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Não localidade em Teoria de Campos e aplicações

Nonlocality in Field Theories and Applications

Resumo

Teorias não locais são, por definição, aquelas nas quais elementos da teoria podem estar correlacionados, ou podem interagir, em diferentes pontos do espaço-tempo sem nenhuma mediação. A Mecânica Quântica é um exemplo de teoria não local, pois estados quânticos não podem ser localizados no espaço-tempo e o observável de posição não pode ser medido com precisão arbitrariamente boa. Por sua vez, no contexto da teoria clássica de campos, a não localidade pode ser introduzida na dinâmica da teoria em nível da ação, por meio de termos que conectam pontos distintos do espaço-tempo. Neste trabalho apresentaremos uma introdução pedagógica ao conceito de não localidade em teorias físicas por meio de exemplos da Mecânica Quântica, eletrodinâmica e modelos gravitacionais. Discutiremos também uma definição formal para a não localidade no contexto da teoria clássica de campos por meio de funções de Green, e qual a sua relação com a preservação do princípio de causalidade. Por fim, comentaremos sobre a preservação da causalidade na ação efetiva quântica.

Palavras-chave:
Teoria não local; Teoria de Campos; Gravidade modificada


1. Introdução

Em termos gerais, teorias não locais são aquelas que não obedecem ao princípio da localidade, que estabelece que um objeto é influenciado somente pela sua vizinhança imediata. Em teorias locais não existe ação à distância, toda interação entre os objetos da teoria necessariamente deve ser mediada por um campo. O estudo dos fenômenos não locais remonta ao paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen (EPR), de acordo com o qual os autores argumentam que a interpretação de Copenhagen (probabilística) da Mecânica Quântica1 1 Em todas as partes deste artigo onde aparece o termo “Mecânica Quântica” estaremos nos referindo à esta interpretação tradicional, a qual usualmente é apresentada nos cursos de graduação em Física. não pode oferecer uma descrição completa de uma realidade local [1[1] A. Einstein, B. Podolsky e N. Rosen, Physical Review 47, 777 (1935)., 2[2] R. Siqueira-Batista, M.V. Vicari e J.A. Helayël-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220102 (2022)., 3[3] R. Wagner, N.W. Lima e M.M. Nascimento, Revista de Enseñanza de la Física 33, 167 (2021).]. De fato, a Mecânica Quântica é cinematicamente não local, estados quânticos não podem ser localizados no espaço-tempo [4[4] H. Dieter Zeh, Foundations of Physics 40, 1476 (2009).]. É possível que dois estados espacialmente separados estejam “emaranhados” de forma que a medida de um observável em um dado estado afete instantaneamente a probabilidade de medida deste mesmo observável no outro. Isto acontece devido ao colapso da função de onda, que é um dos postulados fundamentais da teoria quântica, permitindo que a informação física, entre os estados emaranhados, se propague sem a mediação de nenhum campo. Contudo, deve ficar claro que este fenômeno não permite o envio de mensagens (físicas) a uma velocidade superior a da luz, mas sim é decorrente do caráter probabilístico da Mecânica Quântica que requer que as medidas sejam comparadas para que a correlação seja identificada.

Nas décadas de 1960–70 G. Efimov e seus colaboradores introduziram modelos não locais para o campo escalar quantizado e para a eletrodinâmica quântica, nos quais estudaram a questão da causalidade na construção da matriz de espalhamento [5[5] G.V. Efimov, Communications in Mathematical Physics 5, 42 (1967)., 6[6] G.V. Efimov, Annals of physics 71, 466 (1972)., 7[7] V.A. Alebastrov e G.V. Efimov, Communications in Mathematical Physics 38, 11 (1974).]. Por outro lado, a não localidade surge naturalmente de correções de ordem superior que aparecem na teoria de perturbações da ação efetiva de uma teoria quântica de campos [8[8] M. Maggiore e M. Mancarella, Phys. Rev. D 90, 023005 (2014).]. Já na teoria clássica de campos, a não localidade pode ser introduzida na dinâmica da teoria, por meio de funções de um operador diferencial na ação. Portanto, observamos que a inserção da não localidade na teoria clássica de campos permite a compreensão de fenômenos de origem quântica (no infravermelho) e vêm sendo usada, por exemplo, na construção de teorias de gravidade modificada não-locais.

As teorias não locais de gravitação, surgiram a partir dos trabalhos de D. Dalvit [9[9] D.A.R. Dalvit e F.D. Mazzitelli, Phys. Rev. D 50, 1001 (1994).] e C. Wetterich [10[10] C. Wetterich, Gen. Rel. Grav. 30, 159 (1998).] com a proposta de modificar minimamente a Relatividade Geral no regime do infravermelho [11[11] E. Mitsou, Aspects of Infrared Non-local Modifications of General Relativity (Springer Cham, Geneva, 2016).]. Em seu trabalho, Dalvit derivou equações efetivas para o campo gravitacional usando uma aproximação não local e calculou correções quânticas para o potencial newtoniano. Já Wetterich propôs a adição de um termo proporcional a R-1R à ação de Einstein-Hilbert e analisou as implicações cosmológicas de um modelo simples baseado nesta ação não local. Wetterich concluiu que, apesar do seu modelo não ser compatível com a nucleossíntese primordial, generalizações compatíveis com as observações experimentais seriam concebíveis. Em 2007, S. Deser e R.Woodard desenvolveram uma teoria mais geral com termos não locais da forma Rf(-1R) [12[12] S. Deser e R.P. Woodard, Phys. Rev. Lett. 99, 111301 (2007).] e observaram que neste modelo surge naturalmente o intervalo de tempo para a transição do universo dominado por radiação para o universo dominado por matéria, mas diversas questões ainda ficaram em aberto. Recentemente, Deser e Woodard aprimoraram seu modelo para reproduzir os resultados experimentais do modelo cosmológico ΛCDM e permite um mecanismo de blindagem dos efeitos não locais na escala do Sistema Solar [13[13] S. Deser e R.P. Woodard, JCAP 6, 034 (2019).]. Esse mecanismo permite recuperar a Relatividade Geral e consequentemente o modelo não viola os testes realizados na escala do Sistema Solar. Desde então, diversos importantes trabalhos foram apresentados seguindo a proposta de adicionar termos não locais à ação para o campo gravitacional [8[8] M. Maggiore e M. Mancarella, Phys. Rev. D 90, 023005 (2014)., 14[14] E. Belgacem, Y. Dirian, S. Foffa e M. Maggiore, JCAP 3, 002 (2018)., 15[15] A.O. Barvinsky, Phys. Rev. D 85, 104018 (2012).]. Recentemente, os autores do presente artigo analisaram a viabilidade do modelo de Deser-Woodard aprimorado para a reconstrução da cosmologia do universo com ricochete (bouncing cosmology), no qual obtiveram soluções viáveis para diferentes formas do fator de escala do universo [16[16] D. Jackson e R. Bufalo, Journal of Cosmology and Astroparticle Physics 2022, 43 (2022).].

