Acessibilidade / Reportar erro

Amoroso Costa e o primeiro livro brasileiro sobre a Relatividade Geral

Amoroso Costa and the first brazilian book on General Relativity

Resumos

Em 1922, o físico-matemático brasileiro Amoroso Costa publicou um livro de introdução à Teoria da Relatividade. Este livro, um dos primeiros textos sobre o assunto no mundo, surpreende ainda hoje pela sua limpidez, precisão e concisão. Fazemos uma análise do texto de Amoroso Costa, situando-o no contexto científico mundial e brasileiro.

Relatividade Geral; História da Física


In 1922, the Brazilian physicist and mathematician Amoroso Costa published an introduction to the Theory of Relativity. This book, one of the first on the subject in the world, is until now an impressive example of precision, clarity and concision in the treatement of this difficult subject. We present an analysis and evaluation of the text of Amoroso Costa in the scientific context of that period.

General Relativity; History of Physics


HISTÓRIA DA FÍSICA

Amoroso Costa e o primeiro livro brasileiro sobre a Relatividade Geral

Amoroso Costa and the first brazilian book on General Relativity

Jean EisenstaedtI; Júlio C. FabrisII

ISyrte, Observatoire de Paris

IIDepartamento de Física, Universidade Federal do Espírito Santo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Jean Eisenstaedt E-mail: fabris@cce.ufes.br.

RESUMO

Em 1922, o físico-matemático brasileiro Amoroso Costa publicou um livro de introdução à Teoria da Relatividade. Este livro, um dos primeiros textos sobre o assunto no mundo, surpreende ainda hoje pela sua limpidez, precisão e concisão. Fazemos uma análise do texto de Amoroso Costa, situando-o no contexto científico mundial e brasileiro.

Palavras-chave: Relatividade Geral, História da Física.

ABSTRACT

In 1922, the Brazilian physicist and mathematician Amoroso Costa published an introduction to the Theory of Relativity. This book, one of the first on the subject in the world, is until now an impressive example of precision, clarity and concision in the treatement of this difficult subject. We present an analysis and evaluation of the text of Amoroso Costa in the scientific context of that period.

Keywords: General Relativity, History of Physics.

1. Introdução

Quando de seu retorno ao Brasil, em 1928, Santos Dumont deveria receber uma homenagem especial: no momento em que seu navio entrasse na baía da Guanabara, um avião descreveria círculos em torno do transatlântico que o transportava. No avião estavam três professores e um estudante, todos da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que era a mais prestigiosa instituição de ensino voltada para as ciências exatas no Brasil na época. Mas, a homenagem resultou em uma catástrofe: o avião caiu no mar, e todos os seus ocupantes morreram. Entre estes professores, encontrava-se Amoroso Costa, que aos 43 anos de idade era uma das maiores eminências científicas brasileiras da época. Os professores Tobias Moscoso, Ferdinando Labouriau Filho e um estudante, Frederico de Oliveira Coutinho, estavam também ao seu lado.

Com a morte de Amoroso Costa (1885-1828), interrompeu-se uma das mais promissoras carreiras científicas brasileiras do início do século. Matemático, astrônomo, conhecedor das principais novidades científicas da época, dedicado à divulgação das novas idéias científicas junto ao grande público, ele fora o autor, alguns anos antes, de um livro de introdução à teoria da relatividade, que ainda hoje surpreende pela sua clareza e justeza. E isto em uma época em que a teoria de Einstein era compreendida por pouquíssimos especialistas, embora objeto de uma grande divulgação na mídia.

O livro de Amoroso Costa permaneceu um dos poucos livros brasileiros sobre o assunto antes do renascimento da teoria. Esquecido durante muito tempo, objeto de uma reedição pela editora da UFRJ em 1995, mas ainda pouco difundido no meio acadêmico, a "Introdução à Teoria da Relatividade'' escrita por Amoroso Costa é uma obra excepcional, mesmo considerando os grandes livros escritos na mesma época, como os de Weyl e de Eddington, muito embora deva-se ressaltar a grande contribuição destes autores à construção da teoria da Relatividade Geral. Sua leitura revela, sobretudo, a necessidade de restituir à "Introdução à Teoria Relatividade'' de Amoroso Costa o lugar que lhe é de direito. O presente texto pretende re-analisar este livro, tendo como pano de fundo a história da Relatividade Geral, particularmente no período em que viveu Amoroso Costa. Isto nos permitirá avaliar a contribuição que ele deixou.

2. A situação da Relatividade

2.1. As relatividades Restrita e Geral no mundo, 1905-1930

Mas, antes de nos interessarmos no Brasil e em Amoroso Costa, vamos dizer algumas palavras sobre a relatividade no mundo. A relatividade, Restrita e Geral, teorias bem mal denominadas e freqüentemente mais ainda mal compreendidas.

A relatividade Restrita é uma cinemática, quer dizer que ela se interessa pela descrição do movimento, pelas relações entre o espaço e o tempo. A relatividade Restrita toma o lugar da cinemática clássica ou, para falar de forma mais simples, da lei, que se diz geralmente "de Galileu", de adição das velocidades. Ela surge após as experiências de Michelson e Morley que, no final do século XIX, punham em questão as leis clássicas de adição das velocidades, particularmente quando está em jogo a luz: velocidades muito grandes não podem mais simplesmente serem somadas. Assim, a relatividade Restrita não é nada mais que a maneira de tratar o tempo e o espaço.

A relatividade Restrita toma forma definitiva em 1905, após longos anos de dificuldades diversas; dificuldades que em particular Lorentz tentava resolver graças a hipóteses ad-hoc. Einstein foi, a este respeito, o melhor artesão, insistindo em um caminho profícuo. É que em física, a cinemática, a ciência da descrição do movimento, é o pré-requisito fundamental para todo o resto: sem cinemática, não se pode fazer nada, não se pode ir além. Ela é a base de toda a física. Assim a relatividade Restrita torna-se, ou mais precisamente deveria se tornar, de um dia a outro, "a cinemática moderna" que, se não toda física, pelo menos a física dos movimentos rápidos deve, a partir daquele momento, empregar. Por outro lado, não há necessidade de "relativisar'' o eletromagnetismo pois ele já obedece à relatividade Restrita. O que mostra até que ponto essas novas idéias são necessárias, já que elas se encontram incluídas no eletromagnetismo de Maxwell.

