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A cosmologia moderna à luz dos elementos da epistemologia de Lakatos: recepção de um texto para graduandos em física

Modern Cosmology Grounded in the Elements of Epistemology of Lakatos: reception of a text for undergraduate students in physics

Resumos

Este artigo apresenta os resultados obtidos com a aplicação de um texto sobre cosmologia moderna, baseado em considerações históricas e epistemológicas. O texto elaborado, A Cosmologia Moderna À Luz Dos Elementos Da Epistemologia de Lakatos, busca traçar a evolução da teoria do big bang, com um olhar epistemológico que busca trazer ao estudante de física uma oportunidade de conhecer melhor a natureza da pesquisa científica. Apresenta-se uma breve caracterização do referencial didático utilizado, a saber, a teoria educacional de Bob Gowin, e da epistemologia de Lakatos. Mostra-se na seqüência o perfil do texto elaborado, seguido pelos resultados obtidos com alunos de graduação em física participantes de uma atividade nele baseada.

cosmologia; teoria do big bang; programa de pesquisa; ensino de física moderna; material educativo


This paper presents the results obtained with the implementation of a text on modern cosmology, with a historical and epistemological approach. The text, Modern Cosmology Grounded in the Elements of Epistemology of Lakatos, traces the evolution of the big bang theory, with an epistemological approach that seeks to bring to the physics student an opportunity to better understand the nature of scientific research. It is presented a brief exposition of the pedagogical reference, based on the educational theory of Bob Gowin and the epistemology of Lakatos. It is then presented an overview of the text, and the results obtained by undergraduate students in physics in a teaching activity based on this text.

cosmology; big bang theory; research program; teaching of modern physics; educational materials


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

A cosmologia moderna à luz dos elementos da epistemologia de Lakatos: recepção de um texto para graduandos em física

Modern Cosmology Grounded in the Elements of Epistemology of Lakatos: reception of a text for undergraduate students in physics

Luiz Henrique Martins ArthuryI, 11 E-mail: luizarthury@gmail.com. ; Luiz O.Q. PeduzziII

IPrograma de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

IIDepartamento de Física, Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil

RESUMO

Este artigo apresenta os resultados obtidos com a aplicação de um texto sobre cosmologia moderna, baseado em considerações históricas e epistemológicas. O texto elaborado, A Cosmologia Moderna À Luz Dos Elementos Da Epistemologia de Lakatos, busca traçar a evolução da teoria do big bang, com um olhar epistemológico que busca trazer ao estudante de física uma oportunidade de conhecer melhor a natureza da pesquisa científica. Apresenta-se uma breve caracterização do referencial didático utilizado, a saber, a teoria educacional de Bob Gowin, e da epistemologia de Lakatos. Mostra-se na seqüência o perfil do texto elaborado, seguido pelos resultados obtidos com alunos de graduação em física participantes de uma atividade nele baseada.

Palavras-chave: cosmologia, teoria do big bang, programa de pesquisa, ensino de física moderna, material educativo.

ABSTRACT

This paper presents the results obtained with the implementation of a text on modern cosmology, with a historical and epistemological approach. The text, Modern Cosmology Grounded in the Elements of Epistemology of Lakatos, traces the evolution of the big bang theory, with an epistemological approach that seeks to bring to the physics student an opportunity to better understand the nature of scientific research. It is presented a brief exposition of the pedagogical reference, based on the educational theory of Bob Gowin and the epistemology of Lakatos. It is then presented an overview of the text, and the results obtained by undergraduate students in physics in a teaching activity based on this text.

Keywords: cosmology, big bang theory, research program, teaching of modern physics, educational materials.

1. Introdução

A proposta de se ensinar ciências com uma preocupação também voltada às questões históricas e filosóficas, ou seja, um ensino não só em ciências, mas também sobre ciências [1, p. 166], tem produzido resultados relevantes nas últimas décadas, que sugerem que a preocupação com aquelas questões podem contribuir para uma visão mais adequada da atividade científica [1-4, 6, 8].

Apesar de as justificativas para o ensino da natureza da ciência nas aulas de ciências serem heterogêneas e, em alguns casos, até mesmo discordantes [10, 11, 13], um amplo consenso se apresenta em relação à necessidade de se superar uma visão essencialmente empirista da ciência [7, 11-13]. Ainda como consenso, pode-se mencionar que o interesse com as investigações em ensino de ciências, sobre a natureza da ciência na formação de professores, costuma se basear em duas hipóteses: a) o entendimento da natureza da ciência pelo professor tem relação com a imagem que os alunos adquirem a respeito dela, e b) as crenças do professor sobre a natureza da ciência influenciam significativamente nas suas decisões didáticas em sala [10, p. 3].

Nesse artigo, concorda-se com a idéia de que, em termos didáticos, deve-se proceder de modo a formar uma imagem

da metodologia científica - longe de qualquer idéia de algoritmo com que freqüentemente se apresenta - na qual nada garante que se chegará a um bom resultado, mas que representa, sem dúvida, a melhor forma de orientar o tratamento de um problema científico (como atestam os impressionantes edifícios teóricos construídos) [13, p. 149].

Com este norte, procurou-se desenvolver uma pesquisa qualitativa que demonstrasse a recepção, por parte de alunos de uma disciplina sobre história da ciência,22 De um curso universitário de física, com a presença de licenciandos e bacharelandos. de um módulo de ensino centrado em um texto e apresentação sobre a cosmologia moderna à luz da epistemologia lakatosiana. O objetivo da unidade foi abordar questões relativas à natureza da ciência, para o desenvolvimento de uma imagem mais adequada da atividade científica [5].

Utilizou-se, como referencial educacional, a teoria de Bob Gowin, descrita na próxima seção. Na seqüência aborda-se a epistemologia de Lakatos, o referencial epistemológico da pesquisa. Logo após apresenta-se um perfil do texto implementado na unidade de ensino, seguido de sua avaliação por parte de alunos participantes, por meio de questionário e entrevista.

2. O referencial educacional

A importância do material educativo33 Tradução livre do termo educative material, usado por Gowin [14]. em uma situação de ensino é amplamente analisada por Bob Gowin em seu livro Educating [14]. Conforme o autor, é esse material que irá propiciar toda a base aonde o professor e o aluno irão se apoiar para efetivamente promover o episódio de ensino. O material "guia a interação professor-aluno'' [14, p. 75]. O ensino, entendido como um processo rico de situações didáticas,

muda o significado da experiência humana pela intervenção na vida das pessoas através de materiais significativos,44 Um material significativo, na teoria de Gowin, é aquele que atenta para algumas importantes funções, descritas a seguir. para desenvolver pensamentos, sentimentos, e atos como disposições habituais de modo a trazer sentido à experiência humana [14, p. 36].

Educar, nesse contexto, é mudar o significado da experiência humana. Para isso os conteúdos a ensinar devem ser tratados de modo a produzir, no aluno, não só sua apreensão, mas o claro sentimento de significância, que pode ser entendido como o aumento de conexões significativas na experiência [14, p. 43]. O sentimento de significância está ligado diretamente à efetiva compreensão do que se está aprendendo. "Um momento marcante na educação ocorre quando o entendimento e o sentimento de significância aparecem juntos'' [14, p. 43].

Evidentemente, para se avaliar em que medida um material educativo atinge o esperado sentimento de significância, o aluno deve ser ouvido no processo. É preciso atentar para suas impressões, suas dúvidas, suas angústias em relação a pontos não compreendidos. Em relação a um material construído com o objetivo de promover o aprendizado, naturalmente a compreensão e o sentimento de significância poderão ocorrer apenas se esse material atentar para esses eventos, ou seja, atentar para que possa, efetivamente, ser inteligível para o aluno.

No contexto sugerido por Gowin, o material educativo passa a ser um componente indissociável da relação de ensino. Resumidamente, pode-se dizer que na educação, em geral, "o evento chave é um professor ensinando materiais significativos para um estudante que irá compreender o significado dos materiais sob condições humanas de controle social'' [14, p. 28]. Assim, torna-se mister identificar a posição do material educativo produzido em uma relação de ensino-aprendizagem.

Os conteúdos a ensinar devem ser tratados de modo a produzir, no aluno, não só sua apreensão, mas o claro sentimento de significância, que pode ser entendido como o aumento de conexões significativas na experiência [14, p. 43]. Sua importância reside no entendimento de outras relações que justificam, caracterizam e clarificam o significado do conteúdo ensinado. Isso vai também ao encontro da teoria de David Ausubel, que sugere ainda que uma aprendizagem significativa está relacionada com os subsunçores presentes no aluno, que devem ser relevados e/ou modificados de modo a comportar novas relações entre aquilo que já se sabe e aquilo que se está aprendendo [15].

