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Sobre o desenvolvimento das nossas concepções sobre a natureza e a constituição da radiação

Über die entwickelung unserer anschauungen über das wesen und die konstitution der strahlung

ARTIGOS DE EINSTEIN E ENSAIOS SOBRE SUA OBRA

Sobre o desenvolvimento das nossas concepções sobre a natureza e a constituição da radiação* * Apresentado na sessão da Divisão de Física da 81ª Reunião de Cientistas e Médicos Alemães em Salzburgo, em 21 de setembro de 1909. A mesma versão apareceu em Physikalische Zeitschrift 10, 817-826(1909). Ambas as versões diferem entre si apenas em ortografia. Tradução de Carola Dobrigkeit Chinellato. Instituto de Física Gleb Wataghin, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.

Über die entwickelung unserer anschauungen über das wesen und die konstitution der strahlung

A. Einstein

Assim que se reconheceu que a luz exibia as manifestações da interferência e difração, parecia ser quase indubitável que a luz fosse interpretada como um movimento ondulatório. Como a luz também é capaz de se propagar no vácuo, era necessário supor que também o vácuo contivesse um tipo de matéria especial capaz de mediar a propagação das ondas de luz. Para a concepção das leis de propagação da luz em meios ponderáveis era necessário supor que aquela matéria, denominada éter luminífero, também estivesse presente nesses meios, e que também no interior dos corpos ponderáveis fosse essencialmente o éter luminífero que mediasse a propagação das ondas de luz. A existência desse éter luminífero parecia indubitável. No primeiro volume do excelente compêndio Lehrbuch der Physik de Chwolson, publicado em 1902, encontra-se na Introdução a frase sobre o éter: "A probabilidade da hipótese sobre a existência deste agente avizinha-se extraordinariamente de uma certeza".

Hoje, entretanto, nós devemos encarar a hipótese do éter como um ponto de vista ultrapassado. É até mesmo inegável que há um extenso grupo de fatos relativos à radiação que mostram que a luz possui certas propriedades fundamentais mais facilmente compreensíveis sob o ponto de vista da teoria da emissão de luz, de Newton, do que sob aquele da teoria ondulatória. Por isso, é minha opinião que a próxima fase do desenvolvimento da física teórica nos trará uma teoria da luz que possa ser compreendida como uma espécie de fusão da teoria ondulatória com a teoria da emissão da luz. Justificar esta opinião e mostrar que é imprescindível uma mudança profunda nas nossas concepções sobre a natureza e a constituição da luz, são os objetivos das observações a seguir.

O maior progresso que a ótica teórica fez desde a introdução da teoria ondulatória consiste provavelmente na descoberta genial de Maxwell de que é possível conceber a luz como um fenômeno eletromagnético. Esta teoria introduz, ao invés das grandezas mecânicas, a saber, a deformação e a velocidade das partes do éter, considerações sobre os estados eletromagnéticos do éter e da matéria e reduz assim os problemas ópticos a problemas eletromagnéticos. Quanto mais se desenvolvia a teoria eletromagnética, tanto mais a pergunta sobre se processos eletromagnéticos poderiam ser reduzidos a processos mecânicos passava a um segundo plano; costumava-se tratar os conceitos da intensidade dos campos elétrico e magnético, da densidade espacial de eletricidade, etc.., como conceitos elementares, que não necessitam de uma interpretação mecanicista.

Com a introdução da teoria eletromagnética, simplificaram-se as bases da óptica teórica e reduziu-se o número de hipóteses arbitrárias. A velha pergunta sobre a direção da oscilação da luz polarizada tornou-se supérflua. As dificuldades com as condições de contorno na fronteira de dois meios resolveram-se a partir do fundamento da teoria. Não havia mais a necessidade de nenhuma hipótese arbitrária a fim de excluir1 1 No texto original em alemão consta erroneamente "anzuschliessen" (conectar), em vez de "auszuschliessen" (excluir) (N.T.). ondas luminosas longitudinais. A pressão da radiação, que apenas recentemente foi constatada experimentalmente, e que desempenha papel tão importante na teoria da radiação, provou ser conseqüência da teoria. Eu não quero tentar aqui uma exaustiva enumeração das bem conhecidas realizações, mas focalizar em um ponto principal segundo o qual a teoria eletromagnética concorda, ou dizendo mais precisamente, parece concordar com a teoria cinética.

Segundo ambas as teorias, as ondas luminosas parecem ser essencialmente um conjunto de estados de um meio hipotético, o éter, que é também onipresente mesmo na ausência da radiação. Por esta razão tinha-se que supor que movimentos desse meio deveriam ter influência sobre fenômenos ópticos e eletromagnéticos. A busca pelas leis que regem esta influência acarretou uma transformação nas concepções fundamentais sobre a natureza da radiação, cujo rumo nós iremos considerar brevemente.

A pergunta fundamental que aqui se impunha era a seguinte: o éter luminífero acompanha os movimentos da matéria, ou ele se movimenta no interior da matéria em movimento de uma maneira diferente desta, ou, finalmente, seria possível que ele não tomasse parte de nenhum modo do movimento da matéria, ficando, ao invés, permanentemente em repouso? Para decidir esta questão, Fizeau realizou um importante experimento de interferência, que se baseia na seguinte consideração. Seja V a velocidade de propagação da luz em um corpo se este estiver em repouso. Caso este corpo, quando em movimento, arraste completamente consigo o seu éter, então a luz se propagará, em relação ao corpo, da mesma maneira como quando o corpo estiver em repouso. A velocidade de propagação relativa ao corpo será também neste caso V. Em termos absolutos, ou seja, em relação a um observador que não se move junto com o corpo, a velocidade de propagação de um raio de luz será igual à soma geométrica da velocidade V e da velocidade de movimento do corpo, v. Se as velocidades de propagação e de movimento têm a mesma direção e o mesmo sentido, então Vabs será simplesmente igual à soma das duas velocidades, ou seja,

Vabs = V + v.

