, foram os seguintes: 0,04% (Norte), 0,02% (Nordeste), 0,08 % (Centro Oeste), 0,03% (Sudeste) e 0,1% (Sul).

Vinente e Galvani (2020) analisaram a implementação da Política Nacional de Educação Especial (PNEE) em Manaus, utilizando indicadores de matrícula de estudantes público da Educação Especial entre 2014 e 2017. Foi constatada uma ínfima presença de matrículas de alunos com AH/SD. Com base em dados da Secretaria Municipal de Educação, foram identificados apenas cinco alunos com esse perfil na Educação Básica, contra 2.100 alunos com deficiência intelectual e 834 com autismo no ano de 2017, um caso notável de subnotificação de alunos com AH/SD.

Schmengler et al. (2020) mostram a ausência de matrículas, no ano de 2017, de alunos com AH/SD na maior escola da rede municipal de educação de Agudo, município da região central do Rio Grande do Sul. Para obter informações sobre o número de matrículas de alunos com AH/SD, foi realizado contato, via e-mail, com as coordenadorias de educação municipal e estadual do referido município. A Secretaria de Educação do Rio Grande do Sul, em junho de 2018, informou que não havia nenhuma matrícula de alunos com AH/SD na Rede Estadual de Educação de Agudo. O mesmo ocorreu com as informações repassadas pela Secretaria Municipal de Educação.

Oliveira (2021) mostra que, no ano de 2014, havia mais de 3,3 milhões de alunos com AH/SD nos EUA. Isso representava 5,96% do total de, aproximadamente, 55,9 milhões de alunos nos níveis elementar e médio do sistema de ensino. No entanto, no Brasil, em 2014, foram registradas apenas 13.308 matrículas de alunos com AH/SD no Censo Escolar, em um universo de 49,7 milhões de matrículas na Educação Básica. Esse número equivalia a uma parcela ínfima do total (0,0267%).

Kravicz et al. (2022) analisaram a eficiência da política pública do município de Matinhos, localizado no Paraná, na identificação e atendimento de alunos com AH/SD, utilizando dados do Censo Escolar da Educação Básica de 2011 a 2021. O estudo destacou o baixo número de alunos identificados com AH/SD no Censo, em comparação a estimativas de especialistas. Os autores atribuíram essa subnotificação à falta de diálogo institucional entre os sistemas educacionais municipais e estaduais. Outra causa apontada foi a ausência de definição clara das competências e atribuições dos responsáveis pela identificação de alunos com AH/SD e pelo registro dessas matrículas no Censo Escolar.

Brero e Rondini (2022), ao analisarem dados do Censo Escolar e da Sinopse Estatística, buscaram responder às prováveis causas para a grande diminuição do número de matrículas de alunos com AH/SD em 2020, em comparação a 2019. O estudo aponta falhas na identificação, na coleta e no registro dos dados relativos às matrículas de alunos com AH/ SD, resultando em um cenário de subnotificação desses números.

Por fim, Oliveira (2024) mostra que a causa da superestimação do número de matrículas de alunos com AH/SD, em 2019, no Censo Escolar, foi decorrente de erro de registro dos sistemas. O artigo discute algumas falhas desses sistemas e propõe algumas medidas que poderiam melhorar sua eficiência, qualidade e precisão.

2 Objetivo

O objetivo deste estudo foi analisar o nível de subnotificação de matrículas de alunos com AH/SD, comparando os números oficiais de matrículas de alunos com AH/SD, no Brasil, Unidades Federativas e municípios, publicados no Censo Escolar da Educação Básica e na Sinopse Estatística da Educação Básica (Inep, 2022a, 2022b); com os números calculados com base nas estimativas realizadas por diversos especialistas no assunto, como Marland (1972), Gagné (2008) e Renzulli (2014, 2016).

3 Método

O método adotado está dividido em duas partes: a primeira teve como foco a pesquisa bibliográfica; a segunda consistiu na análise qualitativa e quantitativa dos dados apresentados no trabalho. Ambas as partes do método estão descritas adiante.

