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Avaliação do impacto de uma exposição científica itinerante em uma região carente do Rio de Janeiro: um estudo de caso

Impact evaluation of an itinerant science exposition in a poor region of Rio de Janeiro: a case report

Resumos

O presente artigo relata por meio de um estudo de caso, o processo de investigação do impacto de uma exposição científica itinerante em um município da Baixada Fluminense (RJ), essa investigação se deu por meio da metodologia da lembrança estimulada. Realizamos uma exposição científica que versou sobre temas da óptica em uma escola, onde retornamos quatro meses após a realização da exposição. Buscamos avaliar o impacto dessa exposição em longo prazo, com o auxílio de fotografias digitais dos experimentos presentes na exposição. Os resultados desse trabalho demonstraram que a exposição exerceu sobre os estudantes um impacto positivo, cumprindo o papel de fomentar nesses alunos o interesse pela ciência, além de iniciar o processo de aquisição do conhecimento em espaços de educação não formal por meio da experimentação

lembrança estimulada; metodologia; impacto em museus; ensino de óptica


This work, using a case report, describes the impact of an itinerant science exposition on a city of Baixada Fluminense (RJ). The methodology used on this investigation was stimulated recall. We have produced a science exhibition about themes of optics in a school where we returned four months latter for further analysis. We aim to evaluate the impact of this exposition in long term, with use of digital photographs of the experiments that made part of exhibition. The results of the investigation have shown that the exhibition has a positive impact on the students, fulfilling its role in fomenting on them the interest in science, besides initiate the knowledge acquisition process on informal science education center based on experimentation

stimulated recall; methodology; impact in museum; learning optics


PESQUISA EM ENSINO DE FÍSICA

Avaliação do impacto de uma exposição científica itinerante em uma região carente do Rio de Janeiro: um estudo de caso

Impact evaluation of an itinerant science exposition in a poor region of Rio de Janeiro: a case report

Grazielle Rodrigues PereiraI,II,1 1 E-mail: grazielle.pereira@ifrj.edu.br. ; Robson Coutinho-SilvaI,III

IInstituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIInstituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

IIIPrograma de Pós Graduação de Ensino de Biociências e Saúde, Fundação Oswaldo Cruz, Manguinhos, RJ, Brasil

RESUMO

O presente artigo relata por meio de um estudo de caso, o processo de investigação do impacto de uma exposição científica itinerante em um município da Baixada Fluminense (RJ), essa investigação se deu por meio da metodologia da lembrança estimulada. Realizamos uma exposição científica que versou sobre temas da óptica em uma escola, onde retornamos quatro meses após a realização da exposição. Buscamos avaliar o impacto dessa exposição em longo prazo, com o auxílio de fotografias digitais dos experimentos presentes na exposição. Os resultados desse trabalho demonstraram que a exposição exerceu sobre os estudantes um impacto positivo, cumprindo o papel de fomentar nesses alunos o interesse pela ciência, além de iniciar o processo de aquisição do conhecimento em espaços de educação não formal por meio da experimentação.

Palavras-chave: lembrança estimulada, metodologia, impacto em museus, ensino de óptica.

ABSTRACT

This work, using a case report, describes the impact of an itinerant science exposition on a city of Baixada Fluminense (RJ). The methodology used on this investigation was stimulated recall. We have produced a science exhibition about themes of optics in a school where we returned four months latter for further analysis. We aim to evaluate the impact of this exposition in long term, with use of digital photographs of the experiments that made part of exhibition. The results of the investigation have shown that the exhibition has a positive impact on the students, fulfilling its role in fomenting on them the interest in science, besides initiate the knowledge acquisition process on informal science education center based on experimentation.

Keywords: stimulated recall, methodology, impact in museum, learning optics.

1. Introdução

O contexto histórico no qual estamos inseridos é envolto por produtos da ciência e da tecnologia. Estamos submetidos a avanços técnico-científicos crescentes, de poder político e social, onde nos deparamos com a profunda ambiguidade de seus riscos e possibilidades [1]. A defesa da sociedade, face aos riscos inerentes a essa constante evolução técnico-científica, somente é possível quando se tem um conhecimento sólido da realidade que nos cerca. Para Silva [2, p. 254-255]:

(...) não se trata de estabelecer uma posição de negação da ciência e da tecnologia, mas de capacitar o cidadão para se posicionar de maneira consciente e crítica com relação aos seus rumos, (...) ter as condições para formar sua capacidade de ler, compreender e opinar sobre os assuntos científicos e tecnológicos e, acima de tudo, participar direta ou indiretamente, nas questões relativas a tecnociências.

Contudo predomina um grande hiato na sociedade brasileira entre os que detêm mais informações em ciência e tecnologia e aqueles que enfrentam pobreza e exclusão social. Essa problemática inviabiliza a participação de todos na compreensão do conhecimento básico que permitirá interagir melhor com seu entorno natural e social [3]. De acordo com um artigo publicado por Nussenzveig para a Folha de São Paulo [4, p. 72], o pesquisador afirma que:

(...) segundo pronunciamento da Unesco e do Conselho de Avaliação Tecnológica do congresso americano mede-se o desenvolvimento de um país pela sua capacidade autônoma de gerar conhecimento, disseminá-lo e utilizá-lo. Esta é a diferença básica entre países cujos cidadãos podem realizar plenamente seu potencial como seres humanos e aqueles que não podem (...) as bases do desenvolvimento são educação, ciência, tecnologia e uma política econômica soberana e coerente para valorizá-las.