Motivados pelos aspectos mencionados e outros, temos como objetivo neste trabalho fazer uma introdução pedagógica a efeitos não locais em teoria de campos em nível clássico e também em nível quântico, com ênfase na dinâmica do campo eletromagnético e também do campo gravitacional, bem como suas consequências. Organizamos o trabalho da seguinte forma: a Seção 2 2. Não Localidade e Emaranhamento Nesta seção introduziremos os conceitos de localidade e não localidade em teorias físicas. Denomina-se uma teoria local aquela em que a causa e o efeito são conectados por contato espacial, ou seja, não há ação à distância. Esta característica implica que em uma teoria local nenhuma informação pode ser transmitida de forma instantânea, pois, de acordo com a Relatividade Restrita, a velocidade máxima que pode ser atingida, por um sinal físico, é a velocidade da luz no vácuo. A existência deste limite para a velocidade de uma partícula implica na validade do conceito de causalidade. Alguns exemplos de teorias locais são: Eletromagnetismo, a Relatividade Restrita, a Relatividade Geral e Mecânica Estatística. Em contrapartida, teorias não locais não é necessário que nenhum meio ou campo de força faça a mediação da interação entre dois de seus elementos. Nesse caso, é possível que algum tipo de informação física seja transmitida instantaneamente (violando o princípio da causalidade), ou que um evento apresente correlação com outro, mesmo estando espacialmente distante (preservando a causalidade). A Mecânica Quântica por construção é uma teoria não local, já que estados quânticos são identificados por uma região do espaço na qual há diferentes probabilidades de encontrá-los e não por um ponto no espaço-tempo. Como veremos a seguir, uma manifestação da não localidade, que preserva a causalidade, ocorre em um fenômeno denominado emaranhamento quântico. No trabalho de 1935 de A. Einstein, B. Podolsky e N. Rosen, foi apresentada a argumentação de que a interpretação de Copenhagen da Mecânica Quântica não pode oferecer uma descrição completa da realidade, se esta é intrinsecamente local e causal [1]. Essa análise ficou conhecida como o paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen (EPR), para uma introdução de forma didática ao assunto recomendamos as refs [2, 3]. O paradoxo EPR pode ser ilustrado a partir problema do decaimento de um píon neutro em um elétron e um pósitron: π0→e-+e+. Neste caso, se o píon estiver inicialmente em repouso as trajetórias do elétron e do pósitron devem necessariamente ser opostas e em linha reta devido à conservação do momento linear, enquanto que a conservação do momento angular exige que a soma (das projeções) de spin do elétron e do pósitron deve ser zero, pois o méson π0 possui spin nulo. Denotaremos por |±⟩e- os estados possíveis para o spin do elétron e |±⟩e+ para o spin do pósitron, com |+⟩ representando a projeção de spin up e |-⟩ a projeção down. De acordo com o princípio da exclusão de Pauli, o estado final do sistema deve ser (1) | ψ ⟩ = 1 2 ⁢ ( | + ⟩ e - ⁢ | - ⟩ e + - | - ⟩ e - ⁢ | + ⟩ e + ) . A princípio, existe igual probabilidade tanto do elétron como do pósitron estarem em qualquer um dos estados de spin, porém ao se realizar uma medida do spin do elétron a função de onda deve colapsar imediatamente para um dos estados, seja |+⟩ ou |-⟩. Isto significa que, se após a medida o elétron for encontrado em um estado de spinup (down) obrigatoriamente o pósitron deve estar com spindown (up). A medida do spin do elétron afetará de forma instantânea a função de onda do pósitron independentemente de qual for a separação espacial entre eles, violando assim o princípio da localidade. Esse fenômeno recebe o nome de emaranhamento quântico, que foi verificado experimentalmente em diversas ocasiões [17, 18, 19]. Apesar da informação quântica de estados espacialmente separados ser conhecida instantaneamente, isso não significa que seja possível enviar uma mensagem a uma velocidade superior a da luz (no vácuo). Note que sistemas quânticos são estatísticos, e que é necessário que os resultados de medidas sejam comparáveis para que se conclua em qual estado cada sistema se encontra. A medida realizada em um sistema altera (somente) a parte da função de onda presente no outro sistema (espacialmente separado), mas para que a comparação entre os resultados seja feita é necessário enviar a informação por outro meio (aparato), o que só pode ser feito a uma velocidade menor ou igual à da luz. Na verdade, segundo a relatividade restrita, é impossível dizer qual medida foi realizada primeiramente: diferentes observadores (inerciais) vão discordar sobre o papel da causa e efeito. traz uma introdução à não localidade, apresentando uma definição geral e comentando uma versão simplificada do paradoxo EPR. Na Seção 3 3. Lagrangianas não Locais Tanto na teoria clássica de campos, como na teoria quântica de campos, é possível formular a não localidade em nível da ação, seja lagrangiana ou hamiltoniana. Uma densidade lagrangiana é considerada não local se ela contém termos que não são proporcionais aos campos e suas derivadas, avaliadas em um único ponto do espaço-tempo [20, 21]. Um dos exemplos mais ilustrativos da presença de efeitos não locais é a partir de uma função kernel na ação (2) S int = ∫ d x ⁢ ∫ d y ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ K ⁢ ( x , y ) ⁢ J ⁢ ( y ) que representa a interação não-local, mediada pelo kernelK⁢(x,y), entre um campo escalar φ e uma corrente J. No caso particular em que o kernel é proporcional à função delta de Dirac, ocorre que a não-localidade é removida, (3) S int = ∫ d x ⁢ ∫ d y ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ δ ⁢ ( x - y ) ⁢ J ⁢ ( y ) = ∫ d x ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ J ⁢ ( x ) , isto é, os campos são sempre avaliados em um mesmo ponto. Uma das formas mais utilizadas para operadores não locais do tipo kernel são funções de um operador de derivadas, que são interpretadas como uma série de Taylor com infinitas derivadas [22]. Modelos de campos generalizados com infinitas derivadas podem apresentar termos não locais da forma (4) K ⁢ ( x , y ) = ( e - □ M 2 ) ⁢ δ ⁢ ( x - y ) , na qual □=ημ⁢ν⁢∂μ⁡∂ν é o operador d’Alembertiano e M é a escala de energia na qual os efeitos não locais se tornam relevantes. Este tipo de kernel tem origem em teoria de cordas [22] e tem sido aplicado a problemas em cosmologia e física de buracos negros [8, 14, 20]. Naturalmente, a não localidade também pode ser expressa pelo inverso do operador d’Alembertiano □-1 ou por uma representação integral via funções de Green, como veremos na Seção 4. Vejamos, a seguir, um exemplo de uma lagrangiana não local que permite obter as equações de Maxwell para o eletromagnetismo. Apesar da eletrodinâmica clássica ser uma teoria local, as equações que a governam podem ser obtidas a partir de lagrangianas não locais, sem violar a propriedade da causalidade (ou ainda, os princípios da Relatividade Restrita) [23]. 3.1. Eletrodinâmica clássica Na mecânica clássica a mudança na descrição de um sistema do formalismo hamiltoniano para o lagrangiano se dá por uma transformação de Legendre, que relaciona as funções hamiltoniana H⁢(q,p,t) e lagrangiana L⁢(q,q˙,t) da seguinte forma: (5) L ⁢ ( q , q ˙ , t ) = q i ˙ ⁢ p i - H ⁢ ( q , p , t ) , enquanto os parênteses de Poisson fundamentais das variáveis do espaço de fase q e p são: {qi,pj}=δi⁢j.2 Todavia, a Equação (5) pode ser modificada para uma transformação mais geral, de forma que a lagrangiana seja dada por (6) L ⁢ ( q , q ˙ , t ) = ω i ⁢ j ⁢ q ˙ i ⁢ p j - H ⁢ ( q , p , t ) , em que a estrutura simplética corresponde a (7) { q i , p j } = ω i ⁢ j . A forma usual de (5) é recuperada com a escolha ωi⁢j=δi⁢j. Em uma teoria de campos clássicos, a densidade lagrangiana para os campos ϕ⁢(x) e π⁢(y) também pode ser generalizada seguindo o mesmo procedimento, de forma que (8) ℒ = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ ω i ⁢ j ⁢ ( x → , y → ) ⁢ ∂ t ⁡ ϕ i ⁢ ( x ) ⁢ π j ⁢ ( y ) - ℋ ⁢ ( ϕ , π ) . A escolha das funções ω⁢(x→,y→) como ωi⁢j⁢(x→,y→)=δi⁢j⁢δ3⁢(x→-y→) conduz à densidade lagrangiana local ℒ=∂t⁡ϕi⁢πi-ℋ. Entretanto, há outras possibilidades como, por exemplo, a escolha de uma função delta transversal δi⁢jT⁢(x→,y→) que fornece a projeção de um campo vetorial ao longo de sua componente transversal [24]. De acordo com o teorema de Helmholtz qualquer campo vetorial pode ser decomposto em uma componente longitudinal e outra transversal, (9) Φ → = Φ → L + Φ → T , as quais satisfazem por definição ∇→×Φ→L=0 e ∇→⋅Φ→T=0. Assim, a função δi⁢jT⁢(x,y) é definida a partir da identidade [24] (10) Φ i T ⁢ ( x ) ≡ ∫ d 3 ⁢ y ⁢ δ i ⁢ j T ⁢ ( x → , y → ) ⁢ Φ j ⁢ ( y ) = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ [ δ i ⁢ j ⁢ δ 3 ⁢ ( y → - x → ) + ∂ i ⁡ ∂ j 4 ⁢ π ⁢ 1 | y → - x → | ] ⁢ Φ j ⁢ ( y ) . Desta forma, encontra-se que a estrutura simplética neste caso é (11) ω i ⁢ j ⁢ ( x → , y → ) = δ i ⁢ j ⁢ δ 3 ⁢ ( y → - x → ) + 1 4 ⁢ π ⁢ ∂ i ⁡ ∂ j ⁡ 1 | y → - x → | , sendo que x→ e y→ são vetores posição que apontam para pontos distintos do espaço. Vale a pena mencionar que a Equação (11) corresponde aos parênteses de Dirac3 no gauge de radiação i.e. o gauge de Coulomb (∂i⁡Ai=0) associado com a condição A0 = 0 [26]. Observe que o segundo membro da Eq. (11) tende a zero quando a separação entre estes dois pontos é muito grande, isto é, quando |y→-x→|→+∞. A não localidade, neste caso, é presente no segundo termo, em que há uma separação espacial não nula entre dois pontos no espaço. Para obter as equações de Maxwell consideremos a densidade lagrangiana dependente dos seguintes graus de liberdade: as componentes do campo elétrico E→ e do potencial vetor A→, o qual define o campo magnético por meio da relação B→=∇→×A→. A função densidade hamiltoniana, corresponde à energia do campo eletromagnético, é definida por (12) ℋ ⁢ ( E , A ) = 1 2 ⁢ ( E 2 + ( ∇ → × A → ) 2 ) . Por sua vez, a densidade lagrangiana não local, para a teoria eletromagnética de Maxwell, neste caso é (13) ℒ = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ δ i ⁢ j T ⁢ ( x , y ) ⁢ ∂ t ⁡ E i ⁢ ( x ) ⁢ A j ⁢ ( y ) - 1 2 ⁢ ( E 2 + ( ∇ → × A → ) 2 ) . As equações de campo podem ser obtidas a partir do princípio variacional de Hamilton, o qual fornece (14) ∂ t ⁡ A i T ⁢ ( x ) = - E i (15) ∂ t ⁡ E i T ⁢ ( x ) = ( ∇ → × ( ∇ → × A → ) ) i . Por fim, de acordo com o teorema de Helmholtz a componente transversal de E→ deve ter divergência nula, isto é, ∇→⋅E→=0. Ademais, identificando o campo magnético como B→=∇→×A→T, o que implica em ∇→⋅B→=0, encontramos as quatro equações de Maxwell, na ausência de fontes, no vácuo (16) ∇ → × E → = - ∂ t ⁡ B → ∇ → ⋅ B → = 0 . ∇ → × B → = ∂ t ⁡ E → ∇ → ⋅ E → = 0 . Estas equações de campo contém apenas termos locais, contudo elas foram obtidas a partir de uma lagrangiana não local (13) que relaciona diferentes pontos do espaço. Podemos atentar ao fato da não localidade não ser presente na teoria eletromagnética clássica devido ao fato de considerarmos apenas uma trajetória que obedece ao princípio da mínima ação δ⁢S=0.4 Por outro lado, na descrição quântica a situação é contrária, pois não há uma trajetória bem definida e as integrais são efetuadas levando em consideração todos os possíveis caminhos [23]. Uma manifestação desse fenômeno quântico é o efeito de Aharonov-Bohm, em que partículas carregadas sofrem um deslocamento de fase ao passar por uma região externa a um solenoide [23, 27, 28, 29]. Nesse caso, a componente transversal do potencial vetor A→T, responsável pelo efeito Aharonov-Bohm, é equivalente ao termo de interação não local (17) A i T = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ G i ⁢ j ⁢ ( x , y ) ⁢ B j ⁢ ( y ) = Φ B 2 ⁢ π ⁢ ρ ⁢ φ ^ i , em que (18) G i ⁢ j ⁢ ( x , y ) = - ϵ i ⁢ j ⁢ k 4 ⁢ π ⁢ ∂ k ⁡ 1 | x → - y → | é a função de Green que satisfaz (19) ϵ j ⁢ k ⁢ i ⁢ ∂ k ⁡ G i ⁢ j = δ ⁢ ( x → - y → ) e ΦB é o fluxo do campo magnético. A lição que podemos extrair deste exemplo é que, dentro do escopo do que foi abordado, a não localidade se faz presente apenas em um fenômeno quântico; em geral, em nível clássico, a não localidade está presente somente em nível da ação (lagrangiana ou hamiltoniana) e não nas equações de movimento. Consideremos agora outro exemplo da eletrodinâmica clássica que permite ilustrar outros aspectos da presença de termos não locais em uma teoria. A densidade lagrangiana de Proca, que descreve fótons massivos na ausência de fontes, é dada por (20) ℒ = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν - 1 2 ⁢ m γ 2 ⁢ A μ ⁢ A μ em que Fμ⁢ν=∂μ⁡Aν-∂ν⁡Aμ é o tensor field-strength e Aμ=(V,A→) é o quadrivetor potencial. Esta lagrangiana é local, porém o termo de massa faz com que ela não seja invariante sob uma transformação local de gaugeAμ→Aμ+∂μ⁡λ, em que λ⁢(x) é o parâmetro da transformação. Contudo, é possível mostrar que esta formulação é equivalente (na camada de massa) a uma lagrangiana não local e invariante sob transformações de gauge. Iniciamos a nossa discussão calculando as equações de campo de Proca (21) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν - m γ 2 ⁢ A ν = 0 . Podemos atuar o operador ∂ν em (21) para mostrar que a teoria de Proca satisfaz naturalmente a condição do gauge de Lorenz ∂μ⁡Aμ=0. Usando esta condição como um vínculo sobre o potencial Aμ, a Equação (21) se torna (22) ( □ - m γ 2 ) ⁢ A ν = 0 , que é uma equação de onda para modos massivos. Para tornar a densidade lagrangiana (20) invariante sob uma transformação de gauge podemos fazer uso do formalismo de Stueckelberg [30, 31, 32]. O método consiste em introduzir um campo auxiliar φ tal que o potencial Aμ seja substituído da seguinte forma [33, 34] (23) A μ → A μ + 1 m γ ⁢ ∂ μ ⁡ φ , tal que a ação seja invariante sob o novo conjunto de transformações locais (24) A μ → A μ + ∂ μ ⁡ λ , φ → φ - m γ ⁢ λ A partir dessas observações, a densidade lagrangiana encontrada a partir da substituição (23) é (25) ℒ = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν - 1 2 ⁢ m γ 2 ⁢ A μ ⁢ A μ - 1 2 ⁢ ∂ μ ⁡ φ ⁢ ∂ μ ⁡ φ - m γ ⁢ A μ ⁢ ∂ μ ⁡ φ , que é manifestamente invariante sob as transformações (24). As novas equações de movimento, obtidas a partir de (25), são dadas por (26) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν - m γ 2 ⁢ A ν - m γ ⁢ ∂ ν ⁡ φ = 0 , (27) □ ⁢ φ + m γ ⁢ ∂ μ ⁡ A μ = 0 . A Equação (27) pode ser resolvida para o campo φ, em termos do operador diferencial inverso aplicado à derivada do potencial vetor, tal que (28) φ = - m γ ⁢ □ - 1 ⁢ ( ∂ μ ⁡ A μ ) . Observamos, portanto, que a relação (28) será responsável por introduzir a não localidade na teoria, conforme mencionamos no início da Seção 3. Logo, a Equação (28) permite eliminar a variável φ na Equação (25), de forma que a densidade lagrangiana se torna [33] (29) ℒ = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν + 1 4 ⁢ m γ 2 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ □ - 1 ⁢ F μ ⁢ ν , que, devido à presença do operador □-1, é efetivamente não local. Desta forma, a densidade lagrangiana de Proca (20) é equivalente à expressão (29) que é invariante sob transformação de gauge; porém, nesse caso, a invariância de gauge surge às custas da presença da não localidade. Por sua vez, se introduzimos o campo (30) U μ ⁢ ν = - □ - 1 ⁢ F μ ⁢ ν a lagrangiana (29) é posta em uma forma local e invariante por transformações de gauge. Contudo, Uμ⁢ν não pode ser considerado como a solução mais de geral de (31) □ ⁢ U μ ⁢ ν = - F μ ⁢ ν , pois isto introduziria graus de liberdade adicionais (ghosts) e que não estão presentes na teoria original [14]. A razão disto é que uma transformação do tipo Uμ⁢ν→Uμ⁢ν+Sμ⁢ν, tal que □⁢Sμ⁢ν=0, deixa a Equação (31) invariante. A introdução do campo auxiliar Uμ⁢ν faz com que a teoria seja localizada, mas as condições de contorno sob o campo Uμ⁢ν não são arbitrárias e, efetivamente, este objeto não representa uma nova dinâmica. Na verdade, o campo Uμ⁢ν não estaria associado a nenhuma quantidade física [14]. Ademais, dando sequência à nossa discussão, as equações de movimento correspondentes à ação não local (29) são: (32) ( 1 - m γ 2 □ ) ⁢ ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = 0 , que são as equações de Maxwell modificadas com termos não locais. Agora, ao adicionarmos um termo de fontes à Equação (29), expresso pelo quadri-vetor corrente jμ=(ρ,J→), correspondente à existência de cargas e correntes, as equações de campo se tornam (33) ( 1 - m γ 2 □ ) ⁢ ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = j ν . Podemos analisar as equações (33) em diferentes escalas de energia. Considerando o espaço de Fourier, □→-k2, para o caso em que a energia é muito maior que a massa do fóton, isto é, k2/mγ2≫1, o termo não local é desprezível e recupera-se as equações de Maxwell usuais (34) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = j ν . Este regime é denominado de ultravioleta e a não localidade não causa nenhuma alteração (significativa) para a teoria. No entanto, se considerarmos o caso em que a energia do fóton é pequena comparada à sua massa, tal que k2/mγ2≪1, temos que as equações (33) são escritas como (35) m γ 2 ⁢ □ - 1 ⁢ ( ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν ) = - j ν . Este limite de baixas energias é chamado de infravermelho. Aplicando o operador d’Alembertiano à Equação (35) o resultado é (36) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = - ( □ m γ 2 ) ⁢ j ν . Neste regime do infravermelho, i.e. k2/mγ2≪1, temos efetivamente que o termo não-local gera uma contribuição muito pequena para o campo eletromagnético. A partir deste exemplo conseguimos observar a possibilidade de transformar uma teoria local em uma não local por meio de uma transformação (local) aplicada à densidade lagrangiana (sem modificar o conteúdo físico, i.e. seus graus de liberdade). Além disso, vimos que o comportamento das correções não locais podem ser diferentes de acordo com a escala de energia considerada. Na Seção 3.3 veremos como generalizar o procedimento de introdução dos termos não locais na lagrangiana, conforme descrito nesta seção, para a construção de uma teoria de gravitação modificada. 3.2. Eletrodinâmica quântica A ação efetiva quântica é uma ferramenta usada na teoria quântica de campos para analisar correções quânticas na dinâmica clássica de um campo. Os efeitos quânticos, derivados a partir de uma ação efetiva, podem ser usados como “correções” à descrição clássica de uma teoria de campos e assim serem um ponto de partida para o estudo, por exemplo, da influência dos campos de matéria nos campos de gauge, por exemplo, o campo eletromagnético ou o campo gravitacional. Vejamos por meio de um exemplo o significado e implicações de termos não locais em uma ação efetiva quântica. Consideraremos a ação efetiva da eletrodinâmica com correções em nível de um loop, envolvendo apenas os termos correspondentes ao campo do fóton Aμ. Neste caso, se mantivermos apenas termos de ordem quadrática em Aμ, a ação efetiva se torna [9, 14] (37) Γ Q ⁢ E ⁢ D = - 1 4 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ 1 e 2 ⁢ ( □ ) ⁢ F μ ⁢ ν , na qual o termo 1e2⁢(□) representa o deslocamento da carga elétrica (running coupling constant). Temos que, no espaço de Fourier, o deslocamento da carga elétrica tem a seguinte expressão [35]: (38) 1 e 2 ⁢ ( - k 2 ) = 1 e 2 ⁢ ( μ ) - 1 8 ⁢ π 2 ⁢ ∫ 0 1 d t ⁢ ( 1 - t 2 ) ⁢ ln × [ m e 2 + 1 4 ⁢ ( 1 - t 2 ) ⁢ k 2 μ 2 ] , aqui μ corresponde à escala de energia da renormalização da teoria. De forma semelhante ao que foi feito na Seção 3.1 consideraremos o limite de ultravioleta, isto é k2/me2≫1, a situação em que a massa do elétron é desprezível em relação a escala de energia. Neste caso, a variação da magnitude da carga elétrica é dada por (39) 1 e 2 ⁢ ( - k 2 ) ≈ 1 e 2 ⁢ ( μ ) - 1 12 ⁢ π 2 ⁢ ln ⁡ [ k 2 μ 2 ] , A não localidade presente na ação (37) se manifesta na variação da carga elementar do elétron e, consequentemente, da constante de acoplamento com a escala de energia em (39). Por sua vez, no limite de infravermelho, ou seja, em que k2/me2≪1, existem apenas termos locais na expressão para o deslocamento da carga do elétron, (40) 1 e 2 ⁢ ( k 2 ) ≈ 1 e 2 ⁢ ( μ ) + 1 15 ⁢ π 2 ⁢ k 2 m e 2 . Nesse caso, os termos adicionais são muito pequenos devido à presença do fator k2/me2. Além disso, é importante observar que as equações obtidas nesta seção podem não corresponder a sistemas físicos consistentes e também não respeitarem o princípio da causalidade, dependendo da formulação da integral de caminho utilizada [14]. De fato, é necessário um maior cuidado para a definição da não localidade presente na ação efetiva para que ela obedeça a causalidade, conforme discutiremos na Seção 4. A lição a ser tirada do exemplo discutido acima é que, de forma geral, em uma teoria quântica de campos a não localidade aparece quando levamos em consideração a variação da constante de acoplamento, devido a correções quânticas. 3.3. Gravitação Existem diversas maneiras de introduzir a não localidade em uma teoria clássica para a gravitação [20, 21, 36], vejamos alguns exemplos que foram propostos com essa finalidade. Uma abordagem para modificar a Relatividade Geral, baseada na teoria de Proca para fótons massivos, é alterar diretamente as equações de campo [37], tendo como base a Eq. (33). Desta forma, podemos escrever (41) ( 1 - m g 2 □ ) ⁢ G μ ⁢ ν = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν , na qual Gμ⁢ν=Rμ⁢ν-R2⁢gμ⁢ν é o tensor de Einstein, □=gμ⁢ν⁢Dμ⁢Dν é o d’Alembertiano covariante, e mg é a massa do gráviton.5 Embora as Equações (41) sejam postuladas ad-hoc, a partir da formulação não local da equação de Proca, não é possível afirmar a existência de uma lagrangiana que permita obtê-las por meio do princípio variacional. De maneira análoga à discussão do comportamento da Equação (38) em diferentes regimes de energia, podemos analisar a Equação (41) de acordo com a escala de energia das ondas gravitacionais. No limite de altas energias, tal que k2/mg2≫1, o termo não local em (41) é desprezível e recuperamos as equações de campo de Einstein da Relatividade Geral. Em contrapartida, para o regime infravermelho, tal que mg2/k2≫1, a Equação (41) se torna (42) □ - 1 ⁢ G μ ⁢ ν = - 8 ⁢ π ⁢ G m g 2 ⁢ T μ ⁢ ν . Ademais, se aplicarmos o operador d’Alembertiano à Equação (42), temos que (43) G μ ⁢ ν = - 8 ⁢ π ⁢ G m g 2 ⁢ □ ⁢ T μ ⁢ ν . Uma primeira conclusão que podemos extrair da expressão (43) é a seguinte: a constante cosmológica nas equações de campo usuais da relatividade geral pode ser interpretada como a presença de um termo correspondente a energia do vácuo no tensor energia-momento da forma Tμ⁢νV=Λ8⁢π⁢G⁢gμ⁢ν. Em uma geometria que obedece a condição de metricidade, i.e. Dα⁢gμ⁢ν=0, o d’Alembertiano desta contribuição do tensor energia-momento será nulo, ou seja, □⁢Tμ⁢νV=Λ8⁢π⁢G⁢Dα⁢(Dα⁢gμ⁢ν)=0. Portanto, nesse modelo, o termo não local não contribui com a presença da constante cosmológica nas equações de campo. Além disso, o fato de que as Equações (41) não serem derivadas a partir de uma ação, faz com que a introdução da não localidade ad hoc não tenha uma origem física fundamentada de maneira satisfatória. Isto não permite que seja conhecido, por exemplo, quais aspectos de simetria da Relatividade Geral são preservados (ou violados) nas equações de campo. Outro problema existente nesse modelo é que o tensor energia-momento não é covariantemente conservado. Podemos verificar este aspecto calculando a derivada covariante da Equação (43), que resulta em (44) D μ ⁢ G μ ⁢ ν = - 8 ⁢ π ⁢ G m g 2 ⁢ D μ ⁢ ( □ ⁢ T μ ⁢ ν ) . Se assumirmos como válida a identidade de Bianchi, temos que Dμ⁢Gμ⁢ν=0. Logo, a Equação (44) se torna (45) D μ ⁢ ( □ ⁢ T μ ⁢ ν ) = 0 , o que, por sua vez, implica em (46) □ ⁢ ( D μ ⁢ T μ ⁢ ν ) = [ D μ , □ ] ⁢ T μ ⁢ ν . Contudo, em um espaço-tempo curvo as derivadas covariantes não comutam, o comutador entre derivadas covariantes (atuando em tensores) fornece o tensor de curvatura de Riemann, i.e. [Dμ,Dν]⁢vα=-Rμ⁢ν⁢λα⁢vλ. Como consequência temos que [Dμ,□]≠0 e, portanto, segue que Dμ⁢Tμ⁢ν≠0. Por outro lado, se assumirmos que a lei de conservação Dμ⁢Tμ⁢ν=0 seja válida, então a Equação (44) implica que o tensor de Einstein não pode obedecer a identidade de Bianchi. A conclusão que segue destes resultados é que neste modelo não podemos ter as duas condições sendo satisfeitas simultaneamente, tal como ocorre na Relatividade Geral. A identidade de Bianchi é responsável por eliminar 4 graus de liberdade do tensor métrico. Portanto, se a identidade de Bianchi não é satisfeita consequentemente a teoria modificada apresenta mais graus de liberdade do que a teoria da relatividade geral.6 Este problema pode ser resolvido ao utilizarmos o conceito de projeção: iremos considerar apenas a parte transversal do setor geométrico das equações de campo (41), para maiores detalhes veja a Ref. [34]. De fato, um tensor simétrico arbitrário Sμ⁢ν pode ser decomposto em uma parte transversal e outra longitudinal tal que (47) S μ ⁢ ν = S μ ⁢ ν T + 1 2 ⁢ ( D μ ⁢ S ν - D ν ⁢ S μ ) , na qual Sμ⁢νT satisfaz Dμ⁢Sμ⁢νT=0 e o vetor Sμ é obtido aplicando a derivada covariante Dμ em ambos os lados da Equação (47). A partir deste princípio podemos escrever as equações de campo como (48) [ ( 1 - m g 2 □ ) ⁢ G μ ⁢ ν ] T = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν , ou ainda, de forma equivalente, (49) G μ ⁢ ν - m g 2 ⁢ ( □ - 1 ⁢ G μ ⁢ ν ) T = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν . Ao aplicarmos o divergente covariante Dμ ao lado esquerdo de (49) o resultado deve ser zero por construção; desta forma, como consequência, a condição Dμ⁢Tμ⁢ν=0 será naturalmente satisfeita. Apesar dessas observações, este modelo também apresenta alguns problemas, existem instabilidades geradas pelo caráter tensorial do termo não local (□-1⁢Gμ⁢ν)T que não permitem um modelo cosmológico válido [35, 39]. Portanto, com o intuito de eliminar estas instabilidades e construir um modelo cosmológico viável, foi proposto na ref. [40] que o tensor Gμν seja substituído pelo escalar de curvatura R, dando origem ao modelo (50) G μ ⁢ ν - m g 2 ⁢ ( g μ ⁢ ν ⁢ □ - 1 ⁢ R ) T = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν . Estas equações de campo apresentam características que permitem a construção de um modelo cosmológico que pode ser comparado ao modelo ΛCDM. O valor da densidade de energia associada à energia escura pode ser obtido a partir destas equações sem a necessidade da presença de uma constante cosmológica (i.e. o termo não local comporta-se efetivamente como contribuição para o conteúdo de energia do sistema, uma energia responsável pela expansão do universo) [35, 39, 40]. Se o parâmetro de massa mg presente na Equação (50) for escolhido tal que mg=0,67⁢H0,7 na qual H0=(67,4±0,5)⁢kms-1⁢Mpc-1 [41], encontra-se que a densidade de energia associada à energia escura é ΩΛ≈0,68, que está de acordo com o valor experimental ΩΛ=0,6847±0,0073 obtido pelo satélite Planck [41]. Outra grandeza que permite a comparação deste modelo de gravitação não local com o modelo ΛCDM, é o parâmetro w definido na equação de estado p=w⁢ρ. O valor deste parâmetro para a energia escura (do vácuo) deve ser w=-1, enquanto que no modelo não local (50) pode-se obter que -1.1≲w≲-1.04 [42]. Por fim, apesar de apresentar resultados satisfatórios em comparação com o modelo ΛCDM e, consequentemente, com alguns dados observacionais, o modelo descrito pela Equação (50) possui alguns problemas estruturais. Da mesma forma que o modelo proposto em (43), não conhecemos uma ação da qual as equações (50) sejam deduzidas a partir do princípio variacional. Uma consequência direta deste fato é que a introdução do termo não local não pode ser justificada por uma alteração em um nível fundamental da teoria (mas sim associada a efeitos quânticos de uma ação efetiva, por exemplo). Além disso, a presença do parâmetro de massa mg tem um papel similar ao da constante cosmológica nas equações de campo de Einstein, de forma que o número de parâmetros livres neste modelo é o mesmo que o existente no modelo ΛCDM [42]. Na verdade, a vantagem do modelo não local é que a introdução do termo mg2⁢(gμ⁢ν⁢□-1⁢R)T nas equações de campo é inspirada por um fenômeno quântico, em contraste com a presença da constante cosmológica (que até hoje ainda não teve a sua natureza completamente entendida [43]). Como modelos alternativos à ação de Einstein-Hilbert, podemos mencionar o modelo de Deser e Woodard de 2019, que a partir da adição de termos não locais à densidade lagrangiana gravitacional procura estabelecer mecanismos para explicar a expansão acelerada do universo, observada atualmente, sem a presença de uma constante cosmológica [13]. Este modelo, o qual chamaremos aqui de DW II, consiste em adicionar uma função algébrica f arbitrária do operador d’Alembertiano inverso, atuando no escalar de curvatura R, o que é inspirado pelas correções quânticas presentes na ação efetiva como vimos na Seção 3.2. A lagrangiana proposta é (51) ℒ N ⁢ L = - g 16 ⁢ π ⁢ G ⁢ R ⁢ [ 1 + f ⁢ ( Y ) ] , em que, (52) Y = □ - 1 ⁢ ∂ μ ⁡ X ⁢ ∂ μ ⁡ X X = □ - 1 ⁢ R . Aqui □=Dμ⁢Dμ é o operador d’Alembertiano e R é o escalar de curvatura de Ricci. A necessidade de inserir o termo ∂μ⁡X⁢∂μ⁡X na ação surgiu dos efeitos da contribuição não local para a descrição da inflação primordial e para que o modelo obedecesse os testes do Sistema Solar [13]. Este termo é negativo na escala do Sistema Solar e positivo na escala cosmológica, o que torna possível restringir os efeitos não locais apenas para o último cenário, o que é denominado “efeito de blindagem” [14]. É possível reescrever esta ação de uma forma local, ao introduzirmos os campos auxiliares U e V como multiplicadores de Lagrange, resultando em (53) ℒ = - g 16 ⁢ π ⁢ G ⁢ [ R ⁢ ( 1 + f ⁢ ( Y ) + U ) + g μ ⁢ ν ⁢ E μ ⁢ ν ] , em que Eμ⁢ν=∂μ⁡U⁢∂ν⁡X+∂μ⁡V⁢∂ν⁡Y+V⁢∂μ⁡X⁢∂ν⁡X. Os campos X,Y,U e V devem ser considerados campos escalares independentes, os quais devem satisfazer condições de contorno retardadas a fim de evitar a presença de graus de liberdade extras para a teoria [13]. As equações de campo modificadas pelo termo não local são obtidas variando a expressão (53) com relação à métrica (com a inclusão de uma fonte), o que fornece (54) ( G μ ⁢ ν - D μ ⁢ D ν + g μ ⁢ ν ⁢ □ ) ⁢ ( 1 + U + f ⁢ ( Y ) ) + E ( μ ⁢ ν ) - 1 2 ⁢ g μ ⁢ ν ⁢ g ρ ⁢ σ ⁢ E ρ ⁢ σ = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν , na qual o tensor energia momento não inclui o termo correspondente à energia escura (vácuo) e os índices entre parênteses denotam a parte simétrica do tensor. Para que o modelo não possua mais equações independentes do que a relatividade geral (i.e. o mesmo número de graus de liberdade) e também para que a lei de conservação Dμ⁢Tμ⁢ν=0 seja válida, é necessário que a identidade de Bianchi Dμ⁢Gμ⁢ν=0 seja obedecida. De fato, ao atuarmos o operador Dμ na expressão (54), e após uma série de manipulações algébricas e também o uso das equações de campos de (U,V,X,Y), encontramos explicitamente que a lei de conservação (covariante) Dμ⁢Tμ⁢ν=0 é satisfeita. Por fim, é importante mencionar que a função de distorção não local f⁢(Y) deve ser obtida através do procedimento de reconstrução [13], que impõe, por exemplo, que a evolução cosmológica do modelo DWII deve ser descrita pelas equações de Friedmann usuais da relatividade geral. Nesse caso, um ajuste exponencial a partir da solução numérica da função de distorção fornece (55) f ⁢ ( Y ) ≃ e 1.1 ⁢ ( Y - 16.7 ) . Portanto, o modelo DW II do campo gravitacional reproduz a expansão acelerada do universo evitando um ajuste fino maior. Em contraste com outros modelos gravitacionais alternativos, mencionados anteriormente, esse modelo modifica a relatividade geral no nível da ação, permitindo maior conhecimento sobre a origem da não localidade e do conteúdo de simetrias. , discutiremos aspectos da não localidade na eletrodinâmica clássica e apresentaremos uma forma de obter as equações de Maxwell a partir de uma lagrangiana não local. Ademais, discutiremos como a não localidade pode ser relacionada com a invariância de gauge no caso da lagrangiana de Proca para fótons massivos. Comentaremos também como alterações no valor mensurável da carga do elétron em diferentes escalas de energia está relacionado à dinâmica não local para fótons no contexto da eletrodinâmica quântica (em termos de uma ação efetiva). Ainda nesta seção, apresentaremos um resumo dos desenvolvimentos de teorias não locais para a gravitação, ilustrando como a não localidade afeta uma teoria de campos em nível clássico. A Seção 4 4. Operadores não Locais e Causalidade A fim de complementar as discussões anteriores, apresentaremos nesta seção definições formais de alguns aspectos de efeitos não-locais, em especial, a preservação da causalidade e a sua relação com o processo de quantização. Como vimos, a atuação de um operador diferencial inverso em uma função é uma das formas de inserir a não localidade em uma teoria (veja por exemplo as Eqs. (49) e (37)). Podemos definir um operador diferencial inverso 𝒟-1, tal que ele satisfaça a propriedade (56) 𝒟 - 1 ⁢ ( 𝒟 ⁢ φ ⁢ ( x ) ) = φ ⁢ ( x ) . Alguns exemplos de operadores diferenciais inversos conhecidos são □-1, [μ2+□]-1, [∂t2+c1⁢∂t+c2]-1, e-□/M2. A partir da definição (56) podemos obter a sua representação integral (57) 𝒟 - 1 ⁢ φ ⁢ ( x ) = φ ( 0 ) ⁢ ( x ) + ∫ d 4 ⁢ y ⁢ G ⁢ ( x , y ) ⁢ φ ⁢ ( y ) . Por sua vez, aplicando o operador 𝒟x à expressão acima, com as derivadas sendo calculadas com relação à variável x, temos que (58) φ ⁢ ( x ) = 𝒟 ⁢ φ ( 0 ) ⁢ ( x ) + ∫ d 4 ⁢ y ⁢ 𝒟 ⁢ G ⁢ ( x , y ) ⁢ φ ⁢ ( y ) . Portanto, para que a definição (56) seja satisfeita, devemos ter (59) 𝒟 ⁢ φ ( 0 ) ⁢ ( x ) = 0 (60) 𝒟 ⁢ G ⁢ ( x , y ) = δ ( 4 ) ⁢ ( x - y ) , em que, a função φ(0)⁢(x) é chamada de solução homogênea e identificamos G⁢(x,y) como a função de Green. Observe que a função de Green é simétrica mediante uma inversão das variáveis x↔y, isto é (61) G ⁢ ( x , y ) = G ⁢ ( y , x ) . Ademais, a função de Green G⁢(x,y) pode ser escrita como a soma de uma função de Green retardada com uma função de Green avançada (62) G ⁢ ( x , y ) = G R ⁢ ( x , y ) + G A ⁢ ( y , x ) . Esta decomposição nas partes retardada e avançada, torna explícito a invariância da função de Green G⁢(x,y) sob a permutação das coordenadas x↔y, uma vez que sob esta condição a função de Green retardada se torna a função de Green avançada, i.e. GR⁢(x,y)↔GA⁢(y,x). Vale a pena mencionar que todo operador diferencial possui sua própria função de Green particular, que por sua vez é solução da Equação (60). Para exemplificar a relação entre a presença da função de Green e a causalidade nas equações de movimento, consideremos o seguinte termo, (63) Δ ⁢ S = 1 2 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ □ - 1 ⁢ φ ⁢ ( x ) = 1 2 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ ∫ d 4 ⁢ y ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ G ⁢ ( x , y ) ⁢ φ ⁢ ( y ) , que corresponde à correção da ação do campo escalar clássico [35]. Variando funcionalmente a ação (63), com relação ao campo φ, temos: (64) δ ⁢ S ⁢ ( φ ) δ ⁢ φ ⁢ ( y ) = 1 2 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ [ G ⁢ ( x , y ) + G ⁢ ( y , x ) ] ⁢ φ ⁢ ( x ) , onde usamos a definição de derivada funcional δ⁢φ⁢(x)δ⁢φ⁢(y)=δ4⁢(x-y). Podemos enunciar algumas conclusões importantes sobre a questão da causalidade obtidas a partir de (63) e (64): Mesmo que a ação (63) seja definida apenas em termos da função de Green retardada, a fim de garantir que apenas os valores do campo φ no cone de luz passado sejam considerados, a variação da ação fará com que as equações de movimento possuam tanto a função de Green retardada quanto a avançada (veja (64)). A razão disto é que o segundo termo em (64) contém uma permutação nas variáveis, e como vimos, GR⁢(x,y)=GA⁢(y,x). Como consequência, as equações de movimento para um dado evento dependem tanto do campo avaliado em um ponto no cone de luz passado xμ quanto no cone de luz futuro yμ, violando o princípio da causalidade. Podemos concluir que a presença de um termo não local na densidade lagrangiana, de uma teoria clássica de campos, pode implicar na violação da causalidade. No entanto, este problema pode ser evitado por meio do procedimento de localização da ação, de maneira semelhante ao que fizemos na Equação (53), garantindo que a não localidade apareça apenas nas equações da campo. Nesse caso, é necessário resolver a forma diferencial das equações de campo ou a sua forma integral via funções de Green. Ademais, é importante ter em mente que as equações diferenciais devem ser resolvidas a partir de condições de contorno retardadas, caso contrário isso resultará em graus de liberdade extras. Da mesma forma, a integral da função de Green, nas soluções das equações de campo, deve ser avaliada respeitando um ordenamento temporal (causalidade) nos limites de integração. De fato, existem formalismos que permitem obter diretamente equações de campo causais a partir de uma ação não local. Focaremos aqui na abordagem da ação efetiva quântica e como ela pode determinar se uma teoria obedece ou não ao princípio da causalidade. Além disso, e mais importante, vamos apresentar qual é o formalismo de quantização que permite que uma teoria não local sempre respeite o princípio da causalidade. Neste contexto, para compreender o significado de uma ação efetiva quântica, consideremos como exemplo o caso de um campo escalar Φ definido em um espaço-tempo curvo, em que o campo métrico gμν é visto como um campo clássico de fundo (background). Pode-se mostrar que, nesse caso, a ação efetiva quântica Γ⁢[gμ⁢ν;ϕ] é obtida por meio de uma transformação de Legendre a partir da ação clássica S=SE⁢H+SM [14], tendo em vista que (65) e i ⁢ Γ ⁢ [ g μ ⁢ ν ; ϕ ] = e i ⁢ S E ⁢ H ⁢ [ g μ ⁢ ν ] × ∫ D φ e i ⁢ S M ⁢ [ g μ ⁢ ν ; ϕ + φ ] - i ⁢ ∫ δ ⁢ Γ ⁢ [ g μ ⁢ ν ; ϕ ] δ ⁢ ϕ ⁢ φ . Vale a pena destacar que para obtermos a expressão (65) fizemos uso do método de campos de fundo ao separarmos o campo como Φ=ϕ+φ, sendo que ϕ corresponde à parte clássica, enquanto o campo φ contém as flutuações quânticas [44, 45]. Nesta expressão, SEH é a ação de Einstein-Hilbert, SM a ação correspondente do campo Φ acoplado minimamente com a métrica, enquanto identificamos J=δ⁢Γδ⁢ϕ como o termo de fonte. Por sua vez, D⁢φ denota a medida da integral sobre todas as possíveis configurações (“trajetórias”) do campo quântico φ⁢(x). Por simplicidade, vamos considerar o caso em que a parte clássica do campo de matéria Φ é nula, i.e. ϕ=0, e também na ausência de fontes J≡δ⁢Γδ⁢ϕ=0. Neste caso, a Equação (65) se reduz a (66) Γ ⁢ [ g μ ⁢ ν ] = S E ⁢ H + Γ M , em que identificamos i⁢ΓM⁢[gμ⁢ν]≡ln⁡[∫D⁢φ⁢ei⁢SM⁢[gμ⁢ν;φ]] como a contribuição de matéria para a ação efetiva. Desta forma, é fácil observar que em primeira ordem a ação efetiva corresponde à ação clássica, sendo corrigida por termos quânticos subsequentes, que podem conter informação não local [44, 45]. Por sua vez, ao definirmos o valor esperado para o estado de vácuo do tensor energia-momento como (67) ⟨ 0 | T μ ⁢ ν | 0 ⟩ = - 2 - g ⁢ δ ⁢ ( - g ⁢ Γ M ) δ ⁢ g μ ⁢ ν , temos que variação da ação efetiva quântica (66) fornece as equações de campo (68) R μ ⁢ ν - R 2 ⁢ g μ ⁢ ν - Λ ⁢ g μ ⁢ ν = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ ⟨ 0 | T μ ⁢ ν | 0 ⟩ . O valor esperado que aparece na Equação (68) depende das condições de contorno utilizadas no cálculo da integral de caminho, que podem determinar se as equações de campo obedecem ou não ao princípio de causalidade [44, 45]. Abordaremos a seguir como formular esta quantidade a fim de garantir que ela seja causal. Em uma teoria quântica de campos é necessário distinguir entre os estados que se comportam assintoticamente como livres no passado distante, chamados de “estados-in” e os estados que se comportam desta forma no futuro distante, chamados de “estados-out”. Quantidades como o valor esperado ⟨0|Tμ⁢ν|0⟩ são elementos de uma matriz de espalhamento que aparecem em cálculos intermediários em teoria quântica de campos, mas usualmente não representam quantidades físicas. O motivo disto é que as condições de contorno da integral de caminho determinam se essa quantidades são calculadas em estados-in ou em estados-out. Por um lado, a integral de caminho de Feynman fornece que o valor esperado do tensor energia-momento deve ser ⟨0out|Tμ⁢ν|0in⟩, que pode ser um número complexo, mesmo se o operador Tμν for hermitiano. Além disso, um valor esperado do tipo in-out obedece a equações de movimento em que aparecem o propagador de Feynman, o qual não satisfaz o princípio da causalidade (uma vez que ele é uma superposição de um propagador avançado e um retardado). Para evitar essa incompatibilidade com o princípio da causalidade no processo de quantização, é necessário utilizar a integral de caminho de Schwinger-Keldish ou formalismo CTP (closed-time-path) [11, 46], que fornece estados assintoticamente livres do tipo in-in. Para o tensor energia-momento, por exemplo, temos que ⟨0in|Tμ⁢ν|0in⟩ é real para o caso em que Tμν é um operador hermitiano e representa o valor esperado deste operador para um dado instante de tempo, correspondendo então a uma quantidade física. Devemos enfatizar, por fim, que a formulação da quantização de quantidades a partir de valores esperados do tipo in-in faz com que as equações de movimento obedeçam as relações de causalidade, já que neste caso apenas o propagador retardado aparecerá nas equações de campo. A ideia principal da abordagem de Schwinger-Keldish para a quantização é integrar as configurações dos campos ao longo de trajetórias que partem do passado para o futuro e retornam novamente ao passado, o que produz equações (efetivas) de campo que são satisfeitas pelo valor esperado dos operadores. dedica-se a definições formais de não localidade, por meio de operadores diferenciais inversos, e qual a sua relação com a preservação da causalidade. Por fim, apresentaremos as considerações finais e conclusões sobre o assunto na Seção 5 5. Conclusão Neste trabalho discutimos o significado de não-localidade no contexto da teoria de campos a partir de exemplos da eletrodinâmica e também em teorias gravitacionais modificadas não-locais recentemente desenvolvidas. Apresentamos uma introdução pedagógica a este assunto destacando as principais questões que surgem em cada modelo nos quais a não-localidade foi introduzida. Além disso, oferecemos uma definição formal de operadores não-locais e consideramos a implicação da não-localidade para a preservação do princípio da causalidade em nível quântico, e sua íntima relação com a ação efetiva quântica. No contexto da eletrodinâmica clássica, mostramos como é possível obter as equações de Maxwell locais a partir de uma lagrangiana não local e ainda como a não localidade é restrita ao nível da ação do modelo. Embora os fenômenos não locais não apareçam nas equações de campo do eletromagnetismo, vimos que eles se manifestam, por exemplo, no efeito quântico de Aharonov-Bohm. Ademais, mostramos como a não-localidade pode ser usada para gerar a invariância de gauge, no caso da teoria dos fótons massivos de Proca, sendo introduzida na ação a partir do mecanismo de Stueckelberg. Já na eletrodinâmica quântica, vimos que a não-localidade está relacionada com o deslocamento da constante de acoplamento, no caso a carga elétrica. A origem deste fenômeno está nas correções de ordem superior da ação efetiva quântica para os fótons. Em relação às teorias gravitacionais alternativas, destacamos que uma modificação tensorial não-local nas equações de campo de Einstein resulta em pequenas correções no regime do infravermelho (a partir de efeitos quânticos). No entanto, essas correções violam a lei de conservação para o tensor energia-momento e não são fundamentalmente justificadas em nível lagrangiano. Em contraste, o modelo não local DW II mostrou capacidade de reproduzir a cosmologia padrão ΛCDM sem a necessidade de grandes ajustes finos. Isso pode ser alcançado pelo procedimento de reconstrução, impondo restrições às equações de Friedmann modificadas para fixar a função de distorção não local f⁢(Y). Além disso, esse modelo passa nos testes do Sistema Solar da Relatividade Geral, pois ele satisfaz o mecanismo de blindagem que mantém os efeitos não locais restritos a escalas cosmológicas. Finalmente, a fim de dar um caráter final à discussão dos fenômenos apresentados, apresentamos algumas definições formais de operadores diferenciais não locais. Considerando as correções não-locais quânticas à ação do campo escalar clássico, encontramos uma violação (explícita) da causalidade quando o operador não-local da ação é escrito em termos das funções de Green diretamente na lagrangiana. Para evitar a quebra da causalidade, é necessário primeiro a localização da ação e somente então as equações de movimento obtidas a partir da ação local podem ser resolvidas pelo método da função de Green, ou diretamente em sua forma diferencial. Entretanto, é necessário que as condições de contorno (ou equivalentemente, a função de Green) sejam as retardadas, de forma a preservar a causalidade e evitar a presença de graus de liberdade adicionais. Isso significa que todos os campos não locais e suas derivadas devem se aproximar de zero em uma superfície (de Cauchy) de valor inicial. No caso da ação efetiva quântica vimos que, para evitar esta incompatibilidade com o princípio da causalidade, é necessário utilizar a integral de caminho de Schwinger-Keldish, que fornece estados assintoticamente livres do tipo in-in. Esta abordagem garante que apenas o propagador retardado aparecerá nas equações de campo, pois as integrações das configurações dos campos nesse formalismo são feitas ao longo de trajetórias que partem do passado para o futuro e retornam novamente ao passado, garantindo assim que o princípio da causalidade seja satisfeito. .

