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A gamificação como design instrucional

Gamification as a design instructional

Resumos

Este artigo apresenta um design instrucional para o desenvolvimento, aplicação, avaliação e redesign de sequências de ensino e aprendizagem e ambientes de aprendizagem baseado na estratégia da gamificação. Ao contrário da metodologia de Aprendizagem baseada em Games (ABG) que consiste no uso de games de entretenimento e/ou educacionais como prática didática, a gamificação usa o design de games, o game-thinking e a mecânica dos games, mas não visa ao desenvolvimento de games. A gamificação na educação utiliza princípios e elementos do game para motivar e engajar os alunos no processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, teorias motivacionais constituem um importante ingrediente na construção de um sistema gamificado. É feito um breve recorte da ABG, abordando games de ciências que são usados na sala de aula. Ideias centrais da gamificação e alguns modelos motivacionais que contribuem para o engajamento sustentado são discutidas. Baseado nesse referencial, um design instrucional é proposto na linha da Design-based Research (DBR). Exemplos de aplicação da gamificação no ambiente de sala de aula de multijogadores são apresentados.

Palavras-chave:
Design instrucional; gamificação; aprendizagem baseada em games; ensino de ciências


This article presents an instructional design for the development, application, evaluation, and redesign of teaching and learning sequences and learning environments based on gamification strategies. Unlike the Game Based Learning (GBL) methodology, which consists of the use of entertainment and/or educational games as a didactic practice, gamification uses game design, game-thinking, and game mechanics, but does not aim at game development. Gamification in education uses all the game’s design principles and game elements to motivate and engage students in the teaching and learning process. In this sense, motivational theories constitute an important ingredient in the construction of a gamified system. A brief excerpt from ABG is made, covering science games that are used in the classroom. Central ideas of gamification and some motivational models that contribute to sustained engagement are discussed. Within this approach, an instructional design is proposed along at the spirit of the Design-Based Research (DBR). Examples of application of gamification in the multiplayer classroom environment are presented.

Keywords
Instructional design; gamification; game-based learning; science teaching


1. Introdução

Gamificação é um conceito que tem evoluído substancialmente desde que Nick Pelling, um programador britânico, cunhou essa “palavra deliberadamente feia” no site Conundra de consultoria, criado por ele em 2003, com o objetivo de “construir um design de interface rápida com o usuário do tipo game para tornar as transações eletrônicas agradáveis e rápidas”.1 1 A história é contada por ele mesmo em https://nanodome.wordpress.com/2011/08/09/the-short-prehistory-of-gamification.

Os primórdios do processo de gamificação, no entanto, remontam a Thomas Malone que, já no início da década de 80, investigou o uso de elementos de videogames de computador para aumentar o prazer de aplicativos não relacionados a games. Ele publicou dois artigos seminais em que procura responder a questões do tipo:

  • Por que os videogames são tão cativantes? [1[1] T.W. Malone, Cognitive and Instructive Sciences Series. Xerox Palo Alto Research Center Technical Report No. CIS-7 (SSL-80-11), California (1980).]

  • Como os recursos que tornam os videogames cativantes podem ser usados para tornar o aprendizado – especialmente o aprendizado com computadores – interessante?

  • Como os recursos que tornam os games cativantes podem ser usados para tornar outras interfaces de usuário interessantes e agradáveis de usar? [2[2] T.W. Malone e T.W., em: Proc. of the 1982 Conference on Human Factors in Computing Systems – CHI, editado por J.A. Nichols e M.L. Schneider (Gaithersburg Maryland, 1982), p. 63.]

Ao analisar essas questões, Malone sugere, ao final, uma heurística para projetar interfaces agradáveis com o usuário baseadas em: a) desafio com objetivos bem definidos e resultados inesperados; b) fantasia engajadora emocionalmente, uso de metáforas com sistemas físicos ou outros que o usuário conhece; e curiosidade com atividades que exijam nível ótimo de complexidade, estimulem o usuário a adquirir conhecimento e introduzam conhecimento novo quando necessário. Em geral, todos esses requisitos e muitos outros são satisfeitos pela maioria dos bons videogames [3[3] J.P. Gee, What videogames have to teach us about learning and literacy (Palgrave Macmillan, Nova York, 2007)., 4[4] J.P. Gee, Bons videojogos + Boa aprendizagem: Colectânea de ensaios sobre videojogos, a aprendizagem e a literacia (Edições Pedago, Lisboa, 2010).].

A partir da segunda década do século XXI, a gamificação tem sido massivamente aplicada no mundo dos negócios e em outras áreas, como marketing, cuidados com saúde, meio ambiente, governança, treinamento de recursos humanos e educação [5[5] K. Werbach e D. Hunter, For the Win: How game thinking can revolutionize your business (Wharton Digital Press, Philadelphia, 2012)., 6[6] G. Zichermann e C. Cunningham, Gamification by Design. Implementing Game Mechanics in Web and Mobile Apps (O’Reilly Media, Sebastopol, 2011).]. No marketing o seu uso é evidente como uma estratégia com que as empresas estimulam o engajamento do público com suas marcas de maneira lúdica e com o oferecimento de incentivos.

A seguir algumas definições dadas na literatura que explicitam o significado da gamificação, dependendo do autor, mas que apresentam um elemento comum, os games2 2 A palavra games será usada aqui para se referir a videogames e jogos digitais. :

  • Gamificação é o uso de elementos de design de games em contextos de não-game [7[7] S. Deterding, D. Dixon, R. Khaled e L. Nacke, em: Proc. of the 15th Int. Acad. MindTrek Conference on Envisioning Future Media Environments – MindTrek ’11 (Tempere, 2011).];

  • O uso de elementos do game e técnicas de design de games em contextos de não-game [5[5] K. Werbach e D. Hunter, For the Win: How game thinking can revolutionize your business (Wharton Digital Press, Philadelphia, 2012).];

  • O processo de game-thinking3 3 A expressão game-thinking tem sido usada de forma diferente em vários contextos. Seu significado aqui refere-se ao pensar a partir da dinâmica dos games. e da mecânica do game para envolver os usuários e resolver problemas [6[6] G. Zichermann e C. Cunningham, Gamification by Design. Implementing Game Mechanics in Web and Mobile Apps (O’Reilly Media, Sebastopol, 2011).];

  • O uso das metáforas do game-design (lições, estratégias de games aplicados a contextos de não-game) para criar experiências mais envolventes e semelhantes a games [8[8] A. Marczewski, Gamification. Even Ninja Monkeys Like to Play (CreateSpace Independent Publishing Platform, Carolina do Sul, 2018).];

  • O uso da mecânica baseada em game, estética e game-thinking para engajar pessoas, motivar ação, promover aprendizagem e resolver problemas [9[9] K.M. Kapp, The Gamification of Learning and Instruction: Game-based Methods and Strategies for Training and Education (Wiley, Nova York, 2012).].

No contexto educacional, a gamificação pode ser vista como uma estratégia instrucional que usa, de modo cuidadoso e criterioso, o game-thinking e os elementos apropriados da mecânica dos games para promover a motivação e o engajamento do aluno em sua aprendizagem.

Este artigo apresenta um design instrucional, baseado na gamificação, a ser usado na elaboração de sequências didáticas e outras atividades de ensino com foco na sala de aula. A proposta se insere na temática do Design-based Research (DBR) [10[10] Design-Based Research Collective, Educational Researcher 32, 5 (2003)., 11[11] A.M.F. Nobre, E.M. Mallmann, I. Martin-Fernandes e M.D. Mazzardo, Revista San Gregorio 26, 128 (2017)., 12[12] F. Kneubil e M. Pietrocola, Investigações em Ensino de Ciências 22, 1 (2017)., 13[13] J. Guisasola, K. Zuza, J. Ametlle e J. Gutierrez-Berraondo, Phys. Rev. Phys. Educ. Res. 13, 020139 (2017)., 14[14] L. Mesquita, G. Brockington, L.A. Testoni e N. Studart, Rev. Bras. Ens. Fís. 43 , e20200443 (2021).]. com a característica diferencial de emprego de estratégias da gamificação para criação, desenvolvimento, avaliação e redesign de sequências de ensino e aprendizagem.