Em função desse quadro, as iniciativas de popularização científica advêm como uma medida para minimizar essa desigualdade presente na sociedade, por meio de atividades promotoras da compreensão pública da ciência. Segundo Lins de Barros [5, p. 34]: "(...) a necessidade de se divulgar conceitos científicos para um público mais amplo é cada vez mais imperiosa, pois a ciência aparece como um dos mais importantes aspectos da sociedade moderna". Portanto, dentre as atividades de divulgação da ciência, destacamos aquelas desenvolvidas por centros e museus de ciências interativos, que, segundo Schall [6, p. 314] têm "(...) o objetivo de aumentar o nível de conhecimento e a capacitação do cidadão em ciência e tecnologia, por meio de ação informal".

A escola assume um papel imprescindível na formação do indivíduo, por essa razão deve sofrer muitas transformações por meio de políticas públicas para que de fato (in)formem pessoas capazes de exercer suas atividades como profissionais e cidadãos. Entretanto, nenhuma instituição pode por si só arcar com esse papel, uma vez que crianças e adultos necessitam de motivação e estímulos [7].

Os museus e centros de ciências, enquanto espaços de educação não formal favorecem a ampliação e o refinamento cultural em um ambiente capaz de despertar as emoções que se tornam aliadas de processos cognitivos dotados de motivação intrínseca para a aprendizagem de ciências [8]. Esses espaços de educação não formal são locais capazes de propiciar a apreciação e o entendimento das ciências por meio de ações voluntárias e individuais, popularizando o conhecimento científico e tecnologia [9]. Marandino [10, p. 100], ao discutir em seu trabalho a educação em museus, afirma que: "(...) hoje é cada vez mais presente a preocupação tanto com os impactos afetivos e emocionais quanto com a produção de sentido e a construção de conhecimento".

A partir dessas considerações introdutórias, podemos sintetizar o problema central do trabalho na seguinte questão: qual o impacto que uma atividade de divulgação científica de cunho museal exerce sobre os participantes?

Dessa forma, esse trabalho se propôs por meio de atividades de divulgação científica itinerantes, contribuir para a popularização científica na Baixada Fluminense, região metropolitana do Rio de Janeiro, bem como investigar o impacto que essas atividades itinerantes podem exercer sobre um grupo de estudantes da rede pública, a partir de uma única visita.

A fim de atingirmos o objetivo proposto, discorreremos inicialmente, mediante a revisão de literatura especializada, sobre os diferentes impactos que os museus de ciências podem proporcionar aos visitantes.

2. Reestruturação conceitual e o impacto de atividades museais sobre estudantes

Como evidencia a literatura (Refs. [11-12], entre outros), no quotidiano surgem muitos conceitos prévios em relação às ciências que permeiam o senso comum.

Atividades fomentadas por museus ou centros de ciências podem atuar, enquanto agentes do processo educativo, ao permitirem o confronto das idéias prévias do indivíduo com as concepções científicas aceitas atualmente. Esse confronto se dá por meio do observar, acionar, tocar ou manusear os experimentos, pelo ler, comparar, registrar, e, ainda pelo jogar, situações presentes em atividades museais [13]. Os módulos experimentais presentes nesses espaços apresentam a capacidade de desequilibrar o senso comum, buscando o questionamento das concepções alternativas, principalmente quando esses módulos tratam de fenômenos científicos presentes no cotidiano, que mexem com curiosidade epistemológica [14].

Falk e Storksdieck [15, p. 140], mediante os resultados de suas pesquisas sobre aprendizado em museus de ciências com uma amostra variada onde incluíram visitantes de todas as idades, rendas, ocupações, níveis de instrução, concluíram que "(...) os museus de ciência são particularmente uteis para facilitar o aprendizado ém ciências por parte dos cidadãos com menos conhecimentos". Portanto, museus e centros de ciências também assumem a responsabilidade de facilitar o processo de ensino-aprendizagem.

Vale ressaltar, que autores que propõem diversos modelos de aprendizagem concebida como mudança conceitual [16], sugerem uma analogia entre a construção de conhecimentos na aprendizagem e evolução histórica dos conhecimentos científicos, segundo a terminologia de Kuhn [17], uma mudança de paradigma.

Ainda dentro dessa perspectiva, Pozo [18] considera que durante o processo de evolução dos conhecimentos prévios para conceitos científicos ocorre muito mais do que uma simples mudança de conceitos. Na verdade, acontece uma mudança na forma de concebê-los, uma total "reestruturação", ou seja, o conhecimento deve ser construído.

Norteados por essas idéias, observa-se que, para haver uma reestruturação conceitual profícua a respeito dos fenômenos da natureza, é de suma importância que se conheçam as idéias preconcebidas dos estudantes. A partir desse conhecimento, que sejam criados ambientes favoráveis e estratégias que permitam o processo de evolução do conhecimento para um modelo científico, bem como adaptar os valores culturais alternativos com os que sustentam a ciência. Essas teorias estão elencadas às investigações da educação formal, no entanto tem ancorado diversas pesquisas no campo da educação em museus de ciências [10].

Os museus de ciências, de acordo com Marandino [10] por ter um viéis educacional (...) deve ser orientado pela perspectiva do visitante, das suas concepções, da sua agenda, de seus conhecimentos e interesse. Bazin [19, p. 35] afirma que os museus de ciências apresentam uma metodologia diferente e essa metodologia envolve:

(...) ensinar com respeito, permitindo a aprendizagem no ritmo dos aprendizes, em interação com eles. Aprende-se construindo a realidade concreta do mundo natural que está sendo investigado, desvelado, redescoberto pelo grupo, criando e apreciando o próprio processo.