Para testar se esta conseqüência da hipótese do éter luminífero que se move completamente junto se aplica, Fizeau fez dois feixes de luz coerentes e monocromáticos passarem cada um axialmente ao longo de um tubo preenchido com água e depois fez a interferência dos dois feixes. Quando ele deixava, então, a água se mover ao mesmo tempo axialmente pelo interior dos tubos, na direção da luz em um deles e na direção oposta no outro tubo, resultava um deslocamento das franjas de interferência, a partir das quais ele podia tirar uma conclusão a respeito do efeito da velocidade do corpo sobre a velocidade absoluta.

Como é conhecido, resultou que existia uma influência da velocidade do corpo no sentido esperado, mas que esta influência era sempre menor do que aquela correspondente à hipótese de completo arrastamento, ou seja,

Vabs = V + av,

onde a é sempre menor do que 1. Desprezando a dispersão, vale

a = 1 – .

Deste experimento resultou que não ocorria um completo arrastamento do éter pela matéria, e que, em geral, há um movimento relativo do éter em relação à matéria. Agora, a Terra é um corpo que tem velocidades de direções variadas em relação ao sistema solar ao longo do ano, e era de se supor que o éter nos nossos laboratórios também não acompanhasse completamente esse movimento da Terra, da mesma maneira que ele não acompanhava completamente o movimento da água no experimento de Fizeau. Assim, poder-se-ia concluir que existia um movimento relativo do éter com respeito aos nossos aparelhos, que variava segundo a hora do dia ou a estação do ano, e dever-se-ia esperar que este movimento relativo acarretasse uma anisotropia aparente do espaço em experimentos ópticos, ou seja, que os fenômenos ópticos dependessem da orientação dos aparelhos. Os mais diversos experimentos para constatar uma tal anisotropia foram realizados sem que se tivesse podido constatar a dependência esperada dos fenômenos com a orientação dos aparelhos.

Esta contradição foi removida em sua maior parte pelo trabalho pioneiro de H.A. Lorentz do ano 1895. Lorentz mostrou que, admitindo a existência de um éter em repouso, que não toma parte no movimento da matéria, pode-se chegar a uma teoria que justifica quase todos os fenômenos, sem precisar postular nenhuma outra hipótese. Em particular, também se explicavam os resultados do experimento acima aludido de Fizeau, assim como o resultado negativo das tentativas mencionadas de constatar o movimento da Terra em relação ao éter. Parecia que a teoria de Lorentz era incompatível com apenas um único experimento, a saber, o experimento de interferência de Michelson e Morley.

Lorentz havia mostrado que, segundo a sua teoria, à parte de termos que contivessem como fator o quociente velocidade do corpo/velocidade da luz elevado à segunda potência ou maior, não havia nenhum efeito de um movimento comum de translação dos aparelhos sobre os caminhos dos raios em experimentos ópticos. Mas já naquela época conhecia-se o experimento de interferência de Michelson e Morley, que mostrava que em um caso especial também termos contendo o quociente velocidade do corpo/velocidade da luz em segunda ordem não se faziam observados, mesmo que isso fosse esperado segundo o ponto de vista do éter em repouso. Para que este experimento pudesse ser abrangido por esta teoria, é sabido que foi introduzida por Lorentz e Fitzgerald2 2 Nota do tradutor: No original em alemão consta FR. Gerald a hipótese de que todos os corpos, e portanto também os que conectavam os componentes do aparato experimental de Michelson e Morley, alterassem a sua forma de uma determinada maneira quando postos em movimento relativo ao éter.

Esta situação, entretanto, era altamente insatisfatória. A única teoria que era aplicável e transparente em seus princípios era a teoria de Lorentz. Esta repousava na hipótese de um éter absolutamente imóvel. A Terra deveria ser vista como em movimento em relação a esse éter. Mas todos os experimentos visando comprovar este movimento relativo transcorriam sem resultado, de modo a forçar a introdução de uma hipótese bastante peculiar a fim de poder compreender porque aquele movimento relativo não se fazia perceptível.

O experimento de Michelson sugeria a pressuposição de que todos os fenômenos transcorriam exatamente segundo as mesmas leis, relativamente a um sistema de coordenadas se movendo junto com a Terra, ou, ainda mais geral, que se mova relativamente a qualquer sistema em movimento não acelerado. No que segue chamaremos esta hipótese resumidamente de "princípio da relatividade". Antes de considerarmos a pergunta sobre se é possível aderir ao princípio da relatividade, discutiremos brevemente o que acontecerá com a hipótese do éter se adotarmos este princípio.

Tomando por base a hipótese do éter, o experimento levava a supor o éter imóvel. O princípio da relatividade afirma então que todas a leis da natureza referidas com relação a um sistema de coordenadas K' em movimento uniforme em relação ao éter devem ser idênticas às leis correspondentes em relação a um sistema de coordenadas em repouso em relação ao éter, K. Mas se este for o caso, então temos tanto motivo para imaginarmos o éter em repouso com relação a K', quanto em repouso em relação a K. É então totalmente não natural rotular um dos dois sistemas de coordenadas K' ou K, introduzindo um éter em repouso em relação a ele. Disto segue que apenas se pode chegar a uma teoria satisfatória quando se renuncia à hipótese do éter. Neste caso, os campos eletromagnéticos constituintes da luz não mais aparecem como sendo estados de um meio hipotético, mas como entidades independentes, que são emitidas pelas fontes de luz, exatamente como na teoria da emissão da luz de Newton. Exatamente da mesma maneira, segundo esta última teoria, um espaço não permeado por radiação e livre de matéria ponderável parecerá realmente vazio.