Para que um material educativo seja significativo, ele deve atentar para algumas importantes funções. Segundo Gowin [14, p. 112]: a) como veículos do critério de excelência. Materiais educativos são instrumentos calibrados para o uso no ensino e aprendizagem. Para que sejam uma referência básica na educação como um todo, precisam passar por dois grandes testes: devem estar devidamente articulados em relação ao campo específico de conhecimento, e também em relação aos critérios principais da educação. Desta forma, os materiais são também uma autoridade no sentido de servir ao aluno como fonte de consulta confiável, inclusive nos casos onde há conflitos e discordâncias entre o professor e o aluno. Isso, é claro, se o material estiver estritamente de acordo com os testes acima referidos. Assim, os materiais educativos servem, ainda, b) como organizadores conceituais que permitem sua consulta, tanto pelo aluno como pelo professor, sempre que houver necessidade de lembrar ou analisar algum ponto de seu conteúdo; c) como registro de eventos primários usados para promover novos eventos, isto é, com o propósito de permitir um crescimento cognitivo cada vez maior, com a meta final de possibilitar que o aluno necessite cada vez menos de seu auxílio [14, p. 113]. Claro, o material antigo não perde o seu propósito. Pode certamente ser reutilizado em outras situações didáticas futuras, integralmente ou com adaptações e acréscimos adequados a essa nova situação; d) como multiplicadores de idéias e significados, ou seja, como um registro do conhecimento humano, que permite uma instrução objetiva de elementos já consolidados. É indiscutível sua importância como aporte na obtenção de conhecimento sem que o sujeito precise repetir todos os passos para se chegar àquele. Como Popper [16] sugere em sua teoria do mundo 3, o conhecimento obtido e registrado pela humanidade forma um mundo de idéias que permite que o conhecimento humano exista objetivamente, o que possibilita que cada geração consiga alcançar novos feitos, novas conquistas intelectuais, sem a necessidade de refazer todo o caminho.

Cabe ainda acrescentar, às funções já descritas, o caráter chamativo e motivador do material educativo, o que se poderia associar a uma função de instigador à aprendizagem. Embora se possa identificá-lo como característica do material, acredita-se que esta também pode ser uma função desejada. O aluno estará em melhores condições de apreender novos significados se for atraído para tal. Um bom material certamente jogará com o pendor do aluno em direção ao que se pretende, fazendo-se as melhores escolhas e caminhos possíveis na obtenção de questões que o motivem na busca do conhecimento.

3. O referencial epistemológico

O programa de pesquisa científica lakatosiano possibilita uma discussão potencialmente esclarecedora sobre como opera a ciência. Um programa de pesquisa, além de algumas regras metodológicas, possui um conhecimento de base, um núcleo firme que é preservado ao máximo por seus defensores. No caso da física quântica, por exemplo, o conceito de quantização, ou seja, de que grandezas físicas como a energia assumem valores discretos, é um elemento central do núcleo firme do programa.55 Também fazem parte desse núcleo a noção de incerteza, advinda de contradições originárias da natureza dualística das partículas, e a questão da probabilidade intrínseca à teoria, ao menos segundo a interpretação corrente da mecânica quântica. Como se sabe, Einstein, por exemplo, não aceitava a probabilidade como algo intrínseco à natureza. A lei da Gravitação Universal e as três leis de Newton constituem o núcleo firme da mecânica newtoniana, assim como os postulados referentes à constância da velocidade da luz e do princípio da equivalência das leis físicas formam o núcleo firme da relatividade einsteniana.

Naturalmente, ao longo do desenvolvimento de um programa de pesquisa surgem anomalias, inadequações entre a previsão teórica e a constatação empírica, que colocam em cheque o núcleo do programa. Mas este é protegido de um ataque direto através de hipóteses auxiliares que procuram compatibilizar o programa com as anomalias constatadas. Estas hipóteses auxiliares formam então um cinturão protetor, um conjunto de estratagemas de proteção ao núcleo firme.

Para que o cinturão protetor cumpra o seu papel, ele precisa ser constantemente modificado, expandido e sofisticado conforme as necessidades. Um dos pontos chave da filosofia de Lakatos é justamente esta proteção, que sugere que um programa deve ser salvo de uma refutação prematura por meio de um ataque direto ao seu núcleo. A procura de explicações para as anomalias, preservando, deste modo, o núcleo firme, é um recurso fundamental que permite que o programa sobreviva pelo tempo necessário para mostrar seu possível valor heurístico, sua capacidade de explicar e prever novos eventos.

Se a característica básica da ciência fosse descartar as teorias que prontamente demonstram anomalias, então boa parte de nossas teorias não existiria, uma vez que todas elas passaram por crises deste tipo [17]. O cinturão protetor mostra-se, assim, um recurso heurístico essencial para o crescimento do programa de pesquisa. Por exemplo, no século XIX foi constatada uma discordância entre as previsões da gravitação newtoniana para a órbita do planeta Urano e a efetiva observação desta. Mas os newtonianos não consideraram que a mecânica newtoniana estivesse refutada.

Adams e Leverrier, por volta de 1845, atribuíram tal discordância à existência de um planeta ainda não conhecido - o planeta Netuno - e, portanto, não levado em consideração na órbita de Urano. Essa hipótese permitiu também calcular a trajetória de Netuno, orientando os astrônomos para a realização de novas observações que, finalmente, confirmaram a existência do novo planeta [18, p. 221].

A hipótese de Adams e Leverrier não só proporcionou a manutenção do programa, como também permitiu que ele progredisse ao prever a existência de algo novo, posteriormente ratificado. Com o dado empírico corroborando a previsão teórica, vem também a constatação de que a hipótese auxiliar tornou o programa progressivo, ou seja, com uma maior capacidade explicativa e preditiva. Este recurso objetivando-se a preservação do núcleo firme é conhecido, na epistemologia de Lakatos, como heurística negativa. O esforço para se alterar e refinar o cinturão protetor é associado à heurística positiva, que permite ainda identificar quais elementos estão sujeitos a refutações.

A heurística negativa especifica o "núcleo'' do programa, que é "irrefutável'' por decisão metodológica dos seus protagonistas; a heurística positiva consiste num conjunto parcialmente articulado de sugestões ou palpites sobre como mudar e desenvolver as "variantes refutáveis'' do programa de pesquisa, e sobre como modificar e sofisticar o cinto de proteção "refutável'' [17, p. 165].

Naturalmente, um programa de pesquisa pode chegar em um ponto no qual não consegue manter sua progressão, havendo, assim, sua degeneração ou regressão, ou seja, suas hipóteses auxiliares não resultam em predições empiricamente corroboradas. Usando mais uma vez o exemplo da gravitação newtoniana, ainda no século XIX foram constatadas anomalias sutis na órbita do planeta Mercúrio, mas suficientes para colocar o programa novamente em cheque. Da mesma forma que anteriormente, chegou-se a especular a existência de um planeta em suas vizinhanças, mas este planeta nunca foi encontrado. A referida anomalia, uma pequena diferença entre o periélio previsto para Mercúrio e o periélio realmente observado, só foi resolvida por um programa de maior sucesso explicativo, no caso, a teoria geral da relatividade.66 A teoria geral da relatividade, naturalmente, não foi desenvolvida com este propósito. "As anomalias do periélio do planeta Mercúrio não desempenharam nenhum papel na construção da teoria, não obstante terem sido incorporadas e determinadas por ela com uma precisão extraordinária'' [19, p. 137].

A característica progressiva ou regressiva de um programa pode então ser usada na escolha racional entre teorias concorrentes, preferindo-se o programa progressivo em detrimento do regressivo. Isto vai de encontro à noção comum de que uma teoria é refutada através da experimentação. De fato, "uma das coisas mais importantes que se aprende estudando os programas de pesquisa é que relativamente poucas experiências são de fato importantes'' [17, p. 186]. Einstein, por exemplo, delimitou bem a importância do experimento ao afirmar que "uma teoria deve ser testada pela experiência, mas não é possível construir uma teoria partindo da experiência'' [19, p. 143].