Na Seção2 2. Games Embora não seja necessário ser um especialista em game-design para se aventurar na elaboração de sistemas gamificados de ensino, torna-se indispensável algum conhecimento sobre games. Inicialmente o que são exatamente os games? A Fig.1 mostra elementos do game que são preponderantes na maioria dos games. Cumpre enfatizar, como discutido a seguir, que são essenciais a presença de objetivos claros, regras, competição e colaboração, e participação voluntária. Para deixar mais claro o que significa um game seguem algumas definições de especialistas: – Um game é um sistema no qual os jogadores se envolvem em um conflito artificial, definido por regras, que termina com um resultado quantificável. Os elementos-chave dessa definição são o fato de que um game é um sistema, jogadores interagem com o sistema, um game é uma instância de conflito, o conflito é artificial, as regras limitam o comportamento do jogador e definem o game, e todo game tem um resultado quantificável, ou objetivo [15]. – Um game é um sistema em que os jogadores se envolvem em um desafio abstrato, definido por regras, interatividade e feedback, acabando em um resultado quantificável e, muitas vezes, provocando uma reação emocional [9]. – Atividade intencional, orientada a objetivos e baseada em regras que os jogadores consideram divertida [16]. – Um game possui seis elementos estruturais: regras; metas ou objetivos; resultados e feedback; conflito/competição/desafio/oposição; interação; e representação ou enredo [17]. Figura 1: Elementos dos games. E ao final, uma definição simples que envolve a essência do game. Um game requer: Objetivo: jogadores assumem um senso de finalidade; Regras: orientam os participantes ao longo do game. Desencadeiam criatividade e encorajam o pensamento estratégico; Sistema de feedback: informam quão perto os jogadores estão de atingir o objetivo. Participação voluntária: exigem que os jogadores aceitem o objetivo, as regras e o sistema de feedback [18]. Existem talvez milhões de games de todos os gêneros. Games de ação, de aventura, de simulação, de estratégia, de enigma, de esporte, entre outros subgêneros.4 Além do entretenimento, os games desempenham um importante papel cultural como destacado por Steven Johnson [19]: “…Jogos forçam você a decidir, escolher, priorizar. Todos os benefícios intelectuais do jogo derivam desta virtude fundamental, porque aprender a pensar é, em última análise, aprender a tomar as decisões certas: avaliar as evidências, analisar situações, consultar seus objetivos de longo prazo, e, em seguida, decidir. Nenhuma outra forma cultural pop envolve diretamente instrumentos de tomada de decisão do cérebro como esse”. , discutem-se as características básicas dos games e seus elementos que são essenciais na gamificação. Na Seção3 3. Aprendendo com Games Em tempos recentes, a metodologia Aprendizagem Baseada em Games passou a ser largamente usada em todos os níveis de ensino. Há fortes evidências de que o ato de jogar bons games envolve aprendizagem de algum conteúdo, desenvolvimento de habilidades e atitudes. Em princípio, o uso dessa metodologia não requer um game projetado especificamente para fins educacionais, os chamados games sérios, mas o uso do game num contexto de ensinagem. De acordo com Mark Prensky, games de entretenimento mais adequados para aprendizagem são os games complexos que exigem dos jogadores o desenvolvimento e domínio de uma ampla variedade de habilidades e estratégias para avançar por dezenas de níveis cada vez mais difíceis; demandam buscas externas e colaboração com outros jogadores; e muito tempo para dominar regras e estratégias [20]. De grande interesse para a ensinagem, são os games sandbox . Nessa categoria de games são colocadas apenas restrições mínimas para o personagem, permitindo ao jogador usar de muita criatividade para completar tarefas e atingir o objetivo. O jogador, ao contrário dos games de progressão, pode vagar pelo mundo virtual a seu bel prazer. O exemplo mais bem sucedido é o Minecraft . A versão MinecraftEdu tem sido usada para fins educacionais.5 Outras versões modificadas (os mods) foram feitas como o Qcraft, para ensinar conceitos básicos de física quântica e o Polycraft para trabalhar com polímeros e plásticos. Os games sandboxs clássicos são The Sims, Sim City, Spore, a série Grand Theft Auto e a mais recente Assassin Creeds . Conceitos importantes da filosofia são discutidos em The Talos Principle e o mais recente Nier: Automata, considerado como o game mais filosófico envolvendo figuras como Nietsche, Pascal, Sartre, entre muitos outros. The Witness é um game que simula o processo de descoberta científica. Na ensinagem6 de Física, o game de maior destaque é o Portal 2, em que jogadores resolvem quebra-cabeças descobrindo portais em câmaras fechadas e se teletransportando através eles. Possui recursos como lasers e dispositivos da ficção científica como as pontes de luz e feixes tratores. O game pode ser usado como um laboratório virtual para realizar práticas e resolver enigmas a partir do conhecimento adquirido durante o game. Um produto educacional, baseado no Portal 2, foi desenvolvido e aplicado em sala de aula por Willie Zahala em seu programa de mestrado [21]. Muito interessante é o game A slower speed of light, desenvolvido pelo MIT lab, para aprendizagem da Relatividade Restrita que foi implementado por Bruno Riboldi em seu programa de mestrado e que rendeu um produto educacional [22]. Outro game atraente é o Angry Bird Space para aprendizagem da Gravitação explorado pelo Thiago Maximo [23]. Uma metanálise de pesquisa experimental feita por Clark, Tanner-Smith e Killingsworth mostrou que o uso de game resulta em melhorias significativas no desempenho cognitivo e atitudinal, melhor conhecimento declarativo e processual, retenção e autoeficácia quando comparado às abordagens de ensino tradicionais [24]. , a metodologia Aprendizagem Baseada em Games é brevemente discutida e, em seguida, na Seção4 4. Games Sérios e Gamificação Segundo Kathy Becker [25], é a intenção projetada que classifica um game como sério, embora alguns games de entretenimento, como os citados na Seção 2, sejam usados como games para aprendizagem específica de conteúdos. Assim essa autora define os games sérios: São games desenhados especificamente para fins além de puro entretenimento. Games sérios incluem games para a saúde (de treinamento cirúrgico a games de controle da dor e além), games para a mudança (games com questões de justiça social), games políticos, advergames (games para publicidade), games de política e vários outros. Games sérios também incluem games para aprendizagem. Eles são referidos desta forma aqui, porque um game educacional tende a ter [objetivo] muito estreito. Game tipicamente educativo implica um game usado em um ambiente educacional formal, enquanto os games para aprendizagem podem incluir também desenvolvimento profissional e aprendizagem informal. Situando o conceito de gamificação frente aos games sérios, a gamificação trata do uso do design, ao invés da tecnologia baseada em games, dos elementos característicos de games, ao invés de um game completo, a ser aplicado em contextos de não-game. A Fig.2 relaciona a gamificação com outros conceitos relacionados por meio de duas dimensões: eixo vertical: brincar-jogar e eixo horizontal: partes-todo. Os games sérios podem ser diferenciados da gamificação por meio do eixo partes/todo. O design lúdico e o brinquedo podem ser diferenciados por meio do eixo brincar/jogar [7]. Figura 2: Gamificação situada entre o brincar-jogar e partes-todo.Fonte: Ref. [7]. Uma vez conceitualizada a gamificação, segue a discussão de sua instrumentalização como estratégia de ensinagem. Marcelo Fardo foi um dos pioneiros no Brasil em tratar a gamificação em ambientes de aprendizagem [26, 27]. Neste artigo, a gamificação é discutida no contexto do Design Instrucional que pode ser implementado em sala de aula e considerado na dita Design-based Research, que é uma metodologia de pesquisa interventiva usada, entre outras, na concepção, design, elaboração de produto, aplicação, análise de dados, avaliação e redesign de Sequências de Ensino e Aprendizagem [12, 14]. , procura-se estabelecer a diferença, pouco explicitada na literatura, entre os games sérios e os sistemas gamificados. A Seção5 5. Modelos Motivacionais para a Gamificação A Ciência da Motivação busca entender o que motiva profundamente os indivíduos a fim de mantê-los engajados. Os games, com a capacidade enorme de prender a atenção por muito tempo, constituem exemplos de profundo envolvimento. A partir dessa constatação, conceitos e modelos de motivação e engajamento se tornam essenciais para a gamificação. A motivação é um construto psicológico que possui duas dimensões segundo Scott Rigby: “energia para agir e, em seguida, mover essa energia numa direção específica”. Esse autor argumenta que a direção para onde se move essa energia é facilmente identificável porque se manifesta em comportamento observável. Contudo, a energia – a fonte de motivação – tem fortes implicações na obtenção de um engajamento sustentado, que ocorre quando um determinado estímulo provoca atenção e interesse continuadas na atividade que se está sendo realizada. As fontes de energia motivacional são: impulsos fisiológicos (motivados por fome ou sede, por exemplo); estados emocionais (raiva, euforia, depressão); e as necessidades psicológicas que serão tratadas adiante [28]. Portanto, é imprescindível o entendimento de práticas motivacionais que possam levar a um engajamento sustentado que é o “santo graal” da gamificação. Vários modelos motivacionais que podem ser aplicados na gamificação instrucional são discutidos por Kapp [9]. O modelo ARCS, desenvolvido John Keller e bem conhecido no campo do design instrucional, tem sido usado no ensino a distância e na elaboração de material didático [29, 30]. O modelo fundamenta-se em quatro elementos-chave, como mostrado na Fig.3: a) atrair a Atenção do aluno e despertar seu interesse pelo conteúdo; b) enfatizar a Relevância do conteúdo por meio de orientação ao aluno sobre o objetivo a ser alcançado, do casamento de interesse do aluno com o interesse do ensino e da relação do conhecimento novo com o conhecimento prévio do aluno; c) estimular a Confiança do aluno de forma que seguindo os requisitos de aprendizagem lograrão sucesso; d) fazer com que os alunos sintam Satisfação de que a aprendizagem é valorosa e vale a pena esforço constante. Figura 3: O modelo motivacional ARCS. Um segundo modelo segue a teoria de Malone da Instrução Intrinsecamente Motivadora tocada brevemente na Introdução e que se baseia em três elementos-chave: Desafio, Fantasia e na Curiosidade [2]. Outro modelo bastante usado na gamificação, principalmente na área de negócios e marketing é o Condicionamento Operante, devido a B.F. Skinner, mas não é recomendado aqui como um modelo para a gamificação instrucional. O leitor interessado pode consultar a Ref. [31]. Um importante modelo que pode ser empregado na gamificação da ensinagem é a Prática Distribuída, uma técnica de aprendizagem que consiste em distribuir o estudo ou esforços de aprendizagem em várias sessões curtas durante um longo período de tempo, com uma quantidade de espaço aceitável entre cada sessão e com cada sessão focada no mesmo conteúdo a ser aprendido.7 Esse modelo é consistente e tem sido bem avaliado em pesquisas