3.1 Primeira parte

Em uma primeira etapa desta primeira parte do método, a pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de um levantamento nas seguintes bases de dados científicos: Plataforma de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Periódicos CAPES), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Directory of Open Access Journals (DOAJ). Essas bases foram escolhidas em função da ampla visibilidade e alcance de suas publicações em periódicos de diversas áreas, incluindo a área da Educação Especial, onde se insere o foco da pesquisa deste artigo.

Na plataforma Periódicos CAPES, foram utilizados os seguintes operadores booleanos: [qualquer campo] (matrículas) E [qualquer campo] (altas habilidades/superdotação). A busca recuperou 20 documentos. Um documento estava triplicado e outros três estavam duplicados. Foram selecionados quatro documentos.

Na SciELO, foram utilizados os seguintes operadores: (matrículas [todos os índices]) AND (altas habilidades/superdotação [todos os índices]). O resultado foi um documento recuperado pela pesquisa, que também foi selecionado.

No DOAJ, a busca foi realizada usando os seguintes descritores: (matrículas AND altas habilidades/superdotação) [All Fields]. A busca resultou em sete documentos, sendo dois selecionados.

Os critérios de inclusão adotados, para os documentos recuperados em cada uma das bases de dados citadas, foram os seguintes: a) Documentos com acesso aberto; b) Data de corte a partir de 2011; c) Documentos em língua portuguesa; e d) Documentos que continham nos títulos, nos resumos, ou nas palavras-chave o assunto “matrículas de Altas Habilidades/ Superdotação”. Todos os documentos que não satisfizeram os critérios adotados foram excluídos. Após essa etapa, quatro artigos científicos foram selecionados por estarem de acordo com os critérios estabelecidos e foram lidos na íntegra. A Figura 1 resume a primeira etapa de identifi cação e triagem de documentos nas bases científicas pesquisadas.

Figura 1
Primeira etapa de identificação e triagem de documentos nas bases científicas

Os quatro documentos selecionados foram: Pérez e Freitas (2011), Faveri e Heinzle (2019), Schmengler et al. (2020), Brero e Rondini (2022).

Constatado o reduzido número de documentos selecionados nas bases Periódicos CAPES, SciELO e DOAJ, após os filtros empregados, foi realizada outra etapa de busca, desta vez nas bases acadêmicas Bielefeld Academic Search Engine (BASE), Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) e Google Acadêmico, na tentativa de obter mais documentos que preenche ssem os critérios empregados na pesquisa inicial, com o objetivo de ampliar, dessa forma, a base bibliográfica a ser analisada.

Na BASE, foi realizada a busca com os descritores: [Entire Document] (matrículas E altas habilidades/superdotação). A busca resultou em 13 documentos, com dois deles duplicados. No total, quatro documentos foram selecionados.

Na plataforma da BDTD, a busca foi realizada com os seguintes operadores: (matrículas [Todos os campos] [TODOS os termos]) E (altas habilidades/superdotação [Todos os campos] [TODOS os termos]). A busca resultou em 35 documentos. Nenhum deles foi selecionado por não atender aos critérios adotados.

No Google Acadêmico, foram empregados os seguintes descritores: (“matrículas” E “altas habilidades/superdotação”). Foram encontrados 5.660 documentos e selecionados 12 documentos que corresponderam aos critérios de inclusão/seleção.

A Figura 2 resume a segunda etapa de identificação e triagem de documentos nas bases científicas pesquisadas.

Figura 2
Segunda etapa de identificação e triagem de documentos nas bases científicas

O mesmo procedimento descrito para inclusão e exclusão de documentos, explicado na primeira etapa, foi aplicado também nesta segunda etapa de triagem. Excluídos os documentos duplicados, além dos quatro documentos encontrados na primeira etapa da busca, foram encontrados os seguintes documentos: Rangni e Costa (2011), Pérez e Freitas (2014), Oliveira et al. (2018), Pereira e Rangni (2018), Oliveira e Rangni (2019), Vinente e Galvani (2020), Oliveira (2021) e Kravicz et al. (2022). Foram, portanto, oito documentos no total, os quais não foram encontrados na primeira etapa de identificação e triagem: quatro artigos científicos publicados em revistas indexadas, duas publicações em congressos científicos, outra em encontro científico e um texto de discussão.

