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Uma introdução às estrelas estranhas

An introduction to strange stars

Resumo

A descrição das estrelas de nêutrons mais densas encontradas na Natureza depende da compreensão dos conceitos físicos presentes na Relatividade Geral e na teoria das interações fortes – a Cromodinâmica Quântica. Neste trabalho apresentamos uma revisão dos conceitos básicos necessários para a descrição de estrelas estranhas, formadas pelos quarks up, down e strange, a qual é uma das alternativas para a composição de estrelas de nêutrons ultradensas. Iremos revisar a hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa que propõe que a matéria estranha é absolutamente estável com relação à matéria nuclear ordinária e discutiremos as propriedades básicas que caracterizam as estrelas estranhas. Nosso objetivo é apresentar os conceitos necessários à compreensão deste tema relevante e atual da área de Astropartículas.

Palavras-chave:
Cromodinâmica Quântica; Estrelas estranhas; Estrelas de nêutrons

Abstract

The description of the densest neutron stars found in Nature depends on the understanding of the physical concepts present in General Relativity and in the theory of strong interactions – the Quantum Chromodynamics. In this work we review the essential concepts to describe strange stars, constituted by quarks up, down and strange, which is one of the alternatives for the composition of ultradense neutron stars. We will review the Bodmer-Witten-Terazawa hypothesis, which states that the strange matter is absolutely stable in relation to the ordinary nuclear matter, and discuss the basic properties that characterize strange stars. Our goal is to present the necessary concepts to understand this important theme of Astroparticles.

Keywords:
Quantum Chromodynamics; Strange stars; Neutron stars

1. Introdução

As estrelas despertaram o interesse da humanidade antes mesmo do advento da ciência. Hoje em dia, sabemos que as estrelas formam-se em uma nuvem de poeira e gás e no seu final, transformam-se em um objeto compacto [1][1] W.J. Maciel, Introdução à Estrutura e Evolução Estelar (Edusp, São Paulo, 1999), v. 24.. Através do processo de fusão nuclear, uma estrela passa 90% de sua vida fundindo hidrogênio em hélio no seu núcleo, na chamada sequência principal [2][2] M. Bandecchi, P. Bretones e J. Horvath, Rev. Bras. Ensino Fís. 41, e20180250 (2019).. Esse processo é responsável pela produção de uma pressão expansiva no seu interior, que equilibra a contração gravitacional causada pela própria massa da estrela. Quando o hidrogênio acaba no núcleo, a estrela começa a fundir elementos mais pesados. A partir deste ponto, o futuro da estrela é determinado por sua massa original, tornando-se, no final, um buraco negro ou uma estrela compacta, na forma de uma anã branca ou uma estrela de nêutrons [1][1] W.J. Maciel, Introdução à Estrutura e Evolução Estelar (Edusp, São Paulo, 1999), v. 24., como mostra a Fig. 1, os quais são os objetos mais densos encontrados na Natureza.

Figura 1
Ilustração esquemática da evolução estelar. Estrelas se formam a partir de protoestrelas geradas pela contração de uma nuvem interestelar de poeira e gás. Estrelas com massas menores do que oito vezes a massa solar (M) tem seu fim em uma anã branca. Estrelas com massas superiores a 8M explodem em uma supernova, podendo remanescer uma estrela de nêutrons ou um buraco negro.

O objetivo deste trabalho é apresentar os conceitos básicos necessários à descrição de estrelas compactas, com particular ênfase na possibilidade de que sejam formadas por quarks. Tal tema, em geral, não é abordado nas disciplinas introdutórias de Astronomia e Astrofísica por envolver conceitos associados à teoria das interações fortes. Neste artigo, buscamos apresentar os conceitos envolvidos na descrição de uma estrela de quarks de uma forma didática, assim como um exemplo simples para uma estrela estranha — constituída pelos quarks up, down e strange, de forma tal que permita aos estudantes dos semestres iniciais de graduação em Física compreendam este tema tão relevante e atual.

A existência de uma estrela compacta deve-se a Mecânica Quântica. Tem-se que a pressão que sustenta uma estrela compacta é uma consequência do princípio de exclusão de Pauli, onde férmions, como elétrons e nêutrons, não podem ocupar o mesmo estado quântico simultaneamente [3][3] J.J. Sakurai e J. Napolitano, Mecânica quântica moderna (Bookman, Porto Alegre 2013).. Isto leva a formação de um sistema composto por estados de energia degenerados, os quais dão origem a uma pressão de degenerescência. Devido à teoria da relatividade restrita, existe um nível de energia limite, já que nenhuma partícula pode atingir uma velocidade maior do que a da luz. Sendo assim, o limite de energia resulta em uma pressão de degenerescência máxima, para um determinado tipo de partícula. Isso implica na chamada massa de Chandrasekhar [4[4] S. Chandrasekhar, The Astrophysical Journal 74, 115 (1931).,5[5] J. Pinochet e M.V.S. Jan, Physics Education 51, 035007 (2016).], uma massa limite para que elétrons consigam suportar a contração gravitacional, a partir da qual outras partículas, como nêutrons, devem produzir a pressão de degenerescência.

A descrição da evolução e das propriedades das estrelas se dá através das leis da gravitação, isto é, pelas equações do campo gravitacional de Einstein presentes na teoria da relatividade geral [6][6] T.P. Cheng, Relativity, gravitation and cosmology (Oxford University Press, New York, 2005).. Nesta teoria, o espaço-tempo é curvado pela presença de matéria e energia, resultando na ação do campo gravitacional. Entretanto, a Lei da Gravitação Universal proposta por Newton [7][7] I. Newton, The Principia (University of California Press, London, 1999). é aplicável na descrição da maior parte dos objetos astrofísicos como planetas, cometas e asteroides, que apresentam baixas densidades e cujo movimento pode ser corretamente calculado por essa teoria. Assim, a gravitação newtoniana é uma excelente aproximação, que fornece resultados precisos quando os campos gravitacionais são de baixa intensidade [8][8] N.K. Glendenning, Special and general relativity (Springer Science & Business Media, New York, 2007).. Um dos grandes sucessos da teoria da relatividade geral é a previsão da existência de buracos negros, além de descrever corretamente as propriedades das estrelas mais densas, como é o caso das estrelas de nêutrons. Tal descrição é feita através da equação de Tolman-Oppenheimer-Volkoff (TOV) [9[9] J.R. Oppenheimer e G.M. Volkoff, Physical Review 55, 374 (1939).,10[10] R.C. Tolman, Physical Review 55, 364 (1939).], que é a solução das equações de Einstein do campo gravitacional para uma estrela com simetria esférica, estática e composta por um fluido ideal isotrópico. Essa equação, por sua vez, relaciona a variação da pressão no interior da estrela com a variação do seu raio, podendo ser aplicada para diferentes equações de estado [8][8] N.K. Glendenning, Special and general relativity (Springer Science & Business Media, New York, 2007)..

Dentre todos as estrelas que compõem o Universo, as estrelas de nêutrons são as mais densas já observadas. A descrição da sua constituição está diretamente associada à compreensão da teoria das interações fortes, a Cromodinâmica Quântica (QCD, do inglês Quantum Chromodynamics), um dos ramos da teoria do Modelo Padrão da Física de Partículas [11][11] M.A. Moreira, Rev. Bras. Ensino Fís. 31, 1306 (2009).. De acordo com esta teoria, nêutrons não são partículas elementares, uma vez que são constituídos por quarks, estes sim ditos elementares. Quarks e antiquarks são definidos a partir da carga elétrica, da massa e do spin, como também da carga de cor, responsável pela interação forte, que é mediada pelos glúons [12][12] P.R. Silva, Rev. Bras. Ensino Fís. 30, 3305 (2008).. As possíveis cargas de cor são o vermelho, o azul e o verde por convenção. Além dos quarks e glúons, nenhuma outra partícula possui carga de cor. Existem seis sabores de quarks: down (d), up (u), strange (s), charm (c), bottom (b) e top (t), listados por ordem crescente de massa. Assim como elétrons e nêutrons, quarks são férmions, partículas de spin semi-inteiro sujeitas ao princípio de exclusão de Pauli [11][11] M.A. Moreira, Rev. Bras. Ensino Fís. 31, 1306 (2009)..