2. Não Localidade e Emaranhamento

Nesta seção introduziremos os conceitos de localidade e não localidade em teorias físicas. Denomina-se uma teoria local aquela em que a causa e o efeito são conectados por contato espacial, ou seja, não há ação à distância. Esta característica implica que em uma teoria local nenhuma informação pode ser transmitida de forma instantânea, pois, de acordo com a Relatividade Restrita, a velocidade máxima que pode ser atingida, por um sinal físico, é a velocidade da luz no vácuo. A existência deste limite para a velocidade de uma partícula implica na validade do conceito de causalidade. Alguns exemplos de teorias locais são: Eletromagnetismo, a Relatividade Restrita, a Relatividade Geral e Mecânica Estatística. Em contrapartida, teorias não locais não é necessário que nenhum meio ou campo de força faça a mediação da interação entre dois de seus elementos. Nesse caso, é possível que algum tipo de informação física seja transmitida instantaneamente (violando o princípio da causalidade), ou que um evento apresente correlação com outro, mesmo estando espacialmente distante (preservando a causalidade). A Mecânica Quântica por construção é uma teoria não local, já que estados quânticos são identificados por uma região do espaço na qual há diferentes probabilidades de encontrá-los e não por um ponto no espaço-tempo. Como veremos a seguir, uma manifestação da não localidade, que preserva a causalidade, ocorre em um fenômeno denominado emaranhamento quântico.

No trabalho de 1935 de A. Einstein, B. Podolsky e N. Rosen, foi apresentada a argumentação de que a interpretação de Copenhagen da Mecânica Quântica não pode oferecer uma descrição completa da realidade, se esta é intrinsecamente local e causal [1[1] A. Einstein, B. Podolsky e N. Rosen, Physical Review 47, 777 (1935).]. Essa análise ficou conhecida como o paradoxo de Einstein-Podolsky-Rosen (EPR), para uma introdução de forma didática ao assunto recomendamos as refs [2[2] R. Siqueira-Batista, M.V. Vicari e J.A. Helayël-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 44, e20220102 (2022)., 3[3] R. Wagner, N.W. Lima e M.M. Nascimento, Revista de Enseñanza de la Física 33, 167 (2021).]. O paradoxo EPR pode ser ilustrado a partir problema do decaimento de um píon neutro em um elétron e um pósitron: π0e-+e+. Neste caso, se o píon estiver inicialmente em repouso as trajetórias do elétron e do pósitron devem necessariamente ser opostas e em linha reta devido à conservação do momento linear, enquanto que a conservação do momento angular exige que a soma (das projeções) de spin do elétron e do pósitron deve ser zero, pois o méson π0 possui spin nulo. Denotaremos por |±e- os estados possíveis para o spin do elétron e |±e+ para o spin do pósitron, com |+ representando a projeção de spin up e |- a projeção down. De acordo com o princípio da exclusão de Pauli, o estado final do sistema deve ser

(1) | ψ = 1 2 ( | + e - | - e + - | - e - | + e + ) .

A princípio, existe igual probabilidade tanto do elétron como do pósitron estarem em qualquer um dos estados de spin, porém ao se realizar uma medida do spin do elétron a função de onda deve colapsar imediatamente para um dos estados, seja |+ ou |-. Isto significa que, se após a medida o elétron for encontrado em um estado de spinup (down) obrigatoriamente o pósitron deve estar com spindown (up). A medida do spin do elétron afetará de forma instantânea a função de onda do pósitron independentemente de qual for a separação espacial entre eles, violando assim o princípio da localidade. Esse fenômeno recebe o nome de emaranhamento quântico, que foi verificado experimentalmente em diversas ocasiões [17[17] C.S. Wu e I. Shakonv, Phys. Rev. 77, 136 (1950)., 18[18] O. Guhne e G. Tóth, Phys. Rep. 474, 1 (2009)., 19[19] M. Fuwa, S. Takeda, M. Zwierz, H.M. Wiseman e A. Furusawa, Nature Communications 6, 1 (2015).].

Apesar da informação quântica de estados espacialmente separados ser conhecida instantaneamente, isso não significa que seja possível enviar uma mensagem a uma velocidade superior a da luz (no vácuo). Note que sistemas quânticos são estatísticos, e que é necessário que os resultados de medidas sejam comparáveis para que se conclua em qual estado cada sistema se encontra. A medida realizada em um sistema altera (somente) a parte da função de onda presente no outro sistema (espacialmente separado), mas para que a comparação entre os resultados seja feita é necessário enviar a informação por outro meio (aparato), o que só pode ser feito a uma velocidade menor ou igual à da luz. Na verdade, segundo a relatividade restrita, é impossível dizer qual medida foi realizada primeiramente: diferentes observadores (inerciais) vão discordar sobre o papel da causa e efeito.

3. Lagrangianas não Locais

Tanto na teoria clássica de campos, como na teoria quântica de campos, é possível formular a não localidade em nível da ação, seja lagrangiana ou hamiltoniana. Uma densidade lagrangiana é considerada não local se ela contém termos que não são proporcionais aos campos e suas derivadas, avaliadas em um único ponto do espaço-tempo [20[20] C.D. Dijkstra, arXiv:1904.10301 (2019)., 21[21] J. Boos, arXiv:2009.10856 (2021).]. Um dos exemplos mais ilustrativos da presença de efeitos não locais é a partir de uma função kernel na ação

(2) S int = d x d y φ ( x ) K ( x , y ) J ( y )

que representa a interação não-local, mediada pelo kernelK(x,y), entre um campo escalar φ e uma corrente J. No caso particular em que o kernel é proporcional à função delta de Dirac, ocorre que a não-localidade é removida,

(3) S int = d x d y φ ( x ) δ ( x - y ) J ( y ) = d x φ ( x ) J ( x ) ,

isto é, os campos são sempre avaliados em um mesmo ponto.