A pesquisa em todas as bases utilizadas foi realizada entre os dias 27 de setembro e 7 de novembro de 2023.

3.2 Segunda parte

A segunda parte do método tratou da análise quantitativa dos dados e teve caráter documental. Os dados de números de matrículas totais e de matrículas de alunos com AH/SD, usados neste artigo, tiveram como fonte o Censo Escolar da Educação Básica para o período de 2000 a 2020 e a Sinopse Estatística da Educação Básica para os anos de 2021 e 2022, ambos publicados pelo Inep (2022a, 2022b). Esse procedimento foi adotado porque, no Censo Escolar, em decorrência da aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) – Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018 –, não foi mais possível obter, como ocorria até o ano de 2020, os números de matrículas de alunos com AH/SD. Desde o ano de 2021, esses números passaram a ser divulgados, no Censo Escolar, em um número agregado de matrículas da Educação Especial. Esse bloc o inclui também números dos outros dois segmentos da Educação Especial, isto é, números de matrículas de alunos com deficiência e com Transtorno do Espectro Autista (TEA). A coleta de dados foi realizada entre maio e junho de 2023.

O programa Excel foi utilizado para tabular e ordenar os dados, a fim de elaborar as tabelas e os gráficos. O diagnóstico buscou avaliar a diferença entre os números reais de matrículas de AH/SD e os números calculados com base nas estimativas dos diversos especialistas no tema, partindo do nível mais agregado, com os dados do Brasil, passando pelos dados das Unidades Federativas (Estados e Distrito Federal) até chegar, por último, aos dados de municípios selecionados para a análise.

Em nível municipal, em um primeiro caso, foram selecionados os 30 municípios com os maiores números absolutos de matrículas de alunos com AH/SD, de acordo com os dados oficiais. Em um segundo caso, 30 municípios com os maiores percentuais relativos de matrículas de alunos com AH/SD foram selecionados. Esse indicador foi calculado como o quociente, multiplicado por cem, entre o número de alunos com AH/SD e o número total de alunos da Educação Básica da unidade geográfica analisada, conforme os dados oficiais. O indicador foi utilizado para verificar a extensão da subnotificação dos dados de matrículas de alunos com AH/SD, comparando-o ao percentual probabilístico de 3% de população com AH/SD – limite inferior de Marland (1972) –, adotado como critério de corte. Se a proporção de alunos com AH/SD em relação ao número total de alunos da Educação Básica for menor que o percentual probabilístico de 3% – limite inferior de Marland (1972) –, ficará evidenciada a existência de subnotificação nas unidades geográficas analisadas.

4 Resultados e discussão

Nesta seção, será apresentada uma análise quantitativa e descritiva dos dados de matrículas de alunos com AH/SD, de caráter documental, tendo como fontes o Censo Escolar e a Sinopse Estatística da Educação Básica (Inep, 2022a, 2022b).

4.1 Análise dos dados

É importante observar que o número de 26.815 matrículas de alunos com AH/SD, no ano de 2022, de acordo com os dados oficiais, está muito aquém das estimativas de alguns especialistas sobre o potencial número de indivíduos com AH/SD existentes na população de um país. De acordo com o Marland Report (Marland, 1972), no mínimo de 3,0% a 5,0% da população dos EUA teria AH/SD. E os números oficiais de matriculados com AH/SD estão ainda mais distantes do percentual estimado por Gagné (2008), que seria de 10% do total, ou de 20%, conforme estimativas de Renzulli (2014, 2016) para o pool de talentos, isto é, superdotados acadêmicos e de outros tipos, como o criativo-produtivo. Sobre essa questão, Virgolim (2014) faz o seguinte comentário:

[...] os autores do Modelo deixam claro que este é um processo flexível, que busca dar acesso a mais alunos ao programa (espera-se que em torno de 15 a 20% dos alunos de uma escola possam ser identificados como tendo altas habilidades em alguma área), e que deve estar em consonância com as necessidades percebidas pelos professores na sala de aula regular. (p. 15)

A Tabela 1 a seguir traz um comparativo, para o Brasil, entre os números totais de matrículas de alunos na Educação Básica, números de matrículas de alunos com AH/SD, suas respectivas taxas de crescimento (Δ%), estimativas segundo as fontes citadas e a participação relativa (%) dos números oficiais de matrículas de alunos com AH/SD em relação aos números estimados por cada especialista.