As partículas formadas pelos quarks são chamadas de hádrons, compostas de tal forma que sua carga de cor é nula. Consequentemente, estados com três quarks, chamados bárions, são possíveis, pois cada quark possui uma cor resultando em uma combinação “incolor”. A matéria, como a conhecemos, é dita bariônica, já que prótons e nêutrons são bárions compostos por quarks u e d. Outros exemplos de bárions são os híperons, que além dos quarks u e d, possuem também o quark s em diferentes combinações, como sss e uds. Assim, quarks ganham outra propriedade, o número bariônico igual a um terço, já que os bárions possuem número bariônico igual a um. Devido ao comportamento da interação forte (que cresce com a distância) e de quarks nunca terem sido detectados livres, postula-se o conceito de confinamento dos quarks no interior dos hádrons. Por outro lado, a interação entre quarks nas curtas distâncias associadas ao interior dos hádrons é desprezível, levando ao conceito de liberdade assintótica, ou seja, que quarks se comportam como partículas livres no interior dos hádrons [12][12] P.R. Silva, Rev. Bras. Ensino Fís. 30, 3305 (2008)..

Na QCD, a intensidade da interação depende das distâncias entre as partículas. Para distâncias suficientemente pequenas a intensidade da interação será baixa e um tratamento perturbativo é válido, caso contrário, a teoria de perturbação não pode ser aplicada. A caracterização dos hádrons em grandes escalas espaciais, como aquelas presentes em estrelas, é de caráter não perturbativo, com soluções difíceis de serem obtidas. Portanto, modelos fenomenológicos, inspirados pelos resultados da QCD na rede [13][13] C.Y. Wong, Introduction to high-energy heavy-ion collisions (World Scientific, New Jersey, 1994)., são úteis na descrição dos hádrons e também para tratar estados exóticos da matéria. Durante as últimas décadas, diversos modelos foram propostos considerando diferentes tratamentos e aproximações para as propriedades básicas das interações fortes. Neste trabalho, para fins ilustrativos, iremos considerar o modelo fenomenológico proposto no Massachusetts Institute of Technology (MIT), que é conhecido como modelo de sacola do MIT [14[14] A. Chodos, R. Jaffe, K. Johnson, C.B. Thorn e V. Weisskopf, Physical Review D 9, 3471 (1974).,15[1] W.J. Maciel, Introdução à Estrutura e Evolução Estelar (Edusp, São Paulo, 1999), v. 24.]. Embora ultrapassado, este modelo ainda é amplamente utilizado na literatura, pois reproduz de uma forma simples os conceitos de confinamento e liberdade assintótica. Neste modelo, os hádrons são pensados como uma sacola na qual estão contidos os quarks. O movimento dos quarks livres no interior da sacola gera uma pressão, que é contrabalanceada por uma pressão do vácuo, chamada pressão de sacola.

Dentro do modelo de sacola do MIT, entende-se que existem possíveis configurações nas quais a pressão exercida pelos quarks ultrapassa a pressão de sacola, levando ao rompimento desta e produzindo uma matéria de quarks livres, chamada plasma de quarks e glúons (QGP, do inglês Quark-Gluon Plasma) [13][13] C.Y. Wong, Introduction to high-energy heavy-ion collisions (World Scientific, New Jersey, 1994).. Isto pode ocorrer em situações exóticas de altas temperaturas e/ou densidades bariônicas elevadas [16][16] Á. Nyíri, Quark-Gluon Plasma in Neutron Stars. Dissertação de Mestrado, University of Bergen, 2001.. Entretanto, de acordo com a hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa, inicialmente proposta por Bodmer [17][17] A. Bodmer, Physical Review D 4, 1601 (1971)., reforçada por Witten [18][18] E. Witten, Physical Review D 30, 272 (1984). e Terazawa [19][19] H. Terazawa, Journal of the Physical Society of Japan 58, 3555 (1989)., a matéria de quarks livres contendo os quarks u, d e s, chamada de matéria estranha de quarks (SQM, do inglês Strange Quark Matter) é o estado fundamental da matéria que interage fortemente, sendo a configuração mais estável existente. Essa hipótese não contradiz o fato da matéria nuclear ser extremamente mais comum no Universo, pois esta seria um estado metaestável com um tempo de vida da ordem de 1014 vezes a idade estimada do Universo [17][17] A. Bodmer, Physical Review D 4, 1601 (1971).. A validade da hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa quando se considera modelos mais sofisticados para tratar as propriedades básicas da QCD ainda é um tema de intenso debate [20][20] T. Klähn e D. Blaschke, EPJ Web Conf. 171, 08001 (2018), https://doi.org/10.1051/epjconf/201817108001.
https://doi.org/10.1051/epjconf/20181710...
.

Um dos objetivos da QCD é descrever a interação hadrônica nos regimes de alta energia e densidade elevada, como aqueles presentes em uma estrela de nêutrons. Tal descrição permanece um tema de intenso debate. Ainda assim, entende-se que em decorrência das interações fortes, em altas densidades hadrônicas, híperons sejam produzidos [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)., permitindo que a estrela possua uma camada composta por nêutrons e um núcleo formado por híperons e, até mesmo, de fases mistas. Como existem vários tipos de híperons, diversas combinações de matéria hadrônica são possíveis. Considerando que a densidade presente nas estrelas de nêutrons seja suficiente para que ocorra uma transição de fase da matéria hadrônica para uma matéria de quarks, espera-se que a estrela no regime de altas densidades bariônicas seja formada por uma matéria de quarks, juntamente a nêutrons e híperons. Estas seriam as chamadas estrelas híbridas, com a crosta formada por matéria hadrônica e o núcleo formado por quarks [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. As possibilidades mais extremas são a de uma estrela composta inteiramente por uma matéria de quarks, constituída apenas por quarks u e d ou pela SQM [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. Esta última é chamada estrela estranha.

Neste trabalho, focaremos em estrelas estranhas. A descrição destas estrelas e suas propriedades como, por exemplo, a sua massa e seu raio, dependem fortemente da equação de estado considerada para descrever a interação entre os quarks. Como nosso objetivo é ilustrar os conceitos básicos presentes e o procedimento utilizado para determinar a relação massa-raio destas estrelas, iremos assumir que a matéria estranha pode ser representada por um gás de férmions livres relativísticos. A equação de estado será obtida na aproximação para uma matéria de quarks fria, ou seja, à temperatura zero, a partir do modelo de sacola do MIT [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. Dentro deste contexto, começaremos por demonstrar que, em altas densidades bariônicas, a SQM é mais estável do que a matéria ordinária e do que a matéria de quarks ud livres [15[15] E. L. Fune, Strangelets under strong magnetic fields. Dissertação de mestrado, Institute of Cybernetics Mathematics and Physics, 2012.,18[18] E. Witten, Physical Review D 30, 272 (1984).], para uma gama de valores da pressão de sacola. Iremos obter, a partir da teoria da relatividade geral, as relações massa-raio e massa-pressão central, a fim de definirmos as propriedades das estrelas estranhas, como massa e raio típicos, além de averiguar a sua estabilidade. Este estudo é similar ao desenvolvido por Kettner et al. (1995), onde eles analisam a estabilidade das estrelas estranhas e das estrelas charmosas (constituídas pelos quarks u,d,s e c) de forma mais completa (e complexa), levando em conta as oscilações radiais da estrela e o modelo de sacola do MIT [22][22] C. Kettner, F. Weber, M. Weigel e N. Glendenning, Physical Review D 51, 1440 (1995)..

Inicialmente, vamos obter as equações de estado para quarks não massivos e, posteriormente, para quarks massivos. A aproximação de temperatura zero é válida, pois, passado algum tempo da sua criação, essas estrelas têm temperaturas desprezíveis na escala nuclear. Enquanto isso, a aproximação de quarks não massivos (limite ultrarrelativístico) é apropriada por estarmos tratando apenas de quarks leves [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. Por fim, faremos a comparação dos resultados obtidos para quarks não massivos e massivos (caso relativístico), analisando as regiões de estabilidade da estrela e os impactos que variações na pressão de sacola infligem nos resultados. Por simplicidade, consideraremos uma estrela estranha no final de sua evolução, implicando que esta estrela fria perdeu sua energia de rotação e está estática. Por ser estática e esfericamente simétrica, além de composta por um gás ideal relativístico e degenerado de quarks, é apropriado o uso da equação TOV.

Por ser o sistema de unidades mais apropriado em Física de Partículas, utilizaremos as chamadas unidades naturais, onde =c=kB=1. Para mais detalhes, apresentamos no Apêndice A, do Material Suplementar, um comparativo com o sistema internacional de unidades (SI) e uma explicação mais detalhada sobre as unidades utilizadas neste trabalho.