Uma das formas mais utilizadas para operadores não locais do tipo kernel são funções de um operador de derivadas, que são interpretadas como uma série de Taylor com infinitas derivadas [22[22] E. Witten, Nucl. Phys. B 268, 253 (1986).]. Modelos de campos generalizados com infinitas derivadas podem apresentar termos não locais da forma

(4) K ( x , y ) = ( e - M 2 ) δ ( x - y ) ,

na qual =ημνμν é o operador d’Alembertiano e M é a escala de energia na qual os efeitos não locais se tornam relevantes. Este tipo de kernel tem origem em teoria de cordas [22[22] E. Witten, Nucl. Phys. B 268, 253 (1986).] e tem sido aplicado a problemas em cosmologia e física de buracos negros [8[8] M. Maggiore e M. Mancarella, Phys. Rev. D 90, 023005 (2014)., 14[14] E. Belgacem, Y. Dirian, S. Foffa e M. Maggiore, JCAP 3, 002 (2018)., 20[20] C.D. Dijkstra, arXiv:1904.10301 (2019).]. Naturalmente, a não localidade também pode ser expressa pelo inverso do operador d’Alembertiano -1 ou por uma representação integral via funções de Green, como veremos na Seção 4 4. Operadores não Locais e Causalidade A fim de complementar as discussões anteriores, apresentaremos nesta seção definições formais de alguns aspectos de efeitos não-locais, em especial, a preservação da causalidade e a sua relação com o processo de quantização. Como vimos, a atuação de um operador diferencial inverso em uma função é uma das formas de inserir a não localidade em uma teoria (veja por exemplo as Eqs. (49) e (37)). Podemos definir um operador diferencial inverso 𝒟-1, tal que ele satisfaça a propriedade (56) 𝒟 - 1 ⁢ ( 𝒟 ⁢ φ ⁢ ( x ) ) = φ ⁢ ( x ) . Alguns exemplos de operadores diferenciais inversos conhecidos são □-1, [μ2+□]-1, [∂t2+c1⁢∂t+c2]-1, e-□/M2. A partir da definição (56) podemos obter a sua representação integral (57) 𝒟 - 1 ⁢ φ ⁢ ( x ) = φ ( 0 ) ⁢ ( x ) + ∫ d 4 ⁢ y ⁢ G ⁢ ( x , y ) ⁢ φ ⁢ ( y ) . Por sua vez, aplicando o operador 𝒟x à expressão acima, com as derivadas sendo calculadas com relação à variável x, temos que (58) φ ⁢ ( x ) = 𝒟 ⁢ φ ( 0 ) ⁢ ( x ) + ∫ d 4 ⁢ y ⁢ 𝒟 ⁢ G ⁢ ( x , y ) ⁢ φ ⁢ ( y ) . Portanto, para que a definição (56) seja satisfeita, devemos ter (59) 𝒟 ⁢ φ ( 0 ) ⁢ ( x ) = 0 (60) 𝒟 ⁢ G ⁢ ( x , y ) = δ ( 4 ) ⁢ ( x - y ) , em que, a função φ(0)⁢(x) é chamada de solução homogênea e identificamos G⁢(x,y) como a função de Green. Observe que a função de Green é simétrica mediante uma inversão das variáveis x↔y, isto é (61) G ⁢ ( x , y ) = G ⁢ ( y , x ) . Ademais, a função de Green G⁢(x,y) pode ser escrita como a soma de uma função de Green retardada com uma função de Green avançada (62) G ⁢ ( x , y ) = G R ⁢ ( x , y ) + G A ⁢ ( y , x ) . Esta decomposição nas partes retardada e avançada, torna explícito a invariância da função de Green G⁢(x,y) sob a permutação das coordenadas x↔y, uma vez que sob esta condição a função de Green retardada se torna a função de Green avançada, i.e. GR⁢(x,y)↔GA⁢(y,x). Vale a pena mencionar que todo operador diferencial possui sua própria função de Green particular, que por sua vez é solução da Equação (60). Para exemplificar a relação entre a presença da função de Green e a causalidade nas equações de movimento, consideremos o seguinte termo, (63) Δ ⁢ S = 1 2 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ □ - 1 ⁢ φ ⁢ ( x ) = 1 2 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ ∫ d 4 ⁢ y ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ G ⁢ ( x , y ) ⁢ φ ⁢ ( y ) , que corresponde à correção da ação do campo escalar clássico [35]. Variando funcionalmente a ação (63), com relação ao campo φ, temos: (64) δ ⁢ S ⁢ ( φ ) δ ⁢ φ ⁢ ( y ) = 1 2 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ [ G ⁢ ( x , y ) + G ⁢ ( y , x ) ] ⁢ φ ⁢ ( x ) , onde usamos a definição de derivada funcional δ⁢φ⁢(x)δ⁢φ⁢(y)=δ4⁢(x-y). Podemos enunciar algumas conclusões importantes sobre a questão da causalidade obtidas a partir de (63) e (64): Mesmo que a ação (63) seja definida apenas em termos da função de Green retardada, a fim de garantir que apenas os valores do campo φ no cone de luz passado sejam considerados, a variação da ação fará com que as equações de movimento possuam tanto a função de Green retardada quanto a avançada (veja (64)). A razão disto é que o segundo termo em (64) contém uma permutação nas variáveis, e como vimos, GR⁢(x,y)=GA⁢(y,x). Como consequência, as equações de movimento para um dado evento dependem tanto do campo avaliado em um ponto no cone de luz passado xμ quanto no cone de luz futuro yμ, violando o princípio da causalidade. Podemos concluir que a presença de um termo não local na densidade lagrangiana, de uma teoria clássica de campos, pode implicar na violação da causalidade. No entanto, este problema pode ser evitado por meio do procedimento de localização da ação, de maneira semelhante ao que fizemos na Equação (53), garantindo que a não localidade apareça apenas nas equações da campo. Nesse caso, é necessário resolver a forma diferencial das equações de campo ou a sua forma integral via funções de Green. Ademais, é importante ter em mente que as equações diferenciais devem ser resolvidas a partir de condições de contorno retardadas, caso contrário isso resultará em graus de liberdade extras. Da mesma forma, a integral da função de Green, nas soluções das equações de campo, deve ser avaliada respeitando um ordenamento temporal (causalidade) nos limites de integração. De fato, existem formalismos que permitem obter diretamente equações de campo causais a partir de uma ação não local. Focaremos aqui na abordagem da ação efetiva quântica e como ela pode determinar se uma teoria obedece ou não ao princípio da causalidade. Além disso, e mais importante, vamos apresentar qual é o formalismo de quantização que permite que uma teoria não local sempre respeite o princípio da causalidade. Neste contexto, para compreender o significado de uma ação efetiva quântica, consideremos como exemplo o caso de um campo escalar Φ definido em um espaço-tempo curvo, em que o campo métrico gμν é visto como um campo clássico de fundo (background). Pode-se mostrar que, nesse caso, a ação efetiva quântica Γ⁢[gμ⁢ν;ϕ] é obtida por meio de uma transformação de Legendre a partir da ação clássica S=SE⁢H+SM [14], tendo em vista que (65) e i ⁢ Γ ⁢ [ g μ ⁢ ν ; ϕ ] = e i ⁢ S E ⁢ H ⁢ [ g μ ⁢ ν ] × ∫ D φ e i ⁢ S M ⁢ [ g μ ⁢ ν ; ϕ + φ ] - i ⁢ ∫ δ ⁢ Γ ⁢ [ g μ ⁢ ν ; ϕ ] δ ⁢ ϕ ⁢ φ . Vale a pena destacar que para obtermos a expressão (65) fizemos uso do método de campos de fundo ao separarmos o campo como Φ=ϕ+φ, sendo que ϕ corresponde à parte clássica, enquanto o campo φ contém as flutuações quânticas [44, 45]. Nesta expressão, SEH é a ação de Einstein-Hilbert, SM a ação correspondente do campo Φ acoplado minimamente com a métrica, enquanto identificamos J=δ⁢Γδ⁢ϕ como o termo de fonte. Por sua vez, D⁢φ denota a medida da integral sobre todas as possíveis configurações (“trajetórias”) do campo quântico φ⁢(x). Por simplicidade, vamos considerar o caso em que a parte clássica do campo de matéria Φ é nula, i.e. ϕ=0, e também na ausência de fontes J≡δ⁢Γδ⁢ϕ=0. Neste caso, a Equação (65) se reduz a (66) Γ ⁢ [ g μ ⁢ ν ] = S E ⁢ H + Γ M , em que identificamos i⁢ΓM⁢[gμ⁢ν]≡ln⁡[∫D⁢φ⁢ei⁢SM⁢[gμ⁢ν;φ]] como a contribuição de matéria para a ação efetiva. Desta forma, é fácil observar que em primeira ordem a ação efetiva corresponde à ação clássica, sendo corrigida por termos quânticos subsequentes, que podem conter informação não local [44, 45]. Por sua vez, ao definirmos o valor esperado para o estado de vácuo do tensor energia-momento como (67) ⟨ 0 | T μ ⁢ ν | 0 ⟩ = - 2 - g ⁢ δ ⁢ ( - g ⁢ Γ M ) δ ⁢ g μ ⁢ ν , temos que variação da ação efetiva quântica (66) fornece as equações de campo (68) R μ ⁢ ν - R 2 ⁢ g μ ⁢ ν - Λ ⁢ g μ ⁢ ν = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ ⟨ 0 | T μ ⁢ ν | 0 ⟩ . O valor esperado que aparece na Equação (68) depende das condições de contorno utilizadas no cálculo da integral de caminho, que podem determinar se as equações de campo obedecem ou não ao princípio de causalidade [44, 45]. Abordaremos a seguir como formular esta quantidade a fim de garantir que ela seja causal. Em uma teoria quântica de campos é necessário distinguir entre os estados que se comportam assintoticamente como livres no passado distante, chamados de “estados-in” e os estados que se comportam desta forma no futuro distante, chamados de “estados-out”. Quantidades como o valor esperado ⟨0|Tμ⁢ν|0⟩ são elementos de uma matriz de espalhamento que aparecem em cálculos intermediários em teoria quântica de campos, mas usualmente não representam quantidades físicas. O motivo disto é que as condições de contorno da integral de caminho determinam se essa quantidades são calculadas em estados-in ou em estados-out. Por um lado, a integral de caminho de Feynman fornece que o valor esperado do tensor energia-momento deve ser ⟨0out|Tμ⁢ν|0in⟩, que pode ser um número complexo, mesmo se o operador Tμν for hermitiano. Além disso, um valor esperado do tipo in-out obedece a equações de movimento em que aparecem o propagador de Feynman, o qual não satisfaz o princípio da causalidade (uma vez que ele é uma superposição de um propagador avançado e um retardado). Para evitar essa incompatibilidade com o princípio da causalidade no processo de quantização, é necessário utilizar a integral de caminho de Schwinger-Keldish ou formalismo CTP (closed-time-path) [11, 46], que fornece estados assintoticamente livres do tipo in-in. Para o tensor energia-momento, por exemplo, temos que ⟨0in|Tμ⁢ν|0in⟩ é real para o caso em que Tμν é um operador hermitiano e representa o valor esperado deste operador para um dado instante de tempo, correspondendo então a uma quantidade física. Devemos enfatizar, por fim, que a formulação da quantização de quantidades a partir de valores esperados do tipo in-in faz com que as equações de movimento obedeçam as relações de causalidade, já que neste caso apenas o propagador retardado aparecerá nas equações de campo. A ideia principal da abordagem de Schwinger-Keldish para a quantização é integrar as configurações dos campos ao longo de trajetórias que partem do passado para o futuro e retornam novamente ao passado, o que produz equações (efetivas) de campo que são satisfeitas pelo valor esperado dos operadores. .

Vejamos, a seguir, um exemplo de uma lagrangiana não local que permite obter as equações de Maxwell para o eletromagnetismo. Apesar da eletrodinâmica clássica ser uma teoria local, as equações que a governam podem ser obtidas a partir de lagrangianas não locais, sem violar a propriedade da causalidade (ou ainda, os princípios da Relatividade Restrita) [23[23] J. Bernabeu e J. Navarro-Salas, Symmetry 11, 1191 (2019).].

3.1. Eletrodinâmica clássica

Na mecânica clássica a mudança na descrição de um sistema do formalismo hamiltoniano para o lagrangiano se dá por uma transformação de Legendre, que relaciona as funções hamiltoniana H(q,p,t) e lagrangiana L(q,q˙,t) da seguinte forma:

(5) L ( q , q ˙ , t ) = q i ˙ p i - H ( q , p , t ) ,

enquanto os parênteses de Poisson fundamentais das variáveis do espaço de fase q e p são: {qi,pj}=δij.2 2 Nesta seção adotaremos a notação de Einstein para o somatório, no entanto os índices latinos (e.g. i,j,k) variam de 1 a 3 representando apenas as componentes espaciais. Todavia, a Equação (5) pode ser modificada para uma transformação mais geral, de forma que a lagrangiana seja dada por

(6) L ( q , q ˙ , t ) = ω i j q ˙ i p j - H ( q , p , t ) ,

em que a estrutura simplética corresponde a

(7) { q i , p j } = ω i j .

A forma usual de (5) é recuperada com a escolha ωij=δij.

Em uma teoria de campos clássicos, a densidade lagrangiana para os campos ϕ(x) e π(y) também pode ser generalizada seguindo o mesmo procedimento, de forma que

(8) = d 3 y ω i j ( x , y ) t ϕ i ( x ) π j ( y ) - ( ϕ , π ) .

A escolha das funções ω(x,y) como ωij(x,y)=δijδ3(x-y) conduz à densidade lagrangiana local =tϕiπi-. Entretanto, há outras possibilidades como, por exemplo, a escolha de uma função delta transversal δijT(x,y) que fornece a projeção de um campo vetorial ao longo de sua componente transversal [24[24] J. Barcelos Neto, Teoria Eletromagnética – Parte Clássica (Livraria da Física, São Paulo, 2015).]. De acordo com o teorema de Helmholtz qualquer campo vetorial pode ser decomposto em uma componente longitudinal e outra transversal,

(9) Φ = Φ L + Φ T ,

as quais satisfazem por definição ×ΦL=0 e ΦT=0. Assim, a função δijT(x,y) é definida a partir da identidade [24[24] J. Barcelos Neto, Teoria Eletromagnética – Parte Clássica (Livraria da Física, São Paulo, 2015).]

(10) Φ i T ( x ) d 3 y δ i j T ( x , y ) Φ j ( y ) = d 3 y [ δ i j δ 3 ( y - x ) + i j 4 π 1 | y - x | ] Φ j ( y ) .

Desta forma, encontra-se que a estrutura simplética neste caso é

(11) ω i j ( x , y ) = δ i j δ 3 ( y - x ) + 1 4 π i j 1 | y - x | ,

sendo que x e y são vetores posição que apontam para pontos distintos do espaço. Vale a pena mencionar que a Equação (11) corresponde aos parênteses de Dirac3 3 Os parênteses de Dirac é uma generalização do parênteses de Poisson desenvolvido por P. Dirac para tratamento de sistemas singulares, com vínculos de segunda classe na mecânica hamiltoniana [25]. no gauge de radiação i.e. o gauge de Coulomb (iAi=0) associado com a condição A0 = 0 [26[26] K. Sundermeyer, Constrained dynamics with applications to Yang-Mills theory, general relativity, classical spin, dual string model (Springer, Berlin, 1982), v. 169.]. Observe que o segundo membro da Eq. (11) tende a zero quando a separação entre estes dois pontos é muito grande, isto é, quando |y-x|+. A não localidade, neste caso, é presente no segundo termo, em que há uma separação espacial não nula entre dois pontos no espaço.

Para obter as equações de Maxwell consideremos a densidade lagrangiana dependente dos seguintes graus de liberdade: as componentes do campo elétrico E e do potencial vetor A, o qual define o campo magnético por meio da relação B=×A. A função densidade hamiltoniana, corresponde à energia do campo eletromagnético, é definida por

(12) ( E , A ) = 1 2 ( E 2 + ( × A ) 2 ) .

Por sua vez, a densidade lagrangiana não local, para a teoria eletromagnética de Maxwell, neste caso é

(13) = d 3 y δ i j T ( x , y ) t E i ( x ) A j ( y ) - 1 2 ( E 2 + ( × A ) 2 ) .

As equações de campo podem ser obtidas a partir do princípio variacional de Hamilton, o qual fornece

(14) t A i T ( x ) = - E i
(15) t E i T ( x ) = ( × ( × A ) ) i .

Por fim, de acordo com o teorema de Helmholtz a componente transversal de E deve ter divergência nula, isto é, E=0. Ademais, identificando o campo magnético como B=×AT, o que implica em B=0, encontramos as quatro equações de Maxwell, na ausência de fontes, no vácuo

(16) × E = - t B B = 0 . × B = t E E = 0 .

Estas equações de campo contém apenas termos locais, contudo elas foram obtidas a partir de uma lagrangiana não local (13) que relaciona diferentes pontos do espaço. Podemos atentar ao fato da não localidade não ser presente na teoria eletromagnética clássica devido ao fato de considerarmos apenas uma trajetória que obedece ao princípio da mínima ação δS=0.4 4 Em particular, se consideramos a densidade lagrangiana de Larmor ℒ⁢(E,B)=E22-B22. Por outro lado, na descrição quântica a situação é contrária, pois não há uma trajetória bem definida e as integrais são efetuadas levando em consideração todos os possíveis caminhos [23[23] J. Bernabeu e J. Navarro-Salas, Symmetry 11, 1191 (2019).].

Uma manifestação desse fenômeno quântico é o efeito de Aharonov-Bohm, em que partículas carregadas sofrem um deslocamento de fase ao passar por uma região externa a um solenoide [23[23] J. Bernabeu e J. Navarro-Salas, Symmetry 11, 1191 (2019)., 27[27] Y. Aharonov, E. Cohen e D. Rohrlich, Phys. Rev. A 93, 042110 (2016)., 28[28] J.C. Mello e M.A. Santos, Revista Brasileira de Ensino de Física 19, 372 (1997)., 29[29] M. Peshkin, Springer 340, 1 (1989).]. Nesse caso, a componente transversal do potencial vetor AT, responsável pelo efeito Aharonov-Bohm, é equivalente ao termo de interação não local

(17) A i T = d 3 y G i j ( x , y ) B j ( y ) = Φ B 2 π ρ φ ^ i ,

em que

(18) G i j ( x , y ) = - ϵ i j k 4 π k 1 | x - y |

é a função de Green que satisfaz

(19) ϵ j k i k G i j = δ ( x - y )

e ΦB é o fluxo do campo magnético. A lição que podemos extrair deste exemplo é que, dentro do escopo do que foi abordado, a não localidade se faz presente apenas em um fenômeno quântico; em geral, em nível clássico, a não localidade está presente somente em nível da ação (lagrangiana ou hamiltoniana) e não nas equações de movimento.

Consideremos agora outro exemplo da eletrodinâmica clássica que permite ilustrar outros aspectos da presença de termos não locais em uma teoria. A densidade lagrangiana de Proca, que descreve fótons massivos na ausência de fontes, é dada por

(20) = - 1 4 F μ ν F μ ν - 1 2 m γ 2 A μ A μ

em que Fμν=μAν-νAμ é o tensor field-strength e Aμ=(V,A) é o quadrivetor potencial. Esta lagrangiana é local, porém o termo de massa faz com que ela não seja invariante sob uma transformação local de gaugeAμAμ+μλ, em que λ(x) é o parâmetro da transformação. Contudo, é possível mostrar que esta formulação é equivalente (na camada de massa) a uma lagrangiana não local e invariante sob transformações de gauge.

Iniciamos a nossa discussão calculando as equações de campo de Proca

(21) μ F μ ν - m γ 2 A ν = 0 .

Podemos atuar o operador ν em (21) para mostrar que a teoria de Proca satisfaz naturalmente a condição do gauge de Lorenz μAμ=0. Usando esta condição como um vínculo sobre o potencial Aμ, a Equação (21) se torna

(22) ( - m γ 2 ) A ν = 0 ,

que é uma equação de onda para modos massivos.

Para tornar a densidade lagrangiana (20) invariante sob uma transformação de gauge podemos fazer uso do formalismo de Stueckelberg [30[30] H. Ruegg e M. Ruiz-Altaba, International Journal of Modern Physics A 19, 3265 (2004)., 31[31] E C.G. Stueckelberg, Helv. Phys. Acta 11, 299 (1938)., 32[32] C. Grosse-Knetter e R. Koegerler, Phys.Rev. D 48, 2865 (1993).]. O método consiste em introduzir um campo auxiliar φ tal que o potencial Aμ seja substituído da seguinte forma [33[33] G. Dvali, New J. Phys. 8, 326 (2006)., 34[34] M. Jaccard, M. Maggiore e E. Mitsou, Phys. Rev. D 88, 044033 (2013).]

(23) A μ A μ + 1 m γ μ φ ,

tal que a ação seja invariante sob o novo conjunto de transformações locais

(24) A μ A μ + μ λ , φ φ - m γ λ

A partir dessas observações, a densidade lagrangiana encontrada a partir da substituição (23) é

(25) = - 1 4 F μ ν F μ ν - 1 2 m γ 2 A μ A μ - 1 2 μ φ μ φ - m γ A μ μ φ ,

que é manifestamente invariante sob as transformações (24).

As novas equações de movimento, obtidas a partir de (25), são dadas por

(26) μ F μ ν - m γ 2 A ν - m γ ν φ = 0 ,
(27) φ + m γ μ A μ = 0 .

A Equação (27) pode ser resolvida para o campo φ, em termos do operador diferencial inverso aplicado à derivada do potencial vetor, tal que

(28) φ = - m γ - 1 ( μ A μ ) .

