Acessibilidade / Reportar erro

Um trem movido pela força gravitacional

A train that moves using the force of Gravity

Resumos

Apresentamos o conceito de um transporte gravitacional como ilustração a um curso introdutório de gravitação. Dois pontos quaisquer da crosta terrestre, a despeito das dificuldades tecnológicas envolvidas, poderiam ser ligados por um túnel através do qual um veículo cairia em queda livre, fazendo uso apenas e tão somente da energia potencial gravitacional. Essa energia disponível está armazenada no campo gravitacional devido à distribuição de massa da Terra. Aperfeiçoamos os cálculos já existentes utilizando distribuições mais realistas, deduzidas a partir de dados experimentais. Esses aperfeiçoamentos conduziram a correções relevantes nos resultados, como por exemplo o tempo de viagem entre dois pontos quaisquer da superfície terrestre.

Palavras-chave:
energia; gravitacional; transporte


We present the concept of a gravitational transport as an illustration to an introductory course of gravitation. Two points on the upper crust of the Earth, despite the technological difficulties involved, could be connected by a straight tunnel. A vehicle would go in free fall through this tunnel, using for that only the gravitational potential energy. This available energy is stored in the gravitational field due to the mass distribution of the Earth. The current calculations for this problem assume a uniform mass distribution. We present new calculations assuming more realistic non uniform mass distributions, obtained from experimental data. These improvements lead to relevant corrections, e.g., to the time elapsed in a travel between these two places on the Earth surface.

Keywords:
energy; gravitational; transport


1. Introdução

Considere um túnel conectando dois pontos da superfície terrestre, ou seja, geometricamente falando, esse túnel seria uma corda da esfera terrestre. Esse túnel deveria ser tão reto de modo que de uma entrada fosse possível ver a saída do outro lado. Um corpo abandonado do repouso num dos lados do túnel cairia em queda livre (numa situação ideal sem qualquer tipo de atrito) com aceleração gravitacional gradualmente diminuída, até que sua componente na direção do eixo do túnel se anule no meio do caminho, a partir de onde passaria a ser, de um modo simétrico, desacelerado. Numa situação ideal em que há conservação da energia mecânica, ou seja, energia potencial gravitacional se transformando em cinética e vice-versa, podemos imaginar uma possibilidade de transporte entre dois pontos da superfície da Terra sem dispêndio extra de energia. Na verdade, do ponto de vista da conservação de energia, podemos considerar o movimento deste corpo como um oscilador harmônico simples, onde se atinge a velocidade máxima no ponto mais baixo da trajetória, ou seja, no meio do túnel. Nas extremidades do túnel toda energia do corpo é gravitacional e portanto sua velocidade é zero.

Um resultado bastante interessante é que, o tempo de viagem entre dois pontos quaisquer da superfície terrestre conectados por um túnel com essa geometria seria sempre o mesmo. Vale dizer, uma viagem com esse meio de transporte (que poderíamos chamar de trem gravitacional) entre São Paulo e Manaus ou entre São Paulo e Tóquio durariam os mesmos 42 minutos e 12 segundos [1[1] A. Redier, La Nature 520, 386 (1883).,2[2] P.W. Cooper, Am. J. Phys. 34, 68 (1966).]. Túneis com geometrias diferentes conduzem a tempos de viagem diferentes. Através de um túnel na forma de uma cicloide [3[3] G. Venezian, Am. J. Phys. 34, 701 (1966).

[4] R.L. Mallett, Am. J. Phys. 34, 702 (1966).
-5[5] L.J. Laslett, Am. J. Phys. 34, 702 (1966).], por exemplo, a viagem duraria cerca de 15 min a menos [6[6] H. Goldstein, C.P. Poole Jr. and J.L. Safko, Classical Mechanics (Pearson, Essex, 2002), 3ª ed.

[7] D.R. Smith, Variational Methods in Optimization (Dover, New York, 1998).
-8[8] J.E. Prussing, Am. J. Phys. 44, 304 (1976).], e esse túnel seria no entanto bem mais profundo.