A experimentação é essencial para se avaliar um programa e constatar até que ponto ele se mantém progressivo, mas o que irá definir seu abandono será a existência de um outro programa com maior capacidade explicativa e preditiva. Ou seja, só um programa pode fazer com que outro seja abandonado. "Não se trata de propormos uma teoria e a Natureza poder gritar NÃO; trata-se de propormos um emaranhado de teorias e a Natureza poder gritar INCOMPATÍVEIS'' [17, p. 159]. Ao "gritar incompatíveis'', a Natureza estará, portanto, indicando caminhos para uma escolha entre os programas.

4. A cosmologia e os programas de pesquisa - o perfil geral de um texto voltado para graduandos de um curso de física

Os programas de pesquisa delineados pela epistemologia de Lakatos caracterizam em boa medida a atividade científica, e a melhor maneira de trazer discussões filosóficas para o ensino de ciências, e da física em particular, é justamente analisar algum episódio de sua história sob o prisma de determinada visão epistemológica. Como deixa claro Lakatos, uma não deve prescindir da outra, uma vez que a história deve ser analisada sob um referencial epistemológico para fazer sentido, e uma visão epistemológica deve se valer de exemplos históricos para aportar seus argumentos [20, p. 102].

Sob esta ótica, o texto A Cosmologia Moderna À Luz Dos Elementos Da Epistemologia de Lakatos [21] exercita conceitos da epistemologia lakatosiana, abordando episódios relevantes da evolução da cosmologia, mais precisamente, da teoria do big bang.77 O termo "teoria do big bang'' é usualmente atribuído ao modelo cosmológico padrão, que abarca o conjunto de explicações correntes relativas ao surgimento e desenvolvimento do Universo. Optou-se por apresentar, em um primeiro momento, o perfil do texto trabalhado sem aprofundar uma diferenciação entre teoria e modelo, que se confundem ao longo daquele devido às citações fiéis das fontes consultadas. O referencial teórico educacional que embasa as suas ações é a teoria de Gowin.

O texto inicia com uma breve apresentação de Lakatos e uma consideração importante de George Smoot, um dos cientistas centrais para a discussão da teoria do big bang:

Ao nos aproximarmos do final do milênio, a cosmologia vive um maravilhoso período de criatividade, uma idade do ouro em que novas observações e novas teorias estão ampliando espantosamente nosso entendimento - e perplexidade - do universo. Mas essa idade do ouro atual só pode ser bem entendida à luz do que aconteceu antes [22, p. 12] (grifo nosso).

Essa afirmação, partindo de um cientista diretamente envolvido com as últimas descobertas da cosmologia, serve para ilustrar ao aluno como uma pesquisa atual tem uma história; e, ainda mais, que só é devidamente justificada por esta história.

O Nobel de física de 2006, concedido a George Smoot e John Mather, seu colaborador, não é uma láurea a um fato isolado e, sim, a uma história de sucessos e insucessos na tentativa de se compreender o universo onde vivemos. O texto aborda vários aspectos dessa história, iluminada pela epistemologia lakatosiana.

A seção "A metodologia dos programas de Lakatos'' caracteriza e ilustra, com exemplos da cosmologia, os principais pontos da metodologia dos programas de pesquisa científica. Assim, são abordados os conceitos de programa de pesquisa, núcleo firme, cinturão protetor, heurísticas positiva e negativa, excesso de conteúdo e progressão e degeneração de um programa de pesquisa. Inicialmente, discute-se a gravitação newtoniana e a posterior previsão do planeta Netuno a partir das anomalias na órbita de Urano, para se evidenciar a idéia de excesso de conteúdo corroborado e progressão do programa newtoniano. Com a tentativa dos cientistas do século XIX de se fazer o mesmo com as anomalias na órbita de Mercúrio, salienta-se a noção de degeneração do programa, a partir da multiplicação de hipóteses ad-hoc não devidamente justificadas. Assim o programa é suplantado metodologicamente por outro de maior conteúdo explicativo que se mostra progressivo, ou seja, cujas "previsões'' são devidamente corroboradas. No caso da relatividade geral de Einstein, que resolve o problema de Mercúrio, é claro que não se trata de uma previsão no sentido cronológico, e sim em um sentido teórico: a teoria é posterior à referida anomalia, mas gera a explicação desta com grande sucesso.

À luz da relatividade einsteiniana, faz-se então uma descrição de um excesso de conteúdo gerado por esta teoria,88 Utiliza-se "teoria'', no lugar de programa de pesquisa, uma vez que é o termo mais comumente conhecido e usado para a relatividade. Assim como em teoria eletromagnética, teoria cinética dos gases, teoria quântica, teoria do big bang, teoria de cordas, etc. que prevê (agora sim) um universo dinâmico que se expande ou se contrai com o tempo [23]. Ao recusar esta conclusão, por meio da alteração de sua teoria, Einstein 'impede' que a expansão do universo, empiricamente observada por Edwin Hubble, em 1929, seja um elemento de previsão utilizado a seu favor. De um modo ou de outro, ao se constatar que a teoria da relatividade sem a alteração feita por Einstein estava de acordo com o que foi observado por Hubble, esta passa então a ser a base para se constituir o que viria a ser conhecida como teoria do big bang.

Embora já em 1922 Alexander Friedmann estivesse na direção correta, seus trabalhos com as equações da relatividade tinham propriedades físicas pouco discutidas. Isto foi feito por Georges Lemaître, em 1925. Além de resultados equivalentes aos obtidos por Friedman, o trabalho de Lamaître continha o primeiro esboço do que hoje se conhece como teoria do big bang, por meio da descrição matemática de um universo finito no tempo, surgido a partir de um único e minúsculo evento batizado por ele de "átomo primordial''. Mas foi George Gamow, e colaboradores, que estruturaram uma teoria mais abrangente, incluindo elementos de previsão, que, segundo Lakatos, são essenciais para um programa se tornar progressivo. Com esses trabalhos surgiu pela primeira vez a previsão de uma radiação residual permeando todo o universo em função de sua expansão primordial. No final da década de 1940, eles tinham inclusive uma informação quantitativa a este respeito, prevendo uma radiação de fundo em microondas com temperatura de cerca de 5 K.

Em seguida o texto aborda o surgimento da teoria do Estado Estacionário, de Fred Hoyle, que se opunha a um universo finito no tempo. Para Hoyle, bastava que partículas individuais fossem continuamente criadas para garantir um universo infinito no tempo, e com as propriedades observadas pelos cientistas [24]. Em princípio isto poderia ser visto como algo muito subjetivo e conjetural e, portanto, sem valor para a ciência; mas seu valor heurístico não deveria ser subestimado, uma vez que também trazia uma boa explicação para o que era observado. O próprio Hoyle argumentou que a suave e constante criação de matéria era menos absurda do que toda a matéria do universo criada em um determinado instante. Ainda, do seu lado havia o fato de que seu modelo era "matematicamente muito mais elegante que o modelo do big bang'' [25, p. 328].

Na seqüência, o texto explora o embate suscitado por Hoyle, destacando a contribuição da epistemologia de Lakatos para se compreender como os cientistas escolhem uma teoria (programa) em detrimento de outra. Isto se dá, naturalmente, pela escolha da teoria com características progressivas em detrimento daquela com características degenerativas. E o elemento de previsão da teoria do big bang, o ruído cósmico de fundo, selaria esta escolha a partir de sua constatação empírica por Penzias e Wilson em 1965, de modo acidental, embora este ruído estivesse sendo pesquisado por Robert Dicke. Este, por sua vez, orientou os aventurados descobridores na correta identificação da natureza do ruído [26]. "O golpe realmente fatal para a teoria [do estado estacionário] foi a radiação de fundo em microondas. Não há origem natural para esta radiação no panorama do universo estacionário [...]'' [25, p. 328]. Portanto seria o ruído cósmico de fundo, sob o quadro teórico da teoria do big bang, o primeiro elemento a tornar esta teoria um programa progressivo, com um excesso de conteúdo corroborado, de acordo com os preceitos de Lakatos.

O texto prossegue com as pesquisas mais recentes sobre a identificação minuciosa das características do ruído cósmico de fundo, como a anisotropia (flutuações de densidade da radiação). Desde a constatação empírica da radiação cósmica de fundo, cientistas passaram a se concentrar em equipamentos cada vez mais precisos e sensíveis com o intuito de verificar pequenas variações previstas para a radiação, resultado de diminutas dobras na estrutura do espaço-tempo do universo primevo. A teoria do big bang estava em cheque, uma vez que só admitia o surgimento das galáxias caso existissem as referidas dobras. "As dobras eram sementes onde a matéria foi se depositando gradualmente até formar as estruturas atuais'' [22, p. 178]. E, após alguns primeiros experimentos ainda mais sensíveis que os propiciados pela antena de Penzias e Wilson, nenhum sinal das variações foi encontrado.

