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Esferas de gás em estado de equilíbrio sob ação da gravitação própria

Self-graviting gas spheres in equilibrium state

Resumos

Nesse pequeno trabalho discutimos estados de equilíbrio de estrelas, consideradas como um corpo de gás sujeito à ação da força gravitacional própria, utilizando um modelo analítico simplificado. Usamos uma condição para o estado de equilíbrio de um corpo de gás na forma de uma equação diferencial que relaciona distribuição de pressão e densidade de massa no corpo. Foram discutidas as distribuições de densidade de massa da forma constante, potencial, exponencial e gaussiana. Foram obtidas expressões exatas para a distribuição de massa e de pressão na direção radial e para a pressão central.

modelo analítico estelar; estado de equilíbrio estelar


In the paper we discuss equilibrium states of stars, using a simplified analytic model. A star is considered as a self-graviting body of gas. We use a condition for the equilibrium state of the body in the form of a differential equation, which relates the pressure distribution and mass density in the body. The density distributions of constant, potential, gaussian, and exponential forms are discussed. Exact expressions for the distribution of mass and pressure along the radial direction, and the central pressure were obtained.

stellar analytic model; stellar equilibrium state


1. Introdução

De acordo com uma visão moderna uma estrela é considerada como uma esfera massiva de gás (ou mais exato de plasma), mantida íntegra pela força de gravitação própria. A estrutura interna de estrelas é bastante complicada e depende de massa estrelar. Para estrelas de massa solar (0,5-1,5 de massa solar) da sequência principal da diagrama de Hertzsprung-Russell a estrutura interna inclui: um núcleo, uma zona de radiação e uma zona de covecção. As estrelas massivas (com massa maior de 1,5 de massa de Sol) possuem núcleo convectivo acima de qual é localizada a zona de radiação (ou um envelope de radiação). Nas estrelas de massa menor de 0,5 de massa de Sol a zona de radiação é ausente (diz-se que estrelas possuem um envelope de convecção). Nas estrelas da sequência principal a energia está sendo gerada pela queima de hidrogênio em hélio através de fusão nuclear em seu núcleo.

Na classificação de estrelas fora da sequência principal são distinguidas estrelas de tipos: subgigantes, gigantes, gigantes luminosas, supergigantes, hipergigantes, sub-anãs, estrelas retardatárias azuis. Nas estrelas destes tipos a energia é gerada principalmente pelo mecanismo de fusão nuclear. Além disso são consideradas as estrelas pré-sequência principal. A fonte de energia desses objetos é causada somente pela contração gravitacional em oposição à fusão nuclear em estrelas de outros tipos. Estrelas de vários tipos possuem características específicas de estrutura, mecanismos da produção e transporte de energia. Para alguns tipos de estrelas são construídos os bons modelos que descrevem adequadamente as características observadas das estrelas, para outros tipos os modelos estão em processo de construção e discussão.

O modelo mais simples de estrutura estelar é a aproximação quase-estática de simetria esférica. Uma discussão desse modelo é apresentada nas Refs. [ 1D.D. Clayton, Principles of Stellar Evolution and Nucleosynthesis (McGraw-Hill, New York, 1968). , 2C.J. Hansen, S.D. Kawaler and V. Trimble, Stellar Interiors (Springer-Verlag, New York, 2004). ]. O modelo assume que a estrela possui simetria esférica e está em estado de equilíbrio hidrostático. O modelo é baseado em um conjunto de equações diferenciais ordinárias. Duas equações descrevem variação de matéria e pressão na direção radial. Outras equações descrevem variação da luminosidade e transporte de energia. Para determinação da luminosidade, precisa da característica taxa de produção de energia. Esta característica é determinada através de um mecanismo principal de transporte de energia: radiação ou convecção. O conjunto das equações do modelo compõe um sistema das equações não lineares, que pode ser resolvido em geral por métodos numéricos.