É claro que todas as dificuldades tecnológicas envolvidas num projeto de engenharia desta natureza ainda não foram transpostas até o momento. O túnel mais profundo que se conseguiu perfurar até o momento tem 12 km e demorou 41 anos para ser feito [9[9] Y.A. Koslovsky, The Superdeep Well of the Kola Peninsula (Exploration of the Deep Continental Crust) (Springer Verlag, Berlin, 1987).]. Ainda não se conhecem materiais capazes de suportar as altas temperaturas e pressões a que seriam submetidas as paredes deste túnel no interior da Terra [10[10] M. Gardner, Am. J. Phys. 213, 3 (1965).]. Produzir vácuo no túnel e algum sistema de levitação para minimizar o atrito também são tarefas tecnológicas consideráveis [11[11] L.K. Edwards, Am. J. Phys. 213, 2 (1965).]. Em que pese estar a factibilidade deste projeto bastante reduzida devido a todos esses obstáculos tecnológicos, consideramos muito instrutiva a abordagem deste problema teórico com a finalidade de ilustrar uma aplicação da teoria de gravitação clássica.

Recentemente, Klotz [12[12] A.R. Klotz, Am. J. Phys. 83, 231 (2015).] apresentou um modelo mais realístico para a Terra, no qual sua densidade não é considerada uniforme. Desse modo, o túnel representado pela corda da esfera terrestre atravessa diversas cascas com densidades diferentes entre si e a modelagem geológica é construída a partir da base de dados denominada Preliminary reference Earth model (PREM) [13[13] A.M. Dziewonski and D.L. Anderson, Physics of the Earth and Planetary Interiors 25, 297 (1981).]. Outro modelo, baseado em considerações termodinâmicas e astrofísicas [14[14] S. Chandrasekhar, An Introduction to the Study of Stellar Structure (Dover Publications Inc, New York, 2003).], foi tratado posteriormente na referência [15[15] W.D. Pesnell, Am. J. Phys. 84, 192 (2016).] e, também, estendido para outros corpos celestes. Aqui cabe a menção de que o modelo se aplica perfeitamente às estrelas, em particular ao Sol.

Trataremos o problema de três maneiras: primeiro, nos moldes de [1[1] A. Redier, La Nature 520, 386 (1883).,2[2] P.W. Cooper, Am. J. Phys. 34, 68 (1966).], nos quais considera-se que a densidade da Terra é constante e, em consequência, a partícula executa o Movimento Harmônico Simples (MHS). Em seguida, através de um modelo esquemático, em que a densidade passa a depender de um parâmetro N, e que pode ser prontamente remetido ao MHS com uma determinada escolha deste parâmetro. A terceira abordagem é a mais realista possível, pois ela vai incorporar os próprios dados do PREM, que podem ser reunidos na expressão da densidade por intermédio de funções degrau.

2. Queda livre no túnel gravitacional

Considere um trem gravitacional em queda livre em um túnel perfurado ao longo de um diâmetro da Terra. Comparando-se as dimensões do trem gravitacional com as dimensões da Terra (o raio da Terra tem valor R = 6371 km), o trem pode ser considerado como uma partícula, e a análise para a partícula valerá também para o trem. O túnel passará pelo centro da Terra, sendo assim, ele atravessará todas as camadas com diferentes densidades que existem no interior da Terra. Segundo a teoria da gravitação universal de Newton, uma partícula, imersa em uma distribuição esfericamente simétrica de matéria e localizada a uma distância r do centro desta distribuição, r sendo menor do que o raio R da distribuição, percebe apenas a atração gravitacional da matéria contida na esfera interna de raio r, pois as forças gravitacionais sobre esta partícula exercidas pela matéria contida nas camadas com valores de raio superiores a r se cancelam e não produzem efeito, portanto a aceleração a(r) de um corpo caindo no túnel sob a ação da gravidade deve ser relacionada à massa M(r) contida na esfera interna cujo raio coincide com a reta que liga o centro da Terra ao ponto do túnel onde a partícula está localizada. O módulo da aceleração da gravidade na superfície, |a(R)|, vai ser representado por g, e a massa total da Terra, M(R), vai ser representada por M. Segundo a lei da gravitação universal de Newton segue que a aceleração da partícula em queda livre no túnel, cujo valor se identifica com a aceleração da gravidade no local, vai ser dada por [14[14] S. Chandrasekhar, An Introduction to the Study of Stellar Structure (Dover Publications Inc, New York, 2003).,16[16] P.A. Tipler e G. Mosca, Física Para Cientistas e Engenheiros - Vol. 1 (LTC, Rio de Janeiro, 2006), 5ª ex.]

(1) a ( r ) = - G M ( r ) r 2 g = G M R 2 .