A radiação cósmica de fundo, até onde nós ou outros fomos capazes de determinar, era completamente suave em todas as direções. Isto pode significar ou que as teorias dos cosmólogos estavam totalmente erradas, ou que ninguém se esforçou o bastante para encontrar as sementes [22, p. 168].

Mas George Smoot estava disposto a "se esforçar o bastante'', passando muito anos atrás das dobras. Nesse sentido, o lançamento em 1989 do satélite COBE,99 Sigla que dá nome ao equipamento de detecção das dobras: COsmic Backgroud Explorer (explorador do ruído cósmico de fundo). e os dados que gerou, foi crucial. Depois de exaustivas análises para certificar a real constatação das variações procuradas na radiação cósmica de fundo, em abril de 1992 foram apresentados seis artigos no encontro da American Physical Society que relatavam as conclusões da pesquisa de Smoot. Os dados obtidos tinham grande concordância com o previsto.

... a mensagem dos nossos resultados - mensagem que proporcionou tanto alívio aos cosmólogos naquela manhã de abril - era clara. Fred Hoyle afirmou certa vez que a teoria do big-bang era falha porque não podia explicar a formação primordial das galáxias. Os resultados do COBE provam que ele estava errado.. A existência das dobras no tempo, como as vemos, nos mostra que a teoria do big-bang, incorporando o efeito da gravidade, pode explicar não só a formação primitiva das galáxias, mas também a agregação, nesses 15 bilhões de anos, de estruturas massivas que sabemos estar presentes no universo de hoje, o que é um triunfo para a teoria e a observação [22, p. 310] (grifo nosso).

Dando seqüência aos conteúdos, o texto explora a referência de Smoot sobre a prova contra Hoyle, para tecer algumas considerações a partir da epistemologia de Popper. Desse modo, discute-se sobre a desejável corroboração de uma teoria, e como esta corroboração não consiste propriamente em uma prova, no sentido usualmente conhecido, de algo terminantemente decisório. Mas o certo é que as sucessivas corroborações da teoria do big bang trazem confiança aos cientistas, a ponto de se promoverem buscas ainda mais acuradas do ruído - o que foi feito através do satélite WMAP,1010 Iniciais de Wilkinson Microwave Anisotropy Probe, ou Sonda de anisotropia de microondas Wilkinson. que obteve novas e ainda mais precisas medidas da radiação de fundo, em busca de polarizações previstas para a radiação. Em uma bateria de dados obtidos no ano de 2003 e uma outra realizada em 2006, foi constatado que "os resultados suportam fortemente o modelo do big bang'' [27, p. 45].

O texto encaminha-se para o seu final com informações mais atuais sobre as pesquisas com o ruído. Por exemplo, menciona-se que em 14 de maio de 2009 foi lançado o satélite Planck, e que nesta missão estava prevista a realização de medidas ainda mais precisas da anisotropia do ruído cósmico de fundo [28]. Comenta, ainda, sobre os problemas em aberto com a teoria, como a constatação atual de que o universo está em expansão acelerada, exigindo, portanto, a elucidação desta "energia escura'' responsável por essa aceleração.

Em seu último segmento, o texto faz comentários adicionais sobre as epistemologias de Lakatos e Popper, e sobre como outras tentativas de explicar o universo não têm conseguido se mostrar progressivas como o big bang. É o caso do Estado Estacionário atualmente defendido por Halton Arp [29], cientista do Instituto Max Planck, na Alemanha. De forma sucinta, o texto expõe alguns argumentos e observações desse cientista, e suas conseqüências, como a suposta constatação empírica de ligações físicas entre quasares e galáxias com diferentes desvios para o vermelho o que, segundo a teoria do big bang, é impossível1111 O desvio para o vermelho, segundo a teoria do Big Bang, é um indicativo de distância, de acordo com a Lei de Hubble. Logo, estruturas com diferentes desvios para o vermelho não podem estar em um mesmo plano de observação, como sugere Arp. . Os modos de se lidar com estas tentativas de refutação são comentados de acordo com a epistemologia de Lakatos, onde entram em ação os conceitos de núcleo firme e cinturão protetor.

É importante mencionar que a estratégia adotada, no referido texto, de se caracterizar a teoria do big bang como um programa de pesquisa, foi posteriormente repensada1212 Após a aplicação do material junto aos alunos, e a partir de novas leituras e sugestões de professores e colegas. com o objetivo de compatibilizar a noção de programas de pesquisa, de Lakatos, com a constatação de que, o que se conhece como "teoria do big bang'', ser um modelo que se utiliza de teorias mais gerais que lhe sustenta. Ou seja, o que se poderia identificar diretamente como teoria, na "teoria do big bang'', seria a relatividade geral, que produz como conseqüência um universo em expansão, como discutido no texto, e a Mecânica Quântica, ao direcionar as modernas pesquisas em relação às características basais da teoria do big bang (como os momentos iniciais do universo, que produziram o ruído cósmico de fundo). Porém, segundo Bunge, "(...) um modelo teórico [é] uma teoria especial que cobre uma espécie limitada em vez de um gênero extenso de sistemas físicos'' [33, p. 53]. Logo, pode-se justificar a caracterização da teoria do big bang como um programa de pesquisa, como proposto por Lakatos.

Contudo, o uso indistinto, na prática, inclusive por cientistas conceituados [22, p. 168 e 310, 25, p. 328], de teoria e modelo, acaba gerando problemas terminológicos que não serão aqui discutidos.

5. A recepção do texto em uma disciplina sobre a história da física

O texto A Cosmologia Moderna À Luz Dos Elementos da Epistemologia de Lakatos foi trabalhado com uma turma de graduandos, na disciplina Evolução dos Conceitos da Física do Curso de Física da Universidade Federal de Santa Catarina. Esta disciplina, ofertada tanto para alunos da licenciatura como do bacharelado, na oitava1313 Em uma nova grade curricular implantada progressivamente a partir de 2009, esta disciplina consta da nona e última fase do curso de licenciatura e da oitava fase do curso de bacharelado. e última fase do curso, tem como pré-requisito fundamentos de física quântica, abordados em Estrutura da Matéria I. O programa da disciplina prevê a discussão da evolução da cosmologia e da mecânica, a evolução das idéias sobre luz, eletricidade e magnetismo, a evolução das idéias sobre calor e constituição da matéria, entre outros.

O formato escolhido para a exposição e discussão do texto junto aos alunos, por um dos autores deste trabalho, foi uma apresentação eletrônica. Além de contribuir para a função pretendida de instigador à aprendizagem, este recurso permite que os principais elementos para discussão sejam explicitados e sintetizados de maneira visual e direta, juntamente com ilustrações esclarecedoras e imagens dos principais protagonistas da história da cosmologia moderna. Além de importantes elementos do texto, esta apresentação traz pequenos vídeos e trechos de documentários que potencializam a extensão das idéias contidas neste material, como uma breve entrevista com Fred Hoyle, extraída do documentário da BBC Lost Horizons - The Big Bang [24]. Fred Hoyle é uma figura central na chamada teoria do universo estacionário, nascida praticamente junto com a teoria do big bang. Deste mesmo documentário foi extraído um depoimento dos pesquisadores Penzias e Wilson, sobre a descoberta do ruído cósmico de fundo.

A apresentação eletrônica também traz um trecho do documentário The Big Bang Machine [44], referente às pesquisas com o LHC que buscam pistas de importantes elementos da teoria do big bang, como a matéria escura e a detecção do Bóson de Higgs, importante partícula prevista pelo modelo padrão de partículas, relacionada também com aquela teoria.

O material produzido, potencialmente, é um importante recurso para que o professor possa lidar com as questões propostas pela unidade de ensino,1414 No presente caso, a unidade de ensino em questão, sobre a discussão da cosmologia moderna sob um olhar histórico e epistemológico, constituiu-se da aula onde se apresentou o material composto pelo texto principal, previamente lido pelos alunos, e a apresentação eletrônica para subsidiar sua discussão. de modo a instigar o aluno. O professor tem um papel insubstituível neste sentido, permitindo que a relação entre o material educativo e o aluno atinja seus melhores resultados, evidenciando uma tríade que, segundo Gowin, está no cerne da educação [14, p. 28 e 75].

A turma contou com onze alunos. Destes, seis participaram das atividades que envolveram a coleta de dados, constituídas por um questionário escrito e uma entrevista semi-estruturada. Observações livres realizadas ao longo do estudo também fizeram parte dessa pesquisa, de natureza qualitativa [45,-47, 50-52].