2. Descrição de uma estrela

Uma estrela é definida como sendo uma esfera autogravitante em equilíbrio hidrostático, ou seja, que em sua superfície a pressão interna que tende a expandir a estrela é igual a pressão gravitacional que tende a comprimi-la, como mostra a Fig. 2. A descrição de uma estrela é feita por um conjunto de três equações: uma equação diferencial que descreve a variação da pressão perante o raio, outra equação diferencial correspondendo à variação da massa com o raio e uma terceira equação correspondente à pressão exercida pelo gás que constitui a estrela, chamada de equação de estado, que é obtida a partir da mecânica estatística.

Figura 2
Ilustração esquemática das pressões atuando sobre um elemento infinitesimal de massa, a uma distância r do centro da estrela [23][23] C.B. Jackson, J. Taruna, S. Pouliot, B. Ellison, D. Lee e J. Piekarewicz, European Journal of Physics 26, 695 (2005)..

A descrição gravitacional do ponto de vista newtoniano pode ser obtida da seguinte forma. Temos que a pressão sobre uma superfície esférica e a força correspondente são relacionadas simplesmente por

(1) d p = d F 4 π r 2 ,

onde p é a pressão, F a força e r a distância radial. No equilíbrio, dF é compensada pela força gravitacional entre m(r) e dm de tal forma que

(2) d F = G d m m ( r ) r 2 ,

onde G é a constante gravitacional. Por outro lado, o elemento infinitesimal de massa pode ser relacionado com a densidade de massa ρ (como uma função de r), sendo dado por

(3) d m = ρ ( r ) d V = ρ ( r ) 4 π r 2 d r ,

onde V é o volume da esfera.

A teoria da relatividade restrita implica que a densidade de massa ρ pode ser expressa em termos da densidade de energia ϵ por ϵ=ρc2. Em unidades naturais (onde c = 1), elas são equivalentes. Substituindo a Eq. (3) na Eq. (2), e o resultado na Eq. (1) obtemos

(4) d p d r = G ϵ ( r ) m ( r ) r 2 ,

que juntamente a

(5) d m d r = 4 π r 2 ϵ ( r ) ,

fornecem a descrição gravitacional de uma estrela newtoniana. A Fig. 2 mostra a pressão do gás atuando em um elemento infinitesimal de massa, localizado a uma distância r do centro da estrela, juntamente à força graviacional.

Ao considerarmos o caso relativístico geral, a Eq. (5) é a mesma. Mas a curvatura do espaço-tempo altera a relação entre a pressão e o raio para as estrelas mais densas, que geram um campo gravitacional mais intenso. A solução das equações de Einstein que descreve o comportamento da pressão no interior de uma estrela estática, esfericamente simétrica e composta por um fluido ideal é a chamada equação de Tolman-Oppenheimer-Volkoff (TOV) [9[9] J.R. Oppenheimer e G.M. Volkoff, Physical Review 55, 374 (1939).,10[10] R.C. Tolman, Physical Review 55, 364 (1939).], cuja derivação é apresentada no Material Suplementar (Apêndice B), dada por

(6) d p d r = G ϵ ( r ) m ( r ) r 2 [ 1 + p ( r ) ϵ ( r ) ] × [ 1 + 4 π r 3 p ( r ) m ( r ) ] [ 1 2 G m ( r ) r ] 1 .

O primeiro termo é idêntico àquele presente na Eq. (4), enquanto os outros termos podem ser interpretados como correções relativísticas, que fortalecem a ação do campo gravitacional. Vale notar que quando o termo 2GM/R (onde M é a massa total da estrela e o R é raio da estrela) aproxima-se da unidade, os efeitos relativísticos são dominantes tal que a gravitação newtoniana torna-se insuficiente. Esta situação acontece para massas elevadas ou raios pequenos, indicando, de forma geral, altas densidades. De fato, o último termo indica que se R=2GM, o chamado raio de Schwarzchild, atinge-se a singularidade [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. No caso do Sol, este raio possui valor de aproximadamente 3 km, ou seja, ao comprimirmos a massa do Sol neste raio atingiremos a singularidade, formando um buraco negro.

Para resolver estas duas equações diferenciais acopladas (seja o caso newtoniano ou o caso relativístico), precisamos de uma terceira equação, a chamada equação de estado, que descreve a pressão em termos da densidade de energia e que depende da composição da estrela. Além disso, condições de contorno são necessárias. No ponto central da estrela sabemos que não há massa, portanto m(r=0)=0. Não sabemos exatamente a pressão no ponto central, então estipulamos uma pressão para este ponto tal que p(r=0)=p0. Na superfície da estrela, teremos envolvido toda sua massa, implicando em m(r=R)=M. Por outro lado, devido ao equilíbrio entre as pressões neste ponto (equilíbrio hidrostático), teremos p(r=R)=0 [2][2] M. Bandecchi, P. Bretones e J. Horvath, Rev. Bras. Ensino Fís. 41, e20180250 (2019)..

A condição necessária para que uma estrela seja estável é que a derivada de sua massa total em relação à pressão central seja positiva [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)., já que um aumento na massa (aumento na pressão gravitacional) estará implicando em um aumento da pressão central, representando uma situação de equilíbrio. Caso contrário, o sinal negativo da derivada implica que um aumento da massa vem com uma diminuição da pressão central, logo, a pressão gravitacional será maior, resultando no colapso da estrela. A massa total e a pressão central fazem parte das condições de contorno, sendo que a pressão central é estimada no início dos cálculos pela equação de estado. Enquanto isso, a massa total é obtida ao fim dos cálculos, quando integramos a equação de Newton, ou a equação TOV, perante todo o raio da estrela, satisfazendo a propriedade de que na superfície da estrela a pressão é nula, devido ao equilíbrio hidrostático. Para fins didáticos, os códigos em Fortran 90 utilizados para solucionar a equação TOV para as anãs brancas e para as estrelas estranhas estão disponíveis online1 1 https://github.com/llazzari/Codigos .

2.1. Anãs brancas

Devido à elevada densidade presente nas anãs brancas, ficou claro que a pressão de radiação não era capaz de sustentar o colapso gravitacional. Em 1926, Fowler usou a estatística de Fermi-Dirac para explicar a sustentação de uma anã branca [24][24] R.H. Fowler, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society 87, 114 (1926).. Fowler descreveu o gás que constitui uma anã branca como um gás de elétrons degenerados, que exercem a chamada pressão de degenerescência, que contrapõe a pressão gravitacional [23][23] C.B. Jackson, J. Taruna, S. Pouliot, B. Ellison, D. Lee e J. Piekarewicz, European Journal of Physics 26, 695 (2005).. Essa pressão de degenerescência é consequência direta do princípio da exclusão de Pauli, onde dois férmions não podem ocupar o mesmo estado quântico simultaneamente [1][1] W.J. Maciel, Introdução à Estrutura e Evolução Estelar (Edusp, São Paulo, 1999), v. 24.. No caso dos elétrons, a descrição do estado quântico é feita pelo spin (up ou down) e pela energia. Desta forma, um gás degenerado possui pelo menos dois elétrons em cada nível de energia, ou seja, cada elétron com a mesma energia possui o spin oposto do outro. Portanto, em um gás de elétrons têm-se que a pressão de degenerescência leva os elétrons a ocuparem níveis de energia cada mais elevados. Considerando que estes estejam livres, teremos que a velocidade destes elétrons será cada vez maior. Entretanto, da teoria da relatividade restrita, sabemos que a velocidade da luz é a velocidade limite que as partículas do gás podem possuir. Portanto, fica claro que deve haver uma massa limite que os elétrons sejam capazes de suportar. Utilizando-se destes conceitos, Chandrasekhar descobriu que a massa limite de uma anã branca era dada por [4][4] S. Chandrasekhar, The Astrophysical Journal 74, 115 (1931).

M C h = 1 , 4312 ( 2 Z A ) 2 M ,

onde A é o número de núcleons ou número bariônico e Z o número de prótons. Em sua homenagem, a massa limite é chamada de massa de Chandrasekhar [4[4] S. Chandrasekhar, The Astrophysical Journal 74, 115 (1931).,5[5] J. Pinochet e M.V.S. Jan, Physics Education 51, 035007 (2016).,25[25] I. Sagert, M. Hempel, C. Greiner e J. Schaffner-Bielich, European Journal of Physics 27, 577 (2006).]. É possível visualizar que o aumento incondicional da pressão gravitacional (aumento da massa da estrela) não pode ser sempre sustentado por elétrons. A partir da MCh, os elétrons não são mais capazes de suportar o colapso gravitacional, e outras partículas, como nêutrons e/ou quarks, devem desempenhar tal papel [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)..