Sob consideração superficial, parece impossível reconciliar o essencial da teoria de Lorentz com o princípio da relatividade. Se um raio de luz se propaga no vácuo, segundo a teoria de Lorentz, isto sempre ocorre com uma determinada velocidade c em relação a um sistema de coordenadas K em repouso relativamente ao éter, independentemente do estado de movimento do corpo emitente. Chamaremos esta proposição de princípio da constância da velocidade da luz. Segundo o teorema da adição das velocidades, este mesmo raio de luz não se propagará com velocidade c com respeito a um sistema de coordenadas K', que se move relativamente ao éter em movimento uniforme de translação. As leis da propagação da luz parecem assim ser diferentes em relação a ambos os sistemas de coordenadas, e parece decorrer disso que o princípio da relatividade não é compatível com as leis da propagação da luz.

Entretanto, o teorema da adição das velocidades baseia-se nas pressuposições arbitrárias de que dados referentes a tempo, bem como dados sobre a forma de corpos em movimento tenham um significado independente do estado de movimento do sistema de coordenadas utilizado. Entretanto, podemos nos convencer de que para uma definição do tempo e da forma de corpos em movimento é necessária a introdução de relógios que devem estar em repouso em relação ao sistema de coordenadas usado. Portanto, os conceitos acima devem ser definidos em particular para cada sistema de coordenadas, e não é evidente que, para dois sistemas de coordenadas K e K' que se movem relativamente um ao outro, essas definições levem aos mesmos valores de tempo t e t' para os eventos individuais; nem mesmo pode-se dizer a priori que qualquer afirmação sobre a forma de corpos, que seja válida com relação ao sistema de coordenadas K, seja também válida com relação ao sistema de coordenadas K', que se move relativamente a K.

Disso decorre que as equações de transformação até agora usadas para a transição de um sistema de coordenadas para outro em movimento relativo uniforme em relação ao primeiro, baseiam-se em hipóteses arbitrárias. Se essas forem abandonadas, então pode-se mostrar que o fundamento da teoria de Lorentz, ou mais geral, o princípio da constância da velocidade da luz resulta concordante com o princípio da relatividade. Chegamos, assim, a novas equações para a transformação de coordenadas que são univocamente determinadas pelos dois princípios e, feita a escolha apropriada das origens das coordenadas e dos tempos, são caracterizadas por tornarem a equação

x2 + y2 + z2 – c2t2 = x'2 + y'2 + z'2 – c2t'2

uma identidade. Aqui c denota a velocidade da luz no vácuo. x, y, z, t são as coordenadas no espaço-tempo com relação a K, e x', y', z', t' são em relação a K'.

Este caminho leva à assim chamada teoria da relatividade, de cujas conseqüências eu apenas quero mencionar uma, porque ela traz consigo uma certa modificação dos conceitos fundamentais no campo da Física. Assim, pode-se mostrar que a massa inercial de um corpo diminui de Lc2 quando o mesmo emite a energia de radiação L. Pode-se chegar a este resultado da seguinte maneira.

Consideramos um corpo em repouso, suspenso livremente, que emite a mesma quantidade de energia na forma de radiação em dois sentidos opostos. Assim, o corpo permanecerá em repouso. Se denotarmos por E0 a energia do corpo antes da emissão, por E1 sua energia após a emissão, e por L a quantidade de radiação emitida, temos pelo princípio da energia

E0 = E1 + L.

Agora nós observamos o corpo, bem como a radiação por ele emitida, a partir de um sistema de coordenadas em relação ao qual o corpo se move com velocidade v. A teoria da relatividade fornece então os meios para calcular a energia da radiação emitida com relação ao novo sistema de coordenadas. O valor obtido para tal é

Já que o princípio da conservação da energia deve ser válido também no novo sistema de coordenadas, obtém-se, usando notação análoga,

Por subtração, desprezando os termos que são de quarta ordem em v/c, ou superior, obtém-se:

Agora – E0 nada mais é do que a energia cinética do corpo antes da emissão da radiação e – E1 nada mais do que a sua energia cinética após a emissão da radiação. Chamando de M0 a massa do corpo antes da emissão, e de M1 sua massa após a emissão de luz, podemos colocar, desprezando os termos de ordem superior ao segundo grau:

Assim, a massa inercial de um corpo se reduz com a emissão da luz. A energia cedida figura como parte da massa do corpo. Disso se pode ainda concluir que cada absorção ou emissão de energia traz consigo um aumento ou um decréscimo, respectivamente, da massa do corpo envolvido. Energia e massa parecem como grandezas equivalentes, da mesma forma que calor e energia mecânica.

A teoria da relatividade mudou, assim, as nossas concepções sobre a natureza da luz, no tocante que a luz não mais é concebida como uma seqüência de estados de um meio hipotético, mas como algo tendo uma existência independente, como a matéria. Além do mais, segundo esta teoria, há em comum com a teoria corpuscular da luz a característica de transferência de massa inercial de corpos emitindo para corpos absorvendo radiação. Na nossa concepção sobre a estrutura da radiação, em particular da distribuição de energia no espaço irradiado, a teoria da relatividade não alterou nada. Entretanto, é minha opinião que, com respeito a este lado da pergunta, nós estamos no início de um desenvolvimento ainda não totalmente previsível, mas, sem dúvida, altamente significativo. O que eu apresentarei a seguir é, na maior parte, somente opinião pessoal, ou ainda, resultado de considerações que não foram ainda suficientemente checadas por outros. Se, apesar disso, eu as apresento aqui, isto não deve ser atribuído ao excesso de confiança nas próprias opiniões, mas sim à esperança de que um ou outro dos senhores possa se sentir motivado a interessar-se pelas perguntas em questão.