Logo, podemos expressar a(r) em termos de g como

(2) a ( r ) = - G M R 2 M ( r ) M R 2 r 2 = - g M ( r ) R 2 M r 2 .

Contudo, a massa da esfera interna concêntrica à distribuição esférica pode ser obtida através da densidade ρ(r) como

(3) M ( r ) 4 π = 0 r ρ ( r ) r 2 d r .

Considerando que a densidade no centro da Terra seja ρc, e que a densidade (do ar) na superfície possa ser desprezada, podemos expressar a densidade em termos de uma função f(r), que se anula em r=0, e que toma o valor ρc em r=R,

(4) ρ ( r ) = ρ c - f ( r ) .

Segue então que,

(5) M ( r ) 4 π = 0 r ρ c - f ( r ) r 2 d r = ρ c r 3 3 - 0 r r 2 f ( r ) d r = ρ c r 2 3 r - 3 ρ c r 2 0 r r 2 f ( r ) d r = ρ c r 2 3 r - h ( r ) .

A razão entre as massas, da esfera interna e da Terra, é dada por

(6) M ( r ) M = r 2 R 2 r - h ( r ) R - h ( R ) ,

logo

(7) M ( r ) R 2 M r 2 = r - h ( r ) R - h ( R ) .

Portanto, da equação (2) decorre que a aceleração da partícula é dada por

(8) a ( r ) = - ω 2 r - h ( r ) ,

onde ω é uma constante com dimensão de frequência angular cujo quadrado é

(9) ω 2 = g R - h ( R ) .

Como não se trata de Movimento Harmônico Simples (a não ser que h(r) se anule), o que é evidente na equação (8), o valor de ω não coincide com a frequência real do movimento.

Com uma análise baseada no equilíbrio hidrostático, semelhante à abordada na Mecânica dos Fluidos, verifica-se que o decremento da pressão no interior da Terra à medida que se avança em direção à sua superfície de um comprimento infinitesimal dr, é dado por dP=ρ(r)a(r)dr [14[14] S. Chandrasekhar, An Introduction to the Study of Stellar Structure (Dover Publications Inc, New York, 2003).,17[17] C.M.R. Fowler, The Solid Earth - An Introduction to Global Geophysics (Cambridge University Press, Cambridge, 2005), 2ª ed.], em que a(r) é negativo (equação (8)). Assumindo que a pressão (atmosférica) na superfície da Terra seja desprezível, a pressão no interior da Terra pode ser obtida da integração

(10) P ( r ) = R r ρ ( r ) a ( r ) d r .

Se a densidade for dada em g/cm3, a aceleração em m/s2 e o comprimento em Mm, resulta que pressão será dada em GPa.

A mudança para coordenadas cartesianas vai ser implementada orientando-se o túnel no sentido vertical(z) com a origem no centro da Terra, conforme a Figura 1.

Figura 1
Túnel através de um diâmetro da Terra.

No centro da Terra a aceleração se anula enquanto a velocidade atinge o seu valor máximo vc. Para z<0, as equações serão simétricas e irão produzir os mesmos resultados, logo elas não precisam ser analisadas. Neste caso, as equações relevantes, para z>0, são:

a) A equação da densidade no interior da Terra, equação (4), nas novas coordenadas é reescrita como

(11) ρ ( z ) = ρ c - f ( z ) , f ( 0 ) = 0 , f ( R ) = ρ c .

Chamaremos a atenção para a função f(z), que será o ponto de partida para o presente trabalho, pois a densidade da Terra será estabelecida em função da escolha de f(z). Quanto mais adequada for esta escolha, mais realistas serão os resultados encontrados.

O modelo proposto por Pesnell [15[15] W.D. Pesnell, Am. J. Phys. 84, 192 (2016).] também é tratado por meios numéricos e poderíamos encontrar as funções f(z) e h(z) associadas ao mesmo e tratá-lo com o formalismo aqui descrito.

b) A equação da aceleração da partícula, equação (8), nas novas coordenadas é reescrita como

(12) a ( z ) = - ω 2 z - h ( z ) ,

onde a constante ω já foi apresentada na equação (9) e a função h(z), tendo em vista a equação (5), é definida como

(13) h ( z ) 3 ρ c z 2 0 z z 2 f ( z ) d z .