Observamos, portanto, que a relação (28) será responsável por introduzir a não localidade na teoria, conforme mencionamos no início da Seção 3 3. Lagrangianas não Locais Tanto na teoria clássica de campos, como na teoria quântica de campos, é possível formular a não localidade em nível da ação, seja lagrangiana ou hamiltoniana. Uma densidade lagrangiana é considerada não local se ela contém termos que não são proporcionais aos campos e suas derivadas, avaliadas em um único ponto do espaço-tempo [20, 21]. Um dos exemplos mais ilustrativos da presença de efeitos não locais é a partir de uma função kernel na ação (2) S int = ∫ d x ⁢ ∫ d y ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ K ⁢ ( x , y ) ⁢ J ⁢ ( y ) que representa a interação não-local, mediada pelo kernelK⁢(x,y), entre um campo escalar φ e uma corrente J. No caso particular em que o kernel é proporcional à função delta de Dirac, ocorre que a não-localidade é removida, (3) S int = ∫ d x ⁢ ∫ d y ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ δ ⁢ ( x - y ) ⁢ J ⁢ ( y ) = ∫ d x ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ J ⁢ ( x ) , isto é, os campos são sempre avaliados em um mesmo ponto. Uma das formas mais utilizadas para operadores não locais do tipo kernel são funções de um operador de derivadas, que são interpretadas como uma série de Taylor com infinitas derivadas [22]. Modelos de campos generalizados com infinitas derivadas podem apresentar termos não locais da forma (4) K ⁢ ( x , y ) = ( e - □ M 2 ) ⁢ δ ⁢ ( x - y ) , na qual □=ημ⁢ν⁢∂μ⁡∂ν é o operador d’Alembertiano e M é a escala de energia na qual os efeitos não locais se tornam relevantes. Este tipo de kernel tem origem em teoria de cordas [22] e tem sido aplicado a problemas em cosmologia e física de buracos negros [8, 14, 20]. Naturalmente, a não localidade também pode ser expressa pelo inverso do operador d’Alembertiano □-1 ou por uma representação integral via funções de Green, como veremos na Seção 4. Vejamos, a seguir, um exemplo de uma lagrangiana não local que permite obter as equações de Maxwell para o eletromagnetismo. Apesar da eletrodinâmica clássica ser uma teoria local, as equações que a governam podem ser obtidas a partir de lagrangianas não locais, sem violar a propriedade da causalidade (ou ainda, os princípios da Relatividade Restrita) [23]. 3.1. Eletrodinâmica clássica Na mecânica clássica a mudança na descrição de um sistema do formalismo hamiltoniano para o lagrangiano se dá por uma transformação de Legendre, que relaciona as funções hamiltoniana H⁢(q,p,t) e lagrangiana L⁢(q,q˙,t) da seguinte forma: (5) L ⁢ ( q , q ˙ , t ) = q i ˙ ⁢ p i - H ⁢ ( q , p , t ) , enquanto os parênteses de Poisson fundamentais das variáveis do espaço de fase q e p são: {qi,pj}=δi⁢j.2 Todavia, a Equação (5) pode ser modificada para uma transformação mais geral, de forma que a lagrangiana seja dada por (6) L ⁢ ( q , q ˙ , t ) = ω i ⁢ j ⁢ q ˙ i ⁢ p j - H ⁢ ( q , p , t ) , em que a estrutura simplética corresponde a (7) { q i , p j } = ω i ⁢ j . A forma usual de (5) é recuperada com a escolha ωi⁢j=δi⁢j. Em uma teoria de campos clássicos, a densidade lagrangiana para os campos ϕ⁢(x) e π⁢(y) também pode ser generalizada seguindo o mesmo procedimento, de forma que (8) ℒ = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ ω i ⁢ j ⁢ ( x → , y → ) ⁢ ∂ t ⁡ ϕ i ⁢ ( x ) ⁢ π j ⁢ ( y ) - ℋ ⁢ ( ϕ , π ) . A escolha das funções ω⁢(x→,y→) como ωi⁢j⁢(x→,y→)=δi⁢j⁢δ3⁢(x→-y→) conduz à densidade lagrangiana local ℒ=∂t⁡ϕi⁢πi-ℋ. Entretanto, há outras possibilidades como, por exemplo, a escolha de uma função delta transversal δi⁢jT⁢(x→,y→) que fornece a projeção de um campo vetorial ao longo de sua componente transversal [24]. De acordo com o teorema de Helmholtz qualquer campo vetorial pode ser decomposto em uma componente longitudinal e outra transversal, (9) Φ → = Φ → L + Φ → T , as quais satisfazem por definição ∇→×Φ→L=0 e ∇→⋅Φ→T=0. Assim, a função δi⁢jT⁢(x,y) é definida a partir da identidade [24] (10) Φ i T ⁢ ( x ) ≡ ∫ d 3 ⁢ y ⁢ δ i ⁢ j T ⁢ ( x → , y → ) ⁢ Φ j ⁢ ( y ) = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ [ δ i ⁢ j ⁢ δ 3 ⁢ ( y → - x → ) + ∂ i ⁡ ∂ j 4 ⁢ π ⁢ 1 | y → - x → | ] ⁢ Φ j ⁢ ( y ) . Desta forma, encontra-se que a estrutura simplética neste caso é (11) ω i ⁢ j ⁢ ( x → , y → ) = δ i ⁢ j ⁢ δ 3 ⁢ ( y → - x → ) + 1 4 ⁢ π ⁢ ∂ i ⁡ ∂ j ⁡ 1 | y → - x → | , sendo que x→ e y→ são vetores posição que apontam para pontos distintos do espaço. Vale a pena mencionar que a Equação (11) corresponde aos parênteses de Dirac3 no gauge de radiação i.e. o gauge de Coulomb (∂i⁡Ai=0) associado com a condição A0 = 0 [26]. Observe que o segundo membro da Eq. (11) tende a zero quando a separação entre estes dois pontos é muito grande, isto é, quando |y→-x→|→+∞. A não localidade, neste caso, é presente no segundo termo, em que há uma separação espacial não nula entre dois pontos no espaço. Para obter as equações de Maxwell consideremos a densidade lagrangiana dependente dos seguintes graus de liberdade: as componentes do campo elétrico E→ e do potencial vetor A→, o qual define o campo magnético por meio da relação B→=∇→×A→. A função densidade hamiltoniana, corresponde à energia do campo eletromagnético, é definida por (12) ℋ ⁢ ( E , A ) = 1 2 ⁢ ( E 2 + ( ∇ → × A → ) 2 ) . Por sua vez, a densidade lagrangiana não local, para a teoria eletromagnética de Maxwell, neste caso é (13) ℒ = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ δ i ⁢ j T ⁢ ( x , y ) ⁢ ∂ t ⁡ E i ⁢ ( x ) ⁢ A j ⁢ ( y ) - 1 2 ⁢ ( E 2 + ( ∇ → × A → ) 2 ) . As equações de campo podem ser obtidas a partir do princípio variacional de Hamilton, o qual fornece (14) ∂ t ⁡ A i T ⁢ ( x ) = - E i (15) ∂ t ⁡ E i T ⁢ ( x ) = ( ∇ → × ( ∇ → × A → ) ) i . Por fim, de acordo com o teorema de Helmholtz a componente transversal de E→ deve ter divergência nula, isto é, ∇→⋅E→=0. Ademais, identificando o campo magnético como B→=∇→×A→T, o que implica em ∇→⋅B→=0, encontramos as quatro equações de Maxwell, na ausência de fontes, no vácuo (16) ∇ → × E → = - ∂ t ⁡ B → ∇ → ⋅ B → = 0 . ∇ → × B → = ∂ t ⁡ E → ∇ → ⋅ E → = 0 . Estas equações de campo contém apenas termos locais, contudo elas foram obtidas a partir de uma lagrangiana não local (13) que relaciona diferentes pontos do espaço. Podemos atentar ao fato da não localidade não ser presente na teoria eletromagnética clássica devido ao fato de considerarmos apenas uma trajetória que obedece ao princípio da mínima ação δ⁢S=0.4 Por outro lado, na descrição quântica a situação é contrária, pois não há uma trajetória bem definida e as integrais são efetuadas levando em consideração todos os possíveis caminhos [23]. Uma manifestação desse fenômeno quântico é o efeito de Aharonov-Bohm, em que partículas carregadas sofrem um deslocamento de fase ao passar por uma região externa a um solenoide [23, 27, 28, 29]. Nesse caso, a componente transversal do potencial vetor A→T, responsável pelo efeito Aharonov-Bohm, é equivalente ao termo de interação não local (17) A i T = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ G i ⁢ j ⁢ ( x , y ) ⁢ B j ⁢ ( y ) = Φ B 2 ⁢ π ⁢ ρ ⁢ φ ^ i , em que (18) G i ⁢ j ⁢ ( x , y ) = - ϵ i ⁢ j ⁢ k 4 ⁢ π ⁢ ∂ k ⁡ 1 | x → - y → | é a função de Green que satisfaz (19) ϵ j ⁢ k ⁢ i ⁢ ∂ k ⁡ G i ⁢ j = δ ⁢ ( x → - y → ) e ΦB é o fluxo do campo magnético. A lição que podemos extrair deste exemplo é que, dentro do escopo do que foi abordado, a não localidade se faz presente apenas em um fenômeno quântico; em geral, em nível clássico, a não localidade está presente somente em nível da ação (lagrangiana ou hamiltoniana) e não nas equações de movimento. Consideremos agora outro exemplo da eletrodinâmica clássica que permite ilustrar outros aspectos da presença de termos não locais em uma teoria. A densidade lagrangiana de Proca, que descreve fótons massivos na ausência de fontes, é dada por (20) ℒ = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν - 1 2 ⁢ m γ 2 ⁢ A μ ⁢ A μ em que Fμ⁢ν=∂μ⁡Aν-∂ν⁡Aμ é o tensor field-strength e Aμ=(V,A→) é o quadrivetor potencial. Esta lagrangiana é local, porém o termo de massa faz com que ela não seja invariante sob uma transformação local de gaugeAμ→Aμ+∂μ⁡λ, em que λ⁢(x) é o parâmetro da transformação. Contudo, é possível mostrar que esta formulação é equivalente (na camada de massa) a uma lagrangiana não local e invariante sob transformações de gauge. Iniciamos a nossa discussão calculando as equações de campo de Proca (21) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν - m γ 2 ⁢ A ν = 0 . Podemos atuar o operador ∂ν em (21) para mostrar que a teoria de Proca satisfaz naturalmente a condição do gauge de Lorenz ∂μ⁡Aμ=0. Usando esta condição como um vínculo sobre o potencial Aμ, a Equação (21) se torna (22) ( □ - m γ 2 ) ⁢ A ν = 0 , que é uma equação de onda para modos massivos. Para tornar a densidade lagrangiana (20) invariante sob uma transformação de gauge podemos fazer uso do formalismo de Stueckelberg [30, 31, 32]. O método consiste em introduzir um campo auxiliar φ tal que o potencial Aμ seja substituído da seguinte forma [33, 34] (23) A μ → A μ + 1 m γ ⁢ ∂ μ ⁡ φ , tal que a ação seja invariante sob o novo conjunto de transformações locais (24) A μ → A μ + ∂ μ ⁡ λ , φ → φ - m γ ⁢ λ A partir dessas observações, a densidade lagrangiana encontrada a partir da substituição (23) é (25) ℒ = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν - 1 2 ⁢ m γ 2 ⁢ A μ ⁢ A μ - 1 2 ⁢ ∂ μ ⁡ φ ⁢ ∂ μ ⁡ φ - m γ ⁢ A μ ⁢ ∂ μ ⁡ φ , que é manifestamente invariante sob as transformações (24). As novas equações de movimento, obtidas a partir de (25), são dadas por (26) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν - m γ 2 ⁢ A ν - m γ ⁢ ∂ ν ⁡ φ = 0 , (27) □ ⁢ φ + m γ ⁢ ∂ μ ⁡ A μ = 0 . A Equação (27) pode ser resolvida para o campo φ, em termos do operador diferencial inverso aplicado à derivada do potencial vetor, tal que (28) φ = - m γ ⁢ □ - 1 ⁢ ( ∂ μ ⁡ A μ ) . Observamos, portanto, que a relação (28) será responsável por introduzir a não localidade na teoria, conforme mencionamos no início da Seção 3. Logo, a Equação (28) permite eliminar a variável φ na Equação (25), de forma que a densidade lagrangiana se torna [33] (29) ℒ = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν + 1 4 ⁢ m γ 2 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ □ - 1 ⁢ F μ ⁢ ν , que, devido à presença do operador □-1, é efetivamente não local. Desta forma, a densidade lagrangiana de Proca (20) é equivalente à expressão (29) que é invariante sob transformação de gauge; porém, nesse caso, a invariância de gauge surge às custas da presença da não localidade. Por sua vez, se introduzimos o campo (30) U μ ⁢ ν = - □ - 1 ⁢ F μ ⁢ ν a lagrangiana (29) é posta em uma forma local e invariante por transformações de gauge. Contudo, Uμ⁢ν não pode ser considerado como a solução mais de geral de (31) □ ⁢ U μ ⁢ ν = - F μ ⁢ ν , pois isto introduziria graus de liberdade adicionais (ghosts) e que não estão presentes na teoria original [14]. A razão disto é que uma transformação do tipo Uμ⁢ν→Uμ⁢ν+Sμ⁢ν, tal que □⁢Sμ⁢ν=0, deixa a Equação (31) invariante. A introdução do campo auxiliar Uμ⁢ν faz com que a teoria seja localizada, mas as condições de contorno sob o campo Uμ⁢ν não são arbitrárias e, efetivamente, este objeto não representa uma nova dinâmica. Na verdade, o campo Uμ⁢ν não estaria associado a nenhuma quantidade física [14]. Ademais, dando sequência à nossa discussão, as equações de movimento correspondentes à ação não local (29) são: (32) ( 1 - m γ 2 □ ) ⁢ ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = 0 , que são as equações de Maxwell modificadas com termos não locais. Agora, ao adicionarmos um termo de fontes à Equação (29), expresso pelo quadri-vetor corrente jμ=(ρ,J→), correspondente à existência de cargas e correntes, as equações de campo se tornam (33) ( 1 - m γ 2 □ ) ⁢ ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = j ν . Podemos analisar as equações (33) em diferentes escalas de energia. Considerando o espaço de Fourier, □→-k2, para o caso em que a energia é muito maior que a massa do fóton, isto é, k2/mγ2≫1, o termo não local é desprezível e recupera-se as equações de Maxwell usuais (34) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = j ν . Este regime é denominado de ultravioleta e a não localidade não causa nenhuma alteração (significativa) para a teoria. No entanto, se considerarmos o caso em que a energia do fóton é pequena comparada à sua massa, tal que k2/mγ2≪1, temos que as equações (33) são escritas como (35) m γ 2 ⁢ □ - 1 ⁢ ( ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν ) = - j ν . Este limite de baixas energias é chamado de infravermelho. Aplicando o operador d’Alembertiano à Equação (35) o resultado é (36) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = - ( □ m γ 2 ) ⁢ j ν . Neste regime do infravermelho, i.e. k2/mγ2≪1, temos efetivamente que o termo não-local gera uma contribuição muito pequena para o campo eletromagnético. A partir deste exemplo conseguimos observar a possibilidade de transformar uma teoria local em uma não local por meio de uma transformação (local) aplicada à densidade lagrangiana (sem modificar o conteúdo físico, i.e. seus graus de liberdade). Além disso, vimos que o comportamento das correções não locais podem ser diferentes de acordo com a escala de energia considerada. Na Seção 3.3 veremos como generalizar o procedimento de introdução dos termos não locais na lagrangiana, conforme descrito nesta seção, para a construção de uma teoria de gravitação modificada. 3.2. Eletrodinâmica quântica A ação efetiva quântica é uma ferramenta usada na teoria quântica de campos para analisar correções quânticas na dinâmica clássica de um campo. Os efeitos quânticos, derivados a partir de uma ação efetiva, podem ser usados como “correções” à descrição clássica de uma teoria de campos e assim serem um ponto de partida para o estudo, por exemplo, da influência dos campos de matéria nos campos de gauge, por exemplo, o campo eletromagnético ou o campo gravitacional. Vejamos por meio de um exemplo o significado e implicações de termos não locais em uma ação efetiva quântica. Consideraremos a ação efetiva da eletrodinâmica com correções em nível de um loop, envolvendo apenas os termos correspondentes ao campo do fóton Aμ. Neste caso, se mantivermos apenas termos de ordem quadrática em Aμ, a ação efetiva se torna [9, 14] (37) Γ Q ⁢ E ⁢ D = - 1 4 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ 1 e 2 ⁢ ( □ ) ⁢ F μ ⁢ ν , na qual o termo 1e2⁢(□) representa o deslocamento da carga elétrica (running coupling constant). Temos que, no espaço de Fourier, o deslocamento da carga elétrica tem a seguinte expressão [35]: (38) 1 e 2 ⁢ ( - k 2 ) = 1 e 2 ⁢ ( μ ) - 1 8 ⁢ π 2 ⁢ ∫ 0 1 d t ⁢ ( 1 - t 2 ) ⁢ ln × [ m e 2 + 1 4 ⁢ ( 1 - t 2 ) ⁢ k 2 μ 2 ] , aqui μ corresponde à escala de energia da renormalização da teoria. De forma semelhante ao que foi feito na Seção 3.1 consideraremos o limite de ultravioleta, isto é k2/me2≫1, a situação em que a massa do elétron é desprezível em relação a escala de energia. Neste caso, a variação da magnitude da carga elétrica é dada por (39) 1 e 2 ⁢ ( - k 2 ) ≈ 1 e 2 ⁢ ( μ ) - 1 12 ⁢ π 2 ⁢ ln ⁡ [ k 2 μ 2 ] , A não localidade presente na ação (37) se manifesta na variação da carga elementar do elétron e, consequentemente, da constante de acoplamento com a escala de energia em (39). Por sua vez, no limite de infravermelho, ou seja, em que k2/me2≪1, existem apenas termos locais na expressão para o deslocamento da carga do elétron, (40) 1 e 2 ⁢ ( k 2 ) ≈ 1 e 2 ⁢ ( μ ) + 1 15 ⁢ π 2 ⁢ k 2 m e 2 . Nesse caso, os termos adicionais são muito pequenos devido à presença do fator k2/me2. Além disso, é importante observar que as equações obtidas nesta seção podem não corresponder a sistemas físicos consistentes e também não respeitarem o princípio da causalidade, dependendo da formulação da integral de caminho utilizada [14]. De fato, é necessário um maior cuidado para a definição da não localidade presente na ação efetiva para que ela obedeça a causalidade, conforme discutiremos na Seção 4. A lição a ser tirada do exemplo discutido acima é que, de forma geral, em uma teoria quântica de campos a não localidade aparece quando levamos em consideração a variação da constante de acoplamento, devido a correções quânticas. 3.3. Gravitação Existem diversas maneiras de introduzir a não localidade em uma teoria clássica para a gravitação [20, 21, 36], vejamos alguns exemplos que foram propostos com essa finalidade. Uma abordagem para modificar a Relatividade Geral, baseada na teoria de Proca para fótons massivos, é alterar diretamente as equações de campo [37], tendo como base a Eq. (33). Desta forma, podemos escrever (41) ( 1 - m g 2 □ ) ⁢ G μ ⁢ ν = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν , na qual Gμ⁢ν=Rμ⁢ν-R2⁢gμ⁢ν é o tensor de Einstein, □=gμ⁢ν⁢Dμ⁢Dν é o d’Alembertiano covariante, e mg é a massa do gráviton.5 Embora as Equações (41) sejam postuladas ad-hoc, a partir da formulação não local da equação de Proca, não é possível afirmar a existência de uma lagrangiana que permita obtê-las por meio do princípio variacional. De maneira análoga à discussão do comportamento da Equação (38) em diferentes regimes de energia, podemos analisar a Equação (41) de acordo com a escala de energia das ondas gravitacionais. No limite de altas energias, tal que k2/mg2≫1, o termo não local em (41) é desprezível e recuperamos as equações de campo de Einstein da Relatividade Geral. Em contrapartida, para o regime infravermelho, tal que mg2/k2≫1, a Equação (41) se torna (42) □ - 1 ⁢ G μ ⁢ ν = - 8 ⁢ π ⁢ G m g 2 ⁢ T μ ⁢ ν . Ademais, se aplicarmos o operador d’Alembertiano à Equação (42), temos que (43) G μ ⁢ ν = - 8 ⁢ π ⁢ G m g 2 ⁢ □ ⁢ T μ ⁢ ν . Uma primeira conclusão que podemos extrair da expressão (43) é a seguinte: a constante cosmológica nas equações de campo usuais da relatividade geral pode ser interpretada como a presença de um termo correspondente a energia do vácuo no tensor energia-momento da forma Tμ⁢νV=Λ8⁢π⁢G⁢gμ⁢ν. Em uma geometria que obedece a condição de metricidade, i.e. Dα⁢gμ⁢ν=0, o d’Alembertiano desta contribuição do tensor energia-momento será nulo, ou seja, □⁢Tμ⁢νV=Λ8⁢π⁢G⁢Dα⁢(Dα⁢gμ⁢ν)=0. Portanto, nesse modelo, o termo não local não contribui com a presença da constante cosmológica nas equações de campo. Além disso, o fato de que as Equações (41) não serem derivadas a partir de uma ação, faz com que a introdução da não localidade ad hoc não tenha uma origem física fundamentada de maneira satisfatória. Isto não permite que seja conhecido, por exemplo, quais aspectos de simetria da Relatividade Geral são preservados (ou violados) nas equações de campo. Outro problema existente nesse modelo é que o tensor energia-momento não é covariantemente conservado. Podemos verificar este aspecto calculando a derivada covariante da Equação (43), que resulta em (44) D μ ⁢ G μ ⁢ ν = - 8 ⁢ π ⁢ G m g 2 ⁢ D μ ⁢ ( □ ⁢ T μ ⁢ ν ) . Se assumirmos como válida a identidade de Bianchi, temos que Dμ⁢Gμ⁢ν=0. Logo, a Equação (44) se torna (45) D μ ⁢ ( □ ⁢ T μ ⁢ ν ) = 0 , o que, por sua vez, implica em (46) □ ⁢ ( D μ ⁢ T μ ⁢ ν ) = [ D μ , □ ] ⁢ T μ ⁢ ν . Contudo, em um espaço-tempo curvo as derivadas covariantes não comutam, o comutador entre derivadas covariantes (atuando em tensores) fornece o tensor de curvatura de Riemann, i.e. [Dμ,Dν]⁢vα=-Rμ⁢ν⁢λα⁢vλ. Como consequência temos que [Dμ,□]≠0 e, portanto, segue que Dμ⁢Tμ⁢ν≠0. Por outro lado, se assumirmos que a lei de conservação Dμ⁢Tμ⁢ν=0 seja válida, então a Equação (44) implica que o tensor de Einstein não pode obedecer a identidade de Bianchi. A conclusão que segue destes resultados é que neste modelo não podemos ter as duas condições sendo satisfeitas simultaneamente, tal como ocorre na Relatividade Geral. A identidade de Bianchi é responsável por eliminar 4 graus de liberdade do tensor métrico. Portanto, se a identidade de Bianchi não é satisfeita consequentemente a teoria modificada apresenta mais graus de liberdade do que a teoria da relatividade geral.6 Este problema pode ser resolvido ao utilizarmos o conceito de projeção: iremos considerar apenas a parte transversal do setor geométrico das equações de campo (41), para maiores detalhes veja a Ref. [34]. De fato, um tensor simétrico arbitrário Sμ⁢ν pode ser decomposto em uma parte transversal e outra longitudinal tal que (47) S μ ⁢ ν = S μ ⁢ ν T + 1 2 ⁢ ( D μ ⁢ S ν - D ν ⁢ S μ ) , na qual Sμ⁢νT satisfaz Dμ⁢Sμ⁢νT=0 e o vetor Sμ é obtido aplicando a derivada covariante Dμ em ambos os lados da Equação (47). A partir deste princípio podemos escrever as equações de campo como (48) [ ( 1 - m g 2 □ ) ⁢ G μ ⁢ ν ] T = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν , ou ainda, de forma equivalente, (49) G μ ⁢ ν - m g 2 ⁢ ( □ - 1 ⁢ G μ ⁢ ν ) T = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν . Ao aplicarmos o divergente covariante Dμ ao lado esquerdo de (49) o resultado deve ser zero por construção; desta forma, como consequência, a condição Dμ⁢Tμ⁢ν=0 será naturalmente satisfeita. Apesar dessas observações, este modelo também apresenta alguns problemas, existem instabilidades geradas pelo caráter tensorial do termo não local (□-1⁢Gμ⁢ν)T que não permitem um modelo cosmológico válido [35, 39]. Portanto, com o intuito de eliminar estas instabilidades e construir um modelo cosmológico viável, foi proposto na ref. [40] que o tensor Gμν seja substituído pelo escalar de curvatura R, dando origem ao modelo (50) G μ ⁢ ν - m g 2 ⁢ ( g μ ⁢ ν ⁢ □ - 1 ⁢ R ) T = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν . Estas equações de campo apresentam características que permitem a construção de um modelo cosmológico que pode ser comparado ao modelo ΛCDM. O valor da densidade de energia associada à energia escura pode ser obtido a partir destas equações sem a necessidade da presença de uma constante cosmológica (i.e. o termo não local comporta-se efetivamente como contribuição para o conteúdo de energia do sistema, uma energia responsável pela expansão do universo) [35, 39, 40]. Se o parâmetro de massa mg presente na Equação (50) for escolhido tal que mg=0,67⁢H0,7 na qual H0=(67,4±0,5)⁢kms-1⁢Mpc-1 [41], encontra-se que a densidade de energia associada à energia escura é ΩΛ≈0,68, que está de acordo com o valor experimental ΩΛ=0,6847±0,0073 obtido pelo satélite Planck [41]. Outra grandeza que permite a comparação deste modelo de gravitação não local com o modelo ΛCDM, é o parâmetro w definido na equação de estado p=w⁢ρ. O valor deste parâmetro para a energia escura (do vácuo) deve ser w=-1, enquanto que no modelo não local (50) pode-se obter que -1.1≲w≲-1.04 [42]. Por fim, apesar de apresentar resultados satisfatórios em comparação com o modelo ΛCDM e, consequentemente, com alguns dados observacionais, o modelo descrito pela Equação (50) possui alguns problemas estruturais. Da mesma forma que o modelo proposto em (43), não conhecemos uma ação da qual as equações (50) sejam deduzidas a partir do princípio variacional. Uma consequência direta deste fato é que a introdução do termo não local não pode ser justificada por uma alteração em um nível fundamental da teoria (mas sim associada a efeitos quânticos de uma ação efetiva, por exemplo). Além disso, a presença do parâmetro de massa mg tem um papel similar ao da constante cosmológica nas equações de campo de Einstein, de forma que o número de parâmetros livres neste modelo é o mesmo que o existente no modelo ΛCDM [42]. Na verdade, a vantagem do modelo não local é que a introdução do termo mg2⁢(gμ⁢ν⁢□-1⁢R)T nas equações de campo é inspirada por um fenômeno quântico, em contraste com a presença da constante cosmológica (que até hoje ainda não teve a sua natureza completamente entendida [43]). Como modelos alternativos à ação de Einstein-Hilbert, podemos mencionar o modelo de Deser e Woodard de 2019, que a partir da adição de termos não locais à densidade lagrangiana gravitacional procura estabelecer mecanismos para explicar a expansão acelerada do universo, observada atualmente, sem a presença de uma constante cosmológica [13]. Este modelo, o qual chamaremos aqui de DW II, consiste em adicionar uma função algébrica f arbitrária do operador d’Alembertiano inverso, atuando no escalar de curvatura R, o que é inspirado pelas correções quânticas presentes na ação efetiva como vimos na Seção 3.2. A lagrangiana proposta é (51) ℒ N ⁢ L = - g 16 ⁢ π ⁢ G ⁢ R ⁢ [ 1 + f ⁢ ( Y ) ] , em que, (52) Y = □ - 1 ⁢ ∂ μ ⁡ X ⁢ ∂ μ ⁡ X X = □ - 1 ⁢ R . Aqui □=Dμ⁢Dμ é o operador d’Alembertiano e R é o escalar de curvatura de Ricci. A necessidade de inserir o termo ∂μ⁡X⁢∂μ⁡X na ação surgiu dos efeitos da contribuição não local para a descrição da inflação primordial e para que o modelo obedecesse os testes do Sistema Solar [13]. Este termo é negativo na escala do Sistema Solar e positivo na escala cosmológica, o que torna possível restringir os efeitos não locais apenas para o último cenário, o que é denominado “efeito de blindagem” [14]. É possível reescrever esta ação de uma forma local, ao introduzirmos os campos auxiliares U e V como multiplicadores de Lagrange, resultando em (53) ℒ = - g 16 ⁢ π ⁢ G ⁢ [ R ⁢ ( 1 + f ⁢ ( Y ) + U ) + g μ ⁢ ν ⁢ E μ ⁢ ν ] , em que Eμ⁢ν=∂μ⁡U⁢∂ν⁡X+∂μ⁡V⁢∂ν⁡Y+V⁢∂μ⁡X⁢∂ν⁡X. Os campos X,Y,U e V devem ser considerados campos escalares independentes, os quais devem satisfazer condições de contorno retardadas a fim de evitar a presença de graus de liberdade extras para a teoria [13]. As equações de campo modificadas pelo termo não local são obtidas variando a expressão (53) com relação à métrica (com a inclusão de uma fonte), o que fornece (54) ( G μ ⁢ ν - D μ ⁢ D ν + g μ ⁢ ν ⁢ □ ) ⁢ ( 1 + U + f ⁢ ( Y ) ) + E ( μ ⁢ ν ) - 1 2 ⁢ g μ ⁢ ν ⁢ g ρ ⁢ σ ⁢ E ρ ⁢ σ = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν , na qual o tensor energia momento não inclui o termo correspondente à energia escura (vácuo) e os índices entre parênteses denotam a parte simétrica do tensor. Para que o modelo não possua mais equações independentes do que a relatividade geral (i.e. o mesmo número de graus de liberdade) e também para que a lei de conservação Dμ⁢Tμ⁢ν=0 seja válida, é necessário que a identidade de Bianchi Dμ⁢Gμ⁢ν=0 seja obedecida. De fato, ao atuarmos o operador Dμ na expressão (54), e após uma série de manipulações algébricas e também o uso das equações de campos de (U,V,X,Y), encontramos explicitamente que a lei de conservação (covariante) Dμ⁢Tμ⁢ν=0 é satisfeita. Por fim, é importante mencionar que a função de distorção não local f⁢(Y) deve ser obtida através do procedimento de reconstrução [13], que impõe, por exemplo, que a evolução cosmológica do modelo DWII deve ser descrita pelas equações de Friedmann usuais da relatividade geral. Nesse caso, um ajuste exponencial a partir da solução numérica da função de distorção fornece (55) f ⁢ ( Y ) ≃ e 1.1 ⁢ ( Y - 16.7 ) . Portanto, o modelo DW II do campo gravitacional reproduz a expansão acelerada do universo evitando um ajuste fino maior. Em contraste com outros modelos gravitacionais alternativos, mencionados anteriormente, esse modelo modifica a relatividade geral no nível da ação, permitindo maior conhecimento sobre a origem da não localidade e do conteúdo de simetrias. . Logo, a Equação (28) permite eliminar a variável φ na Equação (25), de forma que a densidade lagrangiana se torna [33[33] G. Dvali, New J. Phys. 8, 326 (2006).]