Mesmo sem se aprofundar em qualquer consideração teórica, pode-se notar que nossa teoria da luz não é capaz de explicar certas propriedades dos fenômenos luminosos. Por que depende apenas da cor, mas não da intensidade, se uma determinada reação fotoquímica ocorre ou não? Por que os raios de ondas curtas são, em geral, mais eficazes quimicamente, do que os de ondas longas? Por que a velocidade dos raios catódicos produzidos fotoeletricamente é independente da intensidade da luz? Por que motivo se necessita de altas temperaturas, ou seja, de altas velocidades moleculares, para que a radiação emitida pelo corpo contenha componentes de ondas curtas?

A teoria ondulatória, na sua forma de hoje, não fornece respostas a nenhuma dessas perguntas. Em particular, é absolutamente incompreensível por que os raios catódicos produzidos fotoeletricamente ou por raios-X atingem uma velocidade tão considerável, independente da intensidade da radiação. O aparecimento de quantidades tão grandes de energia em uma estrutura molecular, sob a influência de uma fonte, na qual a energia está tão esparsamente distribuída como, de acordo com a teoria ondulatória, nós devemos assumir para a radiação luminosa e de raios-X, levou alguns físicos capazes a recorrerem a uma hipótese bastante rebuscada. Eles assumiram que a luz desempenhava meramente um papel desencadeador no processo, mas que as energias moleculares que vinham à tona seriam de natureza radioativa. Como por agora esta hipótese já foi praticamente abandonada, não irei apresentar argumentos contra ela.

A propriedade básica da teoria ondulatória que está na origem dessas dificuldades parece-me residir no seguinte. Enquanto que na teoria cinética molecular para cada processo do qual participam apenas poucas partículas elementares, por exemplo, para cada colisão molecular, existe o processo inverso, este não é o caso, na teoria ondulatória, nos processos elementares envolvendo a radiação. Um íon oscilante gera, segundo a teoria corrente para nós, uma onda esférica se propagando para fora. O processo inverso não existe, enquanto processo elementar3 3 As palavras ou trechos em itálico foram enfatizados pelo autor no artigo original (N.T.). . É verdade que uma onda esférica se propagando para dentro é matematicamente possível; entretanto, é necessária uma enorme quantidade de estruturas emissoras elementares para sua realização aproximada. Portanto, para o processo elementar da emissão da luz em si não se aplica o caráter da reversibilidade. Aqui, acredito eu, a nossa teoria ondulatória não acerta o alvo. No que se refere a esse ponto, parece que a teoria da emissão de Newton contém mais verdade do que a teoria ondulatória, já que, segundo a primeira, a energia que é atribuída a uma partícula da luz na emissão não é espalhada sobre o espaço infinito, mas permanece disponível para um processo elementar de absorção. Pense-se nas leis da produção dos raios catódicos secundários por raios-X.

Se raios catódicos primários incidem sobre uma placa metálica P1 , eles produzem raios-X. Se estes incidirem sobre uma segunda placa metálica P2, então serão produzidos novamente raios catódicos, cuja velocidade é da mesma ordem de grandeza da velocidade dos raios catódicos primários. Tanto quanto sabemos hoje, a velocidade dos raios catódicos secundários não depende nem da distância entre as placas P1 e P2 , nem da intensidade dos raios catódicos primários, mas sim, exclusivamente, da velocidade dos raios catódicos primários. Admitamos, por um momento, que isto seja rigorosamente correto. O que acontecerá se deixarmos a intensidade dos raios catódicos primários, ou o tamanho da placa metálica P1 sobre a qual eles incidem, diminuir a um tal ponto que possamos encarar a incidência de um elétron dos raios catódicos primários como um processo isolado? Se o exposto acima é realmente correto, então, devido ao fato da velocidade dos raios secundários ser independente da intensidade dos raios catódicos primários, deveremos assumir que em P2(como resultado da incidência daquele elétron em P1) ou não é produzido nada, ou ocorre uma emissão secundária de um elétron em P2 , com uma velocidade que é da mesma ordem de grandeza daquela do elétron incidente sobre P1. Em outras palavras, o processo elementar de radiação parece transcorrer não de modo que a energia do elétron primário seja distribuída e espalhada em uma onda esférica se propagando em todas as direções, como pede a teoria ondulatória, mas ao contrário, parece que pelo menos uma grande parte dessa energia permanece disponível em algum lugar da placa P2 ou em outro lugar. O processo elementar da emissão da radiação parece ser direcionado. Além disso, dá a impressão de que o processo da criação do raio-X em P1 e a criação do raio catódico secundário em P2 , sejam, em essência, processos inversos.

A constituição da radiação parece, então, ser outra do que aquela que decorre da nossa teoria ondulatória. A teoria da radiação térmica forneceu importantes pontos de referência a esse respeito, primeiramente e antes de tudo, aquela teoria com a qual o senhor Planck fundamentou a sua fórmula da radiação. Como eu não posso presumir que essa teoria seja de conhecimento geral, eu quero apresentar brevemente sobre ela o que é necessário.

No interior de uma cavidade na temperatura T encontra-se radiação de determinada composição, a qual é independente da natureza do corpo. A quantidade de radiação no interior da cavidade, por unidade de volume, cuja freqüência está entre n e n + dn é rdn. O problema consiste em procurar r em função de n e T. Se no interior da cavidade estiver presente um ressonador elétrico, de freqüência própria n0 e pequeno amortecimento, a teoria eletromagnética da radiação permite calcular a média temporal da energia () do ressonador em função de r(n0 ). O problema fica assim reduzido àquele de determinar em função da temperatura. Este último problema, por sua vez, pode ser reduzido ao seguinte. Estejam presentes no interior da cavidade um grande número (N) de ressonadores, de freqüência n0. Como a entropia desse sistema de ressonadores depende da energia desses últimos?