que apontam ótimos resultados na retenção de longo prazo e recordação de conteúdo [32, 33]. Para uma breve exposição sobre essa metodologia, recomenda-se a leitura de Kennedy (2019) [34]. Um modelo interessante para tratar os níveis do sistema gamificado e do aluno segue da Teoria do Fluxo de Mihaly Csikszentmihaly [35]. Fluxo é a construção da descrição da experiência sentida em muitas experiências mediadas pelo computador, inclusive videogames. Csikszentmihalyi, co-fundador do movimento conhecido como Psicologia Positiva, a partir de entrevistas com pessoas consideradas mestres por suas habilidades em várias atividades, como cirurgia e alpinismo, percebeu que muitas vezes praticavam seu ofício ou atividade de lazer não tanto pelo dinheiro, ou prestígio, mas sim pela alegria da difícil tarefa que foram chamados a executar [35]. Esses “mestres” usaram o termo fluxo para descrever o estado de espírito elevado que experimentavam enquanto estavam mais engajados, dando o seu melhor na realização da atividade. A partir de estudos empíricos sobre pessoas “normais”, Csikszentmihalyi especificou oito elementos principais da experiência de fluxo, comuns à maioria das pessoas durante as experiências ideais. A Tabela1 relaciona os oito elementos do fluxo com os elementos constantes da jogabilidade [36]. Tabela 1: Elementos de Fluxo e correspondentes elementos da jogabilidade [36]. Elementos do Fluxo Elementos da jogabilidade Tarefa desafiadora, mas factível de executar A completa experiência do game (incluindo interação social durante o game). Imersão total na tarefa, sem a intromissão de outras preocupações Grande motivação para jogar, nenhum imperativo de fazer de outra forma; empático ao conteúdo. Sensação de controle total Familiaridade/habilidade com o controlador, gênero, convenções, e a mecânica de game. Liberdade de concentração total na tarefa Telepresença 8e um ambiente dedicado ao game. As metas são claras e inequívocas Missões, tramas, níveis; qualquer resultado explícito de uma sessão de jogo bem-sucedida. Feedback imediato sobre as ações Recompensas e penalidades oportunas e adequadas; contingências Distorção da experiência temporal (menos consciente sobre a passagem do tempo) Focando em outro ambiente, temporalmente independente. Sentido de identidade diminui, mas éreforçado depois. Incorporação no avatar do game; senso deconquista após o jogo. Os jogadores quando estão imersos nos jogos costumam fazer descrições de experiências, como perder a noção do tempo e da pressão externa, junto com outros interesses, que são idênticas às descritas por Csikszentmihalyi. Aliás, os jogadores valorizam videogames com base em se eles fornecem ou não uma experiência de fluxo9 [37]. O fluxo é, em suma, definido por um estado de grande foco e imersão em atividades como arte, jogo e trabalho. Na construção de um sistema gamificado para a ensinagem, a relação desafio-habilidades deve seguir a linha de fluxo mostrada na Fig.4 na busca do estado ideal entre o tédio e a ansiedade ou frustração. Figura 4: A relação entre desafio e habilidades do jogador. (a) Zona de fluxo entre tédio e ansiedade; (b) zonas de fluxo de diferentes jogadores.Fonte: Ref. [37]. É importante assinalar que os níveis ou etapas de progressão de um game geralmente apresentam dificuldade crescente para desafiar jogadores com diferentes níveis de habilidade. Cada nível apresenta novos conteúdos e desafios para manter forte o interesse do jogador. Além disso, os games oferecem opções de jogabilidade de acordo com a habilidade do jogador. Portanto, deve-se buscar a experiência de fluxo propondo uma atividade que equilibre o desafio inerente à atividade e a capacidade do jogador de abordá-la e superá-la. Se o desafio está além dessa capacidade, a atividade se torna tão opressora que gera ansiedade. Se o desafio não consegue envolver o jogador, ele rapidamente perde o interesse e tende a sair do jogo. O equilíbrio, portanto, deve realisticamente estar numa zona difusa de tolerância em que a atividade não é nem muito desafiadora ou nem muito entediante. No design de gamificação devem-se misturar os componentes do Fluxo [37]: Manter a experiência do usuário na zona de fluxo do usuário; Oferecer opções adaptativas, permitindo que diferentes usuários aproveitem o fluxo à sua maneira; e Incorporar escolhas nas atividades principais para garantir que o fluxo nunca seja interrompido. A Teoria da Autodeterminação (TAD)10 é a principal teoria de motivação humana, usada para tratar a motivação em várias atividades humanas: esportes, saúde, trabalho, educação, entre outras [38]. Estudos por meio da TAD e da Psicologia Positiva identificaram três necessidades psicológicas básicas que são fontes de energia para a motivação, como explicitado na Fig.5[28, 38]: Autonomia: necessidade fundamental de se ser sentir livre para realizar a atividade sem controle por outros ou por circunstâncias; escolhas e preferências pessoais levam ao engajamento e fidelidade. Competência ou maestria: necessidade de se sentir eficiente e bem-sucedido no que se faz. Essa necessidade está fortemente relacionada com a experiência de fluxo. Pertencimento: necessidade fundamental de se sentir apoiada por outros. Envolve conexão social, dependência mútua e busca de conexões significativas com outros. Figura 5: Elementos da Teoria da Autodeterminação. Segundo Ryan e Deci [38] a Motivação Extrínseca leva a um comportamento norteado pela busca de recompensas ou para evitar punição. O objetivo principal é conquistar medalhas, prêmios, certificados, notas, ou admiração de outros. Por outro lado, a Motivação Intrínseca consiste na realização de atividade por seu próprio fim, ou seja, a atividade é um fim em si mesma. As recompensas surgem ao longo da atividade mais do que em seus resultados. Motivação intrínseca e motivação extrínseca não devem ser consideradas em posições opostas. A melhor gamificação deve incluir ambas. Mas, não há dúvidas de que a intrínseca é mais relevante no processo de ensinagem. Outro método instrucional que pode ser empregado no design da gamificação é conhecido como Scaffolding [39]. Esse é o termo mais comum para se referir à prestação de assistência aos alunos nas atividades escolares ao invocar a metáfora do scaffolding (andaime). O método foi descrito pelos proponentes, Wood, Bruner e Ross, como um “processo que permite a uma criança ou um novato resolver um problema, realizar uma tarefa ou atingir um objetivo que estaria além de seus esforços sem assistência” [39]. Ou seja, o professor deve ajudar o aluno nas tarefas apenas quando novas habilidades são exigidas, ou que vão além de sua competência naquele momento. No contexto da gamificação deve-se: – Ajudar as tarefas que, a princípio, estão acima da capacidade do aprendiz tal que esse consiga realizá-la; – Promover tarefas seguintes baseadas nas anteriores; – Usar de níveis dos games: Fácil – Intermediário – Difícil; – Apresentar as informações em pequenas quantidades por pouco tempo. (Revelação progressiva). apresenta alguns modelos motivacionais que devem ser usados na gamificação. A Seção6 6. Framework da Gamificação Instrucional A proposta de elaboração de design instrucional baseado na gamificação é dada por meio dos seguintes passos: Destacar: objeto (sequência didática, curso, ambiente virtual de aprendizagem, outros) audiência, tópico, conteúdo e relações do conteúdo com o currículo; Definir: Indicadores e metas de aprendizagem; Conceber o design segundo diretrizes gerais da gamificação: Escolha de modelo motivacional: busca do engajamento sustentado do aluno que é a manifestação de um estado motivado; Tipo de gamificação: (a) Estrutural: aplicação de elementos de game sem alteração do conteúdo buscando motivar e engajar no processo de aprendizagem usando o game-thinking e a mecânica dos games; (b) De conteúdo: aplicação de elementos de game e game thinking para alterar o conteúdo e torná-lo mais do tipo game; Regras (o contrato didático): metas; ações; forma de avaliação. Elementos do game: construção de métodos projetados para o jogador interagir com o sistema gamificado com Desafios (não deve ser muito difícil ou muito simples); Elementos de competição e colaboração sob regras explícitas e aplicadas; Ambiente cooperativo (os alunos competem uns com os outros enquanto, simultaneamente, oferecem incentivo); Interatividade; sistemas de comunicação paralela que podem ser facilmente configurados (mídia social); Feedback; Liberdade de errar. Implementar o produto gamificado; Avaliar a aplicação do produto. O design deve ser testado tanto pela qualidade do produto quanto pelos resultados da aprendizagem; Redesign com a base nos resultados globais da avaliação. A Fig.6 sistematiza os passos para a construção, aplicação e avaliação do design. A proposta se assemelha às metodologias do Design Based Research discutidas por Mesquita et al. [14]. A essência do design atual é que na sua concepção são trabalhadas as diretrizes da gamificação. Figura 6: Passos a serem seguidos na construção e implementação do design instrucional baseado na gamificação. constitui o cerne do artigo ao trazer a proposta de design instrucional para elaboração de atividades de ensino. Na Seção7 7. A Sala de Aula como Ambiente de Game Lee Sheldon, um produtor e designer de games, que se tornou professor do programa de Games e Simulações em Artes e Ciências do Instituto Politécnico Rensselaer, sem experiência prévia em ensino, resolveu usar seus conhecimentos sobre criação de games para elaborar suas aulas de design de games. Criou, então, uma estratégia de gamificação que chamou de Multiplayer Classroom (Sala de aula multijogadores) [40]. A ideia é baseada no Massively Multiplayer Online Role Playing Game (MMORPG), um tipo de RPG11 para uso online e em massa. O jogador assume o papel de um personagem (avatar) do mundo virtual e deve realizar missões, desafios, combates e outras tarefas indicadas no game. Em síntese, nessa proposta, a sala de aula é projetada como um game com muitos jogadores representados pelos alunos. Estes são agrupados em guildas e devem realizar dois tipos de missões (tarefas): individuais e coletivas. Cada jogador/aluno ganha XP (experience points) baseado no seu desempenho individual e de toda a guilda, de modo a estimular a colaboração. A competição, um dos elementos do game, se realiza por meio de disputas entre as guildas na execução de missões de modo a potencializar o lado cooperativo do processo. Assim, ao ser atribuída uma nota, a partir dos XP obtidos, cada aluno é avaliado pelo seu desempenho individual e coletivo em inúmeras tarefas propostas e pontuadas pelo professor. A Tabela2 traz a correspondência entre as terminologias adotadas nos MMORPGs e no Ambiente de aula com multijogadores. Tabela 2: À esquerda termos usados nos games e à direita os termos correspondentes na sala de aula multijogadores. Jogador Aluno Game Master 12 Professor Avatar Nome do aluno Guildas Grupos Missões Tarefas dos grupos Missões solo Tarefas individuais Cumprir missões Resolver problemas, fazer experiências etc. Construção (crafting) Escrever diários de aula, relatórios, artigos Esse design instrucional foi adaptado13 pelo autor em duas disciplinas para professores de física do Ensino Médio no polo da UFABC do programa de Mestrado Profissional em Ensino de Física (MNPEF). Na primeira, Processos e Sequências de Ensino e Aprendizagem, em 2017, o conteúdo da disciplina foi