Tabela 1
Estimativas do número de matrículas de alunos com AH/SD na Educação Básica do Brasil (2000-2022)

Observando a Tabela 1, nota-se o grande hiato entre os números estimados de matrículas de alunos com AH/SD na Educação Básica, com base nas estimativas dos diferentes especialistas mencionados, e os números reais de matrículas de alunos com AH/SD registrados no Censo Escolar (Inep, 2022a) e Sinopse Estatística (Inep, 2022b). Considerando, como referência comparativa, o limite inferior de 3,0% de Marland (1972), em 2022 deveriam existir 1 milhão 421 mil matrículas de alunos com AH/SD no Brasil. Entretanto, naquele ano, havia somente 26.815 matrículas de alunos com esse perfil. Isso corresponde a um percentual de apenas 1,62% do potencial estimado com base nos 3% do limite inferior de Marland e uma fração de tão somente 0,057% do número total de matrículas na Educação Básica em 2022. Se aplicado o limite superior de 5,0% de Marland, deveriam estar registradas 2 milhões 369 mil matrículas de alunos com AH/SD. Pelo percentual de 10% de Gagné (2008), seriam 4 milhões 738 mil matrículas de alunos. De acordo com o critério de Renzulli (2014, 2016) para o pool de talentos, seriam 9 milhões 476 mil matrículas de alunos, ou 20% da população com habilidades do tipo acadêmico e de outros tipos, como o criativo-produtivo.

Para alcançar o percentual de 3,0% de matrículas de AH/SD sobre o número total de matrículas na Educação Básica, considerando que o percentual real, em 2022, foi de apenas 0,057% e que a taxa anual média de crescimento do número de matrículas de AH/SD, entre 2000 e 2022, foi de 18,87%, desde que essa taxa anual média de crescimento se mantenha constante, seriam necessários, aproximadamente, 23 anos.

O Gráfico 1 representa o crescimento anual do número de matrículas de alunos com AH/SD no período de 2000 a 2022.

Gráfico 1
Taxa de crescimento anual (%) do número de matrículas de alunos com AH/SD no Brasil (2000 a 2022)

No gráfico, observa-se que as taxas de crescimento do número de matrículas de alunos com AH/SD, no período analisado, foram bastante oscilantes, alternando anos de elevado crescimento, como ocorreu em 2001 (29,8%), 2003 (50,9%), 2006 (43,6%), 2009 (52,7%) e 2010 (63,3%), e anos de baixo crescimento ou de crescimento negativo. No geral, a tendência de crescimento do número de matrículas, mostrada pela linha reta que corta o gráfico, revela-se declinante no período, indicando que as taxas de crescimento elevadas do início da série desaceleraram.

Para analisar os dados de matrículas de alunos com Altas Habilidades/Superdotação (AH/SD) de forma mais desagregada no Brasil, a subseção seguinte tratará do número e dos percentuais de matrículas de alunos com AH/SD nas Unidades Federativas e em municípios selecionados.

4.2 Estimativas de números de matrículas de alunos com AH/SD e percentuais de matrículas de Alunos com AH/SD nas Unidades Federativas e em municípios selecionados do Brasil

A Tabela 2, a seguir, apresenta as estimativas de números de matrículas de AH/SD por Unidades Federativas para o ano de 2022. Os dados são oriundos da Sinopse Estatística da Educação Básica de 2022 (Inep, 2022b).