Enquanto um espaço de educação não formal, o visitante tem a liberdade de observar e interagir com o que mais lhe agrada. Essa liberdade que difere da educação formal, poderá desencadear em um processo de compreensão dos fenômenos da natureza explorados pela exposição científica seguindo o ritmo próprio de cada um. Como afirmam Rubini e cols. [20, p. 2] "(...) nos museus de ciências os conceitos, ao invés de serem transmitidos, são verdadeiramente percebidos pelo visitante enquanto este realiza as atividades propostas por monitores". Isso acontece em função do cunho experimental, interativo e lúdico da exposição que contribui para que concepções alternativas se reestruturem em concepções que hoje são aceitas cientificamente, a partir do processo de construção do conhecimento. Nas palavras de Oppenheimer [21, p. 221]:

Um museu não deve ser um substituto de uma escola ou sala de aula, mas deve ser um local em que pessoas vão tanto para ensinar quanto para aprender. Visitantes devem ser capazes de achá-lo agradável e estimulante. Acima de tudo deve ser honesto e, portanto passar a compreensão de que a ciência e a tecnologia possuem um papel que é profundamente enraizado nos valores e nas aspirações humanas.

Sendo assim, esses espaços de educação não formal além de serem locais que procuram aguçar a curiosidade e despertar o interesse pela ciência e pela tecnologia, buscam acima de tudo proporcionar ao visitante uma imersão na cultura cientifica que, entretendo e educando a um só tempo, tornam a ciência menos misteriosa, mais transparente [22].

Os estudiosos de educação em museus de ciências também têm discutido o impacto das atividades museais [23-25]. Dentre esses autores, destacaremos Garnett [23], em seu trabalho intitulado The impact of Science Centers/Museums on the Surrounding Communities, onde o autor define os diferentes impactos intrínsecos às atividades propostas pelos centros e museus de ciências. De acordo com Garnett [24]:

- O impacto social é definido com o efeito que o centro ou museu de ciências causa nas pessoas, nas organizações e na construção, e no ambiente natural. Exemplos: local, regional, turismo internacional, atividades comunitárias, programa de voluntariado, empregos para jovens, parcerias com a comunidade, restauração de equipamentos, estradas, estacionamento, transportes;

- O impacto político é a influência que um centro ou museu de ciências tem nas políticas do governo e no estabelecimento de prioridades. Ocorre em todos os níveis do governo;

- O impacto econômico é representado pelos efeitos diretos e indiretos que o centro ou museu de ciência tem na economia local. Inclui indicadores como: "receitas obtidas por vendas aos visitantes", "receitas obtidas pela comunidade a partir dos visitantes", "despesas do centro de ciências" e "criação de empregos por consultorias e empregadores externos";

- O impacto pessoal designa as mudanças que ocorrem no indivíduo como resultado do seu contato com o centro ou museu de ciências e inclui fatores como prazer pessoal, aumento da habilidade profissional, direcionamento para a formação de carreira, experiência social, mudanças de atitudes em relação à ciência e aprendizagem em ciência.

Norteado por Garnett [24], no presente trabalho adotamos a designação de impacto pessoal, pois investigamos as "mudanças de atitudes" de estudantes "em relação à ciência" após participarem de uma atividade museal.

Apresentaremos a seguir, sucintas considerações sobre a educação formal na Baixada Fluminense, bem como a inserção de ações de educação não formal desenvolvidas por um museu de ciências.

3. A realidade educacional na Baixada Fluminense e a inserção do Espaço Ciência InterAtiva do IFRJ nessa região

A Baixada Fluminense possui um índice de analfabetismo 3% a mais que o da capital, e apesar de possuir 3,5 milhões de habitantes distribuídos entre seus 13 municípios, essa região tem apenas 5% das bibliotecas do Rio de Janeiro [26]. É uma região com grandes carências estruturais e culturais, bem como apresenta significativos índices de vulnerabilidades associados aos problemas sociais e ambientais.

Imbuídos desses dados inerentes a realidade educacional dessa região, no segundo semestre de 2008, Soares e Pereira [27] realizaram uma investigação com professores das áreas científicas de 22 escolas da rede pública de nove municípios da Baixada Fluminense. Neste trabalho, as autoras buscaram averiguar se esses docentes utilizavam laboratórios didáticos e/ou realizavam atividades experimentais em suas práticas pedagógicas.

As pesquisadoras verificaram que, dentre essas escolas visitadas, somente quatro possuíam laboratório, contudo os laboratórios de duas dessas escolas encontravam-se em manutenção, isto é, inativos. Ainda, nessa pesquisa, constatou-se que grande parte dos professores não considerava relevante o desenvolvimento de atividades experimentais. Outros entrevistados justificaram a não realização dessas atividades em função da carga-horária reduzida ou pela falta de laboratórios [27].

Mediante essas problemáticas que permeiam a educação nessa região, o Espaço Ciência InterAtiva visa proporcionar a abertura de uma nova etapa no convívio social e na construção de uma nova consciência para uma população historicamente marginalizada. Esse museu de ciências está sediado na Baixada Fluminense, no campus Nilópolis do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ).

À luz da missão do espaço, desenvolvemos a partir de 2006 exposições itinerantes por meio do projeto "Ciência Itinerante" com o objetivo de levar a ciência até os moradores dos municípios mais carentes dessa região, tangenciando proposições que facilitem a reflexão e o acesso ao saber científico através da vivência, participação, experimentação e criação.

Esse projeto foi avaliado em três etapas por meio de ferramentas da metodologia qualitativa e quantitativa. No presente artigo, apresentaremos os resultados de apenas uma etapa da avaliação qualitativa, onde buscamos investigar, por meio de um estudo de caso, o impacto que a exposição exerceu sobre um grupo de estudantes em longo prazo (após quatro meses). Essa avaliação deu-se por meio da técnica da lembrança estimulada em conjunto com outras metodologias, como discutiremos a seguir nos procedimentos da pesquisa.