dividido em fases do game a serem completadas pelos alunos: Inovando a sala de aula com metodologias ativas; Instrução pelos Colegas e Ensino sob Medida; Invertendo a Sala de Aula; Jogando e Gamificando; Na Busca de Tesouros: Mapas Conceituais; Sequências de Ensino e Aprendizagem (TLS); Explorando UEPS – Unidades de Ensino Potencialmente Significativas. As atividades consistiram em missões-solo: leitura de artigos, solução de questões, pesquisas na internet etc.; em missões das guildas: revisitação das missões-solo; elaboração de sequências didáticas etc.; e debates entre as guildas em sala de aula. A missão primordial do game foi a elaboração de uma unidade didática para ensinar um tópico de física usando as metodologias ativas discutidas na disciplina. Na segunda, Mecânica Quântica, em 2019, a gamificação foi aplicada seguindo o mesmo procedimento. As fases do game consistiram em conteúdos de quântica, inspirados na abordagem de Novaes e Studart [41] e a inclusão de episódios da história da física. Foram criadas as guildas, o sistema de pontuação, as missões-solo e as coletivas e o debate entre as guildas. O processo foi concluído com a missão-solo final que consistiu na elaboração e apresentação de um texto versando sobre um tópico da física quântica, à escolha do aluno. Seguem alguns depoimentos dos professores-alunos sobre sua experiência com o novo design instrucional: A experiência do estudo da mecânica quântica vivenciada em um curso gamificado, proposta pelo professor Nelson no MNPEF, foi enriquecedora e inspiradora. Tive a oportunidade de aplicar as ideias que aprendemos ali com algumas turmas do ensino médio. Tive então a grata surpresa de perceber com minhas próprias experiências, o aumento do engajamento dos alunos com os conteúdos de física ministrados. Até mesmo alunos normalmente desinteressados e problemáticos tiveram uma mudança no seu comportamento em virtude dos elementos de game inseridos na estrutura do curso. A gamificação é uma ferramenta indispensável na construção da educação do futuro, e quiçá do presente. A ideia é inovadora e interessante. Ao longo do curso, achei que o ambiente de jogo foi esmorecendo um pouco, talvez até pelo perfil dos alunos. Acho que mais desafios durante a aula envolveria mais o grupo. Eu teria dificuldade em trabalhar com essa metodologia com minhas turmas de 50 alunos. Seria penoso o processo de correção, pontuação, atualização constantes. O tempo de aula também pode ser um fator limitante. A abordagem de gamificação na disciplina “Mecânica Quântica” me surpreendeu fortemente, pois não conhecia essa metodologia. Posso dizer que essa novidade me deixou um pouco preocupado no começo, porque, além de já saber das grandes dificuldades naturais dos assuntos que seriam estudados, ainda estaria em um jogo! Com o tempo fui entendendo a proposta e, posso dizer que as idas à Universidade aos sábados de manhã tornaram-se muito motivantes [sic ], porque a abordagem de gamificação, além de deixar o ambiente mais leve, com certeza motivou a todos nos estudos e na aprendizagem…. Espero no futuro, em alguns momentos, também trabalhar com a gamificação, porque os alunos (e os professores também) sentem necessidades de experimentar metodologias de ensino mais contemporâneas e motivantes. A experiência de um ambiente de jogo em sala de aula foi muito gratificante, prazerosa e inovadora para mim, através dela pude ter uma nova visão a respeito da gamificação. Porém percebi um grande impasse na questão de despertar a rivalidade entre meus amigos, uma vez que é muito difícil achar um equilíbrio entre não promover nenhuma rivalidade desgastante e proporcionar aos alunos atividades de competição entre si, mas de modo geral foi maravilhosa a experiência. Achei que o modelo de gamificação foi bem-sucedido, por proporcionar uma dinâmica de aula mais divertida facilitando a aprendizagem de quântica. Ao nos reunirmos por guildas e disputarmos com outros grupos, levou a uma competição saudável onde o trabalho em equipe foi fundamental para a apresentação dos temas sugeridos. Por estarmos num ambiente mais descontraído de aprendizado ficou mais agradável o estudo de quântica facilitando as participações em sala de aula na hora de tirar dúvidas. Mas o importante foi o professor que sabia o que estava fazendo e não deixou a sala se dispersar! Eu gostei bastante da estratégia de gamificação em sala de aula, mas acho que funciona melhor com os estudantes, que são mais competitivos, no nosso caso formamos um grande grupo, mesmo que separados em equipes menores, uns ajudando os outros para atingirmos os objetivos. Não jogamoscontra os outros, jogamoscom os outros, o que a meu ver deu certo do mesmo jeito. , uma estratégia de “gamificar” a sala de aula é discutida e são apresentados dois exemplos de aplicação dessa metodologia feita pelo autor em disciplinas do Mestrado Nacional Profissional de Ensino de Física, polo da UFABC. Na Seção8 8. Aprendizagem de Fenômenos Gravitacionais no Ensino Médio com Design Gamificado Um design instrucional gamificado, inspirado nas ideias de Sheldon, foi construído para a aprendizagem ativa de fenômenos gravitacionais com a inclusão de conteúdos além das leis de Kepler e a lei de Gravitação Universal de Newton que são usualmente abordados no Ensino Médio. Temas contemporâneos como ondas gravitacionais, imponderabilidade, buracos negros e estrela de nêutrons foram trabalhados e despertaram enorme interesse dos alunos. O design foi desenvolvido por Thiago Maximo em seu programa de Mestrado no MNPEF da UFABC e aplicado em três turmas do 3°. ano do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo. A aplicação contou com a colaboração de dois colegas também responsáveis pelas aulas de física do Colégio [23]. O primeiro passo consistiu em estabelecer as regras do game em que estão definidas, entre outras, a constituição das guildas, a tabela de pontos obtidos pelo cumprimento das missões-solo e coletivas, conquista de bônus e medalhas, prazo de entrega das tarefas, uso das redes sociais onde seriam feitas as discussões fora de sala e disponibilizado um repositório de material para ajudar o aluno na realização das tarefas. As seguintes etapas a serem completadas na sequência de aulas corresponderam às fases do game: Fase 1 – Criação Durante essa fase os alunos foram convidados a constituir e nomear suas guildas, e elaborar um mapa conceitual sobre o tema gravitação que funcionou como levantamento das concepções prévias. Como exemplo, o nome da guilda “Tirando onda” veio da associação de uma expressão bastante usada pelos alunos com a detecção recente das ondas gravitacionais. Fase 2 – A ciência e a ficção Os alunos assistiram ao filme Gravidade14 e responderam a questões científicas tratadas no roteiro do filme. Fase 3 – O que os games podem nos ensinar Os alunos jogaram o Angry Birds Space, produzido por astronauta da NASA, em que os personagens se movimentam a partir de uma estação espacial a 390 km da Terra tal que a gravidade vai alterar a jogabilidade. A partir do conhecimento básico adquirido com o game, os alunos realizaram atividades em laboratório virtual por meio do simulador “Gravidade e Órbitas” do portal PhET15 com o objetivo de relacionar a lei gravitacional de Newton com as leis de Kepler e as relações entre velocidade e aceleração dos corpos. Fase 4 – Construindo ideias Nessa fase, os alunos realizaram as tarefas de leitura e discussão do texto “Gravidade da Gravidade”16. Fase 5 – Testando o Conhecimento Os alunos se submeteram à avaliação por meio do Quiz que é um game de perguntas e respostas. Fase 6 – Revisão Após revisão de conteúdo feita pelo professor, ocorreu a discussão entre as guildas com a mediação dos professores envolvidos no projeto onde foram respondidas dúvidas dos alunos. Foram usados diagramas conceituais. Fase 7 – Construção do vídeo O relatório final (crafting) se deu por meio da elaboração de um vídeo em que os alunos deveriam demonstrar a capacidade de explicar os conceitos trabalhados em uma forma diferente de linguagem e representação. Fase 8 – Avaliação somativa individual A missão-solo final consistiu na avaliação dos conhecimentos adquiridos sobre os fenômenos gravitacionais trabalhados ao longo das fases. Na avaliação do autor da dissertação [23]: “O conhecimento adquirido, demonstrado não só pela aquisição de medalhas e pontos, foi um dos pontos mais presentes nesse projeto. Os alunos tinham o prazer de demonstrar o seu conhecimento, não só para o professor e seus amigos, mas também para exibição em sua rede social. Ser vencedor de qualquer disputa é algo muito prazeroso para o nosso ego, mesmo que seja uma pequena vitória. Quando adicionamos a isso o prazer de adquirir conhecimento, a atividade como um todo é ainda mais potencializada. As atividades das fases 2 e 4 evidenciaram a preparação dos alunos para o discurso, a capacidade de argumentação e a pesquisa sobre os assuntos trabalhados, alcançando os objetivos esperados nesse produto gamificado. Era evidente, nessas fases, a demonstração de felicidade dos alunos em compartilhar o seu conhecimento de forma segura. As respostas ao questionário disponibilizado por meio do Google Drive para avaliar o grau de satisfação foram muito positivas e as críticas, na sua maioria, extremamente benéficas para uma nova aplicação, evidenciando assim a necessidade de mudanças no ensino de física para essa nova geração.” , é apresentado um bem avaliado produto educacional elaborado com inspiração nas técnicas de gamificação e aplicado em uma escola do Ensino Médio. As considerações finais são feitas na Seção9 9. Considerações Finais Extensa literatura sobre o uso da metodologia da Aprendizagem Baseada em Games, tanto de entretenimento quanto educacionais, tem mostrado que o engajamento dos alunos no game é um claro fator positivo na aprendizagem, no desenvolvimento de habilidades e na aquisição de conceitos. Uma proposta que pode ser bem-sucedida é usar games como organizadores prévios no bojo da Teoria da Aprendizagem Significativa [42]. Alguns games aplicados em projetos de ensino de física foram explicitados. No entanto, os games são produzidos prioritariamente para fins de entretenimento e a oferta disponível de games com conteúdos de ciência ainda é pequena. Uma alternativa promissora é a criação de games educacionais, mas trata-se de tarefa mais desafiadora por exigir uma equipe multidisciplinar com especialistas em design de games, psicólogos, educadores, entre outros. No entanto, a gamificação educacional é uma estratégia mais atraente e de fácil implementação por incorporar os elementos de games mais adequados ao processo de ensinagem. Foi proposto um design instrucional usando a gamificação com o intuito de elaboração de sequências de ensino e aprendizagem, dentro da temática do Design-based Research, que contribui para a motivação e engajamento sustentado dos alunos em sua aprendizagem. Sistemas gamificados, inspirados na Sala de Aula de Multijogadores (Sheldon) e concebidos para o ensino de disciplinas na pós-graduação e no Ensino Médio foram apresentados. Finalizando, deve ser enfatizada a diferença fundamental entre as duas metodologias discutidas neste artigo. Nas palavras de Sherry Jones [43]: Aprendizagem baseada em games formata o mundo dos games como um “playground” para experimentação e análise de conceitos. Gamificação transforma o mundo em um game de modo a atingir objetivos específicos. .