As perguntas do questionário, apresentadas e discutidas a seguir, foram validadas por uma amostra de alunos que cursaram a disciplina Evolução dos Conceitos da Física em semestres anteriores. Ainda, como a intenção foi verificar o retorno da atividade junto aos alunos, trabalhou-se de forma mais descritiva e menos prescritiva e/ou hipotética. Conforme Bardin [50, p. 115], este tipo de pesquisa é mais intuitiva, adaptável e maleável "a índices não previstos, ou à evolução das hipóteses'', o que naturalmente pode apresentar limitações quando se pensa em contextos mais universais [50, p. 115], mas possibilita uma compreensão adequada do evento particular analisado.

Os alunos que avaliaram o procedimento didático são indicados por A1, A2, A3, A4, A5 e A6. O objetivo inicial era compor uma amostra que contemplasse o maior número de estudantes, mas devido ao tamanho reduzido da turma e problemas com a assiduidade de alguns alunos, apenas os seis alunos referidos apresentaram um retorno efetivo. Contudo, esses estudantes estão entre aqueles que apresentaram o maior envolvimento com a unidade da cosmologia, participando de todas as atividades e, assim, para os fins da pesquisa, a amostra pode ser considerada satisfatória.

Ao longo da exposição dos resultados, apresenta-se um breve comentário a respeito das respostas obtidas, entrelaçado ou não com a transcrição de alguns trechos das mesmas. Optou-se pela descrição acompanhada de transcrições para se obter uma imagem mais próxima do retorno com os alunos, o que "requer um envolvimento intenso com as informações do corpus da análise'' [52, p. 196]. A criação de um sistema de categorias, embora anterior à aplicação do questionário, consolidou-se de modo mais indutivo e emergente [52, p. 200] a partir das respostas, sendo apresentado mais ao final de cada comentário. Ou seja, procurou-se também, a partir das descrições realizadas, uma compreensão por meio de inferências e interpretações [51]. Ainda, estas respostas foram, sempre que oportuno, complementadas por maiores esclarecimentos obtidos através de uma entrevista semi-estruturada, realizada com os participantes da amostra [35, 45, 53].

As categorias [50, 51] escolhidas, denotadas pelas noções de acessibilidade (contemplada na questão 2), influência (questão 3), sentimento de significância (questões 1 e 3) e instigador (questão 4), foram baseadas nas funções do material educativo, segundo Gowin [14]. Classificou-se, a partir de inferências e interpretações das respostas obtidas, cada categoria como positiva, negativa ou inconclusiva.

5.1. Questão 1

George Smoot sugeriu que nosso atual conhecimento sobre o universo só pode ser entendido à luz do que aconteceu antes, ou seja, através da evolução dos seus conceitos. A partir dos elementos discutidos no texto e sua apresentação, para você qual o papel da história e filosofia da ciência para o entendimento das características da pesquisa científica e dos próprios conceitos científicos?

A1 enfatiza o papel da história e filosofia da ciência como desmistificadora, ao aproximar o aluno de estudos mais compromissados com a natureza da atividade científica. Coloca que a história e filosofia da ciência podem "contextualizar, numa perspectiva histórica, os conceitos e diminuir, ou desconstruir e reconstruir, a idéia de ciência acabada, pronta, dogmática, seqüencial, infalível e sobre-humana, inatingível por meros mortais como os alunos, [substituindo] por outra mais humana''.

A2 aponta a importância da história e filosofia da ciência também na obtenção de significado para os conceitos científicos. "A partir dos elementos apresentados através do texto e da apresentação pudemos observar que a história e a filosofia da ciência fazem parte da própria ciência, ou seja, a evolução dos conceitos científicos enraizados em sua história faz parte de como esses conceitos são vistos pelos cientistas e como são interpretados''.

A3 aponta que a filosofia da ciência "é de fundamental importância frente ao desenvolvimento, à construção, ao debate e análise dos fatos ocorridos a cada momento na história da ciência''.

A4 mostra uma análise das importâncias imputadas à história e filosofia da ciência. "Analisar o trabalho de quem faz o que chamamos de ciência é passo fundamental para então desenvolver uma teoria sobre como se dá a evolução de uma ciência. Da mesma maneira que a história auxilia as mais diversas áreas do saber para compreender o estado atual do mundo humano, a história nos dará indicações das atitudes daqueles que chamamos cientistas perante suas atividades, como agem e justificam sua metodologia de trabalho, com o intuito de entender a pesquisa e como os conceitos se tornaram legítimos perante, primeiramente, à comunidade científica e, depois, à global''. O aluno prossegue, fazendo uma ponte permanente com o texto base, demonstrando que entendeu a essência da proposta.

A5 também destaca o papel da história e filosofia da ciência na compreensão efetiva de uma teoria. "O estudo da história e da filosofia da ciência é importante para a compreensão da instituição científica, de como se faz ciência e qual o objetivo do trabalho científico. Conseqüentemente, passa a ser possível refletir sobre os métodos da pesquisa científica e a validade de suas conclusões. Ao trazer elementos epistemológicos, o texto ajuda a esclarecer o desenvolvimento da cosmologia moderna. As razões pelas quais uma teoria (ou programa de pesquisa, nos termos de Lakatos) predomina sobre outras dentro da comunidade científica ficam mais evidentes ao se estudar história e filosofia da ciência''.

Ressaltando o papel do texto para os objetivos pretendidos, A6 coloca: "Conhecer a história da ciência solidifica as bases que um cientista deve ter sobre o que é a ciência, e como se faz ciência. Isso abre os olhos dos atuais estudantes da ciência sobre o que eles realmente estudam, sobre qual o papel da ciência. Sobre se a ciência deve chegar a uma verdade final ou não, sobre como saber o que é verdade, [...] sobre se é possível afirmar que algo é falso dentro da ciência. E creio que esse texto nos ajuda a pensar nesse sentido''.

As respostas dos alunos evidenciam uma boa percepção sobre a importância da história e filosofia da ciência para a compreensão do operar da ciência, e mesmo dos conceitos científicos. Juntamente com as respostas dadas à questão 3, como se verá, elas apontam para a aquisição de um sentimento de significância em relação à atividade científica, nos termos de Gowin, conceito adotado como uma categoria na presente análise.

5.2. Questão 2

Segundo Bob Gowin, professor de educação da universidade de Cornell, uma importante função de um material educativo é propiciar um registro de eventos primários que promovam novos eventos, ou seja, que propicie novos conhecimentos e novas formas de pensar a partir de elementos já conhecidos pelo aluno. Com esse propósito, um material deve ser inteligível, de boa acessibilidade ao leitor. Nesse sentido, como você avalia a abordagem do texto em relação aos seus conhecimentos anteriores? Você teve alguma dificuldade com os conteúdos trabalhados? Comente.

Definindo outra categoria de análise, usar-se-á a noção de acessibilidade para representar estas respostas. Nesta questão, apesar de avaliar o texto como acessível de um modo geral, A1 demonstrou pouca familiaridade com alguns conceitos mais específicos, colocando ainda uma objeção a esse respeito: ``A abordagem foi boa, acessível. Para mim, que não engajei nenhum tipo de estudo específico em cosmologia, foi interessante. Senti dificuldade de interpretar as figuras de quasares e da radiação de fundo. Também não ficou claro aquela história que o big bang prevê a radiação cósmica de fundo''. Na entrevista foi comentado sobre o nível técnico desejado para a unidade de ensino, o qual foi considerado como ``adequado'', apesar das inevitáveis questões específicas, técnicas, da cosmologia não devidamente esclarecidas pela própria natureza da proposta.

A2 deixou claro: "No texto apresentado observei uma linguagem de fácil interpretação. Também é pertinente lembrar que a evolução dos temas abordados foi linear, não deixando lacunas de interpretação que dificultassem a continuidade do estudo. O texto também levou em conta nosso conhecimento anterior, o que também facilitou a leitura, e, unindo todos esses fatores mencionados, o texto da forma que se apresenta deixou a leitura mais agradável e interessante''. Esta resposta já se adianta, inclusive, em relação ao pretendido com a questão 4, sobre a atenção conseguida do aluno ao longo da leitura do texto.