Como a massa dos elétrons é muito menor que a dos núcleons, eles são os primeiros a se tornarem degenerados, tornando a pressão dos íons e a de radiação negligenciáveis [25][25] I. Sagert, M. Hempel, C. Greiner e J. Schaffner-Bielich, European Journal of Physics 27, 577 (2006).. É a pressão de degenerescência que fornece oposição ao colapso gravitacional. Como consequência, o transporte de energia no interior dessa estrela se dá pela condutividade térmica dos elétrons. Isto é tão eficiente que o interior de uma anã branca é praticamente isotérmico, com queda na temperatura significativa apenas nas regiões externas não degeneradas [1][1] W.J. Maciel, Introdução à Estrutura e Evolução Estelar (Edusp, São Paulo, 1999), v. 24.. Estas camadas externas radiam o calor restante, resfriando a anã branca lentamente, resultando em mudanças de cor da superfície, passando de branco para vermelho até se tornar um corpo negro. Conforme a anã branca esfria, o gás de elétrons vai se tornando cada vez mais degenerado. O tempo de resfriamento de uma anã branca é comparável com a idade do Universo, e as anãs brancas de brilho mais fraco servem como limites inferiores à idade do Universo [23][23] C.B. Jackson, J. Taruna, S. Pouliot, B. Ellison, D. Lee e J. Piekarewicz, European Journal of Physics 26, 695 (2005)..

Por serem 2000 vezes menos massivos que os núcleons, desprezaremos as contribuições dos elétrons para a massa, porém, eles fornecerão toda a pressão de degenerescência do gás, já que são as primeiras partículas a se tornarem degeneradas. Isto significa que também aproximaremos os núcleons como estando em repouso, contribuindo para a densidade de energia somente através de sua energia de repouso, sem contribuir para a pressão do gás. Outra aproximação que levaremos em conta, é a de que o gás se encontra em temperatura nula, o que é válido quando (μme)T, onde μ é o potencial químico, me a massa do elétron e T a temperatura, assim, o gás está completamente degenerado. Desta forma, segue que a pressão, a densidade de energia e a densidade de partículas são, respectivamente, dadas por [25][25] I. Sagert, M. Hempel, C. Greiner e J. Schaffner-Bielich, European Journal of Physics 27, 577 (2006).

(7) p ( x ) = m e 4 24 π 2 [ ( 2 x 3 3 x ) ( 1 + x 2 ) 1 / 2 + 3 sinh 1 x ] ,
(8) ϵ ( x ) = n m N A Z + m e 4 8 π 2 [ ( 2 x 3 + x ) ( 1 + x 2 ) 1 / 2 sinh 1 x ] ,
(9) n = k F 3 3 π 2 ,

onde x=kF/me e

(10) k F = ( 3 π 2 ρ m N Z A ) 1 / 3

é o momento de Fermi, valor limite do momentum que os elétrons podem possuir. Além disso, mN é a massa de um núcleon. Portanto, no caso de uma anã branca composta por 12C e 16O, Z/A=1/2.

Anãs brancas são o único tipo de objeto compacto que pode ser tratado via gravitação newtoniana. Para uma anã branca típica com M=0.8M e R=7000 km, temos que 2GM/R3×104, o que é muito menor do que a unidade, sendo assim, a aproximação newtoniana permanece válida. Porém, esta validade se estende até certo ponto. Para as anãs brancas mais densas, deve empregar-se a relatividade geral [25][25] I. Sagert, M. Hempel, C. Greiner e J. Schaffner-Bielich, European Journal of Physics 27, 577 (2006)., o que pode ser visto na Fig. 3. Para obter estes resultados fizemos uso da equação de estado [Eq. (7)], além da equação da massa [Eq. (5)], juntamente à descrição da pressão via gravitação newtoniana [Eq. (4)] e via relatividade geral, pela Equação TOV [Eq. (6)], a fim de compararmos as duas predições. Pode-se observar que o tratamento newtoniano das anãs brancas é válido para toda a região onde 0.1MM1.4M, implicando em 1000 km R20000 km. Esta análise mostra, também, que a massa máxima da anã branca é menor no caso relativístico do que no caso newtoniano. Isto ocorre devido aos termos adicionais da equação TOV, que fortalecem a intensidade do campo gravitacional, gerando para uma mesma massa um campo mais intenso do que aquela da gravitação de Newton. Além disso, pode-se observar que as soluções obtidas respeitam a massa de Chandrasekhar MCh.

Figura 3
Relações massa-pressão central e raio-pressão central de uma estrela anã branca, sustentada pela pressão de degenerescência dos elétrons. Vale notar que este sistema é (a princípio) aceitável fisicamente, já que respeita a massa de Chandrasekhar.

A partir da Fig. 3, também é possível analisar a estabilidade da estrela, através do sinal da derivada da sua massa total M em relação à pressão central p0. A região de estabilidade da estrela deve satisfazer a relação dM/dp0>0, pois, se houver um incremento de sua massa e o mesmo ocorrer com a pressão central, o equilíbrio entre a pressão gravitacional e a pressão de degenerescência é mantido [25][25] I. Sagert, M. Hempel, C. Greiner e J. Schaffner-Bielich, European Journal of Physics 27, 577 (2006).. Por outro lado, se houver um incremento na massa da estrela, e a pressão central não se alterar, ou até mesmo, diminuir, a ação gravitacional levará ao colapso da estrela. Portanto, da Fig. 3, temos duas regiões de estabilidade: a primeira para os valores aproximados de pressão central entre 107eV/fm3p010eV/fm3, onde a massa varia aproximadamente entre 0.1MM1.4M; a segunda, corresponde ao intervalo de pressões centrais entre 1010eV/fm3p01012eV/fm3, e de pequenas massas entre 0.31MM0.55M. A primeira região de estabilidade pode ser (e usualmente é) tratada via gravitação newtoniana em ótima aproximação. No segundo caso, a gravitação newtoniana leva a valores não aceitáveis e a teoria da relatividade geral deve ser empregada [25][25] I. Sagert, M. Hempel, C. Greiner e J. Schaffner-Bielich, European Journal of Physics 27, 577 (2006)..

2.2. Estrelas de nêutrons

No final de suas evoluções, estrelas massivas, com massas superiores a oito massas solares, expelem grandes quantidades de energia ao espaço interestelar, na forma de uma supernova. Antes disso, enquanto o núcleo de ferro da estrela original continua a contrair, os elétrons tornam-se relativísticos. Neste ponto, a estrela assemelha-se à uma anã branca, porém, contém elementos químicos mais pesados. Como a massa da estrela era, originalmente, elevada, a massa do núcleo de ferro será maior que a massa de Chandrasekhar, implicando que os elétrons não são capazes de suportar o colapso gravitacional. As altas energias cinéticas dos elétrons fazem com que seja favorável que ocorra o decaimento beta inverso, isto é, que prótons e elétrons combinem-se, formando nêutrons e neutrinos. Os neutrinos escapam da estrela, levando parte da energia gravitacional, mas com a densidade crescente, alguns ficam presos. O objeto denso resultante é denominado estrela de nêutrons.

O termo “estrela de nêutrons” surgiu a partir da descoberta do nêutron por Chadwick em 1932 [26][26] J. Chadwick, Proceedings of the Royal Society of London. Series A, Containing Papers of a Mathematical and Physical Character 136, 692 (1932)., o que levou Baade e Zwicky a proporem, dois anos depois, que uma estrela remanescente de uma supernova poderia ser sustentada pela pressão de degenerescência dos nêutrons [27][27] W. Baade e F. Zwicky, Physical Review 46, 76 (1934).. Em 1939, Tolman, Oppenheimer e Volkoff realizaram os primeiros cálculos com relação às estrelas de nêutrons [9[9] J.R. Oppenheimer e G.M. Volkoff, Physical Review 55, 374 (1939).,10[10] R.C. Tolman, Physical Review 55, 364 (1939).]. Eles estimaram que o raio típico destes objetos seria de apenas 10 km. Além disto, neste estudo sobre estrelas de nêutrons, a partir das equações de campo de Einstein, Volkoff, sob a orientação de Oppenheimer e utilizando o livro de Tolman, deduziu a notável equação TOV [9[9] J.R. Oppenheimer e G.M. Volkoff, Physical Review 55, 374 (1939).,10[10] R.C. Tolman, Physical Review 55, 364 (1939).]. Anos depois, estimou-se que a conservação do fluxo magnético de uma gigante vermelha que é contraída gravitacionalmente em uma estrela de nêutrons, poderia produzir campos magnéticos da ordem 1012 G! Por conta do seu pequeno raio, a luminosidade das estrelas de nêutrons foi estimada em valores muito baixos, sendo considerado na época, impossível de serem detectadas.