Uma pequena análise nos permite localizar as posições onde a partícula se move com aceleração máxima ou mínima. Sendo assim, derivando a aceleração, equação (12), obtemos o seguinte resultado

(14) d a d z = - ω 2 1 - d h d z .

Em seguida, computando a derivada de h(z) diretamente da equação (13) e substituindo na equação anterior, obtemos

(15) d a d z = - ω 2 1 + 2 h ( z ) z - 3 f ( z ) ρ c .

Os pontos de máximos ou mínimos da aceleração estão localizados nas posições z̃ onde a sua derivada se anula; portanto, as soluções da equação

(16) 3 f ( z ̃ ) ρ c - 2 h ( z ̃ ) z ̃ = 1

nos fornecem estas posições. Por exemplo, a expressão anterior, facilmente, gera resultados do tipo:

(17) f ( z ) = ρ c z R N aceleração máxima na posição z = N + 3 3 N + 3 N R .

Com esta expressão para f(z), a aceleração, que será denotada por aN(z), pode ser diretamente calculada da equação (12) como

(18) a N ( z ) = - ω 2 z 1 - 3 ( N + 3 ) z R N , ω 2 = g R 1 - 3 N + 3 .

É interessante perceber que à medida que N se aproxima do infinito, aN(z) se aproxima da aceleração do MHS, com o quadrado da frequência angular dada por ω2=gR, ou seja,

(19) a ( z ) = a M H S ( z ) .

c) A equação da pressão no interior da Terra, equação (10), nas novas coordenadas é reescrita como

(20) P ( z ) = R z ρ ( z ) a ( z ) d z .

Uma análise da expressão,

(21) d P d z = ρ ( z ) a ( z ) ,

nos permite inferir que teremos um mínimo da pressão na superfície da Terra onde a densidade ρ(R) se anula e um máximo de pressão no centro da Terra onde a aceleração a(0) se anula.

d) De um modo geral, a equação (12) nos remete a uma equação diferencial de segunda ordem não linear cuja solução, que pode ser obtida por vias analíticas ou pelo procedimento numérico, nos fornece a posição z(t), a velocidade z˙(t) e a aceleração z¨(t) da partícula em função do tempo. O ponto denota derivada temporal. A partir destas equações, podemos inferir o tempo do movimento; a equação diferencial e as condições de contorno são dadas por

(22) z ¨ ( t ) = - ω 2 z - h ( z ) , z ( 0 ) = R , z ˙ ( 0 ) = 0 .

No caso da densidade ser constante, uma solução algébrica pode ser prontamente encontrada, pois a função f(z) e consequentemente h(z) devem ser nulas, assim como a constante h(R). Portanto, considerando a equação (12), trata-se de um MHS com frequência angular dada por ω2=gR, como pode ser verificado a partir da equação (9). Uma vez que a densidade é constante, seu valor deve coincidir com a densidade média da Terra. Sendo assim, considerando os valores disponibilizados no PREM [13[13] A.M. Dziewonski and D.L. Anderson, Physics of the Earth and Planetary Interiors 25, 297 (1981).], g=9,8156m/s2, R=6,371Mm e ρ¯=3M4πR3=5,514g/cm3, podemos obter os valores do período do movimento da partícula, da velocidade máxima atingida pela partícula e da pressão máxima exercida sobre as paredes do túnel, empregando as fórmulas convencionais do MHS,

(23) T = 2 π R g ,
(24) v c = g R ,
(25) P c = ρ ¯ g R 2 ,

correspondendo a um tempo de travessia (metade do período) de 42,2 min, uma velocidade máxima (no centro da Terra) de 7,91 km/s e uma pressão máxima (no centro da Terra) de 172 GPa. Contudo, no caso PREM, deveremos utilizar métodos numéricos para encontrarmos uma solução.