4. Metodologia da pesquisa

4.1. Desenvolvimento do projeto itinerante

Calcados em projetos itinerantes que visam a interiorização de atividades de popularização científica, desenvolvemos o projeto "Ciência Itinerante". Iniciamos esse projeto a partir do desenvolvimento de uma exposição científica intitulada "Luz, Cor e Formação de Imagens". Os experimentos da primeira exposição (Tabela 1) e painéis motivação/desafio foram construídos no Espaço Ciência InterAtiva do IFRJ em conjunto com os licenciados de física e química do IFRJ, do campus Nilópolis/RJ e em parceria com o Espaço Ciência Viva, na Tijuca, Rio de Janeiro.

Ao final do desenvolvimento da exposição científica, os alunos que atuaram na concepção e construção dos experimentos foram treinados para mediarem a exposição e realizarem oficinas durante as visitas.

As escolas às quais levamos as atividades foram todas da rede pública de ensino (municipal e estadual), localizadas em municípios da Baixada Fluminense, a saber: Escola Municipal Janir Clementino Pereira, localizada no distrito de Miguel Couto, em Nova Iguaçu; Escola Municipal Scintilla Exel, Ciep 335 Professor Joaquim de Freitas e a Escola Estadual Dom João VI, todas localizadas em Queimados. Os eventos públicos no qual participamos foram: projeto Mãos Dadas com a Cidadania,2 2 Projeto da prefeitura que leva serviços públicos e atividades educativas e de lazer para a população, em diversos bairros do município de Mesquita. realizado em umas das praças do município de Mesquita e o Ciência na Rua - um dos eventos integrados à Semana Nacional de Ciência e Tecnologia de 2006-, na Vila Olímpica de Nova Iguaçu.

4.2. Avaliação da exposição científica

Todas as atividades foram avaliadas por meio de questionários e entrevistas antes e após a interação do público com os módulos experimentais [28]. Para investigarmos com maior precisão o grau de impacto dessas atividades, também utilizamos, como ferramenta de avaliação, a metodologia da lembrança estimulada, uma ferramenta de investigação sobre aprendizagem em museus e centros de ciências.

A etapa da avaliação por meio da metodologia da lembrança estimulada (LE) ocorreu quatro meses após a interação dos alunos com os experimentos. Vale destacar que, durante nossa visita às escolas, as aulas foram suspensas e que reservamos um dia para cada escola, exceto na Escola Municipal Scintilla Exel, onde realizamos atividades em três turnos distintos (manhã, tarde e noite), portanto dedicamos um dia para cada turno. Já a avaliação por meio da LE ocorreu durante o intervalo entre uma aula e outra em apenas um dia.

Para essa avaliação o estudante deveria estar de acordo com algumas condições: ter interagido com a exposição científica, possuir a autorização do responsável para participar da entrevista, ter interesse em participar da pesquisa e não ter estudado na educação formal os temas apresentados na exposição, como óptica. Consideramos esse último aspecto relevante, pois buscamos levantar informações sobre a linguagem que o estudante emprega para explicar fenômenos físicos do nosso cotidiano.

A fim de obtermos esse público alvo, direcionamos as entrevistas para os estudantes da 7ª e 8ª série (atualmente, 8º e 9º ano), com idades entre 13 a 17 anos. Com isso, participaram da pesquisa 10 pessoas de um universo de 160 alunos do turno da tarde que interagiram com a exposição no pátio da Escola Municipal Scintilla Exel, na Baixada Fluminense.

Os participantes da pesquisa foram colocados diante de uma fotografia digital dos experimentos manipulados por eles e, em seguida, indagamos sobre suas possíveis lembranças ao olharem para a fotografia. Essas entrevistas foram norteadas pela metodologia da entrevista semi-estruturada, o que nos permitiu explorar as perguntas já formuladas em função da fala de cada estudante, pois como afirmam [29, p. 34], durante a realização da entrevista semi-estruturada "(...) não há imposição de ordem rígida de questões, o entrevistador discorre sobre o tema com base nas informações que ele detém (...) na medida em que houver um clima de estímulo, e aceitação mútua, as informações fluirão de maneira notável e autêntica".

Dessa forma, ao mostrarmos a fotografia de cada experimento fazíamos a seguinte pergunta para cada aluno entrevistado individualmente: "O que lhe vem à cabeça ao olhar para essa fotografia?" e caso considerássemos a resposta incompleta, acrescentávamos novas perguntas. Também dávamos a liberdade ao estudante externar todas as lembranças, sentimentos e impressões ao relembrarem do experimento, pois como preconiza Flik [30, p. 106], na entrevista semiestruturada "(...) espera-se que as questões sejam livremente respondidas pelo entrevistado".

Essa entrevista ocorreu individualmente, não havendo interferências de outros colegas nas respostas. A escolha dessa escola se deu em função da facilidade de acesso por parte da pesquisadora. Para obtermos uma maior precisão do grau de impacto de nossas atividades, todo processo de avaliação ocorreu com pessoas que afirmaram nunca terem estudado essa área da ciência, bem como os alunos entrevistados, após os quatro meses, ainda não haviam estudado no ensino formal os temas contemplados na exposição.

No que tange a metodologia da lembrança estimulada (LE) utilizamos como aporte teórico Falcão e Gilbert [31]. Buscamos essa ferramenta metodológica como uma forma de estimular a verbalização desses alunos em relação às experiências vivenciadas por meio dos módulos experimentais. Os resultados obtidos por meio dessa metodologia podem esclarecer questões relacionadas à aprendizagem que ocorre em ambientes de educação não-formal.

De acordo com os pesquisadores Falcão e Gilbert [31, p. 94], a metodologia de lembrança estimulada (LE):

Atualmente se refere a um grupo de métodos de pesquisa em que o sujeito é exposto a registros (audioteipes, fotografias, videoteipes, escritos, desenhos) relacionados a uma atividade específica da qual participou (aulas, conferências, sessão de análise, etc.). Entende-se que os registros funcionam como pistas que capacitam os participantes a se lembrarem de um episódio em que tiveram uma experiência específica, tornando-se capazes de expressar verbalmente os pensamentos que desenvolveram durante a atividade.