Mas, como se comporta, a este respeito, a "primeira das teorias físicas", a teoria da gravitação universal de Newton? Ela não obedece à relatividade Restrita e ela não é invariante pelas transformações que esta impõe, as transformações de Lorentz; ela permanece fiel às antigas transformações, clássicas, de adição de velocidades de Galileu. Apesar desta contradição teórica, para muitos pesquisadores isto tem pouca importância pois a teoria de Newton "funciona" muito bem. Naquele momento em que a relatividade Restrita surge, pode-se dizer que a gravitação de Newton explicava tudo, ou quase tudo, a que ela se aplicava, em todo o seu campo de ação e, em primeiro lugar, a astronomia, em particular a mecânica celeste.

Mas, insiste Einstein, não é possível que se tenha uma cinemática para a teoria de Newton, a de Galileu, e outra para a teoria de Maxwell, a de Lorentz-Einstein! A natureza é conseqüente e seria absurdo (tanto para Einstein, como para qualquer um de nós) que seja assim. Então, visto que tudo vai bem, pelo menos por enquanto, por que construir uma teoria relativista da gravitação? Sem dúvida porque isto é necessário, mas também porque isto apaixona o nosso herói: há qualquer coisa para fazer, qualquer coisa de divertida, e então por que deixá-la para os outros? Ele inicia esta tarefa em 1907. Solitariamente, é preciso dizê-lo, mas sem esmorecer em seus esforços: com exceção de um parêntese de dois ou três anos, Einstein dispenderá oito anos nesta tarefa.

Não é aqui o lugar de descrever as grandes dificuldades que enfrentou: digamos apenas que, apesar dele pensar então que a natureza é simples e que deveria bastar uma matemática relativamente rudimentar para alcançar o seu objetivo, ele finalmente utilizará instrumentos matemáticos bastante sofisticados e recentes, visto que muito dos resultados por ele utilizados datam do início do século. Enfim, a relatividade, logo denominada de "Geral" para distinguir da primeira, a "Restrita'' que ela emprega e subentende, torna-se a nova teoria da gravitação que toma o lugar da teoria de Newton. Tão logo Einstein obtém as equações fundamentais da relatividade Geral, ele mostra que estas novas equações permitem explicar o único fato que a teoria (quase perfeita) de Newton tinha deixado de lado: uma anomalia no movimento de Mercúrio.

De fato, como então já tinha sido observado há mais de meio-século antes, o periélio de Mercúrio, o ponto de sua órbita mais próximo do Sol, acusa um avanço de menos de um minuto de arco por século, uma anomalia que nenhum cálculo, nenhuma hipótese, conseguira explicar satisfatoriamente. Assim, no final de 1915, Einstein dispõe de uma teoria da gravitação que é coerente com a nova cinemática, e que explica todos os fatos astronômicos, incluindo, e em primeiro lugar, todos aqueles que eram bem compreendidos utilizando-se a teoria newtoniana, mas também os que eram rebeldes a esta teoria. Além da explicação que fornece ao avanço do periélio de Mercúrio, a teoria de Einstein prevê dois fenômenos novos: o desvio dos raios luminosos em um campo gravitacional e o deslocamento das raias de emissão de um átomo também em um campo gravitacional.

Em maio de 1919, uma dupla expedição inglesa organizada por Stanley Eddington e Frank Dyson consegue verificar o efeito do desvio dos raios luminosos na proximidade do Sol. Os melhores resultados vêm das observações então realizadas no Brasil pelos astrônomos ingleses A. Crommelin e Charles Davidson. Desde 1912, quando da expedição astronômica de Passa Quatro, à qual Eddington participa, e na qual ele encontra Henrique Morize, diretor do observatório do Rio de Janeiro, a questão estava sob estudos. Tais observações, muito delicadas, devem ser preparadas muito cuidadosamente. Os brasileiros, e particularmente Morize, farão de tudo para que a expedição inglesa a Sobral, Ceará, transcorra nas melhores condições possíveis. Aliás, inaugurou-se no local da expedição um museu consagrado a este acontecimento.

Até então, a relatividade Geral não tinha suscitado interesse no público, nem nos físicos. A verificação do efeito de desvio dos raios luminosos em um campo gravitacional teve um efeito espetacular. De um dia para outro, a imprensa se interessa pelo assunto, pela relatividade Geral, e Einstein torna-se um homem público e o mais conhecido dos físicos. Em quase todos os países, no inicio dos anos vinte, numerosos artigos de divulgação serão publicados e vários livros sairão das editoras. É um período muito dinâmico para a relatividade Geral: vários artigos técnicos são publicados. Mas, esta situação não vai durar muito tempo: após 1923, a queda da produção científica sobre a relatividade Geral é enorme, assim como a de livros consagrados a esta teoria. Esta situação se agravará posteriormente e, ao passo que o interesse pela mecânica quântica cresce, a relatividade Geral sofrerá, até o fim dos anos cinqüenta, uma verdadeira travessia do deserto.

Uma das causas deste declínio de interesse reside no fato que os efeitos que esta teoria pode prever e explicar são muito pequenos. A relatividade Geral está adiantada em relação ao seu tempo, sendo que a teoria newtoniana responde, quase que perfeitamente, às questões ditadas pelas observações. Mas este declínio ocorre também pelo fato de que a gravitação é uma interação muito fraca e de longo alcance. Isto explica porque se torna necessário esperar muito tempo antes que se possa identificar efeitos relativistas. Após 1915, e até os anos 60, nenhum efeito novo, que poderia reforçar a posição da teoria de Einstein, será exibido. Isto explica o pequeno interesse acordado a esta disciplina pelos físicos. Aliás, a dificuldade surge também do instrumental matemático que a teoria exige. Poucos físicos teóricos se interessarão por uma teoria onde os investimentos intelectuais são pesados e a rentabilidade é fraca.