De fato nesse modelo as duas equações para matéria e pressão são desacopladas das outras equações, pois elas não contém parâmetros como temperatura, taxa de produção de energia, luminosidade, portanto podem ser consideradas separadamente. Impondo uma função da distrubuição de densidade da materia na estrela, é possivel obter a distribuição de pressão. Adicionando uma equação de estado para parâmetros termodinâmicos, como por exemplo a equação de estado de um gás perfeito, é possível calcular a temperatura na estrela. Adicionando ainda uma relação apropriada para taxa de produção de energia, é possivel estimar a luminosidade da estrela. De tal maneira pode ser construído um modelo analítico. Claro que esse modelo é simplificado, mas permite fazer estimações de algumas características principais de estrela, tais como: densidade central, temperatura central, luminosidade em termos de raio e massa de estrela. Tal forma de construção de modelo analítico foi discutida na Ref. [ 3R.F. Stein, in: Stellar Evolution: A Survey with Analitic Models, in Stellar Evolution (Plenum Press, New York, 1966), p. 3-82. ], onde foi usada a distribuição de densidade na forma linear, chamado modelo linear de estrela. Entretanto, o uso da densidade na forma linear não parece muito realístico.

Nesse pequeno trabalho usamos os modelos analíticos com várias distribuições de densidade com aspectos mais realísticos. Uma peculiaridade dos modelos propostos no trabalho é a possibilidade de resolver as equações diferenciais analiticamente. No trabalho focalizamos na obtenção da distribuição de pressão na direção radial e pressão central, ignorando a determinação de outros parâmetros. Discutimos os modelos com distribuições de densidade das formas potencial, exponencial e gaussiana. No início discutimos também um modelo com densidade constante para demonstrar transparentemente os passos realizados nos cálculos, e para introduzir notações usadas posteriormente. As distribuições de massa e de pressão obtemos na forma analítica. Para realizar os cálculos foram usados vários métodos de física matemática disponíveis na literatura, por exemplo as Refs. [ 4M.L. Boas, Mathematical Methods in the Physical Sciences (John Wiley, New York, 2005). 6B.F. Schutz, A First Course in General Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2009). ]. Para visualização e comparação dos resultados apresentamos também os resultados graficamente. Na conclusão discutimos os resultados obtidos e suas aplicações possíveis.

Um dos aspectos motivacionais deste trabalho é a sua aplicação pedagógica. No trabalho demostramos de forma concisa a construção das equações e da condição de contorno, que descrevem um modelo analítico e simplificado das estrelas. Isto é, a equação de equilíbrio hidrostático e a equação de conservação de massa. Supomos que os modelos discutidos neste trabalho podem ser utilizados em salas de aula ou como exercícios em disciplinas introdutórias de astrofísica, disciplinas dedicadas a modelagem de fenômenos físicos, ou até mesmo em equações diferenciais ordinárias.

2. Esferas de equilíbrio

Consideraremos um volume de gás esfericamente simétrico de raio R em estado de equlíbrio. A coordenada radial r dentro da esfera varia como 0 ≤ rR. Escolhemos um fragmento de volume dentro da esfera da forma de um paralelepípedo retângulo infinitesimal dV = drΔs com base Δs e de altura dr (ver Fig. 1). No fragmento de volume atuam as seguintes forças externas: a força superficial de pressão das camadas adjacentes de gás e a força gravitacional volumétrica. Para garantir equilibrio do fragmento dentro da esfera de gás a força gravitacional F g deve ser equilibrada pelas forças de pressão que atuam na face inferior do fragmento F p1 e na face superior do fragmento F p2 (forças de pressão perperndicular a direção radial são equilibradas por causa de simetria esférica e não são indicadas na figura), portanto

onde

dm = ρdV = ρdrΔs é a massa do fragmento infinitesimal considerado, ρ é a densidade da substância de gás, p 1 = p (r), p2 = p (r + dr), são pressões nos pontos indicados, é a massa dentro da esfera de raio r

Levando em conta os sentidos das forças, temos

Apresentando a diferença das pressões nos pontos próximos

chegamos à equação diferencial ordinária

que relaciona a função de distribuição de densidade da substância de gás ρ (r) e pressão p (r). A Eq.(6) apresenta a equação de Euler para um fluido em estado de equilíbrio para o modelo considerado. Na superfície da esfera a pressão é nula. Obtendo assim a condição de contorno no ponto r = R

Mostraremos várias formas de distrubuição de densidade da substância na esfera que faz com que obtenhamos soluções exatas para distribuição da pressão.