3. Distribuição de massa não uniforme

Considerando em seguida os resultados sobre a densidade no interior da Terra como função da profundidade do túnel disponibilizados no PREM, encontramos valores mais realísticos para o período, velocidade máxima e pressão máxima. Para ser mais preciso, a densidade varia de forma irregular ao longo da faixa que abrange todos os valores de profundidade. Entretanto, segundo o PREM, podemos subdividir esta faixa, para efeito da densidade, em dez sub-regiões nas quais a densidade em cada uma delas tem um comportamento regular o suficiente para ser ajustada com uma função polinomial. Os polinômios e seus respectivos domínios de validade serão representados como,

ρ ( z ) = ρ 1 ( z ) p a r a 0 z α 1 , ( Núcleo interno ) ρ 2 ( z ) p a r a α 1 z α 2 , ( Núcleo externo ) ρ 3 ( z ) p a r a α 2 z α 3 , ( Manto inferior ) ρ 4 ( z ) p a r a α 3 z α 4 , ( Zona-1 de transição ) ρ 5 ( z ) p a r a α 4 z α 5 , ( Zona-2 de transição ) ρ 6 ( z ) p a r a α 5 z α 6 , ( Zona-3 de transição ) ρ 7 ( z ) p a r a α 6 z α 7 , ( Zona de baixa velocidade - Litosfera ) ρ 8 p a r a α 7 z α 8 , ( Crosta inferior ) ρ 9 p a r a α 8 z α 9 , ( Crosta superior ) ρ 10 p a r a α 9 z α 10 , ( Oceano )

Podemos, em seguida, com o auxílio de funções do tipo degrau (Heaviside step function) reunir os diversos subsetores e representar a densidade como,

(26) ρ ( z ) = ρ 1 ( z ) [ 1 - θ ( z - α 1 ) ] + ρ 2 ( z ) [ θ ( z - α 1 ) - θ ( z - α 2 ) ] + ρ 3 ( z ) [ θ ( z - α 2 ) - θ ( z - α 3 ) ] + ρ 4 ( z ) [ θ ( z - α 3 ) - θ ( z - α 4 ) ] + ρ 5 ( z ) [ θ ( z - α 4 ) - θ ( z - α 5 ) ] + ρ 6 ( z ) [ θ ( z - α 5 ) - θ ( z - α 6 ) ] + ρ 7 ( z ) [ θ ( z - α 6 ) - θ ( z - α 7 ) ] + ρ 8 [ θ ( z - α 7 ) - θ ( z - α 8 ) ] + ρ 9 [ θ ( z - α 8 ) - θ ( z - α 9 ) ] + ρ 10 [ θ ( z - α 9 ) - θ ( z - α 10 ) ] .

A análise será desenvolvida em seguida: a densidade no centro da Terra tem valor ρc = 13,0885 g/cm3, que deve ser utilizado na equação (11); o raio da Terra tem valor R=6,371Mm; o valor de ω2 (3,656810-6(rads)2) pode ser calculado empregando as equação (9) e equação (13); os valores dos raios onde ocorrem as transições da densidade são dados por,

α 1 = 1 , 2215 M m , α 2 = 3 , 480 M m , α 3 = 5 , 701 M m , α 4 = 5 , 771 M m , α 5 = 5 , 971 M m , α 6 = 6 , 151 M m , α 7 = 6 , 3466 M m , α 8 = 6 , 356 M m , α 9 = 6 , 368 M m , α 10 = 6 , 371 M m .

Os polinômios lidos no PREM [13[13] A.M. Dziewonski and D.L. Anderson, Physics of the Earth and Planetary Interiors 25, 297 (1981).], para a densidade em g/cm3, são dados por

ρ 1 ( z ) = ρ c - 8 , 8381 z R 2 , ρ 2 ( z ) = 12 , 5815 - 1 , 2638 z R - 3 , 6426 z R 2 - 5 , 5281 z R 3 , ρ 3 ( z ) = 7 , 9565 - 6 , 4761 z R + 5 , 5283 z R 2 - 3 , 0807 z R 3 , ρ 4 ( z ) = 5 , 3197 - 1 , 4836 z R , ρ 5 ( z ) = 11 , 2494 - 8 , 0298 z R , ρ 6 ( z ) = 7 , 1089 - 3 , 8045 z R , ρ 7 ( z ) = 2 , 6910 + 0 , 6924 z R , ρ 8 = 2 , 900 , ρ 9 = 2 , 600 , ρ 10 = 1 , 020 .