A situação da relatividade Restrita é muito diferente. Ela será muito rapidamente, e cada vez melhor, verificada e fará rapidamente parte dos instrumentais essenciais da Física Moderna, em particular da física de partículas. O espaço a quatro dimensões de Minkowski se tornará logo a base sobre a qual as novas teorias deverão ser construídas. Para a relatividade Geral, a situação é bem diferente: empregando espaços curvos, ela se torna isolada. É uma situação que perdurou, aliás, até recentemente e isto apesar das relações cada vez mais próximas que a gravitação de Einstein manteve com a astrofísica e das perspectivas de uma integração entre a gravitação e o campo quântico no âmbito de uma teoria unitária.

2.2. A situação da relatividade no Brasil no início do século

Durante o período que vai dos anos dez aos anos trintas, a relatividade Geral no Brasil sofrerá as conseqüências da situação descrita anteriormente. De forma mais pronunciada visto que a situação da física-matemática no Brasil no início do século não é muito brilhante. No que diz respeito à relatividade Geral, como em todos os outros domínios, faz-se pouca, muito pouca, quase nenhuma pesquisa original, um fenômeno que está ligado às dificuldades próprias deste país longe do Europa, dos Estados Unidos, onde se encontra a maior parte dos pesquisadores que trabalhavam nesse assunto; mesmo no meio científico não se tem mais do que uma visão superficial da teoria.

A situação, nós vimos, não é muito diferente em outras partes do mundo. Não apenas a relatividade Geral está adiantada em relação ao seu tempo, mas também Einstein, (além de Schwarzschild, de Sitter, Weyl e outros teóricos) obtiveram, no começo da história da nova teoria, muitos dos resultados essenciais; mas entre 1920 e 1960 poucos trabalhos realmente deixarão traços. Muitos dos trabalhos que são então feitos tentam compreender melhor "o que a teoria traz em seu bojo", mas com muitas dificuldades, ao preço de muitos erros de interpretação! A interpretação moderna, padrão, da relatividade Geral data, no final das contas, do fim dos anos sessenta, senão dos anos setenta ou ainda mais tarde. Assim, não se deve estranhar a reduzida pesquisa original brasileira neste domínio.

Apesar desta situação "banal", previsível, o Brasil vai conhecer nos anos 1920 alguns eventos particulares. Em primeiro lugar sem dúvida porque um acontecimento marcante no processo inicial da teoria ocorreu sobre o solo brasileiro: as melhores medidas do desvio da luz na borda do Sol foram feitas em Sobral, no Ceará, em 1919 onde muitos astrônomos brasileiros estão presentes, como Henrique Morize, o diretor do Observatório Nacional do Rio de Janeiro.

É evidente que o interesse que o mundo científico e intelectual tem pela relatividade Geral está ligado à verificação da teoria em Sobral. É neste contexto que Amoroso Costa se interessa e trabalha na relatividade Geral. De uma certa maneira, a visita que Einstein fez ao Rio em 1925 fecha este período. A partir daí, o interesse pela relatividade Geral será bem menor.

2.3. A formação de Amoroso Costa

A formação de Amoroso Costa deve-se muito a seu mestre, Otto de Alencar Silva, professor de mecânica racional na Escola Politécnica do Rio de Janeiro. A ciência brasileira era então bastante influenciada pela ideologia positivista de Augusto Comte. A este respeito, disse muito apropriadamente Antônio Ferreira Paim:

"a ascensão do positivismo corresponde ao fenômeno mais significativo durante a República[...]; era quase uma religião de estado".

Em 1856, Auguste Comte publicou o último volume de sua grande obra "La philosophie positiviste", a "Synthèse positiviste", cuja leitura foi determinante para Alencar, que tinha sentido, como toda sua geração, particularmente como aluno da Escola Politécnica, a influência da doutrina positivista, mas da qual se liberara posteriormente. Em uma conferência na Escola Politécnica em 1918, em homenagem a Otto de Alencar, recém desaparecido com a idade de 38 anos, Amoroso Costa explicitará seu desacordo com o positivismo comtiano:

"Aceitar a Síntese Subjetiva é rejeitar toda a obra matemática do século passado, a obra de Gauss e de Abel, de Cauchy e de Riemann, de Poincaré e de Cantor. [...] a Síntese, escrita quando Comte já estava seduzido pela construção sociológica, é uma das tentativas mais arbitrárias que jamais foram feitas de submeter o pensamento a fronteiras artificiais."

De fato, Alencar tinha tomado como pretexto "alguns erros de matemática na Síntese Subjetiva" para condenar a doutrina comtiana. Seu artigo foi visto como um sacrilégio e teve uma grande repercussão. Já em 1835, no segundo volume do mesmo curso de filosofia positivista, Augusto Comte havia assim se exprimido a respeito das estrelas:

"Nós podemos conceber a possibilidade de determinar sua forma, sua distância, sua grandeza e seu movimento, ao passo que nós não poderemos jamais estudar sua composição química".

De fato, para Comte a mecânica celeste esgota, de uma certa forma, a ciência; tudo deve partir dela e tudo deverá a ela se relacionar. A tal ponto que ele recusa a possibilidade de um estudo físico-químico das estrelas e, por conseguinte, recusa a possibilidade de uma astrofísica. A astrofísica que, é preciso lembrar, se tornou posteriormente uma parte maior da relatividade Geral. Amoroso Costa estava em substância de acordo com o seu mestre, que ele apóia e com quem ele partilha totalmente o ponto de vista; ele está também na primeira fila do combate contra o comtismo. Desde o início do século, com a idade de quinze anos, ele freqüenta a Escola Politécnica e se torna logo discípulo de Otto Alencar. Este é, antes de tudo, um matemático, que se interessa pela física-matemática, mas sempre mantendo uma grande aproximação com a mecânica celeste. A linha que seguirá Amoroso Costa tem mais de um aspecto em comum com a do seu mestre, em particular no que diz respeito ao seu interesse pela física e, mais ainda, pela astronomia; um interesse que não lhe faz esquecer a matemática. Acrescenta-se um grande entusiasmo pela filosofia, que não se apagará com o tempo. Matemática, física, astronomia, filosofia... são as raízes da relatividade Geral, e não é preciso procurar outros motivos para o seu interesse por este assunto.