Para responder a esta pergunta, o senhor Planck utiliza a relação geral entre a entropia e a probabilidade de um estado, conforme deduzido por Boltzmann em suas investigações sobre a teoria cinética dos gases. Tem-se em geral

Entropia = k . log W,

onde k denota uma constante universal e W significa a probabilidade do estado em questão. Esta probabilidade é medida pelo "número de configurações", um número que indica de quantas maneiras diferentes o estado em questão pode ser realizado. No caso da pergunta acima, o estado do sistema de ressonadores é definido pela energia total do mesmo, de maneira que a pergunta a ser resolvida consiste em: de quantas maneiras diferentes a energia total dada pode ser distribuída entre os N ressonadores? Para encontrar isso, o senhor Planck divide a energia total em pequenas partes iguais de uma determinada magnitude e. Uma configuração é determinada especificando quantos de tais e são atribuídos a cada ressonador. O número de tais configurações que resultam na energia total dada é determinado e igualado a W.

O senhor Planck conclui ainda, baseando-se na lei do deslocamento de Wien, dedutível dos fundamentos termodinâmicos, que se deve fazer e = hn, onde h denota um número independente de n. Assim ele encontra sua fórmula da radiação que concorda totalmente com a experiência até agora,

Poderia parecer que, segundo esta dedução, a fórmula da radiação de Planck possa ser vista como uma conseqüência da teoria eletromagnética da radiação corrente. Entretanto, este não é o caso, especialmente pela seguinte razão. O número de configurações, do qual se falou há pouco, apenas poderia ser visto como uma expressão da multiplicidade de possibilidades de distribuição da energia total entre os N ressonadores, se cada distribuição imaginável da energia ocorresse, ao menos em alguma aproximação, entre as configurações utilizadas para o cálculo de W. Para tal, é necessário que para todas as n, para as quais corresponda uma densidade de energia perceptível r, o quantum de energia e seja pequeno comparado com a energia média dos ressonadores . Entretanto, encontra-se por um cálculo simples que, para um comprimento de onda 0,5 m e uma temperatura absoluta T = 1700, a razão e/ não só não é pequena comparada com 1, mas é, de fato, muito grande comparada com 1. Ela tem o valor aproximado de 6,5.107. Assim, no exemplo numérico dado da contagem das configurações, deve-se proceder como se a energia do ressonador apenas pudesse assumir o valor zero, o 6,5.107-ésimo múltiplo de sua energia média, ou um múltiplo desse. É claro que nesse tipo de procedimento será considerada para o cálculo da entropia apenas uma parte desprezível daquelas distribuições de energia que devemos considerar como possíveis segundo os fundamentos da teoria. Assim, o número dessas configurações não é, segundo os fundamentos da teoria, uma expressão para a probabilidade do estado no sentido de Boltzmann. Na minha opinião, aceitar a teoria de Planck significa, simplesmente, rejeitar os fundamentos da nossa teoria da radiação.

Eu já tentei mostrar anteriormente que nossos fundamentos atuais da teoria da radiação precisarão ser abandonados. De qualquer modo, não se pode pensar em rejeitar a teoria de Planck pelo fato de que ela não concorda com esses fundamentos. Esta teoria levou a uma determinação dos quanta elementares, a qual foi confirmada brilhantemente pelas medidas mais recentes dessas grandezas baseadas na contagem das partículas a. Para o quantum elementar da eletricidade, Rutherford e Geiger obtiveram o valor médio 4,65.10–10, Regener obteve 4,79.10–10, enquanto o senhor Planck, com a ajuda da sua teoria da radiação, obteve, a partir das constantes da fórmula da radiação, o valor intermediário 4,69.10–10.

A teoria de Planck leva à seguinte suposição. Se é realmente verdade que um ressonador de radiação só pode assumir aqueles valores de energia que são múltiplos de hn, então é razoável supor que emissão e absorção de radiação apenas possam ocorrer em quanta deste valor de energia. Com base nesta hipótese, a hipótese dos quanta de luz, pode-se responder às questões aventadas acima, referentes à absorção e emissão de radiação. Tanto quanto se estende o nosso conhecimento, também são confirmadas as conseqüências de conteúdo quantitativo dessa hipótese dos quanta de luz. Surge agora a seguinte pergunta. Não seria concebível que a fórmula da radiação dada por Planck estivesse correta, mas que pudesse ser dada uma derivação da mesma que não fosse baseada em uma hipótese tão aparentemente monstruosa quanto a teoria de Planck? Não seria possível substituir a hipótese dos quanta de luz por uma outra suposição com a qual se pudesse também obter concordância com os fenômenos conhecidos? Se é necessário modificar os elementos da teoria, não se poderia ao menos manter as equações para a propagação da radiação e apenas conceber os processos elementares da emissão e absorção diferentemente do que têm sido até então?

Para esclarecer isso, queremos tentar proceder na direção inversa à seguida pelo senhor Planck em sua teoria da radiação. Nós consideramos correta a fórmula da radiação de Planck e nos perguntamos se alguma conclusão acerca da constituição da radiação pode ser inferida dela. De duas considerações que eu desenvolvi neste sentido, quero esboçar aos senhores apenas uma, a qual me parece, devido à sua clareza, especialmente convincente.