Tabela 2
Estimativas do número de matrículas de alunos com AH/SD na Educação Básica das Unidades Federativas (2022)

Em 2022, de acordo com os dados da Tabela 2, as três Unidades Federativas com maior número total de matrículas de alunos com AH/SD, pela ordem, foram: Paraná (4.963), São Paulo (2.927) e Distrito Federal (2.187). O menor número de matrículas foi de Sergipe, com 93 matrículas. No entanto, esses números estão muito aquém dos números potenciais de matrículas de alunos com AH/SD quando aplicadas as estimativas dos especialistas mencionados na tabela. Considerando o limite inferior de 3% de Marland (1972), Paraná, São Paulo e Distrito Federal, as três Unidades Federativas com maior registro de matrículas de alunos com AH/SD, deveriam ter os seguintes números: 74.472, 300.872 e 19.311, respectivamente. Por outro lado, se aplicado o percentual de 20% de Renzulli (2014, 2016) para o pool de talentos, os números para essas três Unidades Federativas deveriam ser de 496.483, 2.005.814 e 128.740 alunos, respectivamente.

Esses elevados níveis de subnotificação, conforme mostrados na Tabela 2, estão de acordo com os resultados encontrados por Pérez e Freitas (2011), que apontaram os ínfimos números de matrículas de alunos com AH/SD no Censo Escolar no período entre 1999 e 2002; e também no caso do estudo de Oliveira (2021), cujos resultados cobrem um período mais amplo, de 2000 a 2018.

O Gráfico 2, a seguir, mostra o percentual de matrículas de alunos com AH/SD em relação ao número total de matrículas na Educação Básica das Unidades Federativas, comparando com o limite inferior de 3% da estimativa de Marland (1972).

Gráfico 2
Percentual de matrículas de alunos com AH/SD em relação ao número total de matrículas na Educação Básica das Unidades Federativas

Como pode ser visto no Gráfico 2, o maior percentual de matrículas de alunos com AH/SD em relação ao número total de matrículas na Educação Básica é do Distrito Federal (0,34%). Mesmo assim, esse número está bem distante do limite inferior de Marland (1972), que é de 3,0% de uma população com AH/SD. Esse resultado indica que, em todas as Unidades Federativas, há um grau muito significativo de subnotificação de matrículas de alunos com AH/SD que deveriam estar registrados no Censo Escolar e na Sinopse Estatística da Educação Básica.

A Tabela 3, a seguir, apresenta os dados de 30 municípios brasileiros, no ano de 2022, de acordo com o ranking, com os maiores números de matrículas de alunos com AH/ SD. Os dados têm como fonte a Sinopse Estatística da Educação Básica de 2022 (Inep, 2022b).