3. A "Introdução à Teoria da Relatividade" de Amoroso Costa

A obra de Amoroso Costa é consagrada principalmente à matemática e à astronomia. Mas ele tratava também da filosofia da matemática e da relatividade Geral. A sua "Introdução à Teoria da Relatividade", publicado em 1922 (ano da Semana de Arte Moderna e da fundação do Partido Comunista Brasileiro) é o primeiro livro brasileiro sobre a relatividade Geral. Bem além de uma simples apresentação popular da teoria da gravitação de Einstein, é um livro de introdução à teoria destinada aos estudantes, aos cientistas. Neste livro não há "novidades'', não há novos resultados de pesquisas; também não é um curso, apenas uma introdução para um curso. De fato, ele publicará poucos trabalhos originais, mesmo que se tenha que ressaltar que, dada a realidade da atividade científica no Brasil na época, sua contribuição original não pode ser considerada desprezível. A maior parte dos seus artigos, em particular os artigos matemáticos, é de natureza pedagógica; Amoroso Costa realizou poucas pesquisas originais. E este texto é bem, como o título o indica, uma introdução à relatividade Geral, precedida de uma detalhada apresentação da relatividade Restrita.

O interesse de Amoroso Costa pela relatividade, sem dúvida muito profundo, é paralelo ao interesse manifestado pelo público culto, e se desenvolve precisamente depois da expedição de Sobral. Este é o tema do primeiro artigo que ele consagra à teoria de Einstein em "O Jornal", em novembro de 1919, assim que os resultados da observação do eclipse se tornam conhecidos, sendo o efeito do desvio dos raios luminosos perto do Sol confirmado, como um telegrama de Londres lhe afirma.

Este primeiro artigo já expressa (e o livro que publicará três anos mais tarde o confirmará) de forma simples, mas de uma maneira esclarecedora, o essencial da teoria: o limite newtoniano, o avanço do periélio de Mercúrio, o desvio dos raios luminosos perto do Sol, cuja verificação é exposta de uma maneira muito inteligente. Amoroso Costa observa a importância destas observações que "poderá até certo ponto compensar a estranheza que causam alguns princípios da nova teoria, em que as noções de senso comum sobre o espaço e o tempo sofreram modificações profundas." E observa que "a mecânica newtoniana continuará a existir, porque é muito simples e desempenha perfeitamente o papel que lhe cabe em um domínio limitado." Este pequeno artigo é, de fato, revelador da clareza, da simplicidade da visão de Amoroso Costa, qualidades que serão também encontradas no seu livro. Ele percebeu o que importa, o essencial da teoria, assim como os resultados maiores, seu caráter revolucionário, incluindo suas conseqüências para o "senso comum''.

Amoroso Costa domina bem a essência da teoria, o que estava longe de ser o caso tanto para os seus colegas brasileiros quanto para muitos físicos franceses ou ingleses. Em vez de ser um artigo árido, como poderia se temer, ele esclarece de uma forma física o fenômeno que acabou de ser observado. Isto é ao mesmo tempo raro, pois muitos artigos se limitarão a uma visão matemática da teoria, e surpreendente, pois era de se esperar de um matemático um artigo formal onde a técnica toma o lugar dos fenômenos físicos fundamentais: não é este o caso, e Amoroso Costa em poucas palavras revela um conhecimento rigoroso da teoria. É verdade que Amoroso Costa é também um bom especialista em astronomia à qual ele consagrará sua tese de livre docência. Paralelamente ao grande número de obras que aparecem em todo o mundo sobre o assunto, ele publicará em 1922 sua "Introdução à Teoria da Relatividade", na coleção "Cultura Contemporânea", da Livraria Científica Brasileira, editada por Sussekind de Mendonça e Cia do Rio de Janeiro.

3.1. Uma visão geral do livro de Amoroso Costa

É um livro baseado em quatro conferências que ele apresentou entre abril e maio de 1922 na Escola Politécnica. Não se trata, no entanto, de um livro de divulgação, mas de uma real introdução à teoria da relatividade, uma introdução elementar destinada a um público científico. Neste livro, ele consegue expor tanto a relatividade Restrita quanto a Geral, que ele inclui no conjunto das teorias clássicas, ao lado da relatividade galileniana, por conseguinte, da teoria da gravitação de Newton.

É um livro muito curto, de pouco mais de cem páginas, onde Amoroso apresenta o essencial, o indispensável. Em uma rápida exposição histórica ele critica, com razão, a palavra "relatividade", insistindo no caráter intrínseco, invariante da teoria. Ele enxergou com precisão, o que não era então algo muito freqüente, que a teoria de Einstein é uma teoria dos invariantes que serão projetados, exprimidos, relativamente a um sistema no qual eles serão medidos.

Este é um aspecto muito importante, que é raro de ser encontrado tão cedo nas obras sobre a relatividade Geral, sendo uma das razões que nos fazem considerar o livro de Amoroso Costa uma obra notável; aproveitemos para dar outras razões. Algumas páginas depois, fazendo alusão à questão da inércia, Amoroso Costa escreve: "a [...] teoria nova tem a imensa superioridade de evitar a consideração de um espaço absoluto", o que é evidentemente um ponto importante, e primeiramente para Einstein que não podia aceitar o recurso (newtoniano) a um espaço absoluto, "este fantasma". Depois ele observa que na "hiper-geometria do espaço-tempo, introduz-se um invariante que generaliza a noção de distância, e que é o intervalo entre dois acontecimentos", o que é uma maneira procedente de falar da teoria. Duas páginas depois, a questão do tempo é abordada: "o tempo não é mais universal". "O objeto final da teoria é de exprimir as leis dos fenômenos naturais sob forma independente do sistema de referência adotado" , e ele insiste sobre o fato que se abandona o sistema rígido dos eixos pelos "sistemas que se deformam continuamente", uma observação sem dúvida muito bem aceita hoje, mas não muito bem compreendida na época. Um dos capítulos é intitulado "A geometria aplicada", o que é, outra vez, bem assinalado (e, seja dito, retomado de "A geometria e a experiência" um artigo de Einstein que ele leu logo que apareceu e que o marcou). Posteriormente, há uma observação que faz Amoroso Costa quanto ao "apelo à intuição":

"É uma ilusão pretender que a mecânica se apóie unicamente sobre as chamadas leis do movimento; suas demonstrações estão cheias de postulados implícitos e de apelos à intuição, que uma critica minuciosa poderá algum dia analisar e isolar."