(29) = - 1 4 F μ ν F μ ν + 1 4 m γ 2 F μ ν - 1 F μ ν ,

que, devido à presença do operador -1, é efetivamente não local. Desta forma, a densidade lagrangiana de Proca (20) é equivalente à expressão (29) que é invariante sob transformação de gauge; porém, nesse caso, a invariância de gauge surge às custas da presença da não localidade. Por sua vez, se introduzimos o campo

(30) U μ ν = - - 1 F μ ν

a lagrangiana (29) é posta em uma forma local e invariante por transformações de gauge. Contudo, Uμν não pode ser considerado como a solução mais de geral de

(31) U μ ν = - F μ ν ,

pois isto introduziria graus de liberdade adicionais (ghosts) e que não estão presentes na teoria original [14[14] E. Belgacem, Y. Dirian, S. Foffa e M. Maggiore, JCAP 3, 002 (2018).]. A razão disto é que uma transformação do tipo UμνUμν+Sμν, tal que Sμν=0, deixa a Equação (31) invariante. A introdução do campo auxiliar Uμν faz com que a teoria seja localizada, mas as condições de contorno sob o campo Uμν não são arbitrárias e, efetivamente, este objeto não representa uma nova dinâmica. Na verdade, o campo Uμν não estaria associado a nenhuma quantidade física [14[14] E. Belgacem, Y. Dirian, S. Foffa e M. Maggiore, JCAP 3, 002 (2018).].

Ademais, dando sequência à nossa discussão, as equações de movimento correspondentes à ação não local (29) são:

(32) ( 1 - m γ 2 ) μ F μ ν = 0 ,

que são as equações de Maxwell modificadas com termos não locais. Agora, ao adicionarmos um termo de fontes à Equação (29), expresso pelo quadri-vetor corrente jμ=(ρ,J), correspondente à existência de cargas e correntes, as equações de campo se tornam

(33) ( 1 - m γ 2 ) μ F μ ν = j ν .

Podemos analisar as equações (33) em diferentes escalas de energia. Considerando o espaço de Fourier, -k2, para o caso em que a energia é muito maior que a massa do fóton, isto é, k2/mγ21, o termo não local é desprezível e recupera-se as equações de Maxwell usuais

(34) μ F μ ν = j ν .

Este regime é denominado de ultravioleta e a não localidade não causa nenhuma alteração (significativa) para a teoria. No entanto, se considerarmos o caso em que a energia do fóton é pequena comparada à sua massa, tal que k2/mγ21, temos que as equações (33) são escritas como

(35) m γ 2 - 1 ( μ F μ ν ) = - j ν .

Este limite de baixas energias é chamado de infravermelho. Aplicando o operador d’Alembertiano à Equação (35) o resultado é

(36) μ F μ ν = - ( m γ 2 ) j ν .

Neste regime do infravermelho, i.e. k2/mγ21, temos efetivamente que o termo não-local gera uma contribuição muito pequena para o campo eletromagnético.

A partir deste exemplo conseguimos observar a possibilidade de transformar uma teoria local em uma não local por meio de uma transformação (local) aplicada à densidade lagrangiana (sem modificar o conteúdo físico, i.e. seus graus de liberdade). Além disso, vimos que o comportamento das correções não locais podem ser diferentes de acordo com a escala de energia considerada. Na Seção 3.3 3.3. Gravitação Existem diversas maneiras de introduzir a não localidade em uma teoria clássica para a gravitação [20, 21, 36], vejamos alguns exemplos que foram propostos com essa finalidade. Uma abordagem para modificar a Relatividade Geral, baseada na teoria de Proca para fótons massivos, é alterar diretamente as equações de campo [37], tendo como base a Eq. (33). Desta forma, podemos escrever (41) ( 1 - m g 2 □ ) ⁢ G μ ⁢ ν = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν , na qual Gμ⁢ν=Rμ⁢ν-R2⁢gμ⁢ν é o tensor de Einstein, □=gμ⁢ν⁢Dμ⁢Dν é o d’Alembertiano covariante, e mg é a massa do gráviton.5 Embora as Equações (41) sejam postuladas ad-hoc, a partir da formulação não local da equação de Proca, não é possível afirmar a existência de uma lagrangiana que permita obtê-las por meio do princípio variacional. De maneira análoga à discussão do comportamento da Equação (38) em diferentes regimes de energia, podemos analisar a Equação (41) de acordo com a escala de energia das ondas gravitacionais. No limite de altas energias, tal que k2/mg2≫1, o termo não local em (41) é desprezível e recuperamos as equações de campo de Einstein da Relatividade Geral. Em contrapartida, para o regime infravermelho, tal que mg2/k2≫1, a Equação (41) se torna (42) □ - 1 ⁢ G μ ⁢ ν = - 8 ⁢ π ⁢ G m g 2 ⁢ T μ ⁢ ν . Ademais, se aplicarmos o operador d’Alembertiano à Equação (42), temos que (43) G μ ⁢ ν = - 8 ⁢ π ⁢ G m g 2 ⁢ □ ⁢ T μ ⁢ ν . Uma primeira conclusão que podemos extrair da expressão (43) é a seguinte: a constante cosmológica nas equações de campo usuais da relatividade geral pode ser interpretada como a presença de um termo correspondente a energia do vácuo no tensor energia-momento da forma Tμ⁢νV=Λ8⁢π⁢G⁢gμ⁢ν. Em uma geometria que obedece a condição de metricidade, i.e. Dα⁢gμ⁢ν=0, o d’Alembertiano desta contribuição do tensor energia-momento será nulo, ou seja, □⁢Tμ⁢νV=Λ8⁢π⁢G⁢Dα⁢(Dα⁢gμ⁢ν)=0. Portanto, nesse modelo, o termo não local não contribui com a presença da constante cosmológica nas equações de campo. Além disso, o fato de que as Equações (41) não serem derivadas a partir de uma ação, faz com que a introdução da não localidade ad hoc não tenha uma origem física fundamentada de maneira satisfatória. Isto não permite que seja conhecido, por exemplo, quais aspectos de simetria da Relatividade Geral são preservados (ou violados) nas equações de campo. Outro problema existente nesse modelo é que o tensor energia-momento não é covariantemente conservado. Podemos verificar este aspecto calculando a derivada covariante da Equação (43), que resulta em (44) D μ ⁢ G μ ⁢ ν = - 8 ⁢ π ⁢ G m g 2 ⁢ D μ ⁢ ( □ ⁢ T μ ⁢ ν ) . Se assumirmos como válida a identidade de Bianchi, temos que Dμ⁢Gμ⁢ν=0. Logo, a Equação (44) se torna (45) D μ ⁢ ( □ ⁢ T μ ⁢ ν ) = 0 , o que, por sua vez, implica em (46) □ ⁢ ( D μ ⁢ T μ ⁢ ν ) = [ D μ , □ ] ⁢ T μ ⁢ ν . Contudo, em um espaço-tempo curvo as derivadas covariantes não comutam, o comutador entre derivadas covariantes (atuando em tensores) fornece o tensor de curvatura de Riemann, i.e. [Dμ,Dν]⁢vα=-Rμ⁢ν⁢λα⁢vλ. Como consequência temos que [Dμ,□]≠0 e, portanto, segue que Dμ⁢Tμ⁢ν≠0. Por outro lado, se assumirmos que a lei de conservação Dμ⁢Tμ⁢ν=0 seja válida, então a Equação (44) implica que o tensor de Einstein não pode obedecer a identidade de Bianchi. A conclusão que segue destes resultados é que neste modelo não podemos ter as duas condições sendo satisfeitas simultaneamente, tal como ocorre na Relatividade Geral. A identidade de Bianchi é responsável por eliminar 4 graus de liberdade do tensor métrico. Portanto, se a identidade de Bianchi não é satisfeita consequentemente a teoria modificada apresenta mais graus de liberdade do que a teoria da relatividade geral.6 Este problema pode ser resolvido ao utilizarmos o conceito de projeção: iremos considerar apenas a parte transversal do setor geométrico das equações de campo (41), para maiores detalhes veja a Ref. [34]. De fato, um tensor simétrico arbitrário Sμ⁢ν pode ser decomposto em uma parte transversal e outra longitudinal tal que (47) S μ ⁢ ν = S μ ⁢ ν T + 1 2 ⁢ ( D μ ⁢ S ν - D ν ⁢ S μ ) , na qual Sμ⁢νT satisfaz Dμ⁢Sμ⁢νT=0 e o vetor Sμ é obtido aplicando a derivada covariante Dμ em ambos os lados da Equação (47). A partir deste princípio podemos escrever as equações de campo como (48) [ ( 1 - m g 2 □ ) ⁢ G μ ⁢ ν ] T = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν , ou ainda, de forma equivalente, (49) G μ ⁢ ν - m g 2 ⁢ ( □ - 1 ⁢ G μ ⁢ ν ) T = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν . Ao aplicarmos o divergente covariante Dμ ao lado esquerdo de (49) o resultado deve ser zero por construção; desta forma, como consequência, a condição Dμ⁢Tμ⁢ν=0 será naturalmente satisfeita. Apesar dessas observações, este modelo também apresenta alguns problemas, existem instabilidades geradas pelo caráter tensorial do termo não local (□-1⁢Gμ⁢ν)T que não permitem um modelo cosmológico válido [35, 39]. Portanto, com o intuito de eliminar estas instabilidades e construir um modelo cosmológico viável, foi proposto na ref. [40] que o tensor Gμν seja substituído pelo escalar de curvatura R, dando origem ao modelo (50) G μ ⁢ ν - m g 2 ⁢ ( g μ ⁢ ν ⁢ □ - 1 ⁢ R ) T = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν . Estas equações de campo apresentam características que permitem a construção de um modelo cosmológico que pode ser comparado ao modelo ΛCDM. O valor da densidade de energia associada à energia escura pode ser obtido a partir destas equações sem a necessidade da presença de uma constante cosmológica (i.e. o termo não local comporta-se efetivamente como contribuição para o conteúdo de energia do sistema, uma energia responsável pela expansão do universo) [35, 39, 40]. Se o parâmetro de massa mg presente na Equação (50) for escolhido tal que mg=0,67⁢H0,7 na qual H0=(67,4±0,5)⁢kms-1⁢Mpc-1 [41], encontra-se que a densidade de energia associada à energia escura é ΩΛ≈0,68, que está de acordo com o valor experimental ΩΛ=0,6847±0,0073 obtido pelo satélite Planck [41]. Outra grandeza que permite a comparação deste modelo de gravitação não local com o modelo ΛCDM, é o parâmetro w definido na equação de estado p=w⁢ρ. O valor deste parâmetro para a energia escura (do vácuo) deve ser w=-1, enquanto que no modelo não local (50) pode-se obter que -1.1≲w≲-1.04 [42]. Por fim, apesar de apresentar resultados satisfatórios em comparação com o modelo ΛCDM e, consequentemente, com alguns dados observacionais, o modelo descrito pela Equação (50) possui alguns problemas estruturais. Da mesma forma que o modelo proposto em (43), não conhecemos uma ação da qual as equações (50) sejam deduzidas a partir do princípio variacional. Uma consequência direta deste fato é que a introdução do termo não local não pode ser justificada por uma alteração em um nível fundamental da teoria (mas sim associada a efeitos quânticos de uma ação efetiva, por exemplo). Além disso, a presença do parâmetro de massa mg tem um papel similar ao da constante cosmológica nas equações de campo de Einstein, de forma que o número de parâmetros livres neste modelo é o mesmo que o existente no modelo ΛCDM [42]. Na verdade, a vantagem do modelo não local é que a introdução do termo mg2⁢(gμ⁢ν⁢□-1⁢R)T nas equações de campo é inspirada por um fenômeno quântico, em contraste com a presença da constante cosmológica (que até hoje ainda não teve a sua natureza completamente entendida [43]). Como modelos alternativos à ação de Einstein-Hilbert, podemos mencionar o modelo de Deser e Woodard de 2019, que a partir da adição de termos não locais à densidade lagrangiana gravitacional procura estabelecer mecanismos para explicar a expansão acelerada do universo, observada atualmente, sem a presença de uma constante cosmológica [13]. Este modelo, o qual chamaremos aqui de DW II, consiste em adicionar uma função algébrica f arbitrária do operador d’Alembertiano inverso, atuando no escalar de curvatura R, o que é inspirado pelas correções quânticas presentes na ação efetiva como vimos na Seção 3.2. A lagrangiana proposta é (51) ℒ N ⁢ L = - g 16 ⁢ π ⁢ G ⁢ R ⁢ [ 1 + f ⁢ ( Y ) ] , em que, (52) Y = □ - 1 ⁢ ∂ μ ⁡ X ⁢ ∂ μ ⁡ X X = □ - 1 ⁢ R . Aqui □=Dμ⁢Dμ é o operador d’Alembertiano e R é o escalar de curvatura de Ricci. A necessidade de inserir o termo ∂μ⁡X⁢∂μ⁡X na ação surgiu dos efeitos da contribuição não local para a descrição da inflação primordial e para que o modelo obedecesse os testes do Sistema Solar [13]. Este termo é negativo na escala do Sistema Solar e positivo na escala cosmológica, o que torna possível restringir os efeitos não locais apenas para o último cenário, o que é denominado “efeito de blindagem” [14]. É possível reescrever esta ação de uma forma local, ao introduzirmos os campos auxiliares U e V como multiplicadores de Lagrange, resultando em (53) ℒ = - g 16 ⁢ π ⁢ G ⁢ [ R ⁢ ( 1 + f ⁢ ( Y ) + U ) + g μ ⁢ ν ⁢ E μ ⁢ ν ] , em que Eμ⁢ν=∂μ⁡U⁢∂ν⁡X+∂μ⁡V⁢∂ν⁡Y+V⁢∂μ⁡X⁢∂ν⁡X. Os campos X,Y,U e V devem ser considerados campos escalares independentes, os quais devem satisfazer condições de contorno retardadas a fim de evitar a presença de graus de liberdade extras para a teoria [13]. As equações de campo modificadas pelo termo não local são obtidas variando a expressão (53) com relação à métrica (com a inclusão de uma fonte), o que fornece (54) ( G μ ⁢ ν - D μ ⁢ D ν + g μ ⁢ ν ⁢ □ ) ⁢ ( 1 + U + f ⁢ ( Y ) ) + E ( μ ⁢ ν ) - 1 2 ⁢ g μ ⁢ ν ⁢ g ρ ⁢ σ ⁢ E ρ ⁢ σ = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ T μ ⁢ ν , na qual o tensor energia momento não inclui o termo correspondente à energia escura (vácuo) e os índices entre parênteses denotam a parte simétrica do tensor. Para que o modelo não possua mais equações independentes do que a relatividade geral (i.e. o mesmo número de graus de liberdade) e também para que a lei de conservação Dμ⁢Tμ⁢ν=0 seja válida, é necessário que a identidade de Bianchi Dμ⁢Gμ⁢ν=0 seja obedecida. De fato, ao atuarmos o operador Dμ na expressão (54), e após uma série de manipulações algébricas e também o uso das equações de campos de (U,V,X,Y), encontramos explicitamente que a lei de conservação (covariante) Dμ⁢Tμ⁢ν=0 é satisfeita. Por fim, é importante mencionar que a função de distorção não local f⁢(Y) deve ser obtida através do procedimento de reconstrução [13], que impõe, por exemplo, que a evolução cosmológica do modelo DWII deve ser descrita pelas equações de Friedmann usuais da relatividade geral. Nesse caso, um ajuste exponencial a partir da solução numérica da função de distorção fornece (55) f ⁢ ( Y ) ≃ e 1.1 ⁢ ( Y - 16.7 ) . Portanto, o modelo DW II do campo gravitacional reproduz a expansão acelerada do universo evitando um ajuste fino maior. Em contraste com outros modelos gravitacionais alternativos, mencionados anteriormente, esse modelo modifica a relatividade geral no nível da ação, permitindo maior conhecimento sobre a origem da não localidade e do conteúdo de simetrias. veremos como generalizar o procedimento de introdução dos termos não locais na lagrangiana, conforme descrito nesta seção, para a construção de uma teoria de gravitação modificada.