2. Games

Embora não seja necessário ser um especialista em game-design para se aventurar na elaboração de sistemas gamificados de ensino, torna-se indispensável algum conhecimento sobre games. Inicialmente o que são exatamente os games? A Fig.1 mostra elementos do game que são preponderantes na maioria dos games. Cumpre enfatizar, como discutido a seguir, que são essenciais a presença de objetivos claros, regras, competição e colaboração, e participação voluntária.

Para deixar mais claro o que significa um game seguem algumas definições de especialistas:

  • Um game é um sistema no qual os jogadores se envolvem em um conflito artificial, definido por regras, que termina com um resultado quantificável. Os elementos-chave dessa definição são o fato de que um game é um sistema, jogadores interagem com o sistema, um game é uma instância de conflito, o conflito é artificial, as regras limitam o comportamento do jogador e definem o game, e todo game tem um resultado quantificável, ou objetivo [15[15] K. Salen e E. Zimmermann, As regras do jogo: Fundamentos do design dos jogos (em dois volumes) (Blücher, Rio de Janeiro, 2012).].

  • Um game é um sistema em que os jogadores se envolvem em um desafio abstrato, definido por regras, interatividade e feedback, acabando em um resultado quantificável e, muitas vezes, provocando uma reação emocional [9[9] K.M. Kapp, The Gamification of Learning and Instruction: Game-based Methods and Strategies for Training and Education (Wiley, Nova York, 2012).].

  • Atividade intencional, orientada a objetivos e baseada em regras que os jogadores consideram divertida [16[16] E. Klopfer, S. Osterweil, J. Groff e J. Haas, Technical Report Using the Technology of Today, in the Classroom Today: The Instructional Power of Digital Gaming and Social Networking and How Teachers Can Leverage It, Massachusetts Institute of Technology, Cambridge (2009).].

  • Um game possui seis elementos estruturais: regras; metas ou objetivos; resultados e feedback; conflito/competição/desafio/oposição; interação; e representação ou enredo [17[17] M. Prensky, Aprendizagem baseada em jogos digitais (Editora Senac, São Paulo, 2012).].

Figura 1:
Elementos dos games.

E ao final, uma definição simples que envolve a essência do game. Um game requer: Objetivo: jogadores assumem um senso de finalidade; Regras: orientam os participantes ao longo do game. Desencadeiam criatividade e encorajam o pensamento estratégico; Sistema de feedback: informam quão perto os jogadores estão de atingir o objetivo. Participação voluntária: exigem que os jogadores aceitem o objetivo, as regras e o sistema de feedback [18[18] J. McGonigal, Reality is broken: Why games make us better and how they can change the world (Penguin Books, Nova York, 2011).].

Existem talvez milhões de games de todos os gêneros. Games de ação, de aventura, de simulação, de estratégia, de enigma, de esporte, entre outros subgêneros.4 4 Uma lista de tipos de videogames pode ser encontrada na Wikipedia. https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_video_game_genres

Além do entretenimento, os games desempenham um importante papel cultural como destacado por Steven Johnson [19[19] S. Johnson, O poder inovador da diversão: Como o prazer e o entretenimento mudaram o mundo (Zahar, Rio de Janeiro, 2017).]:

“…Jogos forçam você a decidir, escolher, priorizar. Todos os benefícios intelectuais do jogo derivam desta virtude fundamental, porque aprender a pensar é, em última análise, aprender a tomar as decisões certas: avaliar as evidências, analisar situações, consultar seus objetivos de longo prazo, e, em seguida, decidir. Nenhuma outra forma cultural pop envolve diretamente instrumentos de tomada de decisão do cérebro como esse”.

3. Aprendendo com Games

Em tempos recentes, a metodologia Aprendizagem Baseada em Games passou a ser largamente usada em todos os níveis de ensino. Há fortes evidências de que o ato de jogar bons games envolve aprendizagem de algum conteúdo, desenvolvimento de habilidades e atitudes. Em princípio, o uso dessa metodologia não requer um game projetado especificamente para fins educacionais, os chamados games sérios, mas o uso do game num contexto de ensinagem. De acordo com Mark Prensky, games de entretenimento mais adequados para aprendizagem são os games complexos que exigem dos jogadores o desenvolvimento e domínio de uma ampla variedade de habilidades e estratégias para avançar por dezenas de níveis cada vez mais difíceis; demandam buscas externas e colaboração com outros jogadores; e muito tempo para dominar regras e estratégias [20[20] M. Prensky, Educational Technology 45, 22 (2005).].

De grande interesse para a ensinagem, são os games sandbox . Nessa categoria de games são colocadas apenas restrições mínimas para o personagem, permitindo ao jogador usar de muita criatividade para completar tarefas e atingir o objetivo. O jogador, ao contrário dos games de progressão, pode vagar pelo mundo virtual a seu bel prazer. O exemplo mais bem sucedido é o Minecraft . A versão MinecraftEdu tem sido usada para fins educacionais.5 5 A versão do game MinecraftEdu para fins educacionais foi aprimorada pela Microsoft no portal Minecraft: Education Edition (https://education.minecraft.net) que visa a ajudar os professores a mediar as tarefas dos alunos seguindo planos de atividades propostos. Outras versões modificadas (os mods) foram feitas como o Qcraft, para ensinar conceitos básicos de física quântica e o Polycraft para trabalhar com polímeros e plásticos. Os games sandboxs clássicos são The Sims, Sim City, Spore, a série Grand Theft Auto e a mais recente Assassin Creeds . Conceitos importantes da filosofia são discutidos em The Talos Principle e o mais recente Nier: Automata, considerado como o game mais filosófico envolvendo figuras como Nietsche, Pascal, Sartre, entre muitos outros. The Witness é um game que simula o processo de descoberta científica.

Na ensinagem6 6 Processo em que ensino e aprendizagem são considerados de modo indissociável. Para o autor, o ensino é ineficaz se não houver aprendizagem. de Física, o game de maior destaque é o Portal 2, em que jogadores resolvem quebra-cabeças descobrindo portais em câmaras fechadas e se teletransportando através eles. Possui recursos como lasers e dispositivos da ficção científica como as pontes de luz e feixes tratores. O game pode ser usado como um laboratório virtual para realizar práticas e resolver enigmas a partir do conhecimento adquirido durante o game. Um produto educacional, baseado no Portal 2, foi desenvolvido e aplicado em sala de aula por Willie Zahala em seu programa de mestrado [21[21] W. Zahaila, Atividades experimentais virtuais usando o game Portal 2. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do ABC, Santo André (2017).]. Muito interessante é o game A slower speed of light, desenvolvido pelo MIT lab, para aprendizagem da Relatividade Restrita que foi implementado por Bruno Riboldi em seu programa de mestrado e que rendeu um produto educacional [22[22] B. Riboldi, Relatividade restrita: game e animações, Produto educacional, UFSCar-MNPEF (2015), disponível em: https://bit.ly/3auGnvm.
https://bit.ly/3auGnvm...
]. Outro game atraente é o Angry Bird Space para aprendizagem da Gravitação explorado pelo Thiago Maximo [23[23] T. Maximo, Gamificação, uma estratégia para promover o ensino e aprendizagem de gravitação no ensino médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do ABC, Santo André (2017).].

Uma metanálise de pesquisa experimental feita por Clark, Tanner-Smith e Killingsworth mostrou que o uso de game resulta em melhorias significativas no desempenho cognitivo e atitudinal, melhor conhecimento declarativo e processual, retenção e autoeficácia quando comparado às abordagens de ensino tradicionais [24[24] D.B. Clark, E.E. Tanner-Smith e S.S. Killingsworth, Rev. Educ. Res. 86, 79 (2016).].

4. Games Sérios e Gamificação

Segundo Kathy Becker [25[25] K. Becker, Academia Letters, Article 209, 10.20935/AL209 (2021).], é a intenção projetada que classifica um game como sério, embora alguns games de entretenimento, como os citados na Seção 2, sejam usados como games para aprendizagem específica de conteúdos. Assim essa autora define os games sérios:

São games desenhados especificamente para fins além de puro entretenimento. Games sérios incluem games para a saúde (de treinamento cirúrgico a games de controle da dor e além), games para a mudança (games com questões de justiça social), games políticos, advergames (games para publicidade), games de política e vários outros. Games sérios também incluem games para aprendizagem. Eles são referidos desta forma aqui, porque um game educacional tende a ter [objetivo] muito estreito. Game tipicamente educativo implica um game usado em um ambiente educacional formal, enquanto os games para aprendizagem podem incluir também desenvolvimento profissional e aprendizagem informal.

Situando o conceito de gamificação frente aos games sérios, a gamificação trata do uso do design, ao invés da tecnologia baseada em games, dos elementos característicos de games, ao invés de um game completo, a ser aplicado em contextos de não-game. A Fig.2 relaciona a gamificação com outros conceitos relacionados por meio de duas dimensões: eixo vertical: brincar-jogar e eixo horizontal: partes-todo. Os games sérios podem ser diferenciados da gamificação por meio do eixo partes/todo. O design lúdico e o brinquedo podem ser diferenciados por meio do eixo brincar/jogar [7[7] S. Deterding, D. Dixon, R. Khaled e L. Nacke, em: Proc. of the 15th Int. Acad. MindTrek Conference on Envisioning Future Media Environments – MindTrek ’11 (Tempere, 2011).].

Figura 2:
Gamificação situada entre o brincar-jogar e partes-todo.Fonte: Ref. [7[7] S. Deterding, D. Dixon, R. Khaled e L. Nacke, em: Proc. of the 15th Int. Acad. MindTrek Conference on Envisioning Future Media Environments – MindTrek ’11 (Tempere, 2011).].

Uma vez conceitualizada a gamificação, segue a discussão de sua instrumentalização como estratégia de ensinagem. Marcelo Fardo foi um dos pioneiros no Brasil em tratar a gamificação em ambientes de aprendizagem [26[26] M.L. Fardo, A gamificação como estratégia pedagógica: estudo de elementos dos games aplicados em processos de ensino e aprendizagem, Dissertação de Mestrado em Educação, Universidade de Caxias do Sul (2013)., 27[27] M.L. Fardo, Novas Tecnologias em Educação 11, 1 (2013).].

Neste artigo, a gamificação é discutida no contexto do Design Instrucional que pode ser implementado em sala de aula e considerado na dita Design-based Research, que é uma metodologia de pesquisa interventiva usada, entre outras, na concepção, design, elaboração de produto, aplicação, análise de dados, avaliação e redesign de Sequências de Ensino e Aprendizagem [12[12] F. Kneubil e M. Pietrocola, Investigações em Ensino de Ciências 22, 1 (2017)., 14[14] L. Mesquita, G. Brockington, L.A. Testoni e N. Studart, Rev. Bras. Ens. Fís. 43 , e20200443 (2021).].

5. Modelos Motivacionais para a Gamificação

A Ciência da Motivação busca entender o que motiva profundamente os indivíduos a fim de mantê-los engajados. Os games, com a capacidade enorme de prender a atenção por muito tempo, constituem exemplos de profundo envolvimento. A partir dessa constatação, conceitos e modelos de motivação e engajamento se tornam essenciais para a gamificação.