Nós terminaremos nosso pequeno passeio inicial pelas boas idéias de Amoroso Costa relembrando sua insistência quanto à experiência, o que não se encontra geralmente em tantas obras da época. Ele enfatiza (seguindo Eddington, é verdade) um ponto essencial relacionado ao sucesso da expedição de Sobral: "O Sol se achava então na constelação do Touro e atravessara o grupo das Híades, muito rico em estrelas brilhantes." Pois é devido à densidade estelar e à repartição das estrelas no campo atravessado pelo Sol no momento do eclipse, o motivo central do sucesso da expedição, e que será discutido até estes últimos anos. Da mesma forma, ele comenta a questão do deslocamento das raias de emissão, explicando que "os resultados até há pouco tempo fossem muito discordantes"; mas ele segue a opinião de Langevin segundo a qual "pode se considerar como definitiva a confirmação experimental."

Uma outra forma de julgar as qualidades do livro de Amoroso Costa é compará-lo aos outros raros livros publicados no Brasil sobre o assunto no período entre as duas guerras mundiais. Nós pudemos, com muita dificuldade, ter acesso a dois outros livros da época, um de Carlos Penna Botto, publicado em 1923, o outro de Pedro Demosthenes Rache, em 1932. Basta abrir o livro de Penna Botto, que não justifica aliás seu título, no entanto um pouco estranho, "O neo-relativismo einsteiniano'', para ficar convencido do seu caráter banal. É um livro de divulgação, mais ou menos como o de Amoroso Costa, que não chega a ser dramaticamente ruim, apesar de alguns erros técnicos grosseiros, mas é verborrágico, e que não tem grande interesse além de o de existir, e de ser autor ter sido uma curiosa personagem no cenário político brasileiro nos anos 50. É um livro escrito rapidamente, onde o assunto não foi repensado. A comparação com o livro de Amoroso Costa é implacável. O livro de Rache é um texto universitário, um livro de curso usual, relativamente clássico para a época, mas excessivamente matemático: a primeira parte, que cobre metade do livro, é consagrada à exposição da geometria riemanniana; a segunda parte é dedicada à relatividade Restrita e, em 350 páginas, encontram-se apenas 60 consagradas à relatividade Geral. É um texto pesado, coberto de cálculos, ao passo que muito freqüentemente os conceitos são deixados de lado. Trata-se de um livro um pouco sufocante, defeito que se encontra muito comumente na literatura relativista, e que permite melhor sublinhar as qualidades do livro de Amoroso Costa.

3.2. O papel da geometria

Voltemos ao livro de Amoroso Costa que introduz inicialmente os espaços não euclidianos, expondo-os matematicamente através das idéias de Gauss e de Riemann, o que o permite apresentar a relatividade Restrita no contexto quadri-dimensional pensado por Minkowski, insistindo sobre os dois conceitos mais importantes das teorias relativistas: o de evento espaço-temporal e o de tempo próprio. A experiência de Michelson-Morley é descrita, e as transformações de Lorentz são apresentadas sob o ponto de vista, muito moderno para a época, da teoria de grupos. Os resultados experimentais são abordados. Apesar de próximo ao espírito de Poincaré, por quem ele foi profundamente influenciado desde seus tempos de estudante, Amoroso Costa sabe bem tomar distância dele. A questão, essencial no que diz respeito à relatividade Geral, é saber se, e até onde, a geometria euclidiana é verdadeira.

Desde Euclides, nós estamos de fato habituados a considerar que o espaço no qual nós vivemos é dado desde o início: é o espaço da geometria clássica. Isto se considerarmos que o teorema de Pitágoras é sempre, e em todos os lugares, verificado; ou ainda que a soma dos ângulos de um triângulo é sempre igual a dois ângulos retos. Nós não distinguimos mais o teorema propriamente dito que sai da teoria matemática subjacente, de sua aplicação à realidade física. Em "a geometria e a experiência", do qual Amoroso retoma o tema, Einstein distinguiu muito claramente a geometria axiomática da geometria prática. A geometria axiomática é, antes de mais nada, a geometria de Euclides, e só depende das hipóteses primeiras, os "postulados" de Euclides. Mas, como Amoroso mostra, depois de Lobatcheviski, depois de Bolyai, Gauss, Riemann, outras geometrias são possíveis, para as quais os postulados de Euclides não são mais necessariamente verdadeiros. Assim, a soma dos ângulos de um triângulo não é mais necessariamente igual a dois ângulos retos. De onde a questão da geometria prática, que está no âmbito da física: saber em qual mundo, em qual Universo, em qual geometria, nós vivemos. A relatividade Geral trata da geometria, sendo a primeira teoria neste sentido; a relatividade Geral formula e propõe uma solução para o problema da geometria.

De fato, as equações fundamentais da relatividade Geral não se referem propriamente à gravitação, mas ao espaço, o espaço-tempo que implica na gravitação. Supondo, por exemplo, em cosmologia relativista, conhecida a distribuição de matéria existente no Universo deve-se deduzir a estrutura do espaço-tempo. O espaço-tempo, em particular sua estrutura, é a incógnita que deve ser determinada. A gravitação é apenas um produto secundário. Esta visão, que é essencialmente a de Einstein, é também a de Amoroso Costa. Contrariamente ao que se poderia pensar, ela não é compartilhada por todos os físicos, nem mesmo por todos os relativistas. Afinal, não é fácil mudar nossa forma habitual de viver, pensar, fazer os cálculos...

