Acessibilidade / Reportar erro

Sobre uma tendência universal da natureza para a dissipação de energia

On a universal tendency in nature to the dissipation of mechanical energy

SEÇÃO ESPECIAL: CENTENÁRIO DA MORTE DE WILLIAM THOMSON (1824-1907)

Sobre uma tendência universal da natureza para a dissipação de energia* * Tradução por Penha Maria Cardoso Dias. E-mail: penha@if.ufrj.br.

On a universal tendency in nature to the dissipation of mechanical energy

William Thomson1 1 Publicado nos Proceedings of the Royal Society of Edinburgh, 19 abril 1852; também Philosophical Magazine 304 (1852), série 4, v. 4. Reimpresso em Mathematical and Physical Papers of William Thomson (Cambridge University Press, Cambridge, 1882), v. 1, p. 511-514.

O objetivo da presente comunicação é chamar atenção para uma remarcável conseqüência que se segue da proposição de Carnot, [a saber] que há um absoluto desperdício de energia mecânica disponível ao homem, quando calor é permitido passar de um corpo para outro a temperatura menor, por qualquer meio que não preencha seu [de Carnot] critério de uma "máquina termo-dinâmica perfeita", estabelecido, sob novos fundamentos, na teoria dinâmica do calor. Como é muito certo que só o Poder Criador pode ou trazer à existência ou aniquilar energia mecânica, o "desperdício" mencionado não pode ser aniquilação, mas deve ser alguma transformação de energia. Para explicar a natureza dessa transformação, é conveniente, em primeiro lugar, dividir os suprimentos de energia mecânica em duas classes - estático e dinâmico. Uma quantidade de pesos a uma altura, prontos para descer e realizar trabalho, quando se desejar, um corpo eletrificado, uma quantidade de combustível contêm suprimentos de energia mecânica do tipo estático. Massas de matéria em movimento, um volume de espaço pelo qual estão passando ondulações da luz ou calor radiante, um corpo que tenha movimentos térmicos entre suas partículas (isto é, não infinitamente frio) contêm suprimentos de energia mecânica do tipo dinâmico.

As seguintes proposições são enunciadas, com respeito à dissipação de energia mecânica de um dado suprimento, e a restauração dela à sua condição primitiva. Elas são conseqüências do axioma "É impossível, por meio de agente material inanimado, derivar efeito mecânico de uma porção da matéria, esfriando-a abaixo da temperatura do mais frio dos objetos ao redor" (Dynamical Theory of Heat, §12).

I. Quando calor é criado por um processo reversível (de modo que a energia mecânica assim gasta pode ser restaurada à sua condição primitiva), há, também, uma transferência, de um corpo frio para um quente, de uma quantidade de energia, que mantém com a quantidade criada uma proporção que depende das temperaturas dos dois corpos.

II. Quando calor é criado por um processo não-reversível (tal como atrito), há uma dissipação de energia mecânica e uma restauração completa dela à sua condição primitiva é impossível.

III. Quando calor é difundido por condução, há uma dissipação de energia mecânica e perfeita restauração é impossível.

IV. Quando calor radiante ou luz é absorvido, de modo diferente do da vegetação ou da ação química, há uma dissipação de energia mecânica e perfeita restauração é impossível.

Em conexão com a segunda proposição, a questão - Quanto da perda de potência experimentada pelo vapor, ao correr através de condutos estreitos, é compensada, no que diz respeito à economia da máquina, pelo calor criado pelo atrito? (contendo o exato eqüivalente de energia mecânica) - é considerada e se chega à conclusão seguinte:

Deixe S denotar a temperatura do vapor (a qual é quase a mesma na fornalha e no conduto-de-vapor e no cilindro até que a expansão comece); T, a temperatura do condensador; µ, o valor da função de Carnot para uma temperatura t; e R, o valor de2 2 A demonstração dessa expressão é apresentada em meu artigo na página 493 (NT).

Então, (1 - R)w expressa a maior quantidade de energia mecânica que pode ser economizada, nas circunstâncias, de uma quantidade produzida de calor, , pelo gasto de uma quantidade de trabalho, w, em atrito, seja do vapor nos condutos e portos de entrada, ou de quaisquer sólidos ou fluidos em movimento em qualquer parte da máquina; e o restante, Rw, é absoluta e irrecuperavelmente derperdiçado, a menos que algum uso seja feito do calor descarregado do condensador. O valor de 1 - R foi mostrado ser não muito mais do que cerca de para as melhores máquinas a vapor e podemos inferir que, nelas, pelo menos três-quartos do trabalho gasto em qualquer forma de atrito é ao final desperdiçado.3 3 Se w = trabalho em atrito, então o calor gerado pelo atrito é . A pergunta de Thomson é: Se restituído à máquina, poderia esse calor compensar pela perda de potência, causada pela geração de atrito? Ora, R = , logo trabalho recuperado = w(1 - R) e trabalho perdido = wR. O cálculo só faz sentido, se o calor for reposto à máquina por uma outra máquina reversível; caso contrário, o trabalho recuperado não é calculado pelas mesmas expressões da Termodinâmica de equilíbrio (NT).