Figura 1
Esquema das forças externas atuando no fragmento de volume infinitesimal

2.1. Desidade constante

Escolhemos que a densidade da substância dentro da esfera seja constante

Pela Eq. (3) temos para Mr

sendo que a massa total da esfera é

Para determinação de p (r) da Eq. (6) temos a equação diferencial

ou

com a condição de contorno (7). Resolvendo a Eq. (11), temos

onde p0 = p (0) é pressão no ponto r = 0, que apresenta a pressão cetral na esfera de gás. Aplicando a condição de contorno (7), obtemos

portanto

As distribuições de ρ (r), Mr (r), p (r), são mostrados na Fig. 2 e Fig. 3.

Figura 2
Distribuição de ρ, Mr para ρ = const
Figura 3
Distribuição de p para ρ = const

2.2. Função de distribuição da densidade na forma potencial

Escolhemos a distribuição de densidade da substância na forma potencial

Pela Eq. (3) temos para Mr

sendo que a massa total da esfera é

Para determinação de p (r) da Eq. (6) temos a equação diferencial

Resolvendo a Eq. (17), temos

Aplicando a condição de contorno (7), obtemos

portanto

As distribuições de ρ(r), Mr (r), p (r) são mostradas na Fig. 4, Fig. 5 e Fig. 6 para n = 2, 5, 8. Observamos também que na função de distribuição de densidade (14) a potência n não é necessariamente um número inteiro e pode ser qualquer real n > 1.

Figura 4
Distribuições de ρ na forma potencial com n = 2; 5; 8. No gráfico a curva que corresponde a n = 5 é intermeiária entre as curvas de n = 2 e n = 8.
Figura 5
Distribuições de Mr para ρ na forma potencial com n = 2, 5, 8. No gráfico a curva que corresponde a n = 5 é intermeiária entre as curvas de n = 2 e n = 8
Figura 6
Distribuições de p para ρ na forma potencial com n = 2, 5, 8. No gráfico a curva que corresponde a n = 5 é intermeiária entre as curvas de n = 2 e n = 8

2.3. Função de distribuição da densidade na forma exponencial

Escolhemos a distrubuição de densidade da substância na forma

sendo que

Pela Eq. (3) temos para Mr

Na Eq. (23), usando a técnica de integração por partes,

portanto

sendo que a massa total da esfera é

que permite também escrever Mr como

Para determinação de p (r) da Eq. (6) temos a equação diferencial

Resolvendo a Eq. (28), temos

Na Eq. (29)

portanto

A integral

portanto

Aplicando a condição de contorno (7), obtemos

portanto

As distribuições de ρ (r), Mr (r), p (r) são mostrados na Fig. 7 e Fig. 8.

Figura 7
Distribuição de ρ, Mr para ρ na forma exponencial
Figura 8
Distribuição de p para ρ na forma exponencial

2.4. Função de distribuição da densidade na forma gaussiana

Escolhemos a distrubuição de densidade da substância na forma gaussiana

sendo que

Pela Eq. (3) temos para Mr

Observando que

temos para a integral

que dá

Portanto

sendo que a massa total da esfera é

que permite também escrever Mr como

Para determinação de p (r) da Eq. (6) temos a equação diferencial

Resolvendo a Eq. (45), temos

Na Eq. (46) a integral

e a integral

Portanto

Aplicando a condição de contorno (7), obtemos

Portanto

As distribuições de ρ(r), Mr (r), p (r) são mostrados na Fig. 9 e Fig. 10.

Figura 9
Distribuição de ρ, Mr para ρ na forma gaussiana
Figura 10
Distribuição de p para ρ na forma gaussiana

3. Conclusão

Neste trabalho foram discutidos modelos estrelares analíticos simplificados que incluem duas equações básicas: a equação de equilíbrio hidrostático e a equação de conservação de massa. Usando distribuição de densidade da massa na estrela como uma determinada função obtemos analiticamente a correspondente distribuição de pressão dentro da esfera e determinamos a pressão central. Discutimos as distribuições de densidade da forma constante, potencial, exponencial e gaussiana. As distribuições propostas no trabalho são até um determinado grau convencionais. Entretanto elas são mais realísticas (exceto o exemplo de densidade constante) comparando, por exemplo, com o modelo estrelar linear.