3.3. Popularização

Amoroso Costa não sacrifica a exposição do formalismo matemático, necessário à expressão da relatividade, e é por isto que seu livro se trata de uma introdução, e não de uma popularização da teoria; ao contrário, encontramos em sua obra uma apresentação clara e simples, mas precisa, dos principais instrumentais matemáticos necessários para se compreender a relatividade: cinemática clássica, lorentziana, elemento linear do espaço-tempo, teoria dos tensores, equações de campo da teoria da relatividade Geral, esboço de sua derivação lagrangiana. Amoroso aborda o que é essencial. Ele o faz de maneira simples, limpa, passo a passo, sem cair numa visão tecnicista; ele percorre as grandes linhas da teoria se concentrando nos princípios básicos e insistindo sobre os resultados físicos, numéricos, observacionais e experimentais. A história é apresentada ao longo do livro, o que o permite acentuar a necessidade da relatividade.

Ele expõe detalhadamente a fórmula do periélio, que está na base de um dos três testes da relatividade Geral: o deslocamento do periélio de Mercúrio, uma observação que durante meio século constituiu uma anomalia inexplicável da teoria de Newton, da qual Amoroso faz uma análise precisa, lembrando as diversas explicações propostas antes de Einstein. Isto também ocorre para o caso do desvio da luz em um campo gravitacional, onde ele insiste, como já dissemos, sobre um ponto crucial destas observações de 1919: que as Híades, a constelação onde o Sol então se encontrava, é muito rica em estrelas brilhantes, uma circunstância que permitiu medidas muito precisas, possibilitando a verificação deste efeito essencial da teoria da gravitação de Einstein.

Amoroso Costa não tem, em geral, uma visão pessoal da teoria. O que é muito bom, pois muitos autores naquele período tinham, cada um, "sua" interpretação - na maior parte dos casos, discutível - da gravitação einsteiniana. Mas, a sua exposição da teoria é bem trabalhada, analisada, "cola-se" bem aos fatos, à sua realidade física, observacional. Amoroso Costa entendeu bem o essencial da teoria, ou simplesmente a aceitou inteligentemente. Ele deve, possivelmente, essa clareza à suas leituras ecléticas, que ele muito bem analisou, retendo apenas aquilo que lhe era útil, o que está no âmago da teoria. Ele certamente leu não apenas os artigos fundamentais, mas também os artigos de divulgação escritos por Einstein. Ele conhecia as obras de Poincaré, Eddington, de Painlevé, que por sinal é criticado por Émile Borel, que Amoroso conhece pessoalmente. O texto do seu livro decorre, sobriamente, da compreensão que ele tem da teoria; não se percebe mais traços de suas leituras, do trabalho importante que ele teve que realizar para alcançar essa compreensão. Ele se limita a apresentar a teoria o mais clara e rigorosamente possível. Mas, mesmo se a matemática ocupa um lugar importante neste livro (o que não é de se surpreender, tendo em vista a formação de Amoroso Costa) ele está longe de se limitar a uma visão matemática da teoria, e insiste - naquele momento mais que qualquer outro talvez, a exceção de Einstein e de Eddington - sobre os (raros) resultados observacionais.

3.4. Cosmologia

Um parêntese a propósito da cosmologia. Sem dúvida, ele apresenta a cosmologia (hoje uma aplicação essencial da relatividade Geral) corretamente; mas sem depositar muita crença nela. Ele deixa, a respeito deste assunto, manifestar suas dúvidas. Sobre a cosmologia, ele fala de "especulações" e mesmo de ''uma parte de fantasia", ainda que insistindo em sua ''profunda beleza"; mas parece não enxergar senão o seu interesse filosófico. Ele enfatiza de novo estes aspectos na sua exposição técnica do assunto, emprestando a análise de Borel: ''uma ousada extrapolação (...) que equivale a tentar descrever o oceano de que apenas conhecemos uma gota". Mas ele concorda que estas questões "nem por isso deixam nos preocupar (...) mas parecem ultrapassar a inteligência humana".

É preciso localizar esta opinião no seu contexto e se lembrar que este livro foi publicado em 1922, e que seria ainda preciso esperar seis anos antes dos primeiros trabalhos de Hubble, e dez anos para que a idéia propriamente dita da expansão do Universo seja apresentada. Amoroso Costa tem razão em ser prudente. Quem poderia imaginar, no início da década de 20, o avanço que seria proporcionado pela relatividade Geral à cosmologia, tornada relativista? Quem poderia acreditar que a hipótese da homogeneidade do espaço, base de todos os modelos cosmológicos, seria uma hipótese sólida no que diz respeito aos fatos observacionais? A cosmologia seria considerada ainda por muito tempo como especulativa, como um "esporte", retomando a expressão de Achille Papapetrou, um grande relativista do pós-guerra.

4. Conclusão

Excetuando esta "prudência cósmica", a obra de Amoroso fornece de maneira simples, e ainda quase atual, uma visão justa; ela soa bem. O que era em 1922 tão raro quanto admirável. Ainda mais raro que poucas obras visavam o público de estudantes, o que era de se lamentar. O livro de Amoroso Costa não constitui um texto de divulgação, tão comuns no início dos anos vinte - escreveram-se então centenas -, nem uma obra para especialista, para estudantes avançados, como os que escreveram Eddington e Weyl desde o fim da primeira guerra mundial, ou von Laue um pouco mais tarde. Não se trata de uma obra composta como um compêndio de leituras, mas, como diz o próprio autor no prefácio, trata-se de uma obra diferente, onde a teoria é percorrida em suas grandes linhas. Trata-se de uma exposição particularmente clara, onde Amoroso mostra uma excelente intuição da teoria.