Assim, por meio dessa metodologia visamos constatar as lembranças mais significantes de nossas atividades para esses estudantes, bem como averiguar o quanto esses experimentos foram relevantes para esse grupo. Vale ressaltar que todos os estudantes que participaram da pesquisa não se inibiram em função da filmadora, todos relataram suas lembranças com muita espontaneidade.

5. Resultados e discussão

Durante a avaliação por meio da lembrança estimulada (LE), mostramos a fotografia de cada experimento (Figs. 1 a 6) que os estudantes interagiram quatro meses antes. Neste momento, a entrevista facultou ao aluno a possibilidade de expressar, livre e individualmente as possíveis explicaçõs para os fenômenos discutidos em cada experimento, ou lembranças sobre o funcionamento desses experimentos. Os trechos das falas dos estudantes relatam os resultados dessa atividade, os nomes que acompanham as falas são fictícios. Apresentaremos, a seguir, as falas dos entrevistados após olharem para as fotografias dos experimentos.







5.1. Fotografia do experimento "Filtros coloridos" (Fig. 1)

Pesquisadora: O que lhe faz lembrar essa fotografia ?

Janaína: Esse aqui foi aquele que a gente colocou os óculos e foi vendo as cores mudarem. Se a gente colocar os óculos vermelhos, a gente vê tudo em vermelho ou preto.

Tatiana: Dependendo dos óculos que a gente pega, aparece o corpo dos bailarinos com carne e com os outros óculos aparece só o esqueleto .

Pesquisadora: Você consegue se lembrar o que via com cada óculos?

Tatiana: Com os óculos vermelhos, eu vi os ossos, e com o azul, vi a carne com as roupas.

Luciene: Tinha o desenho dos bailarinos e dependendo dos óculos que era um com um plástico azul e outro com um plástico vermelho a gente via imagens diferentes?

Pesquisadora: Que imagens eram essas?

Luciene: Com o azul aparece a pessoa normal e com o vermelho os ossos.

Débora: Esse é o dos bailarinos. A gente colocou os óculos com filtros e vimos os ossos com os óculos vermelhos e o corpo normal com o azul.

Joana: Essa aqui é dos óculos azul e vermelho. O vermelho deixava aparecer o desenho que estava atrás, o esqueleto. Com óculos azuis o desenho ficava a mesma coisa.

Nathália: É o do esqueleto, tem dois óculos. Os óculos azuis mostram o esqueleto e os óculos vermelhos mostram os músculos.

Bruno: Esse aqui é o dos óculos e bailarinos. Os óculos vermelhos deixavam a gente vê os ossos e o azul deixa a gente vê o corpo.

José: Esse aqui foi o dos bailarinos. Dependendo dos óculos, a gente via um tipo de imagem.

Pesquisadora: Você pode explicar melhor?

José: Eu lembro que, com os óculos vermelhos, eu vi os ossos dos bailarinos e, com os óculos azuis, eu vi os bailarinos com as roupas.

Diogo: Esse foi o dos óculos coloridos. A gente viu o desenho dos bailarinos, dependendo dos óculos e o desenho dos ossos com os outros óculos.

Pesquisadora: Você se recorda com quais óculos foi possível ver o desenho dos ossos?

Diogo: Não, eu só lembro que dependendo dos óculos eu via um tipo de desenho.

André: Eu me lembro desse sim. Tinha um óculos (sic) vermelho e um óculos (sic) azul e quando a gente olhava para o desenho com algum desses óculos o desenho mudava.

Pesquisadora: Você se lembra dessas mudanças?

André: Lembro sim. Com os óculos vermelho, a gente via os ossos e, com o azul, a gente via os músculos e roupas.

Notamos que, ao mostrarmos a fotografia desse experimento, todos os alunos relataram alguma situação vivenciada. Esse relato abarcou a descrição da atividade acompanhado da observação e análise sobre os eventos acontecidos com cada participante, ao interagir com o experimento. Todavia, nenhuma das respostas relatou o fenômeno físico ocorrido durante a interação com o experimento.

Consideramos corretas expressõs tais como a de Janaína: (...) "Se a gente colocar os óculos vermelhos, a gente vê tudo em vermelho ou preto" ou respostas como a de Débora: "Esse é o dos bailarinos. A gente colocou os óculos com filtros e vimos os ossos com os óculos vermelhos e o corpo normal com o azul". À medida que os estudantes nos narravam suas lembranças, indagávamos com novas perguntas a fim de eles exporem o máximo de recordações.

5.2. Fotografia do experimento "Formando imagens" (Fig. 2)

Entrevistadora: O que lhe faz lembrar essa fotografia ? Janaína: É o das lentes, uma é barriguda que é convergente e o resto eu não lembro.

Pesquisadora: O que você quer dizer com ser convergente?

Janaína: Eu acho que a luz vai para dentro dela.

Tatiana: Esse aqui é o experimento onde a seta está em uma posição, a seta está na caixa de luz e dependendo das lentes essa seta muda de posição .

Pesquisadora: Como eram essas lentes?

Luciene: Nesse aqui tinha uma seta na caixa da luz e ao colocarmos a placa na frente dessa seta formava a imagem dessa seta em outras posições.

Pesquisadora: Como era essa placa?

Luciene: Essa placa tinha lente com buraco e lente barrigudinha.

Débora: Esse é o da lente, botávamos uma placa com lentes na frente de uma caixa com uma seta e dependendo da lente a seta mudava de posição.

Pesquisadora: Como eram essas lentes?

Débora: Uma era barriguda, meio oval, e a outra eu acho que tinha a barriga para dentro.