Pelas observações realizadas, estava claro que um pulsar deveria ser uma estrela compacta, sendo que o único tipo observado até então, eram as anãs brancas [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. Em 1968, Gold propôs que os pulsares detectados seriam estrelas de nêutrons girando rapidamente, com elevados campos magnéticos [28][28] T. Gold, Pulsating stars (Springer, New York, 1968).. Dentro da explicação de Gold para associar um pulsar a uma estrela de nêutrons, deve-se interpretar que a pulsação de um pulsar é causada pelo período de rotação, e não por sua vibração. Ele argumentou que a vasta quantidade de energia radiada, juntamente à enorme quantidade de energia rotacional armazenada em um objeto de aproximadamente 10 km e com um fluxo magnético tão grande, ambos conservados da estrela progenitora, sugerem que tal objeto girando rapidamente poderia explicar um período estável de emissão de sinais, como aqueles observados. Além destes argumentos, a detecção de pulsares via radiação eletromagnética implica que estes objetos estão perdendo energia. Desta forma, a amplitude de vibração diminui com o passar do tempo, o que não afeta a frequência observada. No caso da rotação associada à frequência de emissão, esta é amortecida suavemente o que acarreta em uma mudança acumulada no período de rotação, de três segundos em 108 anos [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)., estando de acordo com os resultados observacionais.

Nos trabalhos de Oppenheimer e Volkoff foi estimado, com uma equação de estado similar à Eq. (7) e dada por [25][25] I. Sagert, M. Hempel, C. Greiner e J. Schaffner-Bielich, European Journal of Physics 27, 577 (2006).

(11) p ( x ) = m N 4 24 π 2 [ ( 2 x 3 3 x ) ( 1 + x 2 ) 1 / 2 + 3 sinh 1 x ] ,
(12) ϵ ( x ) = n m N + m N 4 8 π 2 [ ( 2 x 3 + x ) ( 1 + x 2 ) 1 / 2 sinh 1 x ] ,
(13) n = k F 3 3 π 2 ,

onde x=kF/mN e

k F = ( 3 π 2 ρ m N ) 1 / 3

é o momento de Fermi; que um gás de nêutrons livres não seria capaz de sustentar estrelas com massas superiores a 0.7M. Desta forma, ficou claro que estrelas de nêutrons são compostas por outras partículas, além de nêutrons [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)..

As evidências sugerem que possamos dividir uma estrela de nêutrons em quatro camadas [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. A camada mais externa é chamada de atmosfera, possui poucos centímetros e é composta por átomos de hidrogênio e hélio. A camada logo abaixo, chamada de crosta externa, é composta por uma rede de núcleos atômicos, além de um gás degenerado e relativístico de elétrons (essencialmente, a mesma matéria encontrada nas anãs brancas) [8][8] N.K. Glendenning, Special and general relativity (Springer Science & Business Media, New York, 2007).. A crosta interna é composta por nêutrons em um estado superfluido. Por fim, no centro da estrela está o núcleo, onde todos os núcleos atômicos foram dissolvidos em seus constituintes, ou seja, em prótons e nêutrons. Como o regime de densidade presente é extremamente elevado, estados exóticos da matéria podem aparecer, desde píons e káons à híperons e quarks livres [16][16] Á. Nyíri, Quark-Gluon Plasma in Neutron Stars. Dissertação de Mestrado, University of Bergen, 2001..

A descrição do núcleo da estrela de nêutrons está diretamente associada à teoria das interações fortes, a QCD. Há incertezas na descrição de sistemas com esse regime de densidade pela QCD, isto é, em sistemas onde a teoria perturbativa não é mais aplicável. Desta forma, o nome “estrela de nêutrons” leva ao conceito errôneo de uma estrela composta majoritariamente por nêutrons. Enquanto, na verdade, este nome abrange uma categoria vasta de diferentes objetos teóricos.

A dificuldade em determinar qual o estado da matéria e seus constituintes no interior de um pulsar advém das elevadas densidades presentes nesses objetos, que estão muito além dos limites físicos testados em laboratórios [13][13] C.Y. Wong, Introduction to high-energy heavy-ion collisions (World Scientific, New Jersey, 1994).. A fim de solucionar esta dificuldade, devemos compreender como funcionam as interações entre nêutrons, a possível formação de outros hádrons e, até mesmo, a transição de fase da matéria hadrônica para a matéria de quarks. Este último ponto, em especial, ganhou muita atenção nos últimos anos, e hoje, supomos que o diagrama correspondente à transição de fase seja da forma mostrada na Fig. 4 [29][29] M.G. Alford, S. Han e K. Schwenzer, Journal of Physics G: Nuclear and Particle Physics, 46, 114001 (2019).. Este diagrama relaciona as fases da matéria com a temperatura e com o potencial químico, lembrando que o potencial químico está associado à densidade bariônica. Desta forma, o diagrama mostra que a fase hadrônica pode aparecer nas formas de gás, líquido (matéria nuclear) e de superfluido. Fora da fase hadrônica, para baixas temperaturas, podemos ter uma matéria de quarks u, d e s, formando pares de Cooper em uma fase supercondutora de cor (CFL, do inglês color-flavor locking) [29][29] M.G. Alford, S. Han e K. Schwenzer, Journal of Physics G: Nuclear and Particle Physics, 46, 114001 (2019).. Em altas temperaturas e densidades (elevado potencial químico) chegamos ao plasma de quarks e glúons (QGP). Atualmente, este novo estado da matéria é criado em colisões de íons pesados nos aceleradores de partículas RHIC e LHC [30][30] F. Antinori, A. Dainese, P. Giubellino, V. Greco, M.P. Lombardo e E. Scomparin, Nucl. Phys. A982 (2019).. A transição de fase da matéria hadrônica para uma matéria de quarks livres permanece um tema de intenso estudo, devido à complexidade do diagrama apresentado na Fig. 4.

Figura 4
Diagrama representando as fases da matéria como função do potencial químico e da temperatura [29][29] M.G. Alford, S. Han e K. Schwenzer, Journal of Physics G: Nuclear and Particle Physics, 46, 114001 (2019)..

3. Estrelas estranhas

3.1. Cromodinâmica Quântica e o modelo de sacola do MIT

A teoria quântica de campos responsável pela interação forte é a QCD, onde a partícula mediadora da interação é o glúon, e a força se deve à carga de cor, presente apenas em quarks e glúons. Diferentemente do fóton, que media as interações eletromagnéticas e não possui carga elétrica, o glúon porta a carga associada à interação forte [13][13] C.Y. Wong, Introduction to high-energy heavy-ion collisions (World Scientific, New Jersey, 1994).. Os quarks são os únicos férmions elementares que interagem através de todas as forças fundamentais, pois possuem as quatro cargas responsáveis pelas quatro interações fundamentais: cor, carga elétrica, sabor e massa. Desta forma, quarks são definidos a partir da sua carga de cor, carga elétrica, massa e spin. Os quarks possuem carga elétrica fracionária, sendo que os sabores u, c e t possuem carga +2/3, enquanto os sabores d, s e b têm carga −1/3. Além disso, os quarks d, u e s são os ditos quarks leves, e possuem massas de 0.003 GeV, 0.005 GeV e 0.1 GeV, respectivamente. Os quarks pesados, c, b e t, possuem massas de 1.3 GeV, 4.5 GeV e 174 GeV, respectivamente [12][12] P.R. Silva, Rev. Bras. Ensino Fís. 30, 3305 (2008)..

Existem diversas evidências experimentais acerca da existência de quarks. Porém, partículas de carga elétrica fracionária nunca foram detectadas diretamente, em outras palavras, quarks nunca foram detectados livres [12][12] P.R. Silva, Rev. Bras. Ensino Fís. 30, 3305 (2008).. A explicação para esta evidência experimental vem da hipótese do confinamento de cor, que postula que objetos que possuem carga de cor estão sempre confinados em estados com carga de cor nula. Sendo assim, somente estados incolores podem se propagar livremente na natureza. Acredita-se que o confinamento seja ocasionado pelas interações entre glúons, já que estes possuem a carga de cor e podem interagir entre si, restringindo esta força a curtos alcances.