É relativamente fácil de se ter uma idéia das influências sofridas por Amoroso Costa: referem-se, antes de mais nada, a alguns livros (e artigos) clássicos publicados então: o livro de divulgação que Einstein publicou em 1917; os dois livros publicados por Eddington, o "Report" de 1918 mal distribuído e não é certo que Amoroso Costa o tenha lido, assim como o "Space, Time and Gravitation" publicado em 1920 que ele certamente leu; e o "Raum-Zeit-Materie" de Weyl também publicado em 1918. Sem dúvida, ele pôde ler outros livros quando de sua estada de dois anos em Paris, em 1920/1921. Suas ligações com Borel tornam provável que ele tenha lido o livro (ou pelo menos as provas) que aquele publicou em 1922. Não é impossível que ele tenha lido o livro de Becquerel publicado também em 1922. O livro de Amoroso Costa não seria, então, uma pálida cópia, ou pelo menos muito influenciado, por alguns destes livros, quanto à estrutura, quanto à filosofia e quanto ao conteúdo? É óbvio que tudo o que Amoroso Costa sabia sobre a relatividade vem destas leituras, e marginalmente de discussões; mas também da análise que ele faz destes elementos. E precisamente, nos parece que os elementos que o autor pescou aqui e ali foram re-trabalhados profundamente. Assim, como foi observado na nota 19, pode-se ver a influência de Einstein nas quatro conferências que parecem responder àquelas de Princeton. Mas, uma comparação rápida dos dois livros originados dessas conferências basta para nos convencer que Amoroso Costa (se ele pôde ter acesso a eles, o que não é seguro, tendo em vista as datas da publicação do livro de Einstein) não se inspirou diretamente nesta obra. Sem dúvida, pode-se perceber, como observa Ildeu de Castro Moreira, a influência de Eddington na parte cosmológica, aliás a parte menos interessante, mais rapidamente abordada, do livro. Sem dúvida, mas sem grandes excessos, e é preciso assinalar que encontra-se também a influência de Einstein através de uma citação de "A geometria e a experiência", que ele tinha acabado de ler. É um livro que não tem nada em comum com as outras obras similares publicadas na época. E, simplesmente, um dos melhores livros de introdução à relatividade que terá sido publicado durante muito tempo no mundo. Poucos livros posteriores possuem esta clareza, esta simplicidade, limpidez e compreensão da relatividade. O que há de particular nesta pequena obra, é que ela pouco envelheceu. Podemos dá-la para os estudantes ler sem temer que eles encontrem estas interpretações abusivas que foram durante tanto tempo comuns na literatura relativista.

Durante aqueles anos, os físicos brasileiros publicarão poucas coisas sobre o assunto. Nenhuma publicação, mesmo as de Amoroso Costa, terão uma audiência internacional. Mas, esta situação não é particular ao Brasil: aqui ou em outros lugares a maior parte dos artigos sobre o assunto eleva Einstein e suas teorias às nuvens, ou o condenam por motivos subjetivos, ideológicos. A visita que Einstein fez ao Rio em 1925 trará poucas coisas para a física brasileira. Mas, como bem escreveu Antonio Paim "a presença de Einstein no Rio de Janeiro enseja uma discussão comprobatória da derrota do comtismo nos círculos científicos nacionais." Mas trata-se de uma visita formal, solene e Einstein parece não ter encontrando interlocutores. Amoroso Costa, sem dúvida o único cientista que poderia atrair o interesse de Einstein, estava então na França, e lamentou sem dúvida não ter tido a possibilidade de encontrar aquele que tinha recebido, três anos antes, o prêmio Nobel. Essa será, no entanto, a ocasião de um artigo condenando a "relatividade imaginária", em nome de Augusto Comte, que Licínio Cardoso lê na Academia Brasileira de Ciências, depois de tê-lo publicado em O Jornal. Mas, Licínio parece já isolado e o comtismo em franca regressão, como atestam as refutações que publicarão vários cientistas brasileiros quando das sessões seguintes da Academia.

Não pode se deixar de lamentar que Amoroso Costa não tenha formado alunos na relatividade Geral, o que não está ligado apenas ao seu desaparecimento prematuro em 1928, mas também ao fato que ele não fez realmente pesquisas em relatividade, e também ao fato que a relatividade Geral será marginalizada durante os anos 1925-1960. Talvez isto se deva ao fato da relatividade Geral, devido à falta de contato com a observação, ter perdido velocidade, velocidade que só será retomada uns quarenta anos depois da morte de Amoroso Costa. De Qualquer modo o seu livro foi muito mal distribuído, pela Süssekind de Mendonça e foi durante muito tempo praticamente ignorado por todos, inclusive os cientistas, a se julgar pela dificuldade de se achar um exemplar da edição original nas bibliotecas brasileiras.

Agradecimentos

Expressamos nossos agradecimentos a Ruben Aldrovandi, Arthur Carlos Gehrardt Santos, Ennio Candotti e Sérgio Vitorino de Borba Gonçalves pelas sugestões e leitura atenta deste texto, assim como ao árbitro anônimo da RBEF.