Joana: Esse aqui é o das lentes, na caixa fica a luz com a seta e colocamos as placas com as lentes entre a caixa e uma placa branca e, então, forma na placa branca setas de cabeça para cima, para baixo, de um lado e do outro lado.

Nathália: Essa daqui, a lente barriguda, ficava para um lado e a com buraco ficava do outro lado, na mesma placa, e uma delas ficava.

Bruno: Tinham lentes diferentes, uma para fora, que formava a imagem da seta de cabeça para baixo, e a outra para dentro, não formava imagem na placa branca.

José: Esse é o da placa com lente. A luz depois que atravessava a lente formava a imagem da seta ao contrário.

Diogo: Esse aqui eu lembro mais ou menos, eu lembro que tinham lentes e a luz batia nelas. Quando a luz batia na lente com buraco, a luz ficava meio espalhada e, já na barriguda, a luz formava a imagem da seta.

André: Esse aqui é o da seta que ficava invertida e menor por causa das lentes.

O primeiro depoimento "(...) uma é barriguda que é convergente (...)" a aluna Janaína mostra um resultado substancial da atividade experimental, pois permaneceu em sua memória a concepção de que a lente convexa ("barriguda") converge os raios advindos da luz. Observamos que grande parte dos alunos destacou em suas falas a posição da seta (invertida) ao atravessar uma das lentes. Outros ressaltaram que a lente côncava ("com cavidade") provoca a dispersão dos raios de luz, não formando imagem no anteparo.

Todo esse conjunto de falas representou aspectos favoráveis das atividades experimentais para esses alunos, destacando que todos os alunos trouxeram consigo lembranças sobre esse experimento.

5.3. Fotografia do experimento "Sombras coloridas" (Fig. 3)

Pesquisadora: O que lhe faz lembrar essa fotografia?

Janaína: Esse eu não me lembro.

Tatiana: São três luzes com cores diferentes que se misturam, verde, azul e vermelho e, ao ligar as três, não aparece cor nenhuma, ficou tudo branco.

Luciene: São luzes. Cada luz tem um papel transparente de cor diferente, quando misturam todas as cores não aparece cor nenhuma. Só aparece na parede o branco.

Débora: Eram três luzes diferentes, vermelha, azul e verde, que se misturaram na parede e víamos o branco. Depois ele3 3 Monitor da atividade. pediu a Fernanda para ficar na frente das luzes e a gente via as cores misturadas ao redor dela.

Joana: Esse aqui, as cores eram jogadas na parede de cor branca, essas cores se misturavam e formava outras cores e não as cores das lâmpadas.

Nathália: Aqui tem três luzes, vermelha, verde e azul. Ao ligar as três ao mesmo tempo, as luzes se misturavam e formava o branco.

Bruno: Tinham três luzes que se misturavam e essa mistura das três formava o branco.

José: Me lembro de três cores da luz, vermelha, verde e azul, quando misturava duas cores formava um tipo de cor, quando ligava as três formava o branco.

Diogo: Eu não me lembro.

André: Ligava três lâmpadas com plástico de cores diferente, quando essas três cores se misturavam a parede ficava branca.

Pesquisadora: Você se lembra das cores dos plásticos?

André: Não, acho que tinha um vermelho.

Dentre as falas dos alunos que se recordaram do experimento, percebemos que quase todos relembraram que a soma das três cores primárias da luz (verde, vermelho e azul) formam a luz branca. No entanto, os entrevistados não se recordaram das discussões desse aparato experimental que suscita a subtração de cores, a formação de sombras, o que permeou em suas memórias foi a soma das cores.

5.4. Fotografia do experimento "Formando o arco-íris" (Fig. 4)

Pesquisadora: O que lhe faz lembrar essa fotografia?

Janaína: Esse aqui é o do arco-íris. A gente vai virando,..., esqueci o nome, só sei que a gente vai virando, a luz entra e vai formando o arco-íris.

Tatiana: Esse é o do arco-íris. A luz entra no triângulo transparente e forma o arco-íris, mas tem que ter a posição certa para virá o triângulo. Se o triângulo não estiver na posição certa, não formará o arco-íris, não aparece nada.

Pesquisadora: Você se lembra do nome dado para esse triângulo?

Tatiana: Não me lembro.

Luciene: Nesse a luz entra no triângulo4 4 Prisma presente no experimento. com água, a luz branca e dependendo da posição desse triângulo a luz vai se dividindo, formando o arco-íris.

Débora: Eu não me lembro desse.

Joana: Quando a luz bate na água, separa-se forma várias cores.

Nathália: Esse eu não me lembro, eu lembro que é um triângulo com água. Eu acho que a luz bate nesse triângulo e reflete o arco-íris.

Bruno: Eu acho que nesse a luz bate no triângulo com ángulo muda de agua e depois de atravessar o triângulo muda de caminho e forma o arco-íris .

José: A gente foi girando esse triângulo até a luz se transformar nas cores que foram juntadas no disco, lá fora .

Diogo: Esse eu não me lembro muito bem. A luz sai da caixa e atravessa o prisma e aí a luz se divide em muitas cores .

André: Esse eu não me lembro .

As recordações sobre esse experimento estiveram norteadas pela descrição do evento acontecido, a luz incide no prisma, divide-se e, então, forma o arco-íris . Alguns alunos destacam que a luz ao incidir no prisma muda de direção, o que caracteriza um impacto favorável. Percebemos por meio da fala dos entrevistados que mesmo sendo um grupo que nunca estudou esse tema na educação formal, eles perceberam na prática e discutiram alguns conceitos inerentes ao fenômeno da refração.