Apesar dos poucos pré-requisitos, o texto foi elaborado objetivando-se uma progressiva compreensão de alguns elementos da natureza da ciência, onde a epistemologia de Lakatos foi constantemente posta em diálogo com exemplos históricos para uma melhor percepção de suas características fundamentais. Ainda assim, A3 colocou que "foi bastante complicado para mim o entendimento do texto já que não tinha certos conhecimentos, uma vez li sobre Lakatos mas não lembrava muito dele''. Perguntado então, em função desta sua resposta, se ele considerava uma pré-leitura de Lakatos um pré-requisito para a compreensão do texto, ele colocou apenas que ``poderia ajudar''. Isto evidencia a necessidade de uma intervenção didática mediada pelo professor, para a elucidação de pontos não devidamente compreendidos com o texto, conforme evidenciado por Gowin [14].

A4 demonstra a boa inteligibilidade do texto e, em relação ao diálogo entre filosofia e história referido acima, diz que "o texto traz de maneira bem interessante a mistura entre a evolução dos conceitos e a filosofia da ciência, tal que auxiliam, ao longo do texto, o leitor a compreender ambas''.

A5 mostrou a compatibilidade do texto com o momento didático a que se propõe:

Li o texto com os olhos de bacharelando que acabou de cursar uma disciplina de evolução dos conceitos da física, ou seja, com alguma noção do que são as idéias de filósofos da ciência como Kuhn, Popper e Lakatos. O texto, no entanto, melhorou meu entendimento sobre Lakatos, principalmente por abordar os conceitos de sua filosofia (tais como programa de pesquisa, núcleo firme, cinturão protetor) dentro de um contexto histórico, com exemplos tirados da história. Já os conceitos físicos abordados ficaram para mim claros e bem explicados, já que estou familiarizada com alguns deles. [...] Portanto, o texto é bem adequado aos meus conhecimentos anteriores, e com certeza proporcionou-me novos conhecimentos.

A66 A teoria geral da relatividade, naturalmente, não foi desenvolvida com este propósito. "As anomalias do periélio do planeta Mercúrio não desempenharam nenhum papel na construção da teoria, não obstante terem sido incorporadas e determinadas por ela com uma precisão extraordinária'' [19, p. 137]. sugere a boa inteligibilidade do texto, mesmo com poucos pré-requisitos, como referido anteriormente. "O texto, ao abordar os conceitos epistemológicos de Lakatos e Popper, é auto-suficiente, à medida que mesmo com o pouco conhecimento anterior que eu tinha acerca destas epistemologias, foi possível entender as ligações feitas no texto sobre o programa de pesquisa, nos termos de Lakatos, do big bang, e um de seus maiores rivais, o do universo estacionário. Ou, pelos menos, as ligações as quais o texto se propõe a fazer ficam claras''.

Apesar das objeções feitas por A1 e também por A3, pode-se avaliar como bastante satisfatória a inteligibilidade geral do texto. Sobre a função de servir como um registro de eventos primários usados na promoção de novos eventos, os resultados obtidos são igualmente positivos. A5 resume: "o texto é bem adequado aos meus conhecimentos anteriores, e com certeza proporcionou-me novos conhecimentos''.

5.3. Questão 3

De acordo com Gowin, um dos principais objetivos da educação é propiciar ao aluno a obtenção de um sentimento de significância, isto é, um sentimento de que os conceitos e idéias principais foram bem compreendidos. Em relação a esse sentimento de compreensão, como você avalia a contribuição da unidade de ensino (texto e apresentação) para seu entendimento da atividade científica?

A1 foi bastante sucinto a este respeito, dizendo apenas que o texto deixou claro que a teoria do big bang "é fonte de bastante trabalho de pesquisa [...] ainda hoje em dia'', colocando em seguida que percebe em boa medida seu desenvolvimento de acordo com a epistemologia de Lakatos.

A2 comenta que o texto contribuiu para a percepção da atividade científica como sendo uma busca, a princípio, interminável de verdades, e que estas não são definitivas:"O texto e sua apresentação contribuíram, de modo geral, para que eu compreenda a atividade cientifica como uma atividade numa busca eterna por respostas, que por muitas vezes não são atingidas. Uma atividade que não possui uma verdade absoluta, e sim verdades transitórias. Neste sentido o texto e sua apresentação contribuíram para uma sedimentação do que já vinha sendo demonstrado no decorrer das aulas desta disciplina, que a atividade cientifica possui uma dinâmica de buscas por conhecimentos através da construção de conceitos e verdades transitórias''. Na entrevista, foi solicitado ao aluno que complementasse sua resposta, comentando sobre a idéia de transitoriedade. Colocou então que entende a característica inconclusiva da ciência apenas como algo que não detém verdades terminantes. "Quando escrevo transitórias, não quero dizer que o conceito está errado, mas que ele está sujeito a ser modificado, alterado, ou seja, não é uma verdade absoluta e inquestionável''.

A3 voltou a comentar sua dificuldade com o texto, afirmando em seguida que o mesmo só foi mais bem compreendido com a aula expositiva. "O que ajudou muito no entendimento [do texto] e sua finalidade foi a apresentação''. Este aluno não deixou claro o que entendia da dinâmica da pesquisa científica, sendo fugidio em suas respostas. De qualquer modo, fica explícita a importância do professor e a ajuda de uma apresentação sobre os assuntos abordados de forma textual para alunos que possivelmente não tenham compreendido algumas passagens, como já comentado.

A4 aponta como positiva a contribuição da unidade de ensino para o seu entendimento da atividade científica, sugerindo que o texto permite ainda uma boa compreensão do programa da cosmologia a partir dos epistemólogos discutidos (Lakatos e Popper). "Lakatos, assim como Feyerabend, é um pensador cuja filosofia não havia tido contado anterior. Como conhecia um pouco de Popper, algumas semelhanças imediatamente foram feitas, e isso fez com que o entendimento das idéias daquele fossem apropriadas. Porém, acredito que, mesmo que não conhecesse as idéias popperianas, o texto conduz muito claramente as explicações de Lakatos para determinadas etapas que envolveram/envolvem o programa de pesquisa da cosmologia''.

A5 comentou sobre diferentes aspectos que influenciam a ciência, que normalmente não estão presentes nos cursos científicos, e que o texto ajudou neste sentido. A atividade científica costuma ser resumida às suas técnicas, e muito pouco é falado sobre as matizes que tomam corpo para formar a própria ciência. "O processo pelo qual a atividade científica desenvolve-se é complexo, pois engloba aspectos sociais, filosóficos, históricos e até mesmo pessoais, já que o cientista é um ser humano que vive em um momento histórico. Os conceitos epistemológicos ajudam a compreender o que distingue o conhecimento científico de outros tipos de conhecimento e o motivo de sua validade. Nesse sentido, essa unidade de ensino contribuiu de forma positiva, já que a cosmologia moderna foi usada como exemplo de todos esses aspectos da ciência''.

A6 foi contundente ao apontar a contribuição do texto para sua compressão dos aspectos essenciais da epistemologia, e conseqüentemente da atividade científica: "Esse texto [...] foi fundamental para que todo o conhecimento que estava à deriva na minha cabeça fosse organizado e devidamente alocado''.

De um modo geral, as respostas apontam para o sentimento de significância pretendido pelo material, como as respostas da questão 1 também sugerem. Em relação à sua influência, outra categoria escolhida, constata-se que o material produziu efeitos positivos entre os alunos 2, 4, 5 e 6, que explicitam, em suas respostas, um bom sentimento de compreensão em relação às formas de proceder da atividade científica. A resposta de A1 foi inconclusiva, e A3 demonstrou uma reticência inicial a respeito, comentando que o que ajudou muito no entendimento do texto foi a apresentação. Naturalmente, a proposta inicial, conforme a teoria educacional de Bob Gowin, envolve uma relação entre aluno, material educativo e professor. Aqui, fica clara a importância do professor ao longo da unidade de ensino. Por mais que se atente para a elaboração de um bom material educativo, o professor continua a ocupar uma posição de grande relevância para a efetiva apreensão dos conteúdos trabalhados. E, justamente nos casos onde existem algumas deficiências de compreensão, seja por falta de requisitos ou falta de atenção adequada durante a leitura do texto, o professor passa a ocupar um papel central para o bom andamento da unidade de ensino.

5.4. Questão 4

O texto elaborado sobre a cosmologia, além das preocupações didáticas referidas anteriormente, tem o objetivo de instigar o aluno a manter sua atenção e interesse ao longo de sua leitura. Comente em que medida o texto alcançou este objetivo.