Município N° de matrículas na Educação Básica (1) N°de matrículas de AH/SD (2) (1)/ (1)*100 Mailand (3,0% a 5%) Gagné (5) (2)/(5)*100 Renzulli1 (6) (2)/(6)*100 Limite Inferior (3) (2)/(3)*100 Limite Superior (4) (2)/(4)*100 Brasüia (DF) 643.698 2.187 0,3398 19.311 11,33 32.185 6,80 64.370 3,40 128.740 1,70 Curitiba (PR) 378.088 1.431 0,3785 11.343 12,62 18.904 7,57 37.809 3,78 75.618 1,89 São José dos Campos (SP) 162.302 856 0,5274 4.869 17,58 8.115 10,55 16.230 5,27 32.460 2,64 São Paulo (SP) 2.693.361 551 0,0205 80.801 0,68 134.668 0,41 269.336 0,20 538.672 0,10 Poços de Caldas (MG) 33.113 500 1,5100 993 50,33 1.656 30,20 3.311 15,10 6.623 7,55 São Luís (MA) 251.017 500 0,1992 7.531 6,64 12.551 3,98 25.102 1,99 50.203 1,00 Rio de Janeiro (RJ) 1.310.275 493 0,0376 39.308 1,25 65.514 0,75 131.028 0,38 262.055 0,19 Lavras (MG) 21.197 392 1,8493 636 61,64 1.060 36,99 2.120 18,49 4.239 9,25 Londrina (PR) 115.310 384 0,3330 3.459 11,10 5.766 6,66 11.531 3,33 23.062 1,67 Assis (SP) 21.041 366 1,7395 631 57,98 1.052 34,79 2.104 17,39 4.208 8,70 Vitória (ÉS) 82.195 349 0,4246 2.466 14,15 4.110 8,49 8.220 4,25 16.439 2,12 Campo Grande (MS) 203.793 321 0,1575 6.114 5,25 10.190 3,15 20.379 1,58 40.759 0,79 Macapá (AP) 115.107 295 0,2563 3.453 8,54 5.755 5,13 11.511 2,56 23.021 1,28 Chapecó (SC) 55.837 293 0,5247 1.675 17,49 2.792 10,49 5.584 5,25 11.167 2,62 João Pessoa (PB) 169.839 286 0,1684 5.095 5,61 8.492 3,37 16.984 1,68 33.968 0,84 São José dos Pinhais (PR) 73.125 262 0,3583 2.194 11,94 3.656 7,17 7.313 3,58 14.625 1,79 Porto Alegre (RS) 290.421 245 0,0844 8.713 2,81 14.521 1,69 29.042 0,84 58.084 0,42 Angra dos Reis (RJ) 40.248 222 0,5516 1.207 18,39 2.012 11,03 4.025 5,52 8.050 2,76 Teresina (PI) 199.417 222 0,1113 5.983 3,71 9.971 2,23 19.942 1,11 39.883 0,56 Serra (ES) 121.322 216 0,1780 3.640 5,93 6.066 3,56 12.132 1,78 24.264 0,89 Florianópolis (SC) 121.987 207 0,1697 3.660 5,66 6.099 3,39 12.199 1,70 24.397 0,85 Boa Vista (RR) 104.752 205 0,1957 3.143 6,52 5.238 3,91 10.475 1,96 20.950 0,98 Salvador (BA) 492.729 201 0,0408 14.782 1,36 24.636 0,82 49.273 0,41 98.546 0,20 Maringá (PR) 83.141 195 0,2345 2.494 7,82 4.157 4,69 8.314 2,35 16.628 1,17 Rio Branco (AC) 99.621 191 0,1917 2.989 6,39 4.981 3,83 9.962 1,92 19.924 0,96 Abaetetuba (PA) 46.642 185 0,3966 1.399 13,22 2.332 7,93 4.664 3,97 9.328 1,98 Joinville (SC) 139.943 183 0,1308 4.198 4,36 6.997 2,62 13.994 1,31 27.989 0,65 Toledo (PR) 32.948 159 0,4826 988 16,09 1.647 9,65 3.295 4,83 6.590 2,41 Porto Velho (RO) 125.120 151 0,1207 3.754 4,02 6.256 2,41 12.512 1,21 25.024 0,60 Goiânia (GO) 266.710 146 0.0547 8.002 1.82 13.337 1.09 26.671 0.55 53.346 0.27 Nota. Dados extraídos de Inep (2022b). A estimativa de 20% aplicada se refere ao pool de talentos de Renzulli (2014, 2016) — superdotados do tipo acadêmico e de outros tipos, como o criativo-produtivo.

O total de matrículas de alunos com AH/SD dos municípios da Tabela 3 é de 12.194 registros. Esse número representa 45,5% desse alunado de todo o país em 2022, que foi de 26.815 matrículas. Ao todo, foram computados 2.262 municípios com pelo menos uma matrícula de aluno com AH/SD em 2022. Considerando que existem 5.570 municípios no Brasil, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ([IBGE], 2023), isso corresponderia a pouco mais de 40% dos municípios que registraram pelo menos uma matrícula de alunos com AH/SD em 2022.

Em primeiro lugar na lista, Brasília registrou 2.187 matrículas. A capital federal foi a primeira cidade no Brasil a disponibilizar um serviço de atendimento regular a pessoas com AH/SD, com o Programa de Enriquecimento para Superdotados e Talentosos, criado em 1975 (Fleith, 2005; Wechsler & Fleith, 2017). Em segundo lugar no ranking, veio Curitiba, com 1.431 matrículas. Em terceiro, São José dos Campos, com 856. São Paulo veio em quarto lugar, com 551 matrículas. No entanto, esse número se revela ínfimo quando dividido pelo total de matrículas da Educação Básica no município paulista, resultando em um percentual de apenas 0,02% de matrículas de alunos com AH/SD na população escolar, muito distante do limite inferior de 3% de Marland (1972). Se fosse aplicado esse percentual, São Paulo deveria ter 80.801 matrículas de alunos com AH/SD. Brasília, Curitiba e São José dos Campos deveriam ter 19.311, 11.343 e 4.869 matrículas, respectivamente. Por outro lado, se aplicada a estimativa de 20% de Renzulli (2014, 2016) para o pool de talentos, São Paulo deveria ter registradas 538.672 matrículas; e Brasília, Curitiba e São José dos Campos deveriam ter 128.740, 75.618 e 32.460 matrículas, respectivamente. Essas simulações mostram o quão distantes estão os números atuais de matrículas de alunos com AH/SD registrados no Censo Escolar e na Sinopse Estatística, relativamente aos percentuais estimados pelos especialistas.