A maior parte dos depoimentos dos alunos, que se expressaram, mostra a importância de girar o prisma, até encontrar a posição correta para haver a decomposição da luz branca, significando uma lembrança favorável. Na resposta de José, "(...) a gente foi girando esse triângulo até a luz se transformar nas cores que foram juntadas no disco, lá fora", ele associa o experimento, "Construindo o Arco-Íris", com o experimento que eles haviam interagido anteriormente (Disco de Newton), representando um impacto significativo das duas atividades experimentais para esse aluno.

5.5. Fotografia do experimento "Disco de Newton" (Fig. 5)

Pesquisadora: O que lhe faz lembrar essa fotografia?

Janaína: Quando a gente póe o disco na coisa e vai mexendo as cores se misturam e forma o branco.

Tatiana: A gente colocou o disco colorido nesse objeto e giramos, ao girar bem rápido vimos o branco.

Luciene: Quando gira o disco fica tudo branco.

Débora: O meu colega girou o disco e eu vi tudo branco.

Joana: Esse aqui tinha um monte de cores e quando a gente rodava as cores misturavam e ficava uma cor só.

Pesquisadora: Você lembra que cor era essa?

Joana: Ficava quase branco .

Nathália: Esse aqui, ele colocou o disco, que tem várias cores e aí a gente girou e então ficou branco.

Bruno: Quando girava esse disco com todas as cores, ficava branco.

José: Tinha um disco com muitas cores diferentes, e aí quando a gente girou as cores se misturaram e aparece o branco.

Diogo: A gente girou o disco com muitas cores e apareceu o branco.

André: Assim que giramos o disco e ele ganhou velocidade, as cores se misturaram e formou o branco.

A função do "Disco de Newton", em recompor as cores do espectro de luz visível que compóem a luz branca em um disco esbranquiçado, foi relatada por todos os estudantes entrevistados, representando um impacto substancial da atividade.

5.6. Fotografia do experimento "Máquina Fotográfica" (Fig. 6)

Pesquisadora : O que lhe faz lembrar essa fotografia?

Janaína: Eu lembro que a gente vê a pessoa de cabeça para baixo.

Pesquisadora: Você se lembra por que isso acontece?

Janaína: É porque tem uma lente, mas eu não lembro qual .

Tatiana: Fica uma pessoa na frente e a gente põe a cabeça aqui dentro da caixa e quem tá olhando dentro, vê quem tá lá fora de cabeça para baixo.

Pesquisadora: Havia algo na caixa permitindo ver seu colega de cabeça para baixo?

Tatiana: Tinha sim, uma lente, mas não lembro qual era.

Luciene: Eu lembro que a gente via quem tava fora de cabeça para baixo. Também lembro que viramos a caixa e, mesmo assim, quem tava fora continuava de cabeça para baixo por causa da lente.

Débora: Esse aqui, ficava alguém na frente da caixa e a gente via dentro da caixa essa pessoa de cabeça para baixo.

Pesquisadora: O que havia na caixa para permitir isso?

Débora: Tinha a lente, eu acho que era a barriguda.

Joana: Essa daqui, ficava uma pessoa atrás e via quem estava na frente de cabeça para baixo. Tinha a lente barriguda e parece que era ela que deixava a imagem de cabeça para baixo.

Nathália: Tinha uma lente na caixa, a gente pedia uma pessoa para ficar em frente à caixa e a lente fazia com que essa pessoa ficasse de cabeça para baixo. Eu só não lembro que lente era essa.

Bruno: Era uma caixa que a gente olhava dento dela e via quem estava fora de cabeça para baixo por causa da lente barriguda.

José: Tinha uma lente dentro dessa caixa que fazia que estava fora ficar de cabeça para baixo.

Diogo: Esse aqui, a gente olhava dentro a caixa e via os outros de cabeça para baixo por causa da lente barriguda que tinha dentro da caixa.

André: Tinha uma caixa toda preta que a gente olhava para dentro dela e via quem estava fora de cabeça para baixo por ter uma lente gordinha lá dentro.

A partir dos depoimentos dos estudantes, notamos que esse experimento de forma geral trouxe resultados favoráveis para o avanço na compreensão do fenômeno da formação de imagens por meio da lente convexa. Todos os alunos teceram comentários sobre o experimento, bem como se lembraram da existência de uma lente que os possibilitava ver a imagem do colega invertida. Vale destacar que alguns alunos lembraram-se do tipo de lente ("convexa") que permitiu a ocorrência desse fenômeno, ao ouvirmos falas como (...) "via quem estava fora de cabeça para baixo por ter uma lente gordinha lá dentro", relato de um dos alunos.

Ao avaliarmos todas as respostas que obtivemos por meio dessa entrevista, percebemos que as concepções sobre conceitos de lentes (forma e função ou efeito) presente nas falas de alguns estudantes evidenciaram resultados surpreendentes. Nesse conjunto de falas, além de descrições dos experimentos, encontramos um entendimento mais profundo dos fenômenos físicos registrados na memória desses alunos. Nos seus depoimentos, ao olharem as fotografias dos experimentos "Máquina Fotográfica" e "Formando Imagens", relembraram características das lentes (tipos de curvatura) associando com algumas funções e/ou efeitos (diverge, converge, inverte) em uma linguagem coloquial.

Percebemos durante a entrevista que alguns estudantes queriam saber um pouco mais sobre os temas debatidos pela exposição. Também demonstraram um grande interesse em conhecer um museu de ciências, visto que todos os participantes da pesquisa nunca foram a esses espaços de educação não formal. Desse modo, notamos ao longo de todo processo de investigação uma "mudança de atitude" em relação a ciência por parte desses alunos.