A motivação é um construto psicológico que possui duas dimensões segundo Scott Rigby: “energia para agir e, em seguida, mover essa energia numa direção específica”. Esse autor argumenta que a direção para onde se move essa energia é facilmente identificável porque se manifesta em comportamento observável. Contudo, a energia – a fonte de motivação – tem fortes implicações na obtenção de um engajamento sustentado, que ocorre quando um determinado estímulo provoca atenção e interesse continuadas na atividade que se está sendo realizada. As fontes de energia motivacional são: impulsos fisiológicos (motivados por fome ou sede, por exemplo); estados emocionais (raiva, euforia, depressão); e as necessidades psicológicas que serão tratadas adiante [28[28] C.S. Rigby, em The Gameful World, editado por S.P. Walz e S. Deterding, (MIT Press, Cambridge, 2014), p. 113.].

Portanto, é imprescindível o entendimento de práticas motivacionais que possam levar a um engajamento sustentado que é o “santo graal” da gamificação.

Vários modelos motivacionais que podem ser aplicados na gamificação instrucional são discutidos por Kapp [9[9] K.M. Kapp, The Gamification of Learning and Instruction: Game-based Methods and Strategies for Training and Education (Wiley, Nova York, 2012).].

O modelo ARCS, desenvolvido John Keller e bem conhecido no campo do design instrucional, tem sido usado no ensino a distância e na elaboração de material didático [29[29] J.M. Keller, Motivational Design for Learning and Performance: The ARCS Model Approach (Springer-Verlag, Berlim, 2010)., 30[30] K. Li e J.M. Keller, Computers & Education 22, 54 (2018).]. O modelo fundamenta-se em quatro elementos-chave, como mostrado na Fig.3: a) atrair a Atenção do aluno e despertar seu interesse pelo conteúdo; b) enfatizar a Relevância do conteúdo por meio de orientação ao aluno sobre o objetivo a ser alcançado, do casamento de interesse do aluno com o interesse do ensino e da relação do conhecimento novo com o conhecimento prévio do aluno; c) estimular a Confiança do aluno de forma que seguindo os requisitos de aprendizagem lograrão sucesso; d) fazer com que os alunos sintam Satisfação de que a aprendizagem é valorosa e vale a pena esforço constante.

Figura 3:
O modelo motivacional ARCS.

Um segundo modelo segue a teoria de Malone da Instrução Intrinsecamente Motivadora tocada brevemente na Introdução e que se baseia em três elementos-chave: Desafio, Fantasia e na Curiosidade [2[2] T.W. Malone e T.W., em: Proc. of the 1982 Conference on Human Factors in Computing Systems – CHI, editado por J.A. Nichols e M.L. Schneider (Gaithersburg Maryland, 1982), p. 63.].

Outro modelo bastante usado na gamificação, principalmente na área de negócios e marketing é o Condicionamento Operante, devido a B.F. Skinner, mas não é recomendado aqui como um modelo para a gamificação instrucional. O leitor interessado pode consultar a Ref. [31[31] G.S. Menezes, L. Tarachucky, R.C. Pellizzoni, R.L. Perassi, M.M. Gonçalves, L.S.R. Gomez et al., Projetica 5, 9 (2014).].

Um importante modelo que pode ser empregado na gamificação da ensinagem é a Prática Distribuída, uma técnica de aprendizagem que consiste em distribuir o estudo ou esforços de aprendizagem em várias sessões curtas durante um longo período de tempo, com uma quantidade de espaço aceitável entre cada sessão e com cada sessão focada no mesmo conteúdo a ser aprendido.7 7 Em oposição à Prática em Massa em que o aluno estuda intensivamente por um longo período, esperando aprender todo o conteúdo de uma só vez. A conhecida prática de estudar na véspera da prova. Esse modelo é consistente e tem sido bem avaliado em pesquisas que apontam ótimos resultados na retenção de longo prazo e recordação de conteúdo [32[32] D.P. Ausubel e M. Youssef, Journal of General Psychology 73, 147 (1965)., 33[33] C. Caple, The effects of spaced practice and spaced review on recall and retention using computer assisted instruction (Univ. Michigan Press, Ann Arbor, 1996).]. Para uma breve exposição sobre essa metodologia, recomenda-se a leitura de Kennedy (2019) [34[34] L. Kennedy, Effective Ways to Use Distributed Practice at Your School (2019), disponível em: https://bit.ly/3DgvXuX
https://bit.ly/3DgvXuX...
].

Um modelo interessante para tratar os níveis do sistema gamificado e do aluno segue da Teoria do Fluxo de Mihaly Csikszentmihaly [35[35] M. Csikszentmihalyi, Flow: A psicologia do alto desempenho e da felicidade (Objetiva, Rio de Janeiro, 2020).]. Fluxo é a construção da descrição da experiência sentida em muitas experiências mediadas pelo computador, inclusive videogames. Csikszentmihalyi, co-fundador do movimento conhecido como Psicologia Positiva, a partir de entrevistas com pessoas consideradas mestres por suas habilidades em várias atividades, como cirurgia e alpinismo, percebeu que muitas vezes praticavam seu ofício ou atividade de lazer não tanto pelo dinheiro, ou prestígio, mas sim pela alegria da difícil tarefa que foram chamados a executar [35[35] M. Csikszentmihalyi, Flow: A psicologia do alto desempenho e da felicidade (Objetiva, Rio de Janeiro, 2020).]. Esses “mestres” usaram o termo fluxo para descrever o estado de espírito elevado que experimentavam enquanto estavam mais engajados, dando o seu melhor na realização da atividade. A partir de estudos empíricos sobre pessoas “normais”, Csikszentmihalyi especificou oito elementos principais da experiência de fluxo, comuns à maioria das pessoas durante as experiências ideais. A Tabela1 relaciona os oito elementos do fluxo com os elementos constantes da jogabilidade [36[36] B. Cowley, D. Charles, M. Black e R. Hickey, Computers in Entertainment 6, 1 (2008).].

Tabela 1:
Elementos de Fluxo e correspondentes elementos da jogabilidade [36[36] B. Cowley, D. Charles, M. Black e R. Hickey, Computers in Entertainment 6, 1 (2008).].

Os jogadores quando estão imersos nos jogos costumam fazer descrições de experiências, como perder a noção do tempo e da pressão externa, junto com outros interesses, que são idênticas às descritas por

Csikszentmihalyi. Aliás, os jogadores valorizam videogames com base em se eles fornecem ou não uma experiência de fluxo9 9 O interesse do autor deste artigo em Aprendizagem Baseada em Games e Gamificação veio da observação de experiências de fluxo do seu filho enquanto jogava. [37[37] J. Chen, Communications of the ACM 50, 31 (2007).].

O fluxo é, em suma, definido por um estado de grande foco e imersão em atividades como arte, jogo e trabalho. Na construção de um sistema gamificado para a ensinagem, a relação desafio-habilidades deve seguir a linha de fluxo mostrada na Fig.4 na busca do estado ideal entre o tédio e a ansiedade ou frustração.

Figura 4:
A relação entre desafio e habilidades do jogador. (a) Zona de fluxo entre tédio e ansiedade; (b) zonas de fluxo de diferentes jogadores.Fonte: Ref. [37[37] J. Chen, Communications of the ACM 50, 31 (2007).].

É importante assinalar que os níveis ou etapas de progressão de um game geralmente apresentam dificuldade crescente para desafiar jogadores com diferentes níveis de habilidade. Cada nível apresenta novos conteúdos e desafios para manter forte o interesse do jogador. Além disso, os games oferecem opções de jogabilidade de acordo com a habilidade do jogador. Portanto, deve-se buscar a experiência de fluxo propondo uma atividade que equilibre o desafio inerente à atividade e a capacidade do jogador de abordá-la e superá-la. Se o desafio está além dessa capacidade, a atividade se torna tão opressora que gera ansiedade. Se o desafio não consegue envolver o jogador, ele rapidamente perde o interesse e tende a sair do jogo. O equilíbrio, portanto, deve realisticamente estar numa zona difusa de tolerância em que a atividade não é nem muito desafiadora ou nem muito entediante.

No design de gamificação devem-se misturar os componentes do Fluxo [37[37] J. Chen, Communications of the ACM 50, 31 (2007).]:

  • Manter a experiência do usuário na zona de fluxo do usuário;

  • Oferecer opções adaptativas, permitindo que diferentes usuários aproveitem o fluxo à sua maneira; e

  • Incorporar escolhas nas atividades principais para garantir que o fluxo nunca seja interrompido.

A Teoria da Autodeterminação (TAD)10 10 O Center for Self-Determination Theory (https://selfdeterminationtheory.org/) constitui-se numa importante fonte de consulta. é a principal teoria de motivação humana, usada para tratar a motivação em várias atividades humanas: esportes, saúde, trabalho, educação, entre outras [38[38] R.M. Ryan e E.L. Deci,Self-determination theory: Basic psychological needs in motivation, development, and wellness (Guilford Publishing, Nova York, 2017).]. Estudos por meio da TAD e da Psicologia Positiva identificaram três necessidades psicológicas básicas que são fontes de energia para a motivação, como explicitado na Fig.5[28[28] C.S. Rigby, em The Gameful World, editado por S.P. Walz e S. Deterding, (MIT Press, Cambridge, 2014), p. 113., 38[38] R.M. Ryan e E.L. Deci,Self-determination theory: Basic psychological needs in motivation, development, and wellness (Guilford Publishing, Nova York, 2017).]:

  • Autonomia: necessidade fundamental de se ser sentir livre para realizar a atividade sem controle por outros ou por circunstâncias; escolhas e preferências pessoais levam ao engajamento e fidelidade.

  • Competência ou maestria: necessidade de se sentir eficiente e bem-sucedido no que se faz. Essa necessidade está fortemente relacionada com a experiência de fluxo.

  • Pertencimento: necessidade fundamental de se sentir apoiada por outros. Envolve conexão social, dependência mútua e busca de conexões significativas com outros.

Figura 5:
Elementos da Teoria da Autodeterminação.