A função f(z), que aparece na equação (11), pode ser obtida da equação (26) como

(27) f ( z ) = ρ c - ρ 1 ( z ) [ 1 - θ ( z - α 1 ) ] + ρ 2 ( z ) [ θ ( z - α 1 ) - θ ( z - α 2 ) ] + ρ 3 ( z ) [ θ ( z - α 2 ) - θ ( z - α 3 ) ] + ρ 4 ( z ) [ θ ( z - α 3 ) - θ ( z - α 4 ) ] + ρ 5 ( z ) [ θ ( z - α 4 ) - θ ( z - α 5 ) ] + ρ 6 ( z ) [ θ ( z - α 5 ) - θ ( z - α 6 ) ] + ρ 7 ( z ) [ θ ( z - α 6 ) - θ ( z - α 7 ) ] + ρ 8 [ θ ( z - α 7 ) - θ ( z - α 8 ) ] + ρ 9 [ θ ( z - α 8 ) - θ ( z - α 9 ) ] + ρ 10 [ θ ( z - α 9 ) - θ ( z - α 10 ) ] .

Podemos checar se f(z) preenche os pré-requisitos. Desse modo, vamos representar genericamente todos os pontos de transição entre camadas por αi. Logo, para z=0, todos os valores αi fazem com que θ(0-αi) se anulem, pois αi>0. Por outro lado, para z=R, todos os valores αi resultam em θ(R-αi)=1, pois αi<R. Portanto f(0)=0 e f(R)=ρc.

Em seguida, substituímos f(z) da equação (27) na equação (13) para ser utilizado na equação diferencial dada pela equação (22). Por sua vez, esta última pode ser resolvida pelo método numérico, o que nos habilita a construir os gráficos da posição (Figura 2), velocidade (Figura 3) e aceleração (Figura 4) da partícula. Então, com uma análise detalhada da solução e dos gráficos, que pode ser feita na saída do aplicativo que os originaram, verifica-se que o intervalo de tempo em que a partícula, inicialmente em repouso na posição z=R (superfície da Terra), atinge a origem (centro da Terra) é de 1146 s e com uma velocidade de 9,916 km/s, que é sua velocidade máxima. Então, dobrando o valor deste intervalo tempo para abranger a segunda metade do percurso, encontra-se um valor, aproximadamente, de 38,19 min para o tempo total de travessia do túnel. A título de curiosidade, se ω, dado na equação (9), fosse a frequência angular, o que sabemos que não é, o tempo de travessia calculado a partir deste valor seria de 27,38 min, que é bem menor do que o tempo real da travessia.

Figura 2
Posição da partícula em função do tempo (PREM).
Figura 3
Velocidade da partícula em função do tempo (PREM).
Figura 4
Aceleração da partícula em função do tempo (PREM).

A pressão no centro da Terra pode ser calculada diretamente da equação (20), que nos fornece o valor de 363,9 GPa, e que é o valor máximo que a pressão atinge. O gráfico da pressão em função da posição é disposto na Figura 5. Segue também a Tabela 1 com o resumo dos nossos resultados contendo os valores do tempo de queda, posição, velocidade, aceleração da partícula e a pressão nas paredes do túnel nas divisas das diversas camadas que se distinguem entre elas por terem modelos diferentes para a densidade, regidos segundo os polinômios do PREM. Foi acrescentada na tabela uma nova posição β1 referente a um mínimo local da aceleração da gravidade cuja posição foi obtida fazendo-se uso da equação (16).

Figura 5
Pressão no interior da Terra em função da posição (PREM).
Tabela 1
Valores das grandezas nas divisas das camadas no interior Terra.

Tomando como ponto de partida o centro da Terra (z=0), o núcleo externo termina em z=α2 (3480 km acima), com uma densidade de 9,903 g/cm3, dando lugar ao manto inferior com uma densidade de 5,566 g/cm3. Este grande salto na densidade em z=α2 é responsável pelo aumento considerável na aceleração da gravidade que pode ser visualizado como o pico saliente que aparece no gráfico da aceleração plotado na Figura 4.

Durante a queda da superfície até o centro da Terra, nos primeiros 800 segundos, a aceleração da partícula é aproximadamente constante, um pouco acima de g, e ela atinge a velocidade de aproximadamente 8 km/s. Nos últimos 346 segundos, a aceleração sofre uma queda brusca até se anular no centro da Terra e partir de então, o movimento se reverte de forma completamente simétrica. Sendo assim, a natureza se encarregou de moldar as camadas da Terra com a densidade variando de modo a manter, o máximo possível, a aceleração da gravidade no seu interior aproximadamente constante.