A1 comentou que, em um primeiro momento, não há muito apelo à leitura, para além do tema em si, de cosmologia, que costuma normalmente despertar a curiosidade. Mas que é o conhecimento das sutilezas do texto que revela, em uma maior medida, esta curiosidade. "Em termos estruturais, os tópicos do texto não despertaram muito a curiosidade. No entanto, a síntese e simplicidade geral mantiveram a atenção e o interesse''.

A2 foi bastante objetivo, colocando apenas que "no geral o texto foi cativante, ou seja, me chamou a atenção e me provocou a continuar a leitura. [...] Nesse sentido, acredito que o texto tenha atingido seu objetivo''.

Em conformidade com a dificuldade já relatada por A3, nesta questão este aluno coloca que "em certas partes do texto é atingido esse objetivo, mas em outras parece ficar um pouco distante. O texto em si é bastante cheio de conteúdo atual, só que poderia ter um enfoque mais simples de cosmologia e aos poucos ir construindo o resto do conhecimento''.

A4 faz uma observação interessante em relação à curiosidade que o texto desperta, sugerindo que as perguntas não respondidas por este são, inclusive, um aspecto positivo. "Julgo o texto muito interessante. Talvez, o interesse tenha surgido com as dúvidas na própria filosofia de Lakatos. No que diz respeito à cosmologia, o interesse é quase inevitável e se justifica por si mesmo. Antes de tudo, ficar com mais perguntas após a leitura do texto seria o essencial; perguntas que sejam referentes aos fundamentos da cosmologia e da filosofia''.

Sempre objetivo em relação ao pretendido com a questão, A5 se atém à estrutura do texto ao comentar sobre este objetivo. "Os assuntos são pouco a pouco introduzidos ao leitor do texto, de maneira a facilitar a compreensão e criar a expectativa do que vem em seguida. A abordagem de conceitos epistemológicos por meio de exemplos históricos também é uma boa estratégia, pois a mescla entre assuntos filosóficos, históricos e físicos ajuda a descansar a mente de uma leitura muito conceitual de qualquer das três áreas, mantendo a mente ativa e aberta à compreensão dos assuntos do texto. É um texto bem estruturado, a considerar o objetivo de manter a atenção do leitor''.

A6 faz um interessante relato sobre o desenvolvimento do texto em relação ao objetivo de se manter a atenção do leitor, mostrando ainda que este texto complementa em boa medida outros que foram discutidos ao longo da disciplina de Evolução dos Conceitos da Física. Comenta ainda sobre as expectativas de se abordar o tema, e como estas foram significativamente alteradas com a efetiva leitura do texto. "Ao me concentrar na leitura, notei que o texto não era simplesmente sobre cosmologia (a gente ignora a parte do título que fala "à luz dos elementos da epistemologia de Lakatos''). Mas ele fazia uma leitura crítica das teorias científicas e, de certa maneira, imparcial. E isso foi extremamente excitante. [...] de minha parte, me fez ler o texto atenciosamente''.

As respostas sugerem que, de modo geral, os tópicos do texto não despertam muito a atenção, mas que o quadro se inverte ao se começar efetivamente a leitura. Em um primeiro momento, pode-se conjeturar que esta impressão inicial deve-se ao tema "cosmologia'', como sugere A6 ao colocar que este "é o tema mais batido de toda a ciência''. Deste modo, pode se dar a impressão de que não haverá nada de novo, ainda que A4 coloque a este respeito que o "interesse é quase inevitável e se justifica por si mesmo''. Mas, positivamente, o texto se revela instigador na medida em que é conhecido. Ou seja, pode-se avaliar sua função de instigador positivamente nas respostas dos alunos 2, 4, 5 e 6. A1 não demonstrou muito interesse, embora tenha comentado sobre uma progressiva curiosidade ao longo da leitura do texto, e A3, embora não tenha sido contundente, deixa transparecer sua avaliação negativa a este respeito.

5.5. Questão 5

De um modo geral, como foi sua receptividade em relação ao texto e sua apresentação? Para uma futura versão do texto, quais elementos você considera que poderiam ser melhorados, acrescidos ou alterados? Comente.

A1 coloca que o texto e a proposta, no geral, foram acessíveis e interessantes. "Para quem não sabe nada de cosmologia como eu, o texto foi bastante informativo''. No entanto, destacou que a apresentação foi um pouco tendenciosa, ao "conduzir'' as conclusões a favor da teoria do big bang. "Creio que a apresentação poderia ser mais neutra (como o próprio texto). Isso ajuda as pessoas a refletirem e tomarem suas decisões e posicionamentos de forma menos tendenciosa''. Em função de sua resposta, perguntou-se na entrevista se ele detinha alguma visão pessoal sobre a origem do universo, mais propriamente, se ele era um criacionista ou se compartilhava da imagem científica em relação a esta origem. "Quanto à origem do universo, penso que todas as explicações são válidas na medida da compreensão e do significado que cada um atribui às palavras, aos símbolos e aos gestos''. Apesar dos esforços, é possível perceber uma intenção fugidia a este questionamento.

A2 avalia de forma bastante positiva a proposta geral, trazendo a sugestão de se aumentar as discussões a respeito. "A apresentação foi excelente, pois, ela me manteve em permanente atenção ao conteúdo apresentado. Como não havia tido contato anterior com esse conteúdo nesse nível, esta apresentação foi para mim muito importante e interessante em minha formação de futuro professor. A única ressalva seria ter um pouco de tempo para um bate papo (discussão) ao final da apresentação, para que fossem tiradas duvidas, comentadas algumas curiosidades não abordadas na apresentação, mas que fossem do conhecimento de algum aluno''. Este sentimento, naturalmente, também é compartilhado pelo pesquisador, no sentido de se querer passar "horas e horas'' conversando sobre os assuntos trabalhados.

Novamente, A3 comentou sobre sua dificuldade em se pensar o tema. "Como já disse anteriormente, ao meu modo de ver o texto foi dificultoso, no sentido de comentar um pouco mais as idéias principais, para alguém que não entende nada de física consiga entender ele''. Menciona ainda que no texto "poderia ser utilizada uma linguagem um pouco mais coloquial''. No entanto, comenta que "a apresentação foi muito boa, clara, concisa, só poderia ter sido um pouco mais pausada''.

A4, após indicar que a unidade de ensino foi interessante e "quase inevitável'' neste sentido, comenta que seria pertinente abordar outros tópicos contemporâneos sobre o assunto: "como não os conheço nem mesmo superficialmente, seria interessante discutir as teorias recentes que se têm sobre a origem do universo, tais como supercordas, dimensões paralelas que se colidem, etc., para enfatizar a questão de um programa de pesquisa progressivo e outro regressivo''.

A5 volta a comentar sobre a clareza do texto, alertando para a possibilidade de não haver o mesmo sentimento em quem não esteja familiarizado com alguns conceitos específicos. "Como eu disse anteriormente, os conhecimentos que eu já tinha de física e epistemologia foram suficientes para uma leitura, a meu ver, satisfatória do texto. No entanto, já cursei disciplinas de Astrofísica, enquanto que outros alunos não. Por isso, os conceitos de cosmologia ficaram claros para mim, mas não sei se o mesmo ocorre para os que não tiveram contato com o assunto antes. Já os conceitos epistemológicos estão bem acessíveis, pois meu único contato com epistemologia e filosofia da ciência foi nesse semestre, e mesmo assim consegui acompanhar bem o desenvolvimento do texto''. Na entrevista, este aluno comentou que também gostaria de aprofundar o assunto, dizendo, inclusive, que não se importaria nem um pouco com o crescimento do texto, que o leria com prazer.

A6 comenta sobre a pouca abertura do curso de física em relação aos assuntos discutidos, e que seria interessante discutir sobre outros epistemólogos. Comenta ainda que "[...] o texto encontra-se bem situado e contextualizado dentro da disciplina como um todo, sendo de fácil discussão para pessoas que já tiveram algum contato com epistemologia, mesmo que apenas durante a disciplina considerada''.

Na entrevista, A6 comentou que a proposta de se ler o texto antes da apresentação foi boa, ainda que se corra o risco de alguns alunos não o lerem, já que a metodologia de seu uso, em sala de aula, envolve uma apresentação oral dos conteúdos, pelo pesquisador. Em seguida, comenta como a proposta foi proveitosa para ele, que leu o texto e acompanhou a apresentação. Estas respostas demonstram uma relação direta com os resultados descritos na questão anterior, sobre a categoria de instigador à aprendizagem.