Para modelagem de estrelas com um núcleo extenso é mais apropriada a distribuição da forma potencial; Variação do grau da função potencial possibilita modelar a extensão do nucleo estrelar. Para modelagem de alguns tipos de estrelas é mais apropriado utilizar um modelo com densidade na superfície não nula. As distribuições exponencial e gaussiana realizam esse mesmo cenário. Em alguns casos pode ser conveniente fazer estimações, utilizando a condição de contorno no infinito. Os modelos com as distribuições exponencial e gaussiana podem ser facilmente reformulados para a condição de contorno no infinito: p (r) = 0 quando r → ∞. No caso da distribuição exponencial a correspondente solução toma à forma

com a pressão central

No caso da distribuição gaussiana a solução tem a mesma forma das Eqs. (50) e (51)

Para dar um exemplo de uma distribuição da densidade dentro de estrelas reais apresentamos na Fig. (11) a distribuição de densidade dentro do Sol obtida pelo Birmingham Solar Oscillations Network (BiSON-13) da Ref. [ 7S. Basu, W.J. Chaplin, Y. Elsworth, R. New and A.M. Serenelli , The Astrophysical Journal 699, 1403 (2009). ]. Prestamos atenção que os dados na Ref. [ 7S. Basu, W.J. Chaplin, Y. Elsworth, R. New and A.M. Serenelli , The Astrophysical Journal 699, 1403 (2009). ] iniciam do valor de r/R€ = 0,058884 (R€ é o raio do Sol). Portanto para construir o modelo de qualquer forma é necessário aplicar uma hipótese sobre o intervalo central 0 < r < rin . Para estrelas distantes é impossível obter a informação tanta detalhada. Usando os dados observacionais diretos e indiretos, fazem conclusões sobre as características mais gerais: luminosidade, massa, raio, características espectrais, etc. Então, modelagem física matemática torna-se o único método de investigação da estrutura interna das estrelas.

As funções propostas neste trabalho a título de distribuições da densidade podem ser consideradas como funções de teste. Introdução de um parâmetro (ou vários parâmetros) na função possibilita ajustar a função a um aspecto mais apropriado pela variação do parâmetro. Se ainda satisfazer a propriedade de obtenção de soluções das equações do modelo na forma analítica podemos chegar a um modelo (de fato a um classe de modelos) analítico exatamante solúvel com possibilidade de escolha e ajuste da função de distribuição da densidade. Tanta discussão de modelos analíticos exatamante solúveis vemos como uma das possíveis continuações deste trabalho.

Figura 11
Distribução da densidade de massa no Sol segundo os dados de BiSON-13 [ 7S. Basu, W.J. Chaplin, Y. Elsworth, R. New and A.M. Serenelli , The Astrophysical Journal 699, 1403 (2009). ] a densidade ρ é apresentada em g/cm3.

Referências

  • 1
    D.D. Clayton, Principles of Stellar Evolution and Nucleosynthesis (McGraw-Hill, New York, 1968).
  • 2
    C.J. Hansen, S.D. Kawaler and V. Trimble, Stellar Interiors (Springer-Verlag, New York, 2004).
  • 3
    R.F. Stein, in: Stellar Evolution: A Survey with Analitic Models, in Stellar Evolution (Plenum Press, New York, 1966), p. 3-82.
  • 4
    M.L. Boas, Mathematical Methods in the Physical Sciences (John Wiley, New York, 2005).
  • 5
    L.D. Landau and E.M. Lifshitz, Course of Theoretical Physics, vol. 2, The Classical Theory of Fields (Pergamon Press, Oxford, 1971).
  • 6
    B.F. Schutz, A First Course in General Relativity (Cambridge University Press, Cambridge, 2009).
  • 7
    S. Basu, W.J. Chaplin, Y. Elsworth, R. New and A.M. Serenelli , The Astrophysical Journal 699, 1403 (2009).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2014
  • Aceito
    22 Out 2014
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