Desde que percebemos que o modelo cuja aceleração é dada na equação (18) se identifica com o MHS no limite em que N se aproxima do infinito, fizemos simulações numéricas com alguns valores para N a fim de testar esta identificação. Os resultados foram reunidos na Tabela 2, que contém dados sobre as grandezas densidade, velocidade, pressão, tomadas no centro da Terra, e também sobre o tempo de travessia da partícula através do túnel gravitacional; a densidade no centro da Terra ρc foi vinculada ao valor de N de modo que a massa e o raio da Terra permanecessem constantes. Acrescentamos na tabela os dados referentes ao MHS e ao PREM para finalidade de comparações.

Tabela 2
Grandezas associadas ao túnel gravitacional para diversos modelos.

4. Conclusão e comentários finais

Com o objetivo didático de ilustrar uma aula sobre gravitação universal num ciclo básico de engenharias ou físicas, apresentamos a aplicação desses conceitos fundamentais na construção de um meio de transporte hipotético que faz uso da energia potencial armazenada no campo gravitacional devido à distribuição de massa da Terra. Como uma correção importante, e com o intuito de tornar a proposta mais realista, introduzimos a ideia de uma distribuição não uniforme de massa baseada em evidências empíricas. Esse aperfeiçoamento feito em cálculo realizados anteriormente, baseados numa distribuição uniforme de massa, redundou numa correção significativa no tempo de trânsito.

Também foram obtidos resultados numéricos, nas situações em que uma solução analítica não pode ser produzida. Verificamos, por exemplo, que as camadas no interior da Terra são distribuídas de tal forma que a aceleração resultante é aproximadamente igual a g até as vizinhanças do núcleo, caindo então abruptamente a zero no interior desta região. Esse resultado se contrapõe àquele previsto em modelos menos realistas, baseados numa distribuição uniforme de massa, nos quais a aceleração cai linearmente em função do raio r, até chegar a zero no centro da distribuição.

Um aspecto técnico não menos importante é que a função h(z), equação (13), que aparece na equação diferencial dada na equação (22), reúne todas as informações contidas na expressão da densidade além de ser bem comportada e contínua, como pode ser visto na Figura 6. Bem diferente da expressão da densidade que é multiplamente descontínua, como pode ser visto na Figura 7. Então, as soluções numéricas só puderam ser obtidas com sucesso após a reformulação do problema em termos da função h(z).

Figura 6
A função h(z) contida na equação diferencial (PREM).
Figura 7
Densidade no interior da Terra em função da posição (PREM).

Referências

  • [1]
    A. Redier, La Nature 520, 386 (1883).
  • [2]
    P.W. Cooper, Am. J. Phys. 34, 68 (1966).
  • [3]
    G. Venezian, Am. J. Phys. 34, 701 (1966).
  • [4]
    R.L. Mallett, Am. J. Phys. 34, 702 (1966).
  • [5]
    L.J. Laslett, Am. J. Phys. 34, 702 (1966).
  • [6]
    H. Goldstein, C.P. Poole Jr. and J.L. Safko, Classical Mechanics (Pearson, Essex, 2002), 3ª ed.
  • [7]
    D.R. Smith, Variational Methods in Optimization (Dover, New York, 1998).
  • [8]
    J.E. Prussing, Am. J. Phys. 44, 304 (1976).
  • [9]
    Y.A. Koslovsky, The Superdeep Well of the Kola Peninsula (Exploration of the Deep Continental Crust) (Springer Verlag, Berlin, 1987).
  • [10]
    M. Gardner, Am. J. Phys. 213, 3 (1965).
  • [11]
    L.K. Edwards, Am. J. Phys. 213, 2 (1965).
  • [12]
    A.R. Klotz, Am. J. Phys. 83, 231 (2015).
  • [13]
    A.M. Dziewonski and D.L. Anderson, Physics of the Earth and Planetary Interiors 25, 297 (1981).
  • [14]
    S. Chandrasekhar, An Introduction to the Study of Stellar Structure (Dover Publications Inc, New York, 2003).
  • [15]
    W.D. Pesnell, Am. J. Phys. 84, 192 (2016).
  • [16]
    P.A. Tipler e G. Mosca, Física Para Cientistas e Engenheiros - Vol. 1 (LTC, Rio de Janeiro, 2006), 5ª ex.
  • [17]
    C.M.R. Fowler, The Solid Earth - An Introduction to Global Geophysics (Cambridge University Press, Cambridge, 2005), 2ª ed.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2017
  • Revisado
    16 Nov 2017
  • Aceito
    28 Nov 2017
Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: marcio@sbfisica.org.br