Seja uma cavidade contendo um gás ideal bem como uma placa feita de uma substância sólida, que apenas pode se mover livremente na direção perpendicular ao seu plano. Em decorrência da irregularidade das colisões entre as moléculas do gás e a placa, esta última entrará em movimento, de maneira que a sua energia cinética média seja igual a um terço da energia cinética média de uma molécula monoatômica do gás. Esta é uma conseqüência da mecânica estatística. Supomos então que, além do gás, o qual podemos supor consistindo de apenas algumas poucas moléculas, haja radiação presente na cavidade, radiação esta que é a assim chamada radiação de temperatura correspondente à temperatura nominal do gás. Este será o caso quando as paredes da cavidade tiverem a temperatura determinada T, forem opacas à radiação e não completamente refletoras para o interior da cavidade em todos os lugares. Além disso, vamos supor por enquanto que nossa placa seja completamente refletora de ambos os lados. Nesta situação, não apenas o gás, mas também a radiação irá agir sobre a placa. A radiação exercerá uma pressão sobre ambos os lados da placa. As forças de pressão exercidas sobre ambos os lados são iguais entre si, se a placa estiver em repouso. No entanto, se ela estiver em movimento, mais radiação será refletida na superfície que lidera o movimento (superfície dianteira), do que na superfície traseira. A força de pressão agindo sobre a superfície dianteira para trás é, portanto, maior do que a força agindo sobre a superfície traseira. Portanto, ficará, como resultante das duas forças, uma força que atua na direção contrária ao movimento da placa, e que cresce com a velocidade da placa. Nós chamaremos esta resultante brevemente de "fricção de radiação".

Se nós assumirmos agora por um momento que tivéssemos considerado acima toda a atuação mecânica da radiação sobre a placa, então nós chegamos à seguinte interpretação. Por colisões das moléculas do gás são transmitidos para a placa impulsos em direções randômicas, em intervalos randômicos. A velocidade da placa entre duas de tais colisões diminui, como conseqüência da fricção de radiação, no que a energia cinética da placa é transformada em energia de radiação. Conseqüentemente, a energia das moléculas de gás seria continuamente convertida, através da placa, em energia de radiação, até que toda a energia disponível tivesse se transformado em energia de radiação. Portanto, não haveria um equilíbrio térmico entre gás e radiação.

Esta consideração é errônea porque não se pode considerar as forças de pressão exercidas sobre a placa pela radiação nem como constantes no tempo, nem como livres de flutuações randômicas, assim como as forças de pressão exercidas sobre a placa pelo gás. Para o equilíbrio térmico ser possível, é necessário que aquelas flutuações das forças de pressão da radiação sejam tais que compensem, na média, as perdas de velocidade da placa pela fricção de radiação, no que a energia cinética média da placa é igual à terça parte da energia cinética média de uma molécula monoatômica do gás. Se a lei da radiação for conhecida, pode-se calcular a fricção de radiação e dela pode-se calcular o valor médio dos impulsos que a placa deverá receber, como conseqüência das flutuações da pressão de radiação, a fim de que o equilíbrio estatístico possa ser mantido.

Esta consideração se torna ainda mais interessante se a placa for escolhida de modo que ela reflita completamente apenas radiação no intervalo de freqüência dn, mas transmita radiação de outras freqüências sem absorção; obtêm-se, assim, as flutuações da pressão de radiação para a radiação no intervalo de freqüência dn. Eu apresentarei agora o resultado do cálculo para este caso. Designando por D a quantidade de movimento que é transferida para a placa durante o tempo t devido às flutuações irregulares da pressão de radiação, obtém-se para o valor médio do quadrado de D a expressão:

De imediato chama atenção a simplicidade desta expressão; não é provável que exista uma outra fórmula da radiação concordando com a experiência dentro dos limites dos erros de observação e que apresente uma expressão tão simples para as propriedades estatísticas da pressão de radiação, quanto aquela de Planck.

No tocante à interpretação, deve-se notar que a expressão para a média do quadrado da flutuação é uma soma de dois termos. Assim, é como se existissem duas origens diferentes e independentes que causam uma flutuação da pressão de radiação. Do fato de que é proporcional a f, pode-se concluir que as flutuações da pressão para partes adjacentes da placa, cujas dimensões lineares são grandes comparadas com o comprimento de onda da freqüência de reflexão, são eventos mutuamente independentes.

Agora a teoria ondulatória fornece uma explicação apenas para o segundo termo da expressão encontrada para . Segundo a teoria ondulatória, feixes de direções ligeiramente diferentes, freqüências ligeiramente diferentes e estados de polarização ligeiramente diferentes devem interferir entre si, e à totalidade dessas interferências, que ocorrem da maneira mais randômica, deve corresponder uma flutuação da pressão de radiação. Que a expressão para esta flutuação deve ter a forma do segundo termo da nossa fórmula pode ser visto a partir de uma simples consideração dimensional. Pode-se ver que a estrutura ondulatória da radiação de fato causa flutuações da pressão de radiação conforme é dela esperado.

Mas como se explica o primeiro termo da fórmula? Este de maneira nenhuma é desprezível, pelo contrário, ele sozinho é, por assim dizer, relevante no domínio de validade da assim chamada lei da radiação de Wien. Assim, para l = 0,5 µ e T = 1700, por exemplo, este termo é cerca de 6,5 × 107 vezes maior do que o segundo termo. Se a radiação consistisse de complexos muito pouco extensos de energia hn, que se movessem pelo espaço independentemente uns dos outros e fossem refletidos independentemente uns dos outros - uma imagem que representa a mais bruta visualização da hipótese dos quanta de luz -, então os impulsos atuando sobre a nossa placa devido a flutuações da pressão de radiação seriam do tipo representado tão somente pelo primeiro termo da nossa expressão.

Assim, segundo a minha opinião, deve ser concluído o seguinte da fórmula acima, a qual é, por sua vez, conseqüência da fórmula da radiação de Planck. Além das não-uniformidades na distribuição espacial da quantidade de movimento da radiação, que são decorrentes da teoria ondulatória, ainda há outras não-uniformidades na distribuição espacial da quantidade de movimento presentes, as quais terão, a baixa densidade de energia da radiação, uma influência muito maior do que as não-uniformidades primeiro citadas. Eu acrescento que uma outra consideração com respeito à distribuição espacial da energia fornece resultados completamente correspondentes à mencionada acima referente à distribuição espacial da quantidade de movimento.