Vale destacar que a exposição "Luz, Cor e Formação de Imagens" foi uma das primeiras exposições itinerantes desenvolvidas no Espaço Ciência InterAtiva. Desenvolvemos no segundo semestre de 2008 a exposição "Ciência Divertida" que elencou experimentos dessa exposição além de novos experimentos de óptica, percepção, mecânica e biologia celular. Temos contado com a colaboração dos estudantes do Curso de Tecnologia em Produção Cultural, Licenciaturas de Física, Química e Biologia do IFRJ e Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Já foram realizadas atividades em 18 municípios, abarcando a Baixada Fluminense e outros municípios do Estado do Rio de Janeiro com um público participante de aproximadamente 23 mil pessoas.

6. Considerações finais

Ao analisarmos os resultados obtidos por meio da metodologia da lembrança estimulada, concluímos que a exposição científica pode auxiliar no processo de compreensão de alguns fenômenos da óptica.

Constatamos após quatro meses da realização da exposição na escola, que muitos detalhes sobre o funcionamento de cada experimento, além dos princípios da óptica contemplados por esses experimentos ainda estavam na memória dos participantes da pesquisa.

Não buscamos por meio de essa ferramenta metodológica resgatar apenas os pensamentos dos alunos durante a visita a exposição, mas, sobretudo, investigar o impacto de cada atividade experimental em longo prazo. Esse impacto abarca desde a descrição do funcionamento do equipamento experimental até a explicação do fenômeno observado por meio desse equipamento sem negligenciarmos aspectos como pensamentos e sentimentos que possam ser relatados sobre os experimentos ao longo da entrevista. Visto que a LE frequentemente contém tanto dados relativos a relatos de pensamentos quanto à análise do evento acontecido Aaltonen [32].

Notamos durante a entrevista que a explicação e descrição do que eles viram estão mais frequentes nas falas dos entrevistados, entretanto não observamos relatos de pensamentos que possam ter surgido ao interagirem com os experimentos.

Ressaltamos que a pesquisadora, enquanto professora de física do Ensino Médio, tem constatado grandes dificuldades por parte dos estudantes na compreensão do conceito de lente, quando ensinado de forma tradicional, privilegiando o formalismo matemático com aspectos geométricos, seja por meio do ensino teórico ou através de aulas em laboratórios didáticos. Dificilmente, esses estudantes associam a curvatura da lente com suas respectivas funções, de forma espontânea, como ocorreu com os participantes da pesquisa.

Atribuímos esse resultado favorável a atividades que promovem a experimentação e interação, que quase sempre estão ausentes em um contexto escolar. Ainda, segundo Gruzman e Siqueira [33, p. 412]: "(...) o museu de ciência é um espaço privilegiado para articulação dos aspectos afetivos, cognitivos, sensoriais, do conhecimento concreto e abstrato, bem como da produção de saberes". Portanto, sua dimensão educativa possibilita diferentes formas de aprendizagens, atuando como facilitadores no processo de discussão e debates científicos que muitas vezes estão ausentes das salas de aula.

Por outro lado, devemos levar em consideração que essas modificações conceituais iniciadas com a intervenção dos experimentos devem ser trabalhadas posteriormente pelo professor ou por novas ações de atividades inerentes aos museus de ciências para que então haja um aprendizado profícuo, pois como reforçam os autores Stuchi e Ferreira [34, p. 216] "(...) a aprendizagem dos modelos científicos é um processo longo que não termina com a exposição".

Este trabalho também pode colaborar para a formação de monitores Espaço Ciência InterAtiva do IFRJ. Esses monitores após participarem da pesquisa foram capacitados e atuaram como multiplicadores em outras exposições itinerantes em escolas, praças entre outros eventos e durante as exposições do Espaço Ciência InterAtiva. Segundo Hamburger [35, p. 57]: "(...) um monitor bem formado, com boa idéia do que é ciência, o que é a divulgação para o seu público, além de marcar a instituição onde atua, torna-se uma pessoa com lastro diferenciado na profissão que vai exercer".

Outro aspecto a suscitar é a relevância da intensificação de atividades itinerantes de museus ou centros de ciências. De acordo com Moreira e Massarani [36, p. 61]: "(...) apesar do crescimento expressivo dos ultimos anos, um número muito pequeno de brasileiros, cerca de 1,5 milhão (menos de 1% da população) visitam algum centro ou museu de ciências a cada ano". Portanto, faz-se necessário a implementação de atividades promotoras de divulgação científica em todos os municípios do Brasil, como motivações de popularização científica.

Essas iniciativas podem significar uma oportunidade de aproximar os saberes científicos do senso comum e oferecer amplas possibilidades para a abordagem interdisciplinar de temas científicos de interesse social, de modo a instrumentar a sociedade para o desempenho consciente da cidadania.

Agradecimentos

Aos monitores do Espaço Ciência InterAtiva que contribuíram para a realização desse trabalho: Camila Távora de Mello Soares, Eduardo Stogmüller, Felipe Costa de Paiva, Jair Augusto Gomes de Sant'Ana, Joana Brito da Silva, Jonatha Machado Lima, Laís Viana Pinheiro, Luiza Helena Nobre de Andrade, Marcus Valério Louzada Filho, Mayara Amorim Romanelli Ferreira, Marcelo Alberto Vieira de Macedo Junior, Marcus Vinícius da Silva Ferreira, Pâmela Nascimento Chaves e Renato Rocha Valério e ao Espaço Ciência Viva, onde todo o nosso trabalho começou. Também gostaríamos de agradecer as professoras Andréa da Motta Monteiro e Itamar Rodrigues dos Santos Pereira por suas valiosas sugestões.

Recebido em 17/8/2009; Aceito em 23/11/2009; Publicado em 15/2/2011

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  • 1
    E-mail:
  • 2
    Projeto da prefeitura que leva serviços públicos e atividades educativas e de lazer para a população, em diversos bairros do município de Mesquita.
  • 3
    Monitor da atividade.
  • 4
    Prisma presente no experimento.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Revisado
      23 Nov 2009
    • Recebido
      17 Ago 2009
    • Aceito
      15 Fev 2011
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