Recebido em 14/03/01

Revisado em 17/09/02

Aceito em 24/03/04

  • [1] Silva Otto de Alencar, Revista da Escola Polytechnica (Rio de Janeiro) 2, 113-130 (1898).
  • [2] Fernando de Azevedo, As cięncias no Brasil (Melhoramentos, Săo Paulo, 1955), 2 vols.
  • [3] Jean Becquerel, Le Principe de Relativité et la Théorie de la Gravitation (Gauthier-Villars, Paris, 1922).
  • [4] Carlos Penna Botto, O Neo-Relativismo Einsteiniano (Imprensa Naval, Rio de Janeiro, 1923).
  • [5] Auguste Comte, Cours de Philosophie Positive (Bachelier, Paris, 1835).
  • [6] Manuel Amoroso Costa, in Conferęncia sobre Otto de Alencar (Realizada na Escola Politécnica a 29 Abril de 1918), editado por Manuel Amoroso Costa, As Idéias Fundamentais da Matemática e Outros Ensaios (Introduçăo de Arthur Gehrardt Santos, Lélio Gama e Antonio Paim), (Convívio/EDUSP, Săo Paulo, 1981), 3a ed., p. 67-86.
  • [7] Manuel Amoroso Costa, in A Teoria de Einstein ( O Jornal, Rio de Janeiro, ano I, N°149 de 12 novembro de 1919), editado por Manuel Amoroso Costa, As Idéias Fundamentais da Matemática e Outros Ensaios (Introduçăo de Arthur Gehrardt Santos, Lélio Gama e Antonio Paim), (Convívio/EDUSP, Săo Paulo, 1981), 3a ed., p. 101-102.
  • [8] Manuel Amoroso Costa, Introduçăo ŕ Teoria da Relatividade (Süssekind de Mendonça, Rio de Janeiro, 1922).
  • [9] Manuel Amoroso Costa, As Idéias Fundamentais da Matemática e Outros Ensaios (Introduçăo de Arthur Gehrardt Santos, Lélio Gama e Antonio Paim), (Convívio/EDUSP, Săo Paulo, 1981), 3a ed., p. 330.
  • [10] Manuel Amoroso Costa, Introduçăo ŕ Teoria da Relatividade (Livraria Científica Brasileira/Editora da UFRJ, Rio de Janeiro, 1995) 2a ediçăo.
  • [11] John Earman and Clark Glymour, Historical Studies in the Physical Sciences 11, 49 (1980).
  • [12] Arthur S. Eddington, Report on the Relativity Theory of Gravitation (Physical Society of London, London, 1918).
  • [13] Arthur S. Eddington, Space, Time and Gravitation. An Outline of the General Relativity Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 1920).
  • [14] Editorial A Grande Perda, Boletim da Associação Brasileira de Educação 13, 1 (1929).
  • [15] Albert Einstein, Über die Spezielle und die Allgemeine Relativitätstheorie. (Gemeinverstandlich) (1917). Braunschweig: Friedrich Vieweg und Sohn. O prefácio é datado "December 1916". As páginas săo citadas da traduçăo inglesa Relativity, the Special and General Theory: A Popular Exposition, Traduçăo de Robert W. Lawson (Methuen, London, 1920; Holt, New York, 1921).
  • [16] Albert Einstein, La Théorie de la Relativité Restreinte et Généralisée Mise ŕ la Portée de Tout le Monde Traduzido da décima ediçăo alemă por Traduit J. Rouvičre, com um prefácio de Emile Borel (Gauthier-Villars, Paris, 1921).
  • [17] Jean Eisenstaedt, Archive for History of Exact Sciences 35, 115-185 (1986).
  • [18] Jean Eisenstaedt, Einstein et la Relativité Générale. Les Chemins de l'Espace-Temps (Collection Histoire des Sciences, Cnrs Éditions, Paris, 2002).
  • [19] Jean Eisenstaedt e Antonio Augusto Passos Videira, Cięncia Hoje 20 24 (1995).
  • [20] Lélio Gama, in A obra de Amoroso Costa, editado por Manuel Amoroso Costa, As Idéias Fundamentais da Matemática e Outros Ensaios (Introduçăo de Arthur Gehrardt Santos, Lélio Gama e Antonio Paim), (Convívio/EDUSP, Săo Paulo, 1981), 3a ed., p. 27-37.
  • [21] J. Leite Lopes, Prefácio ŕ 2a ediçăo in Introduçăo ŕ Teoria da Relatividade (Livraria Científica Brasileira/Editora da UFRJ, Rio de Janeiro, 1995).
  • [22] Ildeu de Castro Moreira, in Amoroso Costa e a Introduçăo da Relatividade no Brasil, editado por Manuel Amoroso Costa, Introduçăo ŕ teoria da relatividade (Livraria Científica Brasileira/Editora da UFRJ, Rio de Janeiro, 1995) 2a ediçăo, p. xv-xliii.
  • [23] Ildeu de Castro Moreira e Antonio Augusto Passos Videira (eds.), Einstein e o Brasil (UFRJ, Rio de Janeiro, 1995).
  • [24] Ildeu de Castro Moreira, in A Recepçăo das Idéias da Relatividade no Brasil editado por Ildeu de Castro Moreira e Antonio Augusto Passos Videira, Einstein e o Brasil (UFRJ, Rio de Janeiro, 1995) p. 177-206.
  • [25] Ildeu de Castro Moreira, in Bibliografia Brasileira sobre a Teoria da Relatividade no Brasil, Apęndice ŕ A Recepçăo das Idéias da Relatividade no Brasil editado por Ildeu de Castro Moreira e Antonio Augusto Passos Videira, Einstein e o Brasil (UFRJ, Rio de Janeiro, 1995) p. 201-206.
  • [26] Antônio Paim, in Trajetória da Filosofia no Brasil, editado por Mário Guimarăes Ferri e Shozo Motoyama, História das Cięncias no Brasil (EPU EUDSP, Săo Paulo, 1979), p. 9-34.
  • [27] Antônio Paim, in O Neopositivismo no Brasil. Período de Formaçăo da Corrente, editado por Manuel Amoroso Costa, As Idéias Fundamentais da Matemática e Outros Ensaios (Introduçăo de Arthur Gehrardt Santos, Lélio Gama e Antonio Paim), (Convívio/EDUSP, Săo Paulo, 1981) 3a ed., p. 39-63.
  • [28] Michel Paty, Archives Internationales d'Histoire des Sciences 49, 331 (1999).
  • [29] Pedro Demosthenes Rache, A Relatividade e sua Aplicaçăo ao Estudo dos Fenômenos Físicos, Precedida dos Elementos Indispensáveis de Matemática, (Imprensa Oficial de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1932).
  • [30] Arthur Gehrardt Santos, in Apontamentos para a Biografia de Amoroso Costa, editado por Costa, Manuel Amoroso, As idéias Fundamentais da Matemática e Outros Ensaios (Introduçăo de Arthur Gehrardt Santos, Lelio Gama e Antonio Paim), (Convivio/EDUSP, Săo Paulo, 1981) 3a ed., p. 14-25.
  • [31] Hermann Weyl, Raum-Zeit-Materie (Julius Springer, Berlin, 1918).
  • Endereço para correspondência
    Jean Eisenstaedt
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2004
    • Data do Fascículo
      2004

    Histórico

    • Aceito
      24 Mar 2004
    • Revisado
      17 Set 2002
    • Recebido
      14 Mar 2001
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br