Até hoje, provas analíticas do conceito de confinamento não foram obtidas. Entretanto, uma visão qualitativa pode ser obtida pelo exemplo de um quark e um antiquark livres sendo afastados continuamente. A interação entre eles será mediada por glúons virtuais que, por carregarem carga de cor, irão se atrair, comprimindo o campo de cor em um tubo entre os quarks. Em distâncias relativamente grandes, a densidade de energia do campo de glúons no tubo entre os quarks é constante. Sendo assim, a energia armazenada no campo de glúons será proporcional à distância entre os quarks [12][12] P.R. Silva, Rev. Bras. Ensino Fís. 30, 3305 (2008).. Este crescimento linear da energia armazenada com a distância, requer uma quantidade infinita de energia para separar o par quark-antiquark! Desta forma, torna-se energeticamente mais favorável a formação de um novo par quark-antiquark, ao longo do tubo, do que a separação dos quarks. A principal implicação é que apenas combinações de quarks e glúons com carga de cor nula podem existir nas escalas de energia (distâncias) presentes no nosso cotidiano.

Na QCD, a intensidade da interação depende das distâncias envolvidas. Sendo assim, quando a constante de acoplamento (medida da intensidade da interação) for pequena, um tratamento perturbativo é válido, caso contrário, o tratamento se torna não perturbativo. A descrição dos hádrons em escalas de baixas energias ou grandes distâncias espaciais, como as observadas em estrelas, não permitem o uso de teorias perturbativas, portanto, suas soluções são de difícil obtenção. A partir dos resultados obtidos pela QCD na rede [13][13] C.Y. Wong, Introduction to high-energy heavy-ion collisions (World Scientific, New Jersey, 1994)., inspiraram-se modelos fenomenológicos, que permitem uma caracterização dos hádrons e de estados exóticos da matéria. Como enfatizado na Introdução, o modelo mais simples que reproduz os conceitos de confinamento e liberdade assintótica é o chamado de modelo de sacola do MIT [14][14] A. Chodos, R. Jaffe, K. Johnson, C.B. Thorn e V. Weisskopf, Physical Review D 9, 3471 (1974).. Nele, os hádrons são interpretados como uma região finita do espaço, isto é, uma “sacola”, dentro da qual estão contidos os campos devidos aos quarks e glúons. É assumido no modelo que esta sacola é mantida por uma pressão constante B, chamada pressão de sacola, responsável por equilibrar a pressão exercida pelos quarks no interior da sacola, reproduzindo o conceito de confinamento.

Dentro deste modelo, são possíveis novas fases da matéria de quarks, já que se a pressão interna for maior do que a pressão de sacola, ocorrerá o rompimento do hádron e a matéria de quarks estará livre em uma região “incolor” [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. Uma pressão cinética dos quarks, alta o suficiente para superar a pressão de sacola B, pode ocorrer quando a temperatura for alta e/ou a densidade bariônica for elevada, dando origem a um plasma de quarks e glúons. Por conta da complexidade da transição de fase apresentada na Fig. 4, e do difícil tratamento relacionado à supercondutividade de cor na QCD, iremos assumir que a transição de fase da matéria hadrônica para a matéria de quarks e glúons livres pode ser descrita pelo diagrama de fase representado na Fig. 5, o qual caracteriza uma transição de fase de primeira ordem. No Material Suplementar (Apêndice C) demonstramos que, para este diagrama de fase, a temperatura crítica a potencial bariônico nulo (considerando-se apenas dois sabores) é de aproximadamente 144 MeV, para uma pressão de sacola B1/4=206 MeV [13][13] C.Y. Wong, Introduction to high-energy heavy-ion collisions (World Scientific, New Jersey, 1994).. Tal valor de temperatura crítica é inferior àquele obtido usando QCD na rede para o regime de altas temperaturas e potencial bariônico nulo [31][31] S. Borsanyi, Z. Fodor, C. Hoelbling, S.D. Katz, S. Krieg, C. Ratti e K.K. Szabo, Wuppertal-Budapest 09, 073 (2010).. Estes resultados também indicam que neste regime a transição de fase não é de primeira ordem, sendo sua descrição um tema de debate. Por outro lado, a razão pela qual uma densidade elevada pode romper a sacola é, novamente, a pressão de degenerescência. A densidade bariônica da matéria ordinária é n0=0.16 fm3 e, para que ocorra o rompimento do hádron à temperatura zero e com B1/4=206 MeV, a densidade crítica é pelo menos 4.5 n0 [13][13] C.Y. Wong, Introduction to high-energy heavy-ion collisions (World Scientific, New Jersey, 1994).. Densidades desta ordem podem estar presentes nas estrelas catalogadas como estrelas de nêutrons, ou pelo menos, no núcleo de algumas dessas, levando às diferentes possíveis formações destes objetos [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)..

Figura 5
Diagrama de fase aproximado da QCD [13][13] C.Y. Wong, Introduction to high-energy heavy-ion collisions (World Scientific, New Jersey, 1994)..

Considerando que as densidades presentes nas estrelas de nêutrons sejam suficientes para formar uma matéria de quarks livres, é possível estender o modelo de sacola do MIT para descrever uma estrela composta por quarks livres. De fato, pode-se usar o modelo para estrelas em equilíbrio hidrostático, a fim de obter a equação de estado [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. Neste sentido, a estrela inteira é interpretada como uma sacola incolor, constituída por quarks livres. Ao considerarmos que a estrela possui simetria esférica, é estática e composta por um fluido ideal isotrópico, temos que a pressão no interior da estrela vai ser dada pela contribuição de cada sabor de quark à pressão cinética, identificada por pf, onde o subíndice f representa o sabor. Logo, pelo modelo de sacola do MIT, a pressão total p é dada por [15][15] E. L. Fune, Strangelets under strong magnetic fields. Dissertação de mestrado, Institute of Cybernetics Mathematics and Physics, 2012.

(14) p = f p f B .

Ilustramos o equilíbrio entre essas pressões para uma estrela densa composta por quarks livres na Fig. 6.

Figura 6
Ilustração do equilíbrio das pressões para uma matéria de quarks livres em equilíbrio hidrostático [15][15] E. L. Fune, Strangelets under strong magnetic fields. Dissertação de mestrado, Institute of Cybernetics Mathematics and Physics, 2012..

Como quarks são férmions, deve-se utilizar a estatística de Fermi-Dirac, da mesma forma que foi feito nas seções 2.1 e 2.2, para obter uma equação de estado. Porém, dentro do modelo de sacola do MIT, deve-se levar em conta a pressão de sacola B, como mostra a Eq. (14). A partir disto, considerando que o fluido ideal de quarks que constitui a estrela é, na verdade, um gás ideal de Fermi completamente degenerado e ultrarrelativístico, tem-se que a pressão, a densidade de energia e a densidade bariônica em unidades naturais são, respectivamente, dadas por [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).

(15) p = B + 1 4 π 2 f μ f 4 ,
(16) ϵ = B + 3 4 π 2 f μ f 4 = 4 B + 3 p ,
(17) n = f μ f 3 3 π 2 ,

para um gás de quarks não massivos a temperatura zero, onde μf é o potencial químico para o quark de sabor f. Este limite de temperatura zero é aplicável para cálculos relativos às estrelas similares as estrelas de nêutrons, já que, pouco tempo após o seu surgimento, suas temperaturas caem para valores da ordem de KeV, o que é desprezível na escala nuclear. Para fins de comparação, um gás de quarks massivos à temperatura zero, possui a seguinte equação de estado

(18) p = B + f 1 4 π 2 [ μ f k f ( μ f 2 5 2 m f 2 ) + 3 2 m f 4 ln ( μ f + k f m f ) ] ,
(19) ϵ = B + f 3 4 π 2 [ μ f k f ( μ f 2 1 2 m f 2 ) 1 2 m f 4 ln ( μ f + k f m f ) ] ,
(20) n = f k f 3 3 π 2 ,

onde kf é o momento de Fermi associado ao quark de sabor f, definido em termos do potencial químico, já que μf2=mf2+kf2 [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)., onde mf é a massa do quark de sabor f.