Esses resultados, mostrados na Tabela 3, estão alinhados aos de Oliveira et al. (2018), que, ao analisarem números de matrículas de escolas das redes pública e privada, nas dependências federais, estaduais e municipais de municípios com mais de 200.000 habitantes do estado de São Paulo, encontraram percentuais muito reduzidos de matrículas de alunos com AH/SD sobre as matrículas totais. O município de São Paulo, por exemplo, que deveria apresentar um número de alunos com AH/SD de aproximadamente 139.000, quando aplicado o percentual mínimo probabilístico de 3% estabelecido no relatório Marland (1972), teve identificados apenas 1.772 estudantes nos anos pesquisados, representando 0,06% do total de alunos matriculados. Na Tabela 3, o percentual para o ano de 2022 para a capital paulista foi ainda menor, aproximadamente 0,02%.

Outro trabalho que pode ser citado é o de Pereira e Rangni (2018), o qual analisou o índice censitário das matrículas de alunos com AH/SD nas escolas de Educação Básica da Região Intermediária de Salvador no período de 2010 a 2017. Números reduzidos de alunos com AH/ SD foram identificados em cada município nos oito anos analisados, incluindo Salvador. O maior número de alunos com AH/SD identificados nesse caso foi 121, em 2017, em classes comuns, em um total de 527.801 matrículas na Educação Básica, o que indica um percentual de pouco mais de 0,02% de alunos com AH/SD na capital baiana naquele ano. O percentual de Salvador encontrado na Tabela 3, para o ano de 2022, foi um pouco maior: 0,04%.

Observando a quarta coluna da Tabela 3, nota-se que todos os municípios listados apresentaram percentuais de matrículas de alunos com AH/SD sobre o número total de alunos na Educação Básica inferiores ao limite mínimo de 3,0% segundo Marland (1972). Isso indica que, em todos esses municípios, existe subnotificação de matrículas de alunos com AH/SD nos seus respectivos sistemas de ensino. Os três municípios com os maiores percentuais foram Lavras (MG), com 1,85% de alunos com AH/SD; Assis (SP), com 1,74%; e Poços de Caldas (MG), com 1,51%. Todos esses percentuais, portanto, são inferiores ao limite de 3,0% de Marland (1972).

O Gráfico 3 mostra os 30 municípios com os maiores percentuais de matrículas de alunos com AH/SD sobre o total de matrículas na Educação Básica, em comparação com o limite inferior de 3,0% de Marland (1972). Os dados são da Sinopse Estatística da Educação Básica de 2022 (Inep, 2022b).

Gráfico 3
Percentual de matrículas de alunos com AH/SD em relação ao número total de matrículas na Educação Básica dos municípios selecionados

Barra do Jacaré, no Paraná, foi o município com o maior percentual de matrículas de alunos com AH/SD na Educação Básica em 2022: 3,69%, percentual cerca de 65 vezes maior que o percentual médio do Brasil, que foi de 0,057% (resultado da divisão de 26.815 matrículas de alunos com AH/SD sobre 47.382.074 matrículas totais da Educação Básica em 2022, multiplicado por 100).