Tanto quanto eu sei, ainda não foi possível formular uma teoria matemática da radiação que contempla tanto a estrutura ondulatória, quanto a estrutura que segue do primeiro termo da fórmula acima (estrutura de quanta). A dificuldade reside principalmente no fato de que as propriedades da flutuação da radiação, conforme são expressadas pela fórmula acima, fornecem poucos pontos de referência formais para a formulação de uma teoria. Imagine-se que os fenômenos de difração e interferência ainda fosse desconhecidos, mas que se soubesse que o valor médio das flutuações irregulares da pressão de radiação fossem determinadas pelo segundo termo da fórmula acima, em que n fosse um parâmetro de significado desconhecido que determinasse a cor. Quem teria imaginação suficiente para construir a teoria ondulatória da luz sobre uma tal base?

Ainda assim, parece-me por agora a interpretação mais natural que a ocorrência dos campos eletromagnéticos da luz está associada a pontos singulares assim como o está a ocorrência dos campos eletrostáticos segundo a teoria do elétron. Não está excluído que em uma tal teoria toda a energia do campo eletromagnético possa ser vista como localizada nestas singularidades, exatamente como na velha teoria da ação à distância. Aproximadamente eu imagino que cada ponto singular deste tipo está envolto por um campo de força, que essencialmente possue o caráter de uma onda plana, e cuja amplitude diminui com a distância ao ponto singular. Se muitas de tais singularidades estiverem presentes a distâncias que sejam pequenas comparadas com a dimensão do campo de força de um ponto singular, então os campos de força irão se sobrepor e em sua totalidade criar um campo de força ondulatório que talvez se distingua apenas pouco de um campo ondulatório no sentido da atual teoria eletromagnética da luz. Não precisa ser especialmente salientado que nenhuma importância deve ser atribuída a um tal quadro, enquanto o mesmo não leve a uma teoria exata. Eu apenas queria com ele indicar brevemente que ambas as propriedades estruturais (a estrutura ondulatória e a estrutura quântica), que segundo a fórmula de Planck devem ambas ser atribuídas à radiação, não devem ser consideradas como mutuamente incompatíveis.

Discussão que seguiu a versão da palestra

"Sobre o desenvolvimento das nossas concepções sobre a natureza e a constituição da radiação"4 4 Traducão da versão escrita da discussão que seguiu à apresentacão do trabalho de Einstein. Publicado em 10 de novembro de 1909 em Physikalische Zeitschrift 10, 825-826 (1909).

Planck: Se eu me permito dizer algumas palavras sobre a palestra, então eu apenas posso me aliar aos agradecimentos de toda a audiência, que com o maior interesse escutou o que o senhor Einstein apresentou e que também se sentiu estimulada a uma posterior reflexão sobre o que talvez desse margem a contestação. Naturalmente eu me restringirei aos pontos em que sou de outra opinião do que o palestrante. Afinal, a maior parte do que o palestrante apresentou não será objeto de nenhuma discordância. Também eu enfatizo a necessidade da introdução de certos quanta. Nós não avançaremos com toda a teoria da radiação sem que dividamos, em um certo sentido, a energia em certos quanta, que devem ser pensados como átomos de ação. A pergunta agora é onde se deve procurar por estes quanta. De acordo com as últimas considerações do senhor Einstein, seria necessário supor a radiação livre no vácuo, ou seja as próprias ondas de luz, como atomisticamente constituídas, portanto abandonando as equações de Maxwell. Este me parece um passo que, segundo a minha opinião, ainda não é necessário. Eu não quero entrar em detalhes, mas apenas notar o seguinte. Na última consideração do senhor Einstein, partindo do movimento da matéria chega-se às flutuações da radiação livre no puro vácuo. Esta conclusão somente me parece inquestionável, quando nós conhecemos completamente as interações entre a radiação no vácuo e o movimento da matéria; quando este não for o caso, falta a ponte necessária para passar do movimento do espelho para a intensidade da radiação incidente. Porém, esta interação entre energia elétrica livre no vácuo e o movimento dos átomos da matéria me parece ser muito pouco conhecida. Ela se baseia, essencialmente, em emissão e absorção da luz. Também a pressão de radiação consiste, essencialmente, de emissão e absorção, pelo menos segundo a teoria da dispersão geralmente aceita, que faz com que a reflexão também recaia em absorção e emissão. Agora, o ponto obscuro é exatamente a emissão e a absorção, sobre o qual nós sabemos muito pouco. Sobre a absorção, talvez, nós sabemos um pouco mais, mas e no tocante à emissão? Imagina-se que ela seja produzida pela aceleração de elétrons. Mas este é o ponto mais fraco de toda a teoria do elétron. Imagina-se que o elétron tenha um determinado volume e uma determinada densidade de carga finita, quer seja esta espacial ou superficial, sem o que não se pode prosseguir; entretanto, isto contradiz, em um certo sentido, a concepção atomística da eletricidade. Estas não são impossibilidades, mas sim dificuldades, e eu quase me admiro que não tenha sido levantada mais oposição contra isto.

Neste ponto, creio eu, pode ser útil empregar a teoria quântica. Nós apenas podemos enunciar as leis para grandes intervalos de tempo. Mas para pequenos intervalos de tempo e para grandes acelerações nós ainda estamos, por enquanto, diante de uma lacuna, cujo preenchimento requer novas hipóteses. Talvez, se possa assumir que um ressonador oscilante não possua uma energia continuamente variável, mas que sua energia seja um múltiplo simples de um quantum elementar. Eu creio que quando se usa esta lei, pode-se chegar a uma teoria da radiação satisfatória. Agora, a pergunta é sempre: como se visualiza algo como isto? Ou seja, exige-se um modelo mecânico ou eletrodinâmico de um tal ressonador. Mas na mecânica e na eletrodinâmica atual não temos elementos discretos de ação e, portanto, não podemos produzir um modelo mecânico ou eletrodinâmico. Assim, mecanicamente isto parece impossível e precisamos nos acostumar com isto. Também nossas tentativas de representar mecanicamente o éter luminífero foram totalmente frustradas. Também houve tentativas de querer conceber mecanicamente a corrente elétrica e pensou-se na comparação com uma corrente de água, mas também se teve que desistir disto, e, como nos acostumamos com isso, nós também precisaremos nos acostumar com um tal ressonador. Certamente esta teoria teria que ser ainda muito mais elaborada em detalhe do que ocorreu até o momento; talvez um outro seja mais feliz com isso do que eu. Em todo caso, eu acho que se deveria inicialmente tentar transferir toda a dificuldade da teoria quântica para o âmbito da interação entre a matéria e a energia radiante; então os processos no vácuo puro ainda poderiam ser explicados, por enquanto, com as equações de Maxwell.