3.2. Hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa

As equações de estado obtidas pelo modelo de sacola do MIT podem ser aplicadas para qualquer matéria composta por um gás de quarks livres, independente dos sabores de quarks sendo levados em consideração. Porém, quais sabores de quarks devem fazer parte de uma matéria formado por quarks livres? A hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa [17[17] A. Bodmer, Physical Review D 4, 1601 (1971). [18] E. Witten, Physical Review D 30, 272 (1984).-19[19] H. Terazawa, Journal of the Physical Society of Japan 58, 3555 (1989).] consiste na afirmação de que a matéria estranha de quarks (SQM) é o verdadeiro estado fundamental da matéria que interage fortemente. Sendo assim, a SQM é mais estável do que a matéria nuclear ordinária e deve se fazer presente no interior da estrela. A fim de analisarmos a estabilidade da SQM, devemos comparar a sua energia de ligação — densidade de energia superficial por densidade bariônica — com a do isótopo 56Fe (o elemento mais estável encontrado na natureza), que é 930 MeV [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. Desta forma, sabendo que o estado mais estável é aquele que representa a configuração de menor energia de ligação, a SQM deve satisfazer a condição

(21) E A | S Q M < E A | 56 F e ,

onde E=Vϵsup é a energia de ligação, ϵsup é a densidade de energia superficial e V o volume ocupado pelo gás. Além disso, A=Vn é o número bariônico, ou seja, E/A=ϵsup/n. É razoável assumir que a SQM faça parte de uma estrela com tamanha densidade, seja uma estrela híbrida ou uma estrela de quarks, pois espera-se que híperons – hádrons que contenham o quark s – sejam produzidos pelas interações fortes entre nêutrons [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)..

A partir do rompimento de nêutrons no interior da estrela, uma matéria de quarks u e d livres poderia ser formada. Entretanto, estes quarks estão presentes na matéria ordinária, e não parecem apresentar uma configuração de menor energia do que o isótopo 56Fe. Por esta razão, iremos impor a seguinte condição

(22) E A | 56 F e < E A | u , d ,

que será utilizada para estipularmos os intervalos possíveis da pressão de sacola B.

Considerando as equações para quarks não massivos, Eqs. (15), (16) e (17), na superfície da sacola (onde p=0) temos que a densidade de energia superficial é ϵsup=4B. Por outro lado, a pressão de sacola será dada por [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).

(23) B = 1 4 π 2 f μ f 4 .

Por simplicidade, iremos assumir a estrela como sendo eletricamente neutra, e descartaremos a presença de léptons carregados e neutrinos no interior da estrela. A condição de neutralidade elétrica global é dada por

(24) q = f Q f n f = 1 3 π 2 f Q f μ f 3 = 0 ,

onde q é a densidade de carga elétrica e Qf é carga elétrica do quark de sabor f. Desta forma, podemos relacionar os potenciais químicos dos quarks presentes na estrela.

A fim de verificarmos a condição representada na Eq. (22), analisaremos primeiro pela condição de neutralidade global as relações entre os potenciais químicos para os quarks u e d. A partir da Eq. (24), temos que

(25) μ d = 2 1 / 3 μ u μ 2 .

Ao aplicarmos este resultado na Eq. (17), obtemos

(26) n = μ 2 3 / π 2 .

Além disso, usando a Eq. (23) e isolando μ2 temos

(27) μ 2 = ( 4 π 2 1 + 2 4 / 3 ) 1 / 4 B 1 / 4 .

Logo, a energia de ligação, para uma matéria de quarks ud livres, é tal que [16][16] Á. Nyíri, Quark-Gluon Plasma in Neutron Stars. Dissertação de Mestrado, University of Bergen, 2001.

(28) E A | u , d = 4 B π 2 μ 2 3 = ( 2 π ) 1 / 2 ( 1 + 2 4 / 3 ) 3 / 4 B 1 / 4 934 M e V ,

onde usamos B1/4=145 MeV. A partir da comparação entre os valores da energia de ligação da matéria de quarks u e d livres e do isótopo 56Fe, vemos que o valor mínimo de B1/4 deve estar em torno de 145 MeV, já que para valores menores do que este, a matéria de quarks u e d livres seria mais estável do que a matéria ordinária, deixando de satisfazer a condição dada pela Eq. (22).

No caso da SQM, temos que um número igual de quarks u, d e s satisfaz a condição de neutralidade elétrica (24), implicando em

(29) μ 3 μ u = μ d = μ s .

Logo

(30) n = μ 3 3 / π 2 .

Desta forma, a partir da Eq. (23), ao isolarmos μ3 obtemos

(31) μ 3 = ( 4 π 2 3 ) 1 / 4 B 1 / 4 .

Isto implica que a energia de ligação da SQM é

(32) E A | S Q M = 4 B π 2 μ 3 3 = ( 2 π ) 1 / 2 3 3 / 4 B 1 / 4 829 M e V .

Através desta análise, provamos que o modelo de sacola do MIT implica que a SQM é mais estável do que uma matéria contendo apenas quarks u e d livres e do que a matéria nuclear ordinária (lembrando que a energia de ligação do isótopo 56Fe é 930 MeV). Sendo assim, concluímos que a hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa é válida, como ilustramos na Fig. 7, para certos valores de B. Na verdade, a SQM é absolutamente estável em relação ao isótopo 56Fe se B1/4<162.8 MeV [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999). e, por esta razão, focaremos nosso trabalho nas estrelas estranhas.

Figura 7
Comparação das energias de ligação por número bariônico em função da razão entre as densidades bariônica e a nuclear (n0=0.16fm3) para análise da estabilidade dos tipos de matéria [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)..

No modelo de sacola do MIT, a estabilidade da SQM está diretamente associada aos valores da pressão de sacola B. Teoricamente, a SQM é completamente estável em relação ao isótopo 56Fe para B1/4<162.8 MeV e metaestável em relação a um gás de nêutrons para B1/4<164.5 MeV [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999).. Esses são os limites superiores de B, enquanto que o limite inferior foi estabelecido pela condição dada na Eq. (22) como sendo B1/4>145 MeV. A análise dos valores de B, sejam experimentais, observacionais ou simulações de computadores, não são triviais.

A validade da hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa para modelos mais sofiscados para o tratamento das propriedades básicas da QCD do que o modelo de sacola do MIT ainda é um tema de debate na literatura [20][20] T. Klähn e D. Blaschke, EPJ Web Conf. 171, 08001 (2018), https://doi.org/10.1051/epjconf/201817108001.
https://doi.org/10.1051/epjconf/20181710...
. Entretanto, deve-se ressaltar o fato de que a presença da matéria composta por átomos não contradiz a hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa, de que a SQM é o estado fundamental da matéria que interage fortemente. Isto se deve ao fato que a matéria hadrônica, perante interações fracas, é estável por mais de 1060 anos! Um tempo muito maior do que a idade estimada do Universo de 13 bilhões de anos [17][17] A. Bodmer, Physical Review D 4, 1601 (1971).. Sendo assim, podemos esperar que a SQM só se faça presente no interior das estrelas mais densas e compactas, abrindo uma nova categoria para tais objetos. Por conta disto, esperamos que diferentes objetos possam ser formados nestas condições extremas de densidade. Nos casos menos densos, é consensual que as estrelas sejam compostas majoritariamente por nêutrons, enquanto configurações mais densas podem apresentar estados hadrônicos exóticos e até mesmo a SQM [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999)..

3.3. Um exemplo simples

A fim de exemplificar os conceitos descritos acima, iremos no que segue apresentar um modelo simples de estrela estranha. Consideraremos as estrelas estranhas como estáticas, esfericamente simétricas, compostas pela SQM e sem crosta. Neste caso, as propriedades desta estrela podem ser obtidas a partir da solução da TOV [Eq. (6)], juntamente a equação da massa [Eq. (5)], assumindo a equações de estado derivadas a partir do modelo de sacola do MIT [Eqs. (15) e (18)]. Compararemos os resultados para uma equação de estado que desconsidera a massa dos quarks (limite ultrarrelativístico) com uma equação de estado onde a massa dos quarks é levada em conta (caso relativístico), ambas à temperatura zero. Neste modelo, para um valor da pressão de sacola B, que satisfaça a hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa, assumiremos a densidade central nc como condição inicial.

Na Fig. 8, mostramos o comportamento da pressão e da massa com o raio, do centro da estrela estranha até sua superfície, para nc=5n0 (onde n0=0.16 fm é a densidade nuclear) e B1/4=155 MeV. Na superfície da estrela, a pressão deve ser nula, por causa do equilíbrio hidrostático, ou seja, as pressões de degenerescência, gravitacional e de sacola se anulam neste ponto. Além disso, neste ponto atingimos a massa e o raio totais da estrela, que são, respectivamente, M=1.526M e R=9.715 km, no caso relativístico. Enquanto isso, no limite ultrarrelativístico obtemos M=1.993M e R=10.5 km. Apesar de auxiliar no entendimento acerca do comportamento da pressão e da massa a cada camada esférica concêntrica, este resultado tem pouca utilidade prática, já que representa uma única configuração de estrela estranha.

Figura 8
Pressão e massa em função do raio, no interior de uma estrela estranha com densidade bariônica central nc=5n0 e pressão de sacola B1/4=155 MeV.