Segundo Ryan e Deci [38[38] R.M. Ryan e E.L. Deci,Self-determination theory: Basic psychological needs in motivation, development, and wellness (Guilford Publishing, Nova York, 2017).] a Motivação Extrínseca leva a um comportamento norteado pela busca de recompensas ou para evitar punição. O objetivo principal é conquistar medalhas, prêmios, certificados, notas, ou admiração de outros. Por outro lado, a Motivação Intrínseca consiste na realização de atividade por seu próprio fim, ou seja, a atividade é um fim em si mesma. As recompensas surgem ao longo da atividade mais do que em seus resultados. Motivação intrínseca e motivação extrínseca não devem ser consideradas em posições opostas. A melhor gamificação deve incluir ambas. Mas, não há dúvidas de que a intrínseca é mais relevante no processo de ensinagem.

Outro método instrucional que pode ser empregado no design da gamificação é conhecido como Scaffolding [39[39] D. Wood, J. Bruner e G. Ross, J. Child Psychology and Psychiatry 17, 89 (1978).]. Esse é o termo mais comum para se referir à prestação de assistência aos alunos nas atividades escolares ao invocar a metáfora do scaffolding (andaime). O método foi descrito pelos proponentes, Wood, Bruner e Ross, como um “processo que permite a uma criança ou um novato resolver um problema, realizar uma tarefa ou atingir um objetivo que estaria além de seus esforços sem assistência” [39[39] D. Wood, J. Bruner e G. Ross, J. Child Psychology and Psychiatry 17, 89 (1978).]. Ou seja, o professor deve ajudar o aluno nas tarefas apenas quando novas habilidades são exigidas, ou que vão além de sua competência naquele momento. No contexto da gamificação deve-se:

  • Ajudar as tarefas que, a princípio, estão acima da capacidade do aprendiz tal que esse consiga realizá-la;

  • Promover tarefas seguintes baseadas nas anteriores;

  • Usar de níveis dos games: Fácil – Intermediário – Difícil;

  • Apresentar as informações em pequenas quantidades por pouco tempo. (Revelação progressiva).

6. Framework da Gamificação Instrucional

A proposta de elaboração de design instrucional baseado na gamificação é dada por meio dos seguintes passos:

  1. Destacar: objeto (sequência didática, curso, ambiente virtual de aprendizagem, outros) audiência, tópico, conteúdo e relações do conteúdo com o currículo;

  2. Definir: Indicadores e metas de aprendizagem;

  3. Conceber o design segundo diretrizes gerais da gamificação:

    • Escolha de modelo motivacional: busca do engajamento sustentado do aluno que é a manifestação de um estado motivado;

    • Tipo de gamificação: (a) Estrutural: aplicação de elementos de game sem alteração do conteúdo buscando motivar e engajar no processo de aprendizagem usando o game-thinking e a mecânica dos games; (b) De conteúdo: aplicação de elementos de game e game thinking para alterar o conteúdo e torná-lo mais do tipo game;

    • Regras (o contrato didático): metas; ações; forma de avaliação.

    • Elementos do game: construção de métodos projetados para o jogador interagir com o sistema gamificado com

      • Desafios (não deve ser muito difícil ou muito simples);

      • Elementos de competição e colaboração sob regras explícitas e aplicadas;

      • Ambiente cooperativo (os alunos competem uns com os outros enquanto, simultaneamente, oferecem incentivo);

      • Interatividade; sistemas de comunicação paralela que podem ser facilmente configurados (mídia social);

      • Feedback;

      • Liberdade de errar.

  4. Implementar o produto gamificado;

  5. Avaliar a aplicação do produto. O design deve ser testado tanto pela qualidade do produto quanto pelos resultados da aprendizagem;

  6. Redesign com a base nos resultados globais da avaliação.

A Fig.6 sistematiza os passos para a construção, aplicação e avaliação do design.

A proposta se assemelha às metodologias do Design Based Research discutidas por Mesquita et al. [14[14] L. Mesquita, G. Brockington, L.A. Testoni e N. Studart, Rev. Bras. Ens. Fís. 43 , e20200443 (2021).]. A essência do design atual é que na sua concepção são trabalhadas as diretrizes da gamificação.

Figura 6:
Passos a serem seguidos na construção e implementação do design instrucional baseado na gamificação.

7. A Sala de Aula como Ambiente de Game

Lee Sheldon, um produtor e designer de games, que se tornou professor do programa de Games e Simulações em Artes e Ciências do Instituto Politécnico Rensselaer, sem experiência prévia em ensino, resolveu usar seus conhecimentos sobre criação de games para elaborar suas aulas de design de games. Criou, então, uma estratégia de gamificação que chamou de Multiplayer Classroom (Sala de aula multijogadores) [40[40] L. Sheldon, The Multiplayer Classroom: Designing Coursework as a Game (Cengage Learning, Boston, 2012).].

A ideia é baseada no Massively Multiplayer Online Role Playing Game (MMORPG), um tipo de RPG11 11 RPG, iniciais de Role Play Game, algo como o “jogo de interpretação de papéis”, em que os jogadores criam personagens e narrativas de modo colaborativo em que os jogadores podem improvisar, mas seguindo um sistema de regras predeterminado. para uso online e em massa. O jogador assume o papel de um personagem (avatar) do mundo virtual e deve realizar missões, desafios, combates e outras tarefas indicadas no game.

Em síntese, nessa proposta, a sala de aula é projetada como um game com muitos jogadores representados pelos alunos. Estes são agrupados em guildas e devem realizar dois tipos de missões (tarefas): individuais e coletivas. Cada jogador/aluno ganha XP (experience points) baseado no seu desempenho individual e de toda a guilda, de modo a estimular a colaboração. A competição, um dos elementos do game, se realiza por meio de disputas entre as guildas na execução de missões de modo a potencializar o lado cooperativo do processo. Assim, ao ser atribuída uma nota, a partir dos XP obtidos, cada aluno é avaliado pelo seu desempenho individual e coletivo em inúmeras tarefas propostas e pontuadas pelo professor.

A Tabela2 traz a correspondência entre as terminologias adotadas nos MMORPGs e no Ambiente de aula com multijogadores.

Tabela 2:
À esquerda termos usados nos games e à direita os termos correspondentes na sala de aula multijogadores.

Esse design instrucional foi adaptado13 13 Na Ref. [40], o autor inseriu capítulos com relatos de professores de várias partes do mundo que se inspiraram na abordagem da Sala de Aula Multijogadores e a aplicaram em várias disciplinas e áreas do conhecimento. pelo autor em duas disciplinas para professores de física do Ensino Médio no polo da UFABC do programa de Mestrado Profissional em Ensino de Física (MNPEF).

Na primeira, Processos e Sequências de Ensino e Aprendizagem, em 2017, o conteúdo da disciplina foi dividido em fases do game a serem completadas pelos alunos: Inovando a sala de aula com metodologias ativas; Instrução pelos Colegas e Ensino sob Medida; Invertendo a Sala de Aula; Jogando e Gamificando; Na Busca de Tesouros: Mapas Conceituais; Sequências de Ensino e Aprendizagem (TLS); Explorando UEPS – Unidades de Ensino Potencialmente Significativas.

As atividades consistiram em missões-solo: leitura de artigos, solução de questões, pesquisas na internet etc.; em missões das guildas: revisitação das missões-solo; elaboração de sequências didáticas etc.; e debates entre as guildas em sala de aula. A missão primordial do game foi a elaboração de uma unidade didática para ensinar um tópico de física usando as metodologias ativas discutidas na disciplina.

Na segunda, Mecânica Quântica, em 2019, a gamificação foi aplicada seguindo o mesmo procedimento. As fases do game consistiram em conteúdos de quântica, inspirados na abordagem de Novaes e Studart [41[41] M. Novaes e N. Studart, Mecânica quântica básica (Ed. Livraria da Física, São Paulo, 2016)] e a inclusão de episódios da história da física. Foram criadas as guildas, o sistema de pontuação, as missões-solo e as coletivas e o debate entre as guildas. O processo foi concluído com a missão-solo final que consistiu na elaboração e apresentação de um texto versando sobre um tópico da física quântica, à escolha do aluno.

Seguem alguns depoimentos dos professores-alunos sobre sua experiência com o novo design instrucional:

A experiência do estudo da mecânica quântica vivenciada em um curso gamificado, proposta pelo professor Nelson no MNPEF, foi enriquecedora e inspiradora. Tive a oportunidade de aplicar as ideias que aprendemos ali com algumas turmas do ensino médio. Tive então a grata surpresa de perceber com minhas próprias experiências, o aumento do engajamento dos alunos com os conteúdos de física ministrados. Até mesmo alunos normalmente desinteressados e problemáticos tiveram uma mudança no seu comportamento em virtude dos elementos de game inseridos na estrutura do curso. A gamificação é uma ferramenta indispensável na construção da educação do futuro, e quiçá do presente.

A ideia é inovadora e interessante. Ao longo do curso, achei que o ambiente de jogo foi esmorecendo um pouco, talvez até pelo perfil dos alunos. Acho que mais desafios durante a aula envolveria mais o grupo. Eu teria dificuldade em trabalhar com essa metodologia com minhas turmas de 50 alunos. Seria penoso o processo de correção, pontuação, atualização constantes. O tempo de aula também pode ser um fator limitante.

A abordagem de gamificação na disciplina “Mecânica Quântica” me surpreendeu fortemente, pois não conhecia essa metodologia. Posso dizer que essa novidade me deixou um pouco preocupado no começo, porque, além de já saber das grandes dificuldades naturais dos assuntos que seriam estudados, ainda estaria em um jogo! Com o tempo fui entendendo a proposta e, posso dizer que as idas à Universidade aos sábados de manhã tornaram-se muito motivantes [sic ], porque a abordagem de gamificação, além de deixar o ambiente mais leve, com certeza motivou a todos nos estudos e na aprendizagem…. Espero no futuro, em alguns momentos, também trabalhar com a gamificação, porque os alunos (e os professores também) sentem necessidades de experimentar metodologias de ensino mais contemporâneas e motivantes.

A experiência de um ambiente de jogo em sala de aula foi muito gratificante, prazerosa e inovadora para mim, através dela pude ter uma nova visão a respeito da gamificação. Porém percebi um grande impasse na questão de despertar a rivalidade entre meus amigos, uma vez que é muito difícil achar um equilíbrio entre não promover nenhuma rivalidade desgastante e proporcionar aos alunos atividades de competição entre si, mas de modo geral foi maravilhosa a experiência.