Em conexão com a terceira proposição, é investigada a quantidade de trabalho que poderia ser obtida, equalizando a temperatura de todas as partes de um corpo sólido possuindo, inicialmente, uma distribuição não uniforme de calor, se isso pudesse ser feito por meio de de máquinas termo-dinâmicas perfeitas, sem qualquer condução de calor. Se for t a temperatura inicial, (estimada de acordo com qualquer sistema arbitrário) em qualquer ponto xyz do sólido, T [for] a temperatura uniforme, final, c [for] a capacidade térmica da unidade de volume do sólido, o efeito mecânico requerido é, claro, igual a4 4 c tem unidades de (NT).

sendo, simplesmente, o equivalente mecânico da quantidade de calor que deixa de existir. Então, o problema reduz-se ao de determinar T. A seguinte solução é obtida:5 5 Inicialmente, deve-se lembrar que a exponencial é o fator de proporcionalidade do calor perdido para o total; então, o numerador é a energia perdida e o denominador, a energia perdida por unidade de temperatura. A expressão, então, define a temperatura (NT).

Se o sistema de termometria adotado6 6 De acordo com a "hipótese de Mayer", esse sistema coincide com aquele no qual diferenças iguais de temperatura são definidas como aquelas em que a mesma massa de ar, sob pressão constante, tem diferenças iguais de volume, desde que J seja o eqüivalente mecânico da unidade térmica e a -1, o coeficiente de expansão do ar (Nota de Thomson). for tal que µ = , isto é, se concordamos em chamar a temperatura do corpo, para o qual µ é o valor da função de Carnot (a e J sendo constantes), a expressão precedente se torna7 7 a = 273 °C. Supondo µ = : µ dt = J ln Þ Þ T = = = - a. Notar que T não é temperatura absoluta, mas centígrada, o que pode ser visto por análise dimensional da expressão (NT).

As conclusões gerais seguintes são tiradas das proposições enunciadas acima e de fatos conhecidos com referência à mecânica de corpos animais e vegetais:

1. Há, no presente, no mundo material, uma tendência universal à dissipação de energia mecânica.

2. Qualquer restauração de energia mecânica sem algum eqüivalente de dissipação é impossível e, provavelmente, nunca efetuada por meio de matéria organizada, seja provida de vida vegetal ou sujeita à vontade de uma criatura animada.

3. Dentro de um período finito de tempo [já] passado, a [T]erra deve ter sido e, dentro de um tempo finito a vir, a [T]erra deverá ser, de novo, incapacitada para habitação do homem, como constituído no presente, a menos que operações tenham sido ou sejam realizadas, as quais são impossíveis sob as leis às quais as operações conhecidas, acontecendo no presente, no mundo material, estão sujeitas.

  • *
    Tradução por Penha Maria Cardoso Dias. E-mail:
  • 1
    Publicado nos Proceedings of the Royal Society of Edinburgh, 19 abril 1852; também Philosophical Magazine 304 (1852), série 4, v. 4. Reimpresso em
    Mathematical and Physical Papers of William Thomson (Cambridge University Press, Cambridge, 1882), v. 1, p. 511-514.
  • 2
    A demonstração dessa expressão é apresentada em meu artigo na página 493 (NT).
  • 3
    Se
    w = trabalho em atrito, então o calor gerado pelo atrito é
    . A pergunta de Thomson é: Se restituído à máquina, poderia esse calor compensar pela perda de potência, causada pela geração de atrito? Ora,
    R =
    , logo trabalho recuperado =
    w(1 -
    R) e trabalho perdido =
    wR. O cálculo só faz sentido, se o calor
    for reposto à máquina por uma outra máquina reversível; caso contrário, o trabalho recuperado não é calculado pelas mesmas expressões da Termodinâmica de equilíbrio (NT).
  • 4
    c tem unidades de
    (NT).
  • 5
    Inicialmente, deve-se lembrar que a exponencial é o fator de proporcionalidade do calor perdido para o total; então, o numerador é a energia perdida e o denominador, a energia perdida por unidade de temperatura. A expressão, então, define a temperatura (NT).
  • 6
    De acordo com a "hipótese de Mayer", esse sistema coincide com aquele no qual diferenças iguais de temperatura são definidas como aquelas em que a mesma massa de ar, sob pressão constante, tem diferenças iguais de volume, desde que
    J seja o eqüivalente mecânico da unidade térmica e a
    -1, o coeficiente de expansão do ar (Nota de Thomson).
  • 7
    a = 273 °C. Supondo µ =
    :
    µ
    dt = J ln
    Þ
    Þ
    T =
    =
    =
    - a. Notar que
    T não é temperatura absoluta, mas centígrada, o que pode ser visto por análise dimensional da expressão (NT).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Mar 2008
    • Data do Fascículo
      2007
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br