A principal diferença entre os dois resultados da Fig. 8 é que as pressões centrais são distintas. Isto ocorre porque a relação entre pressão e densidade é dada de maneira distinta nos casos relativístico e ultrarrelativístico. Entretanto, a diferença nos resultados é, de fato, pequena como já fora apontada por Alcock et al. na Ref. [32][32] C. Alcock, E. Farhi e A. Olinto, The Astrophysical Journal 310, 261 (1986). e está em torno de 4%. Isto ocorre porque estamos tratando de quarks leves, e suas massas exercem pouca influência na equação de estado e, consequentemente, nos parâmetros gerais da estrela. Sendo assim, a aproximação ultrarrelativística, extremamente utilizada na literatura, é bastante apropriada no estudo sobre estrelas estranhas.

A fim de obtermos resultados que possam ser comparáveis com as observações de pulsares, devemos averiguar os resultados obtidos para a massa e raio totais, considerando cada valor de p0. O processo de integração é o mesmo realizado anteriormente, mas agora estamos interessados nos valores finais que correspondem à densidade central predeterminada. Sendo assim, cada ponto nas figuras 9 e 10 caracteriza uma configuração possível, ou seja, determina para um dado valor de nc, a massa e o raio da estrela. Todavia, o valor de B1/4=155 MeV é mantido nos dois casos.

Figura 9
Perfil massa-pressão central nos limites relativístico e ultrarrelativístico. Cada ponto representa uma possível configuração de estrela estranha, para o mesmo valor da pressão de sacola B1/4=155 MeV, e para densidades centrais entre 2 n0 e 10 n0.
Figura 10
Perfil massa-raio nos limites relativístico e ultrarrelativístico, considerando B1/4=155 MeV e densidades centrais entre 2 n0 e 10 n0.

Da Fig. 9 podemos analisar a estabilidade das estrelas estranhas, pela condição apresentada na Seção 2, onde dM/dp0>0 implica em uma configuração estável. Desta forma, a região de estabilidade de uma estrela estranha, onde o crescimento da pressão central corresponde a um crescimento na massa total da estrela, é tal que p0396.35 MeV/fm3, levando a uma massa máxima de 1.695 M para nc=8.598n0, no caso relativístico. No limite ultrarrelativístico, a região de estabilidade corresponde a p0302.71 MeV/fm3, e uma massa máxima de 2.123 M para nc=7.132n0. A massa máxima do caso ultrarrelativístico é maior devido ao fato de que quarks sem massa conseguem atingir velocidades maiores, por isso, exercem uma pressão de degenerescência maior e podem suportar pressões gravitacionais mais elevadas, ou equivalentemente, massas maiores.

Podemos apenas estimar qual é a pressão no interior de uma estrela, ou seja, não temos como observar e medir tal propriedade. Sendo assim, faz-se necessário um resultado em termos de massa e raio, que são os únicos parâmetros comparáveis com as observações de estrelas deste tipo, já que estamos considerando-as estáticas. Na Fig. 10, podemos ver o perfil massa-raio de estrelas estranhas obtidos numericamente, dentro de nosso modelo. Estes resultados são compatíveis e próximos aos valores típicos encontrados para pulsares, via observação astronômica [29[29] M.G. Alford, S. Han e K. Schwenzer, Journal of Physics G: Nuclear and Particle Physics, 46, 114001 (2019).,33[33] A. Aziz, S. Ray, F. Rahaman, M. Khlopov e B. Guha, International Journal of Modern Physics D 28 (2019).]. No caso ultrarrelativístico, obtemos que a configuração de massa máxima, M=2.123M, contida em um raio de apenas 10.407 km. Enquanto no caso relativístico, M=1.695M e R=9.312 km. Estes valores são bastante próximos e coerentes com os pulsares mais densos já observados [29[29] M.G. Alford, S. Han e K. Schwenzer, Journal of Physics G: Nuclear and Particle Physics, 46, 114001 (2019).,33[33] A. Aziz, S. Ray, F. Rahaman, M. Khlopov e B. Guha, International Journal of Modern Physics D 28 (2019).].

Um aspecto importante na análise de estrelas estranhas é que as configurações onde M<1.0M são ditas autoligadas [32][32] C. Alcock, E. Farhi e A. Olinto, The Astrophysical Journal 310, 261 (1986).. Isto porque a força de ligação dominante é a força forte, e não a gravitacional. Em outras palavras, a pressão externa que mantém a estrela coesa é a pressão de sacola e não a pressão gravitacional. A atração gravitacional só começa a exercer influência sobre as possíveis configurações para massas maiores que uma massa solar. Por esta razão, nas figuras 9, 10 e 11 só apresentamos os resultados para M1.0M.

Figura 11
Perfis massa-pressão central e massa-raio, respectivamente, no caso relativístico, para os seguintes valores de B: linha sólida azul (B1/4=145 MeV), linha traço-ponto verde (B1/4=155 MeV), linha tracejada laranja (B1/4=165 MeV) e linha pontilhada vermelha (B1/4=175 MeV).

Variações nos valores da pressão de sacola B alteram a estrutura e as possíveis configurações de uma estrela estranha composta por um gás de quarks massivos, como pode ser visto na Fig. 11. Esta variação também ocorre com quarks não massivos, porém focaremos no caso relativístico. O aumento em B fortalece a contração da estrela e torna a equação de estado mais rígida, o que implica em massas máximas menores para as configurações correspondentes. Colocado de outra forma, o gás degenerado de quarks exerce a mesma pressão de degenerescência e deve lidar com uma pressão de sacola maior. Portanto, este consegue suportar uma pressão gravitacional menor. Outro efeito visível no aumento da pressão de sacola é a diminuição do raio, tornando a estrela estranha ainda mais compacta. Observações mais precisas nos observáveis – massa e raio – em pulsares candidatos a estrelas estranhas podem aumentar o conhecimento acerca da pressão de sacola e da transição de fase da matéria de quarks para a matéria hadrônica.

O valor de B escolhido para as figuras 8, 9 e 10 está dentro dos limites teóricos (145 MeV e 162.8 MeV) para que a hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa seja válida [21][21] F. Weber, Pulsars as astrophysical laboratories for nuclear and particle physics (Institute of Physics, London, 1999). e que a SQM seja absolutamente estável em relação ao isótopo 56Fe.

4. Considerações finais

Neste trabalho apresentamos uma breve revisão das principais características e propriedades das estrelas compactas em geral, com foco nas estrelas estranhas. Mostramos que em regimes de densidades elevadas, faz-se necessário o uso da teoria da relatividade geral para descrever as anãs brancas, pois os resultados da teoria newtoniana divergem dos resultados relativísticos gerais para as pressões centrais mais elevadas. Como as estrelas de nêutrons apresentam densidades ainda maiores, sua descrição está diretamente associada à solução da equação TOV. Devido às densidades presentes nas estrelas de nêutrons, sua constituição permanece um tema de estudo, sendo possível o surgimento de estados exóticos em seu interior. Para fins didáticos, em nosso estudo consideramos que para altas densidades bariônicas, há uma transição de fase da matéria hadrônica para a matéria de quarks e que esta é de primeira ordem. Além disso, utilizamos o modelo de sacola do MIT para descrever as propriedades básicas da QCD. Dentro deste contexto demonstramos que a hipótese de Bodmer-Witten-Terazawa é válida para um dado intervalo de valores da pressão de sacola, o que implica na possibilidade da existência de estrelas estranhas, compostas inteiramente pela SQM. Os resultados obtidos neste exemplo, permitiram ver que as estrelas estranhas podem ser estáveis e que sua estabilidade depende diretamente da equação de estado. A equação de estado, por sua vez, depende do parâmetro fenomenológico, a pressão de sacola, introduzida de modo ad hoc no Modelo de Sacola do MIT. Concluímos, com esta simples abordagem, que estrelas estranhas podem ser uma das possíveis explicações para os pulsares mais densos observados. Por fim, enfatizamos que nosso objetivo foi apresentar os elementos básicos necessários à compreensão do tema. Consequentemente, foi necessário restringir a discussão sobre as inúmeras alternativas existentes para os pressupostos básicos assumidos em nossa análise, os quais são objeto de debate na literatura. Entretanto, acreditamos que o modelo simplificado apresentado pode servir de base para que o estudante inicie seus estudos neste tema tão importante e atual em Astropartículas.

Agradecimentos

Agradecemos ao revisor anônimo pelos importantes comentários que qualificaram o manuscrito. Este trabalho foi parcialmente financiado pela CNPq, FAPERGS e INCT-FNA (processo número 464898/2014-5).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2020
  • Revisado
    06 Abr 2020
  • Aceito
    13 Abr 2020
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