3.2. Eletrodinâmica quântica

A ação efetiva quântica é uma ferramenta usada na teoria quântica de campos para analisar correções quânticas na dinâmica clássica de um campo. Os efeitos quânticos, derivados a partir de uma ação efetiva, podem ser usados como “correções” à descrição clássica de uma teoria de campos e assim serem um ponto de partida para o estudo, por exemplo, da influência dos campos de matéria nos campos de gauge, por exemplo, o campo eletromagnético ou o campo gravitacional. Vejamos por meio de um exemplo o significado e implicações de termos não locais em uma ação efetiva quântica. Consideraremos a ação efetiva da eletrodinâmica com correções em nível de um loop, envolvendo apenas os termos correspondentes ao campo do fóton Aμ. Neste caso, se mantivermos apenas termos de ordem quadrática em Aμ, a ação efetiva se torna [9[9] D.A.R. Dalvit e F.D. Mazzitelli, Phys. Rev. D 50, 1001 (1994)., 14[14] E. Belgacem, Y. Dirian, S. Foffa e M. Maggiore, JCAP 3, 002 (2018).]

(37) Γ Q E D = - 1 4 d 4 x F μ ν 1 e 2 ( ) F μ ν ,

na qual o termo 1e2() representa o deslocamento da carga elétrica (running coupling constant). Temos que, no espaço de Fourier, o deslocamento da carga elétrica tem a seguinte expressão [35[35] H. Nersisyan, Infrared Nonlocal Gravity Theories: Optimizing Science Return to Euclid Satellite Mission. Tese de Doutorado, Heidelberg University (2017).]:

(38) 1 e 2 ( - k 2 ) = 1 e 2 ( μ ) - 1 8 π 2 0 1 d t ( 1 - t 2 ) ln × [ m e 2 + 1 4 ( 1 - t 2 ) k 2 μ 2 ] ,

aqui μ corresponde à escala de energia da renormalização da teoria. De forma semelhante ao que foi feito na Seção 3.1 3.1. Eletrodinâmica clássica Na mecânica clássica a mudança na descrição de um sistema do formalismo hamiltoniano para o lagrangiano se dá por uma transformação de Legendre, que relaciona as funções hamiltoniana H⁢(q,p,t) e lagrangiana L⁢(q,q˙,t) da seguinte forma: (5) L ⁢ ( q , q ˙ , t ) = q i ˙ ⁢ p i - H ⁢ ( q , p , t ) , enquanto os parênteses de Poisson fundamentais das variáveis do espaço de fase q e p são: {qi,pj}=δi⁢j.2 Todavia, a Equação (5) pode ser modificada para uma transformação mais geral, de forma que a lagrangiana seja dada por (6) L ⁢ ( q , q ˙ , t ) = ω i ⁢ j ⁢ q ˙ i ⁢ p j - H ⁢ ( q , p , t ) , em que a estrutura simplética corresponde a (7) { q i , p j } = ω i ⁢ j . A forma usual de (5) é recuperada com a escolha ωi⁢j=δi⁢j. Em uma teoria de campos clássicos, a densidade lagrangiana para os campos ϕ⁢(x) e π⁢(y) também pode ser generalizada seguindo o mesmo procedimento, de forma que (8) ℒ = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ ω i ⁢ j ⁢ ( x → , y → ) ⁢ ∂ t ⁡ ϕ i ⁢ ( x ) ⁢ π j ⁢ ( y ) - ℋ ⁢ ( ϕ , π ) . A escolha das funções ω⁢(x→,y→) como ωi⁢j⁢(x→,y→)=δi⁢j⁢δ3⁢(x→-y→) conduz à densidade lagrangiana local ℒ=∂t⁡ϕi⁢πi-ℋ. Entretanto, há outras possibilidades como, por exemplo, a escolha de uma função delta transversal δi⁢jT⁢(x→,y→) que fornece a projeção de um campo vetorial ao longo de sua componente transversal [24]. De acordo com o teorema de Helmholtz qualquer campo vetorial pode ser decomposto em uma componente longitudinal e outra transversal, (9) Φ → = Φ → L + Φ → T , as quais satisfazem por definição ∇→×Φ→L=0 e ∇→⋅Φ→T=0. Assim, a função δi⁢jT⁢(x,y) é definida a partir da identidade [24] (10) Φ i T ⁢ ( x ) ≡ ∫ d 3 ⁢ y ⁢ δ i ⁢ j T ⁢ ( x → , y → ) ⁢ Φ j ⁢ ( y ) = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ [ δ i ⁢ j ⁢ δ 3 ⁢ ( y → - x → ) + ∂ i ⁡ ∂ j 4 ⁢ π ⁢ 1 | y → - x → | ] ⁢ Φ j ⁢ ( y ) . Desta forma, encontra-se que a estrutura simplética neste caso é (11) ω i ⁢ j ⁢ ( x → , y → ) = δ i ⁢ j ⁢ δ 3 ⁢ ( y → - x → ) + 1 4 ⁢ π ⁢ ∂ i ⁡ ∂ j ⁡ 1 | y → - x → | , sendo que x→ e y→ são vetores posição que apontam para pontos distintos do espaço. Vale a pena mencionar que a Equação (11) corresponde aos parênteses de Dirac3 no gauge de radiação i.e. o gauge de Coulomb (∂i⁡Ai=0) associado com a condição A0 = 0 [26]. Observe que o segundo membro da Eq. (11) tende a zero quando a separação entre estes dois pontos é muito grande, isto é, quando |y→-x→|→+∞. A não localidade, neste caso, é presente no segundo termo, em que há uma separação espacial não nula entre dois pontos no espaço. Para obter as equações de Maxwell consideremos a densidade lagrangiana dependente dos seguintes graus de liberdade: as componentes do campo elétrico E→ e do potencial vetor A→, o qual define o campo magnético por meio da relação B→=∇→×A→. A função densidade hamiltoniana, corresponde à energia do campo eletromagnético, é definida por (12) ℋ ⁢ ( E , A ) = 1 2 ⁢ ( E 2 + ( ∇ → × A → ) 2 ) . Por sua vez, a densidade lagrangiana não local, para a teoria eletromagnética de Maxwell, neste caso é (13) ℒ = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ δ i ⁢ j T ⁢ ( x , y ) ⁢ ∂ t ⁡ E i ⁢ ( x ) ⁢ A j ⁢ ( y ) - 1 2 ⁢ ( E 2 + ( ∇ → × A → ) 2 ) . As equações de campo podem ser obtidas a partir do princípio variacional de Hamilton, o qual fornece (14) ∂ t ⁡ A i T ⁢ ( x ) = - E i (15) ∂ t ⁡ E i T ⁢ ( x ) = ( ∇ → × ( ∇ → × A → ) ) i . Por fim, de acordo com o teorema de Helmholtz a componente transversal de E→ deve ter divergência nula, isto é, ∇→⋅E→=0. Ademais, identificando o campo magnético como B→=∇→×A→T, o que implica em ∇→⋅B→=0, encontramos as quatro equações de Maxwell, na ausência de fontes, no vácuo (16) ∇ → × E → = - ∂ t ⁡ B → ∇ → ⋅ B → = 0 . ∇ → × B → = ∂ t ⁡ E → ∇ → ⋅ E → = 0 . Estas equações de campo contém apenas termos locais, contudo elas foram obtidas a partir de uma lagrangiana não local (13) que relaciona diferentes pontos do espaço. Podemos atentar ao fato da não localidade não ser presente na teoria eletromagnética clássica devido ao fato de considerarmos apenas uma trajetória que obedece ao princípio da mínima ação δ⁢S=0.4 Por outro lado, na descrição quântica a situação é contrária, pois não há uma trajetória bem definida e as integrais são efetuadas levando em consideração todos os possíveis caminhos [23]. Uma manifestação desse fenômeno quântico é o efeito de Aharonov-Bohm, em que partículas carregadas sofrem um deslocamento de fase ao passar por uma região externa a um solenoide [23, 27, 28, 29]. Nesse caso, a componente transversal do potencial vetor A→T, responsável pelo efeito Aharonov-Bohm, é equivalente ao termo de interação não local (17) A i T = ∫ d 3 ⁢ y ⁢ G i ⁢ j ⁢ ( x , y ) ⁢ B j ⁢ ( y ) = Φ B 2 ⁢ π ⁢ ρ ⁢ φ ^ i , em que (18) G i ⁢ j ⁢ ( x , y ) = - ϵ i ⁢ j ⁢ k 4 ⁢ π ⁢ ∂ k ⁡ 1 | x → - y → | é a função de Green que satisfaz (19) ϵ j ⁢ k ⁢ i ⁢ ∂ k ⁡ G i ⁢ j = δ ⁢ ( x → - y → ) e ΦB é o fluxo do campo magnético. A lição que podemos extrair deste exemplo é que, dentro do escopo do que foi abordado, a não localidade se faz presente apenas em um fenômeno quântico; em geral, em nível clássico, a não localidade está presente somente em nível da ação (lagrangiana ou hamiltoniana) e não nas equações de movimento. Consideremos agora outro exemplo da eletrodinâmica clássica que permite ilustrar outros aspectos da presença de termos não locais em uma teoria. A densidade lagrangiana de Proca, que descreve fótons massivos na ausência de fontes, é dada por (20) ℒ = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν - 1 2 ⁢ m γ 2 ⁢ A μ ⁢ A μ em que Fμ⁢ν=∂μ⁡Aν-∂ν⁡Aμ é o tensor field-strength e Aμ=(V,A→) é o quadrivetor potencial. Esta lagrangiana é local, porém o termo de massa faz com que ela não seja invariante sob uma transformação local de gaugeAμ→Aμ+∂μ⁡λ, em que λ⁢(x) é o parâmetro da transformação. Contudo, é possível mostrar que esta formulação é equivalente (na camada de massa) a uma lagrangiana não local e invariante sob transformações de gauge. Iniciamos a nossa discussão calculando as equações de campo de Proca (21) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν - m γ 2 ⁢ A ν = 0 . Podemos atuar o operador ∂ν em (21) para mostrar que a teoria de Proca satisfaz naturalmente a condição do gauge de Lorenz ∂μ⁡Aμ=0. Usando esta condição como um vínculo sobre o potencial Aμ, a Equação (21) se torna (22) ( □ - m γ 2 ) ⁢ A ν = 0 , que é uma equação de onda para modos massivos. Para tornar a densidade lagrangiana (20) invariante sob uma transformação de gauge podemos fazer uso do formalismo de Stueckelberg [30, 31, 32]. O método consiste em introduzir um campo auxiliar φ tal que o potencial Aμ seja substituído da seguinte forma [33, 34] (23) A μ → A μ + 1 m γ ⁢ ∂ μ ⁡ φ , tal que a ação seja invariante sob o novo conjunto de transformações locais (24) A μ → A μ + ∂ μ ⁡ λ , φ → φ - m γ ⁢ λ A partir dessas observações, a densidade lagrangiana encontrada a partir da substituição (23) é (25) ℒ = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν - 1 2 ⁢ m γ 2 ⁢ A μ ⁢ A μ - 1 2 ⁢ ∂ μ ⁡ φ ⁢ ∂ μ ⁡ φ - m γ ⁢ A μ ⁢ ∂ μ ⁡ φ , que é manifestamente invariante sob as transformações (24). As novas equações de movimento, obtidas a partir de (25), são dadas por (26) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν - m γ 2 ⁢ A ν - m γ ⁢ ∂ ν ⁡ φ = 0 , (27) □ ⁢ φ + m γ ⁢ ∂ μ ⁡ A μ = 0 . A Equação (27) pode ser resolvida para o campo φ, em termos do operador diferencial inverso aplicado à derivada do potencial vetor, tal que (28) φ = - m γ ⁢ □ - 1 ⁢ ( ∂ μ ⁡ A μ ) . Observamos, portanto, que a relação (28) será responsável por introduzir a não localidade na teoria, conforme mencionamos no início da Seção 3. Logo, a Equação (28) permite eliminar a variável φ na Equação (25), de forma que a densidade lagrangiana se torna [33] (29) ℒ = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν + 1 4 ⁢ m γ 2 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ □ - 1 ⁢ F μ ⁢ ν , que, devido à presença do operador □-1, é efetivamente não local. Desta forma, a densidade lagrangiana de Proca (20) é equivalente à expressão (29) que é invariante sob transformação de gauge; porém, nesse caso, a invariância de gauge surge às custas da presença da não localidade. Por sua vez, se introduzimos o campo (30) U μ ⁢ ν = - □ - 1 ⁢ F μ ⁢ ν a lagrangiana (29) é posta em uma forma local e invariante por transformações de gauge. Contudo, Uμ⁢ν não pode ser considerado como a solução mais de geral de (31) □ ⁢ U μ ⁢ ν = - F μ ⁢ ν , pois isto introduziria graus de liberdade adicionais (ghosts) e que não estão presentes na teoria original [14]. A razão disto é que uma transformação do tipo Uμ⁢ν→Uμ⁢ν+Sμ⁢ν, tal que □⁢Sμ⁢ν=0, deixa a Equação (31) invariante. A introdução do campo auxiliar Uμ⁢ν faz com que a teoria seja localizada, mas as condições de contorno sob o campo Uμ⁢ν não são arbitrárias e, efetivamente, este objeto não representa uma nova dinâmica. Na verdade, o campo Uμ⁢ν não estaria associado a nenhuma quantidade física [14]. Ademais, dando sequência à nossa discussão, as equações de movimento correspondentes à ação não local (29) são: (32) ( 1 - m γ 2 □ ) ⁢ ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = 0 , que são as equações de Maxwell modificadas com termos não locais. Agora, ao adicionarmos um termo de fontes à Equação (29), expresso pelo quadri-vetor corrente jμ=(ρ,J→), correspondente à existência de cargas e correntes, as equações de campo se tornam (33) ( 1 - m γ 2 □ ) ⁢ ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = j ν . Podemos analisar as equações (33) em diferentes escalas de energia. Considerando o espaço de Fourier, □→-k2, para o caso em que a energia é muito maior que a massa do fóton, isto é, k2/mγ2≫1, o termo não local é desprezível e recupera-se as equações de Maxwell usuais (34) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = j ν . Este regime é denominado de ultravioleta e a não localidade não causa nenhuma alteração (significativa) para a teoria. No entanto, se considerarmos o caso em que a energia do fóton é pequena comparada à sua massa, tal que k2/mγ2≪1, temos que as equações (33) são escritas como (35) m γ 2 ⁢ □ - 1 ⁢ ( ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν ) = - j ν . Este limite de baixas energias é chamado de infravermelho. Aplicando o operador d’Alembertiano à Equação (35) o resultado é (36) ∂ μ ⁡ F μ ⁢ ν = - ( □ m γ 2 ) ⁢ j ν . Neste regime do infravermelho, i.e. k2/mγ2≪1, temos efetivamente que o termo não-local gera uma contribuição muito pequena para o campo eletromagnético. A partir deste exemplo conseguimos observar a possibilidade de transformar uma teoria local em uma não local por meio de uma transformação (local) aplicada à densidade lagrangiana (sem modificar o conteúdo físico, i.e. seus graus de liberdade). Além disso, vimos que o comportamento das correções não locais podem ser diferentes de acordo com a escala de energia considerada. Na Seção 3.3 veremos como generalizar o procedimento de introdução dos termos não locais na lagrangiana, conforme descrito nesta seção, para a construção de uma teoria de gravitação modificada. consideraremos o limite de ultravioleta, isto é k2/me21, a situação em que a massa do elétron é desprezível em relação a escala de energia. Neste caso, a variação da magnitude da carga elétrica é dada por

(39) 1 e 2 ( - k 2 ) 1 e 2 ( μ ) - 1 12 π 2 ln [ k 2 μ 2 ] ,

A não localidade presente na ação (37) se manifesta na variação da carga elementar do elétron e, consequentemente, da constante de acoplamento com a escala de energia em (39). Por sua vez, no limite de infravermelho, ou seja, em que k2/me21, existem apenas termos locais na expressão para o deslocamento da carga do elétron,

(40) 1 e 2 ( k 2 ) 1 e 2 ( μ ) + 1 15 π 2 k 2 m e 2 .