6. Considerações finais

É muito difundida, mesmo por professores de ciências [49], uma visão empirista que tende a se tornar um apanágio da pesquisa científica, onde esta se resumiria, basicamente, à observação, experimentação e medição. Estes, após a aplicação do "método científico'', levariam então o cientista a formular suas leis. Ou seja, um papel praticamente nulo é dado à livre construção de hipóteses e teorias. Mas uma análise mais atenta da atividade científica demonstra que esta posição é equivocada [5, 7, 12, 13]. Para lidar com essa e outras imagens distorcidas da atividade científica [5] é preciso que se traga esta discussão para a formação do professor e do futuro cientista.

O texto A Cosmologia Moderna À Luz Dos Elementos da Epistemologia de Lakatos [21] procurou trazer estas discussões para sala de aula, através de uma abordagem filosófica da evolução da cosmologia neste último século. Percebeu-se que estas questões atraem os alunos, ainda que a graduação não costume contemplar estes assuntos. As respostas apontam para uma boa recepção da atividade como um todo, sendo que alguns alunos (A2, A4 e A5 sugeriram, ainda, um crescimento na proposta geral no sentido de abarcar outras teorias, outros epistemólogos, e mais debates a respeito. A1 comentou que a apresentação poderia ser mais neutra, ainda que esta tenha sido, em boa medida, um reflexo do próprio texto. De fato, existe uma tendenciosidade natural na proposta, uma vez que ela se alinha com o modelo padrão da cosmologia. Deste modo, seria complicado estabelecer uma "neutralidade'' no sentido de manter as duas teorias, big bang e Universo Estacionário, em um mesmo plano de relevância, ainda que ambas tenham tido este momento, embora a teoria do big bang tenha se tornado o programa progressivo.

Talvez seja interessante apontar que, a partir da racionalidade desejada para as metodologias da ciência, um programa não se torna progressivo porque os cientistas assim o querem, como se fossem simplesmente votar por uma ou outra condição. Pelo contrário, Lakatos deixa claro que elementos de racionalidade devem estar presentes no processo, que permitam uma escolha objetiva em direção ao programa com características progressivas, em detrimento de outros que não conseguem o mesmo.

A partir do retorno com cada aluno pesquisado, evidenciou-se uma coerência em relação à classificação (positivo, negativo ou inconclusivo) de suas respostas nas quatro categorias escolhidas. Sintetizando, pode-se apresentar esta coerência na Tabela 1.

Tabela 1 - Síntese dos resultados em relação ao material educativo.

É claro que os resultados acima sintetizados são apenas ilustrativos, uma vez que cada categorização precisa ser devidamente contextualizada pelas respostas apresentadas pelos alunos. Ainda, é sempre bom lembrar que estes resultados constituem, conforme Moraes [51, p. 9], "[...] uma interpretação pessoal por parte do pesquisador com relação à percepção que tem dos dados. Não é possível uma leitura neutra''. Contudo, verifica-se que a clareza da maioria das respostas foi suficiente para a sua análise. Naturalmente, julga-se que seria de grande valia novas pesquisas com o presente material, com mais turmas e mais alunos entrevistados, inclusive em diferentes níveis de ensino (com as modificações adequadas), para um quadro mais geral de sua potencialidade.

A soma das respostas dadas por A3 parece evidenciar uma falta de requisitos para se trabalhar adequadamente o texto, ainda que este tenha uma preocupação de ser suficientemente didático para estudantes interessados nas questões trabalhadas, mesmo que porventura não tenham algumas leituras prévias. Naturalmente, o texto tem seus objetivos maximizados em situações onde o aluno já está pré-ocupado com algumas de suas questões, o que é evidenciado pelos comentários de alguns alunos (A2, A4, A5 e A6) que apontam a contribuição da disciplina onde o texto foi trabalhado, permitindo que este seja um complemento àquela. A apresentação em sala procurou ainda lidar com possíveis dificuldades dos alunos, de modo a clarificar o quanto possível os prováveis emaranhados de uma leitura desatenta ou dificultosa. Como visto anteriormente, o próprio aluno 3 comentou sobre a ajuda da apresentação neste sentido, mostrando a relevância da atuação do professor ao longo do processo.

Finalizando, o resultado geral do retorno obtido a partir das respostas dos alunos aponta para a boa potencialidade do texto produzido, que buscou um maior compromisso com a natureza da própria atividade científica como um todo. Seus objetivos, baseados nas funções pretendidas para um material educativo, segundo Bob Gowin, foram em boa medida alcançados, a partir da preocupação em se manter inteligível, informativo, e potencialmente gerador de novos conhecimentos. A6 sintetiza esta idéia, ao colocar que o "texto encontra-se bem situado e contextualizado dentro da disciplina como um todo, sendo de fácil discussão para pessoas que já tiveram algum contato com epistemologia, mesmo que apenas durante a disciplina considerada''.

Estes dados sugerem que são possíveis abordagens compromissadas com a natureza da ciência, e que instiguem o aluno a analisar mais cuidadosamente seu operar. E isto sem abdicar do conteúdo científico que se está trabalhando. De fato, o retorno obtido com este texto mostra que um pode se valer do outro para se estabelecer uma educação mais abrangente, que permita um ensino em e sobre ciências. Naturalmente, uma formação preocupada com uma adequada compreensão da atividade científica também pode ser de grande valia ao se trabalhar com outros alunos.

Recebido em 21/4/2012

Aceito em 2/3/2013

Publicado em 24/4/2013

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  • [20]I. Lakatos, The Methodology of Scientific Research Programmes (Cambridge University Press, New York, 1978).
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  • [46]R.J. Richardson, Pesquisa Social: Métodos e Técnicas (Atlas, São Paulo, 1999).
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  • [52]Roque Moraes, Ciência & Educação 9, 2003.
  • [53]R. Duarte, Educar em Revista 24, 213 (2004).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    De um curso universitário de física, com a presença de licenciandos e bacharelandos.
  • 3
    Tradução livre do termo
    educative material, usado por Gowin [14].
  • 4
    Um material significativo, na teoria de Gowin, é aquele que atenta para algumas importantes funções, descritas a seguir.
  • 5
    Também fazem parte desse núcleo a noção de
    incerteza, advinda de contradições originárias da natureza dualística das partículas, e a questão da
    probabilidade intrínseca à teoria, ao menos segundo a interpretação corrente da mecânica quântica. Como se sabe, Einstein, por exemplo, não aceitava a probabilidade como algo intrínseco à natureza.
  • 6
    A teoria geral da relatividade, naturalmente, não foi desenvolvida com este propósito. "As anomalias do periélio do planeta Mercúrio não desempenharam nenhum papel na construção da teoria, não obstante terem sido incorporadas e determinadas por ela com uma precisão extraordinária'' [19, p. 137].
  • 7
    O termo "teoria do big bang'' é usualmente atribuído ao modelo cosmológico padrão, que abarca o conjunto de explicações correntes relativas ao surgimento e desenvolvimento do Universo. Optou-se por apresentar, em um primeiro momento, o perfil do texto trabalhado sem aprofundar uma diferenciação entre
    teoria e
    modelo, que se confundem ao longo daquele devido às citações fiéis das fontes consultadas.
  • 8
    Utiliza-se "teoria'', no lugar de programa de pesquisa, uma vez que é o termo mais comumente conhecido e usado para a relatividade. Assim como em
    teoria eletromagnética,
    teoria cinética dos gases,
    teoria quântica,
    teoria do big bang,
    teoria de cordas, etc.
  • 9
    Sigla que dá nome ao equipamento de detecção das dobras:
    COsmic
    Backgroud
    Explorer (explorador do ruído cósmico de fundo).
  • 10
    Iniciais de Wilkinson Microwave Anisotropy Probe, ou Sonda de anisotropia de microondas Wilkinson.
  • 11
    O desvio para o vermelho, segundo a teoria do Big Bang, é um indicativo de distância, de acordo com a Lei de Hubble. Logo, estruturas com diferentes desvios para o vermelho não podem estar em um mesmo plano de observação, como sugere Arp.
  • 12
    Após a aplicação do material junto aos alunos, e a partir de novas leituras e sugestões de professores e colegas.
  • 13
    Em uma nova grade curricular implantada progressivamente a partir de 2009, esta disciplina consta da nona e última fase do curso de licenciatura e da oitava fase do curso de bacharelado.
  • 14
    No presente caso, a unidade de ensino em questão, sobre a discussão da cosmologia moderna sob um olhar histórico e epistemológico, constituiu-se da aula onde se apresentou o material composto pelo texto principal, previamente lido pelos alunos, e a apresentação eletrônica para subsidiar sua discussão.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      21 Abr 2012
    • Aceito
      02 Mar 2013
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