O percentual médio de matrículas de alunos com AH/SD dos 30 municípios foi de 1,63%. A maioria deles apresenta reduzida população escolar, por serem municípios pequenos. Dos grandes municípios com os maiores números de matrículas de alunos com AH/SD, mostrados na Tabela 3, nenhum deles está no Gráfico 3, pois seus percentuais de matrículas de alunos com AH/SD são bem inferiores, em comparação aos 30 municípios com os maiores percentuais. Brasília, Curitiba e São José dos Campos, os municípios com os maiores números absolutos de matrículas de alunos com AH/SD (2.187, 1.431 e 856 respectivamente, conforme dados da Tabela 3), têm percentuais de matrículas de alunos com AH/SD, respectivamente de 0,34%, 0,38% e 0,53%, abaixo da média dos municípios do Gráfico 3, que é de 1,63%. São Paulo, a capital mais populosa do Brasil, mas com apenas 551 matrículas de alunos com AH/ SD em 2.693.361 matrículas totais na Educação Básica, tem um percentual de ínfimos 0,02%. Isso é 81,5 vezes menor que a média dos 30 municípios do gráfico.

Ao todo, 12 municípios do Paraná estão representados no Gráfico 3, ou 40% da lista. Por um lado, o destaque do Paraná no gráfico pode ter como explicação plausível o fato de esse estado ter o maior número de programas de Atendimento Educacional Especializado (AEE) a alunos com AH/SD no Brasil. São oito programas no total, segundo Marques (2016). Por outro lado, a maioria das Unidades Federativas dispõe apenas de um único serviço de atendimento, que é aquele fornecido pelos Núcleos de Atendimento de Altas Habilidades (NAAHS).

O fato de apenas dois municípios terem ultrapassado o limite mínimo probabilístico de população com AH/SD (3%) – Barra do Jacaré (3,69%) e Iretama (3,48%) – entre 2.262 municípios com pelo menos uma matrícula com esse perfil em 2022, é um sinal claro do gigantesco nível de subnotificação de matrículas de alunos com AH/SD nos sistemas de ensino do Brasil. A dimensão elevada de subnotificação é corroborada ainda ao considerar que, segundo dados do IBGE, existem 5.570 municípios no Brasil, indicando que quase 60% do total destes ainda não têm registrada nenhuma matrícula de alunos com AH/SD no Censo Escolar.

6 Conclusões

O objetivo deste trabalho foi mostrar a subnotificação dos números de matrículas de alunos com AH/SD no Censo Escolar e na Sinopse Estatística da Educação Básica, comparando aqueles números com os potenciais números estimados por diversos especialistas.

Um dos resultados da análise deste trabalho mostra que, em todas as Unidades Federativas, existe um acentuado nível de subnotificação de matrículas de alunos com AH/ SD. O mesmo ocorre nos 30 municípios com o maior número de matrículas de alunos com esse perfil. Um dos casos mais notáveis é o de São Paulo, com 2.693.361 matrículas totais na Educação Básica em 2022, mas com apenas 551 matrículas de alunos com AH/SD, resultando em um percentual ínfimo de 0,02% desses estudantes em relação ao total de matrículas. Se aplicado o limite inferior de 3% de Marland (1972), em 2022, deveriam estar registradas 80.801 matrículas de alunos com AH/SD na capital paulista, um número muito distante das 551 matrículas efetivamente registradas naquele ano.

Somente dois municípios brasileiros ultrapassaram o percentual probabilístico mínimo de 3% de Marland (1972) de matrículas de alunos com AH/SD. Outro resultado importante aponta que, dos 5.570 municípios existentes no Brasil, quase 60% não registraram sequer uma matrícula desse tipo de alunado. A conclusão é que, no Brasil, apenas uma parcela diminuta de alunos com AH/SD, infelizmente, é identificada e matriculada nos sistemas de ensino, gerando um desperdício gigantesco de capital humano.

Este estudo tem algumas limitações, dentre elas, a de não ter realizado uma investigação sistemática sobre as causas que resultaram na subnotificação de matrículas de alunos com AH/SD apresentada neste trabalho. Esse tipo de investigação fica condicionado à realização de pesquisas futuras sobre o tema.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Maio 2025
  • Data do Fascículo
    2025

Histórico

  • Recebido
    07 Nov 2023
  • Revisado
    10 Abr 2024
  • Aceito
    30 Abr 2024
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