Ziegler: Se imaginarmos os átomos primordiais da matéria como esferinhas invisíveis, que possuem velocidade da luz imutável, então é possível descrever todas as interações entre estados corpusculares e fenômenos eletromagnéticos, e assim também estaria estabelecida a ponte entre o material e o não-material, de cuja falta se ressente o senhor Planck.

Stark: O senhor Planck apontou que não temos, até o momento, nenhum motivo para passar para a conseqüência de Einstein, de considerar a radiação, no espaço em que ela ocorre desprendida da matéria, como concentrada. Originalmente, eu também era da opinião de que, por hora, poderíamos nos restringir em reduzir a lei elementar a um certo modo de ação específico dos ressonadores. Mas eu acredito, sim, que exista um fenômeno que leve à conclusão de que radiação eletromagnética desprendida da matéria deva ser imaginada como concentrada no espaço. Pois este é o fenômeno de que a radiação eletromagnética que se afasta de um tubo de raios-X para o espaço circundante ainda pode ter ação concentrada sobre um único elétron, mesmo a grandes distâncias, de até 10 m. Eu creio que este fenômeno representa a razão para questionar se a energia da radiação eletromagnética não deve ser concebida como concentrada mesmo lá onde ela aparece desprendida da matéria.

Rubens: Da concepção representada pelo senhor Einstein pareceria resultar uma conclusão prática que pode ser testada experimentalmente. Reconhecidamente, não apenas os raios a, como também os raios b causam um efeito luminoso cintilante sobre uma tela fluorescente. Segundo a concepção desenvolvida, o mesmo deveria valer para os raios g e para os raios-X.

Planck: com os raios-X, trata-se de um caso à parte; eu não quero afirmar demais sobre eles. Stark apontou algo a favor da teoria quântica, eu quero apontar algo contra; são as interferências nas enormes diferenças de fase de centenas de milhares de comprimentos de onda. Se um quantum interferir consigo mesmo, ele deveria ter uma extensão de centenas de milhares de comprimentos de onda. Isto também é uma certa dificuldade.

Stark: Os fenômenos de interferência podem ser facilmente contrapostos à hipótese quântica. Entretanto, se quisermos tratá-los com maior benevolência para a hipótese quântica, quero então expressar como esperança que nós também ganharemos uma explicação para eles. No que concerne o lado experimental, deve ser enfatizado que os experimentos que foram mencionados pelo senhor Planck são realizados com radiação muito densa, de modo que muitos quanta da mesma freqüência estavam concentrados no feixe de luz; isto talvez deva ser considerado no tratamento daqueles fenômenos de interferência. Com radiação muito pouco densa, os fenômenos de interferência provavelmente seriam diferentes.

Einstein: Provavelmente não seria tão difícil enquadrar os fenômenos de interferência como se imagina, isto pela seguinte razão: não se pode supor que as radiações sejam constituídas de quanta que não estejam em interação; isto seria impossível para a explicação dos fenômenos de interferência. Eu imagino um quantum como uma singularidade envolta em um grande campo vetorial. É possível compor um campo vetorial com um grande número de quanta, que difere pouco de um campo vetorial como nós o imaginamos em radiações. Posso imaginar que, quando da incidência de raios em uma superfície limite, ocorra uma separação dos quanta na superfície limite, possivelmente de acordo com a fase do campo resultante, com a qual os quanta atingem a superfície de separação. As equações para o campo resultante difeririam pouco daquelas da teoria até agora vigente. Não é dito que nós teríamos que mudar muito nos conceitos que temos atualmente a respeito dos fenômenos de interferência. Eu gostaria de comparar isto com o processo da molecularização dos portadores do campo eletrostático. O campo produzido por partículas elétricas atomizadas não é, essencialmente, muito diferente da concepção antiga, e não é excluído que na teoria da radiação ocorra algo semelhante. Eu não vejo, em princípio, uma dificuldade nos fenômenos de interferência.

Publicado em Deutsche Physikalische Gesellschaft, Verhandlungen 7, 482-500 (1909)

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    Apresentado na sessão da Divisão de Física da 81ª Reunião de Cientistas e Médicos Alemães em Salzburgo, em 21 de setembro de 1909. A mesma versão apareceu em Physikalische Zeitschrift
    10, 817-826(1909). Ambas as versões diferem entre si apenas em ortografia. Tradução de Carola Dobrigkeit Chinellato. Instituto de Física Gleb Wataghin, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, Brasil.
  • 1
    No texto original em alemão consta erroneamente "anzuschliessen" (conectar), em vez de "auszuschliessen" (excluir) (N.T.).
  • 2
    Nota do tradutor: No original em alemão consta FR. Gerald
  • 3
    As palavras ou trechos em itálico foram enfatizados pelo autor no artigo original (N.T.).
  • 4
    Traducão da versão escrita da discussão que seguiu à apresentacão do trabalho de Einstein. Publicado em 10 de novembro de 1909 em Physikalische Zeitschrift
    10, 825-826 (1909).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jun 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2005
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    E-mail: marcio@sbfisica.org.br