Achei que o modelo de gamificação foi bem-sucedido, por proporcionar uma dinâmica de aula mais divertida facilitando a aprendizagem de quântica. Ao nos reunirmos por guildas e disputarmos com outros grupos, levou a uma competição saudável onde o trabalho em equipe foi fundamental para a apresentação dos temas sugeridos. Por estarmos num ambiente mais descontraído de aprendizado ficou mais agradável o estudo de quântica facilitando as participações em sala de aula na hora de tirar dúvidas. Mas o importante foi o professor que sabia o que estava fazendo e não deixou a sala se dispersar!

Eu gostei bastante da estratégia de gamificação em sala de aula, mas acho que funciona melhor com os estudantes, que são mais competitivos, no nosso caso formamos um grande grupo, mesmo que separados em equipes menores, uns ajudando os outros para atingirmos os objetivos. Não jogamoscontra os outros, jogamoscom os outros, o que a meu ver deu certo do mesmo jeito.

8. Aprendizagem de Fenômenos Gravitacionais no Ensino Médio com Design Gamificado

Um design instrucional gamificado, inspirado nas ideias de Sheldon, foi construído para a aprendizagem ativa de fenômenos gravitacionais com a inclusão de conteúdos além das leis de Kepler e a lei de Gravitação Universal de Newton que são usualmente abordados no Ensino Médio. Temas contemporâneos como ondas gravitacionais, imponderabilidade, buracos negros e estrela de nêutrons foram trabalhados e despertaram enorme interesse dos alunos.

O design foi desenvolvido por Thiago Maximo em seu programa de Mestrado no MNPEF da UFABC e aplicado em três turmas do 3°. ano do Colégio Marista Arquidiocesano de São Paulo. A aplicação contou com a colaboração de dois colegas também responsáveis pelas aulas de física do Colégio [23[23] T. Maximo, Gamificação, uma estratégia para promover o ensino e aprendizagem de gravitação no ensino médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do ABC, Santo André (2017).].

O primeiro passo consistiu em estabelecer as regras do game em que estão definidas, entre outras, a constituição das guildas, a tabela de pontos obtidos pelo cumprimento das missões-solo e coletivas, conquista de bônus e medalhas, prazo de entrega das tarefas, uso das redes sociais onde seriam feitas as discussões fora de sala e disponibilizado um repositório de material para ajudar o aluno na realização das tarefas.

As seguintes etapas a serem completadas na sequência de aulas corresponderam às fases do game:

Fase 1 – Criação

Durante essa fase os alunos foram convidados a constituir e nomear suas guildas, e elaborar um mapa conceitual sobre o tema gravitação que funcionou como levantamento das concepções prévias. Como exemplo, o nome da guilda “Tirando onda” veio da associação de uma expressão bastante usada pelos alunos com a detecção recente das ondas gravitacionais.

Fase 2 – A ciência e a ficção

Os alunos assistiram ao filme Gravidade14 14 Filme de drama, suspense e ficção científica, dirigido por Alfonso Cuarón. (2013). e responderam a questões científicas tratadas no roteiro do filme.

Fase 3 – O que os games podem nos ensinar

Os alunos jogaram o Angry Birds Space, produzido por astronauta da NASA, em que os personagens se movimentam a partir de uma estação espacial a 390 km da Terra tal que a gravidade vai alterar a jogabilidade. A partir do conhecimento básico adquirido com o game, os alunos realizaram atividades em laboratório virtual por meio do simulador “Gravidade e Órbitas” do portal PhET15 15 https://phet.colorado.edu/pt_BR/simulations/gravity-and-orbits com o objetivo de relacionar a lei gravitacional de Newton com as leis de Kepler e as relações entre velocidade e aceleração dos corpos.

Fase 4 – Construindo ideias

Nessa fase, os alunos realizaram as tarefas de leitura e discussão do texto “Gravidade da Gravidade”16 16 Capítulo 32 de Leituras de Física – Mecânica do GREF disponível em http://www.if.usp.br/gref/mec/mec4.pdf .

Fase 5 – Testando o Conhecimento

Os alunos se submeteram à avaliação por meio do Quiz que é um game de perguntas e respostas.

Fase 6 – Revisão

Após revisão de conteúdo feita pelo professor, ocorreu a discussão entre as guildas com a mediação dos professores envolvidos no projeto onde foram respondidas dúvidas dos alunos. Foram usados diagramas conceituais.

Fase 7 – Construção do vídeo

O relatório final (crafting) se deu por meio da elaboração de um vídeo em que os alunos deveriam demonstrar a capacidade de explicar os conceitos trabalhados em uma forma diferente de linguagem e representação.

Fase 8 – Avaliação somativa individual

A missão-solo final consistiu na avaliação dos conhecimentos adquiridos sobre os fenômenos gravitacionais trabalhados ao longo das fases.

Na avaliação do autor da dissertação [23[23] T. Maximo, Gamificação, uma estratégia para promover o ensino e aprendizagem de gravitação no ensino médio. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do ABC, Santo André (2017).]:

“O conhecimento adquirido, demonstrado não só pela aquisição de medalhas e pontos, foi um dos pontos mais presentes nesse projeto. Os alunos tinham o prazer de demonstrar o seu conhecimento, não só para o professor e seus amigos, mas também para exibição em sua rede social. Ser vencedor de qualquer disputa é algo muito prazeroso para o nosso ego, mesmo que seja uma pequena vitória. Quando adicionamos a isso o prazer de adquirir conhecimento, a atividade como um todo é ainda mais potencializada.

As atividades das fases 2 e 4 evidenciaram a preparação dos alunos para o discurso, a capacidade de argumentação e a pesquisa sobre os assuntos trabalhados, alcançando os objetivos esperados nesse produto gamificado. Era evidente, nessas fases, a demonstração de felicidade dos alunos em compartilhar o seu conhecimento de forma segura.

As respostas ao questionário disponibilizado por meio do Google Drive para avaliar o grau de satisfação foram muito positivas e as críticas, na sua maioria, extremamente benéficas para uma nova aplicação, evidenciando assim a necessidade de mudanças no ensino de física para essa nova geração.”

9. Considerações Finais

Extensa literatura sobre o uso da metodologia da Aprendizagem Baseada em Games, tanto de entretenimento quanto educacionais, tem mostrado que o engajamento dos alunos no game é um claro fator positivo na aprendizagem, no desenvolvimento de habilidades e na aquisição de conceitos. Uma proposta que pode ser bem-sucedida é usar games como organizadores prévios no bojo da Teoria da Aprendizagem Significativa [42[42] A.R. Denham, Education. Tech. Research Dev. 66, 1 (2018).]. Alguns games aplicados em projetos de ensino de física foram explicitados. No entanto, os games são produzidos prioritariamente para fins de entretenimento e a oferta disponível de games com conteúdos de ciência ainda é pequena. Uma alternativa promissora é a criação de games educacionais, mas trata-se de tarefa mais desafiadora por exigir uma equipe multidisciplinar com especialistas em design de games, psicólogos, educadores, entre outros.

No entanto, a gamificação educacional é uma estratégia mais atraente e de fácil implementação por incorporar os elementos de games mais adequados ao processo de ensinagem. Foi proposto um design instrucional usando a gamificação com o intuito de elaboração de sequências de ensino e aprendizagem, dentro da temática do Design-based Research, que contribui para a motivação e engajamento sustentado dos alunos em sua aprendizagem. Sistemas gamificados, inspirados na Sala de Aula de Multijogadores (Sheldon) e concebidos para o ensino de disciplinas na pós-graduação e no Ensino Médio foram apresentados.

Finalizando, deve ser enfatizada a diferença fundamental entre as duas metodologias discutidas neste artigo. Nas palavras de Sherry Jones [43[43] C. Jones, em: Symposium for Teaching and Learning with Technology (Denver, 2013).]:

  • Aprendizagem baseada em games formata o mundo dos games como um “playground” para experimentação e análise de conceitos.

  • Gamificação transforma o mundo em um game de modo a atingir objetivos específicos.

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    C. Jones, em: Symposium for Teaching and Learning with Technology (Denver, 2013).
  • 1
  • 2
    A palavra games será usada aqui para se referir a videogames e jogos digitais.
  • 3
    A expressão game-thinking tem sido usada de forma diferente em vários contextos. Seu significado aqui refere-se ao pensar a partir da dinâmica dos games.
  • 4
    Uma lista de tipos de videogames pode ser encontrada na Wikipedia. https://en.wikipedia.org/wiki/List_of_video_game_genres
  • 5
    A versão do game MinecraftEdu para fins educacionais foi aprimorada pela Microsoft no portal Minecraft: Education Edition (https://education.minecraft.net) que visa a ajudar os professores a mediar as tarefas dos alunos seguindo planos de atividades propostos.
  • 6
    Processo em que ensino e aprendizagem são considerados de modo indissociável. Para o autor, o ensino é ineficaz se não houver aprendizagem.
  • 7
    Em oposição à Prática em Massa em que o aluno estuda intensivamente por um longo período, esperando aprender todo o conteúdo de uma só vez. A conhecida prática de estudar na véspera da prova.
  • 8
    A Telepresença é definida pela “vivacidade da experiência: sua amplitude (número de sentidos envolvidos), profundidade (grau envolvimento) e a capacidade de resposta do sistema” [36[36] B. Cowley, D. Charles, M. Black e R. Hickey, Computers in Entertainment 6, 1 (2008).].
  • 9
    O interesse do autor deste artigo em Aprendizagem Baseada em Games e Gamificação veio da observação de experiências de fluxo do seu filho enquanto jogava.
  • 10
    O Center for Self-Determination Theory (https://selfdeterminationtheory.org/) constitui-se numa importante fonte de consulta.
  • 11
    RPG, iniciais de Role Play Game, algo como o “jogo de interpretação de papéis”, em que os jogadores criam personagens e narrativas de modo colaborativo em que os jogadores podem improvisar, mas seguindo um sistema de regras predeterminado.
  • 12
    Jogador que age como moderador e organizador de um jogo de RPG.
  • 13
    Na Ref. [40[40] L. Sheldon, The Multiplayer Classroom: Designing Coursework as a Game (Cengage Learning, Boston, 2012).], o autor inseriu capítulos com relatos de professores de várias partes do mundo que se inspiraram na abordagem da Sala de Aula Multijogadores e a aplicaram em várias disciplinas e áreas do conhecimento.
  • 14
    Filme de drama, suspense e ficção científica, dirigido por Alfonso Cuarón. (2013).
  • 15
  • 16
    Capítulo 32 de Leituras de Física – Mecânica do GREF disponível em http://www.if.usp.br/gref/mec/mec4.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    08 Out 2021
  • Revisado
    23 Nov 2021
  • Aceito
    24 Nov 2021
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