Nesse caso, os termos adicionais são muito pequenos devido à presença do fator k2/me2. Além disso, é importante observar que as equações obtidas nesta seção podem não corresponder a sistemas físicos consistentes e também não respeitarem o princípio da causalidade, dependendo da formulação da integral de caminho utilizada [14[14] E. Belgacem, Y. Dirian, S. Foffa e M. Maggiore, JCAP 3, 002 (2018).]. De fato, é necessário um maior cuidado para a definição da não localidade presente na ação efetiva para que ela obedeça a causalidade, conforme discutiremos na Seção 4 4. Operadores não Locais e Causalidade A fim de complementar as discussões anteriores, apresentaremos nesta seção definições formais de alguns aspectos de efeitos não-locais, em especial, a preservação da causalidade e a sua relação com o processo de quantização. Como vimos, a atuação de um operador diferencial inverso em uma função é uma das formas de inserir a não localidade em uma teoria (veja por exemplo as Eqs. (49) e (37)). Podemos definir um operador diferencial inverso 𝒟-1, tal que ele satisfaça a propriedade (56) 𝒟 - 1 ⁢ ( 𝒟 ⁢ φ ⁢ ( x ) ) = φ ⁢ ( x ) . Alguns exemplos de operadores diferenciais inversos conhecidos são □-1, [μ2+□]-1, [∂t2+c1⁢∂t+c2]-1, e-□/M2. A partir da definição (56) podemos obter a sua representação integral (57) 𝒟 - 1 ⁢ φ ⁢ ( x ) = φ ( 0 ) ⁢ ( x ) + ∫ d 4 ⁢ y ⁢ G ⁢ ( x , y ) ⁢ φ ⁢ ( y ) . Por sua vez, aplicando o operador 𝒟x à expressão acima, com as derivadas sendo calculadas com relação à variável x, temos que (58) φ ⁢ ( x ) = 𝒟 ⁢ φ ( 0 ) ⁢ ( x ) + ∫ d 4 ⁢ y ⁢ 𝒟 ⁢ G ⁢ ( x , y ) ⁢ φ ⁢ ( y ) . Portanto, para que a definição (56) seja satisfeita, devemos ter (59) 𝒟 ⁢ φ ( 0 ) ⁢ ( x ) = 0 (60) 𝒟 ⁢ G ⁢ ( x , y ) = δ ( 4 ) ⁢ ( x - y ) , em que, a função φ(0)⁢(x) é chamada de solução homogênea e identificamos G⁢(x,y) como a função de Green. Observe que a função de Green é simétrica mediante uma inversão das variáveis x↔y, isto é (61) G ⁢ ( x , y ) = G ⁢ ( y , x ) . Ademais, a função de Green G⁢(x,y) pode ser escrita como a soma de uma função de Green retardada com uma função de Green avançada (62) G ⁢ ( x , y ) = G R ⁢ ( x , y ) + G A ⁢ ( y , x ) . Esta decomposição nas partes retardada e avançada, torna explícito a invariância da função de Green G⁢(x,y) sob a permutação das coordenadas x↔y, uma vez que sob esta condição a função de Green retardada se torna a função de Green avançada, i.e. GR⁢(x,y)↔GA⁢(y,x). Vale a pena mencionar que todo operador diferencial possui sua própria função de Green particular, que por sua vez é solução da Equação (60). Para exemplificar a relação entre a presença da função de Green e a causalidade nas equações de movimento, consideremos o seguinte termo, (63) Δ ⁢ S = 1 2 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ □ - 1 ⁢ φ ⁢ ( x ) = 1 2 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ ∫ d 4 ⁢ y ⁢ φ ⁢ ( x ) ⁢ G ⁢ ( x , y ) ⁢ φ ⁢ ( y ) , que corresponde à correção da ação do campo escalar clássico [35]. Variando funcionalmente a ação (63), com relação ao campo φ, temos: (64) δ ⁢ S ⁢ ( φ ) δ ⁢ φ ⁢ ( y ) = 1 2 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ [ G ⁢ ( x , y ) + G ⁢ ( y , x ) ] ⁢ φ ⁢ ( x ) , onde usamos a definição de derivada funcional δ⁢φ⁢(x)δ⁢φ⁢(y)=δ4⁢(x-y). Podemos enunciar algumas conclusões importantes sobre a questão da causalidade obtidas a partir de (63) e (64): Mesmo que a ação (63) seja definida apenas em termos da função de Green retardada, a fim de garantir que apenas os valores do campo φ no cone de luz passado sejam considerados, a variação da ação fará com que as equações de movimento possuam tanto a função de Green retardada quanto a avançada (veja (64)). A razão disto é que o segundo termo em (64) contém uma permutação nas variáveis, e como vimos, GR⁢(x,y)=GA⁢(y,x). Como consequência, as equações de movimento para um dado evento dependem tanto do campo avaliado em um ponto no cone de luz passado xμ quanto no cone de luz futuro yμ, violando o princípio da causalidade. Podemos concluir que a presença de um termo não local na densidade lagrangiana, de uma teoria clássica de campos, pode implicar na violação da causalidade. No entanto, este problema pode ser evitado por meio do procedimento de localização da ação, de maneira semelhante ao que fizemos na Equação (53), garantindo que a não localidade apareça apenas nas equações da campo. Nesse caso, é necessário resolver a forma diferencial das equações de campo ou a sua forma integral via funções de Green. Ademais, é importante ter em mente que as equações diferenciais devem ser resolvidas a partir de condições de contorno retardadas, caso contrário isso resultará em graus de liberdade extras. Da mesma forma, a integral da função de Green, nas soluções das equações de campo, deve ser avaliada respeitando um ordenamento temporal (causalidade) nos limites de integração. De fato, existem formalismos que permitem obter diretamente equações de campo causais a partir de uma ação não local. Focaremos aqui na abordagem da ação efetiva quântica e como ela pode determinar se uma teoria obedece ou não ao princípio da causalidade. Além disso, e mais importante, vamos apresentar qual é o formalismo de quantização que permite que uma teoria não local sempre respeite o princípio da causalidade. Neste contexto, para compreender o significado de uma ação efetiva quântica, consideremos como exemplo o caso de um campo escalar Φ definido em um espaço-tempo curvo, em que o campo métrico gμν é visto como um campo clássico de fundo (background). Pode-se mostrar que, nesse caso, a ação efetiva quântica Γ⁢[gμ⁢ν;ϕ] é obtida por meio de uma transformação de Legendre a partir da ação clássica S=SE⁢H+SM [14], tendo em vista que (65) e i ⁢ Γ ⁢ [ g μ ⁢ ν ; ϕ ] = e i ⁢ S E ⁢ H ⁢ [ g μ ⁢ ν ] × ∫ D φ e i ⁢ S M ⁢ [ g μ ⁢ ν ; ϕ + φ ] - i ⁢ ∫ δ ⁢ Γ ⁢ [ g μ ⁢ ν ; ϕ ] δ ⁢ ϕ ⁢ φ . Vale a pena destacar que para obtermos a expressão (65) fizemos uso do método de campos de fundo ao separarmos o campo como Φ=ϕ+φ, sendo que ϕ corresponde à parte clássica, enquanto o campo φ contém as flutuações quânticas [44, 45]. Nesta expressão, SEH é a ação de Einstein-Hilbert, SM a ação correspondente do campo Φ acoplado minimamente com a métrica, enquanto identificamos J=δ⁢Γδ⁢ϕ como o termo de fonte. Por sua vez, D⁢φ denota a medida da integral sobre todas as possíveis configurações (“trajetórias”) do campo quântico φ⁢(x). Por simplicidade, vamos considerar o caso em que a parte clássica do campo de matéria Φ é nula, i.e. ϕ=0, e também na ausência de fontes J≡δ⁢Γδ⁢ϕ=0. Neste caso, a Equação (65) se reduz a (66) Γ ⁢ [ g μ ⁢ ν ] = S E ⁢ H + Γ M , em que identificamos i⁢ΓM⁢[gμ⁢ν]≡ln⁡[∫D⁢φ⁢ei⁢SM⁢[gμ⁢ν;φ]] como a contribuição de matéria para a ação efetiva. Desta forma, é fácil observar que em primeira ordem a ação efetiva corresponde à ação clássica, sendo corrigida por termos quânticos subsequentes, que podem conter informação não local [44, 45]. Por sua vez, ao definirmos o valor esperado para o estado de vácuo do tensor energia-momento como (67) ⟨ 0 | T μ ⁢ ν | 0 ⟩ = - 2 - g ⁢ δ ⁢ ( - g ⁢ Γ M ) δ ⁢ g μ ⁢ ν , temos que variação da ação efetiva quântica (66) fornece as equações de campo (68) R μ ⁢ ν - R 2 ⁢ g μ ⁢ ν - Λ ⁢ g μ ⁢ ν = 8 ⁢ π ⁢ G ⁢ ⟨ 0 | T μ ⁢ ν | 0 ⟩ . O valor esperado que aparece na Equação (68) depende das condições de contorno utilizadas no cálculo da integral de caminho, que podem determinar se as equações de campo obedecem ou não ao princípio de causalidade [44, 45]. Abordaremos a seguir como formular esta quantidade a fim de garantir que ela seja causal. Em uma teoria quântica de campos é necessário distinguir entre os estados que se comportam assintoticamente como livres no passado distante, chamados de “estados-in” e os estados que se comportam desta forma no futuro distante, chamados de “estados-out”. Quantidades como o valor esperado ⟨0|Tμ⁢ν|0⟩ são elementos de uma matriz de espalhamento que aparecem em cálculos intermediários em teoria quântica de campos, mas usualmente não representam quantidades físicas. O motivo disto é que as condições de contorno da integral de caminho determinam se essa quantidades são calculadas em estados-in ou em estados-out. Por um lado, a integral de caminho de Feynman fornece que o valor esperado do tensor energia-momento deve ser ⟨0out|Tμ⁢ν|0in⟩, que pode ser um número complexo, mesmo se o operador Tμν for hermitiano. Além disso, um valor esperado do tipo in-out obedece a equações de movimento em que aparecem o propagador de Feynman, o qual não satisfaz o princípio da causalidade (uma vez que ele é uma superposição de um propagador avançado e um retardado). Para evitar essa incompatibilidade com o princípio da causalidade no processo de quantização, é necessário utilizar a integral de caminho de Schwinger-Keldish ou formalismo CTP (closed-time-path) [11, 46], que fornece estados assintoticamente livres do tipo in-in. Para o tensor energia-momento, por exemplo, temos que ⟨0in|Tμ⁢ν|0in⟩ é real para o caso em que Tμν é um operador hermitiano e representa o valor esperado deste operador para um dado instante de tempo, correspondendo então a uma quantidade física. Devemos enfatizar, por fim, que a formulação da quantização de quantidades a partir de valores esperados do tipo in-in faz com que as equações de movimento obedeçam as relações de causalidade, já que neste caso apenas o propagador retardado aparecerá nas equações de campo. A ideia principal da abordagem de Schwinger-Keldish para a quantização é integrar as configurações dos campos ao longo de trajetórias que partem do passado para o futuro e retornam novamente ao passado, o que produz equações (efetivas) de campo que são satisfeitas pelo valor esperado dos operadores. . A lição a ser tirada do exemplo discutido acima é que, de forma geral, em uma teoria quântica de campos a não localidade aparece quando levamos em consideração a variação da constante de acoplamento, devido a correções quânticas.

3.3. Gravitação

Existem diversas maneiras de introduzir a não localidade em uma teoria clássica para a gravitação [20[20] C.D. Dijkstra, arXiv:1904.10301 (2019)., 21[21] J. Boos, arXiv:2009.10856 (2021)., 36[36] S. Capozziello e F. Bajardi, International Journal of Modern Physics D. 31, 2230009 (2022).], vejamos alguns exemplos que foram propostos com essa finalidade. Uma abordagem para modificar a Relatividade Geral, baseada na teoria de Proca para fótons massivos, é alterar diretamente as equações de campo [37[37] N. Arkani-Hamed, S. Dimopoulos, G. Dvali e G. Gabadadze, arXiv:hep-th/0209227 (2002).], tendo como base a Eq. (33). Desta forma, podemos escrever

(41) ( 1 - m g 2 ) G μ ν = 8 π G T μ ν ,

na qual Gμν=Rμν-R2gμν é o tensor de Einstein, =gμνDμDν é o d’Alembertiano covariante, e mg é a massa do gráviton.5 5 Ao contrário da Relatividade Geral, na qual a gravidade é descrita pelo campo métrico gμ⁢ν (não massivo), em modelos de gravitação quântica a interação gravitacional é mediada pelo quanta gráviton, que pode ser uma partícula massiva, cuja massa respeita o limite mg≲2×10-28⁢eV/c2 [38]. Embora as Equações (41) sejam postuladas ad-hoc, a partir da formulação não local da equação de Proca, não é possível afirmar a existência de uma lagrangiana que permita obtê-las por meio do princípio variacional.

De maneira análoga à discussão do comportamento da Equação (38) em diferentes regimes de energia, podemos analisar a Equação (41) de acordo com a escala de energia das ondas gravitacionais. No limite de altas energias, tal que k2/mg21, o termo não local em (41) é desprezível e recuperamos as equações de campo de Einstein da Relatividade Geral. Em contrapartida, para o regime infravermelho, tal que mg2/k21, a Equação (41) se torna

(42) - 1 G μ ν = - 8 π G m g 2 T μ ν .

Ademais, se aplicarmos o operador d’Alembertiano à Equação (42), temos que

(43) G μ ν = - 8 π G m g 2 T μ ν .

Uma primeira conclusão que podemos extrair da expressão (43) é a seguinte: a constante cosmológica nas equações de campo usuais da relatividade geral pode ser interpretada como a presença de um termo correspondente a energia do vácuo no tensor energia-momento da forma TμνV=Λ8πGgμν. Em uma geometria que obedece a condição de metricidade, i.e. Dαgμν=0, o d’Alembertiano desta contribuição do tensor energia-momento será nulo, ou seja, TμνV=Λ8πGDα(Dαgμν)=0. Portanto, nesse modelo, o termo não local não contribui com a presença da constante cosmológica nas equações de campo.

Além disso, o fato de que as Equações (41) não serem derivadas a partir de uma ação, faz com que a introdução da não localidade ad hoc não tenha uma origem física fundamentada de maneira satisfatória. Isto não permite que seja conhecido, por exemplo, quais aspectos de simetria da Relatividade Geral são preservados (ou violados) nas equações de campo. Outro problema existente nesse modelo é que o tensor energia-momento não é covariantemente conservado. Podemos verificar este aspecto calculando a derivada covariante da Equação (43), que resulta em

(44) D μ G μ ν = - 8 π G m g 2 D μ ( T μ ν ) .

Se assumirmos como válida a identidade de Bianchi, temos que DμGμν=0. Logo, a Equação (44) se torna

(45) D μ ( T μ ν ) = 0 ,

o que, por sua vez, implica em

(46) ( D μ T μ ν ) = [ D μ , ] T μ ν .

Contudo, em um espaço-tempo curvo as derivadas covariantes não comutam, o comutador entre derivadas covariantes (atuando em tensores) fornece o tensor de curvatura de Riemann, i.e. [Dμ,Dν]vα=-Rμνλαvλ. Como consequência temos que [Dμ,]0 e, portanto, segue que DμTμν0. Por outro lado, se assumirmos que a lei de conservação DμTμν=0 seja válida, então a Equação (44) implica que o tensor de Einstein não pode obedecer a identidade de Bianchi.

A conclusão que segue destes resultados é que neste modelo não podemos ter as duas condições sendo satisfeitas simultaneamente, tal como ocorre na Relatividade Geral. A identidade de Bianchi é responsável por eliminar 4 graus de liberdade do tensor métrico. Portanto, se a identidade de Bianchi não é satisfeita consequentemente a teoria modificada apresenta mais graus de liberdade do que a teoria da relatividade geral.6 6 O campo gravitacional na Relatividade Geral (campo não massivo e de spin-2) possui apenas 2 graus de liberdade, associados aos seus estados de polarização.

Este problema pode ser resolvido ao utilizarmos o conceito de projeção: iremos considerar apenas a parte transversal do setor geométrico das equações de campo (41), para maiores detalhes veja a Ref. [34[34] M. Jaccard, M. Maggiore e E. Mitsou, Phys. Rev. D 88, 044033 (2013).]. De fato, um tensor simétrico arbitrário Sμν pode ser decomposto em uma parte transversal e outra longitudinal tal que

(47) S μ ν = S μ ν T + 1 2 ( D μ S ν - D ν S μ ) ,

na qual SμνT satisfaz DμSμνT=0 e o vetor Sμ é obtido aplicando a derivada covariante Dμ em ambos os lados da Equação (47). A partir deste princípio podemos escrever as equações de campo como

(48) [ ( 1 - m g 2 ) G μ ν ] T = 8 π G T μ ν ,

ou ainda, de forma equivalente,

(49) G μ ν - m g 2 ( - 1 G μ ν ) T = 8 π G T μ ν .

Ao aplicarmos o divergente covariante Dμ ao lado esquerdo de (49) o resultado deve ser zero por construção; desta forma, como consequência, a condição DμTμν=0 será naturalmente satisfeita.

Apesar dessas observações, este modelo também apresenta alguns problemas, existem instabilidades geradas pelo caráter tensorial do termo não local (-1Gμν)T que não permitem um modelo cosmológico válido [35[35] H. Nersisyan, Infrared Nonlocal Gravity Theories: Optimizing Science Return to Euclid Satellite Mission. Tese de Doutorado, Heidelberg University (2017)., 39[39] Y. Dirian, S. Foffa, N. Khosravi, M. Kunz e M. Maggiore, JCAP 6, 033 (2014).]. Portanto, com o intuito de eliminar estas instabilidades e construir um modelo cosmológico viável, foi proposto na ref. [40[40] M. Maggiore, Phys. Rev. D 89, 043008 (2014).] que o tensor Gμν seja substituído pelo escalar de curvatura R, dando origem ao modelo

(50) G μ ν - m g 2 ( g μ ν - 1 R ) T = 8 π G T μ ν .

Estas equações de campo apresentam características que permitem a construção de um modelo cosmológico que pode ser comparado ao modelo ΛCDM.

O valor da densidade de energia associada à energia escura pode ser obtido a partir destas equações sem a necessidade da presença de uma constante cosmológica (i.e. o termo não local comporta-se efetivamente como contribuição para o conteúdo de energia do sistema, uma energia responsável pela expansão do universo) [35[35] H. Nersisyan, Infrared Nonlocal Gravity Theories: Optimizing Science Return to Euclid Satellite Mission. Tese de Doutorado, Heidelberg University (2017)., 39[39] Y. Dirian, S. Foffa, N. Khosravi, M. Kunz e M. Maggiore, JCAP 6, 033 (2014)., 40[40] M. Maggiore, Phys. Rev. D 89, 043008 (2014).]. Se o parâmetro de massa mg presente na Equação (50) for escolhido tal que mg=0,67H0,7 7 A constante de Hubble H0 é o valor do parâmetro de Hubble H=a˙/a nos dias atuais. na qual H0=(67,4±0,5)kms-1Mpc-1 [41[41] N. Aghanim, Y. Akrami, M. Ashdown, J. Aumont, C. Baccigalupi, M. Ballardini, A. J. Banday, R.B. Barreiro, N. Bartolo, S. Basak, et al., Astron. Astrophys. 641, A6 (2020).], encontra-se que a densidade de energia associada à energia escura é ΩΛ0,68, que está de acordo com o valor experimental ΩΛ=0,6847±0,0073 obtido pelo satélite Planck [41[41] N. Aghanim, Y. Akrami, M. Ashdown, J. Aumont, C. Baccigalupi, M. Ballardini, A. J. Banday, R.B. Barreiro, N. Bartolo, S. Basak, et al., Astron. Astrophys. 641, A6 (2020).]. Outra grandeza que permite a comparação deste modelo de gravitação não local com o modelo ΛCDM, é o parâmetro w definido na equação de estado p=wρ. O valor deste parâmetro para a energia escura (do vácuo) deve ser w=-1, enquanto que no modelo não local (50) pode-se obter que -1.1w-1.04 [42[42] S. Nesseris e S. Tsujikawa, Phys. Rev. D 90, 024070 (2014).].

Por fim, apesar de apresentar resultados satisfatórios em comparação com o modelo ΛCDM e, consequentemente, com alguns dados observacionais, o modelo descrito pela Equação (50) possui alguns problemas estruturais. Da mesma forma que o modelo proposto em (43), não conhecemos uma ação da qual as equações (50) sejam deduzidas a partir do princípio variacional. Uma consequência direta deste fato é que a introdução do termo não local não pode ser justificada por uma alteração em um nível fundamental da teoria (mas sim associada a efeitos quânticos de uma ação efetiva, por exemplo). Além disso, a presença do parâmetro de massa mg tem um papel similar ao da constante cosmológica nas equações de campo de Einstein, de forma que o número de parâmetros livres neste modelo é o mesmo que o existente no modelo ΛCDM [42[42] S. Nesseris e S. Tsujikawa, Phys. Rev. D 90, 024070 (2014).]. Na verdade, a vantagem do modelo não local é que a introdução do termo mg2(gμν-1R)T nas equações de campo é inspirada por um fenômeno quântico, em contraste com a presença da constante cosmológica (que até hoje ainda não teve a sua natureza completamente entendida [43[43] A. Padilla, arXiv:1502.05296 (2015).]).

Como modelos alternativos à ação de Einstein-Hilbert, podemos mencionar o modelo de Deser e Woodard de 2019, que a partir da adição de termos não locais à densidade lagrangiana gravitacional procura estabelecer mecanismos para explicar a expansão acelerada do universo, observada atualmente, sem a presença de uma constante cosmológica [13[13] S. Deser e R.P. Woodard, JCAP 6, 034 (2019).]. Este modelo, o qual chamaremos aqui de DW II, consiste em adicionar uma função algébrica f arbitrária do operador d’Alembertiano inverso, atuando no escalar de curvatura R, o que é inspirado pelas correções quânticas presentes na ação efetiva como vimos na Seção 3.2 3.2. Eletrodinâmica quântica A ação efetiva quântica é uma ferramenta usada na teoria quântica de campos para analisar correções quânticas na dinâmica clássica de um campo. Os efeitos quânticos, derivados a partir de uma ação efetiva, podem ser usados como “correções” à descrição clássica de uma teoria de campos e assim serem um ponto de partida para o estudo, por exemplo, da influência dos campos de matéria nos campos de gauge, por exemplo, o campo eletromagnético ou o campo gravitacional. Vejamos por meio de um exemplo o significado e implicações de termos não locais em uma ação efetiva quântica. Consideraremos a ação efetiva da eletrodinâmica com correções em nível de um loop, envolvendo apenas os termos correspondentes ao campo do fóton Aμ. Neste caso, se mantivermos apenas termos de ordem quadrática em Aμ, a ação efetiva se torna [9, 14] (37) Γ Q ⁢ E ⁢ D = - 1 4 ⁢ ∫ d 4 ⁢ x ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ 1 e 2 ⁢ ( □ ) ⁢ F μ ⁢ ν , na qual o termo 1e2⁢(□) representa o deslocamento da carga elétrica (running coupling constant). Temos que, no espaço de Fourier, o deslocamento da carga elétrica tem a seguinte expressão [35]: (38) 1 e 2 ⁢ ( - k 2 ) = 1 e 2 ⁢ ( μ ) - 1 8 ⁢ π 2 ⁢ ∫ 0 1 d t ⁢ ( 1 - t 2 ) ⁢ ln × [ m e 2 + 1 4 ⁢ ( 1 - t 2 ) ⁢ k 2 μ 2 ] , aqui μ corresponde à escala de energia da renormalização da teoria. De forma semelhante ao que foi feito na Seção 3.1 consideraremos o limite de ultravioleta, isto é k2/me2≫1, a situação em que a massa do elétron é desprezível em relação a escala de energia. Neste caso, a variação da magnitude da carga elétrica é dada por (39) 1 e 2 ⁢ ( - k 2 ) ≈ 1 e 2 ⁢ ( μ ) - 1 12 ⁢ π 2 ⁢ ln ⁡ [ k 2 μ 2 ] , A não localidade presente na ação (37) se manifesta na variação da carga elementar do elétron e, consequentemente, da constante de acoplamento com a escala de energia em (39). Por sua vez, no limite de infravermelho, ou seja, em que k2/me2≪1, existem apenas termos locais na expressão para o deslocamento da carga do elétron, (40) 1 e 2 ⁢ ( k 2 ) ≈ 1 e 2 ⁢ ( μ ) + 1 15 ⁢ π 2 ⁢ k 2 m e 2 . Nesse caso, os termos adicionais são muito pequenos devido à presença do fator k2/me2. Além disso, é importante observar que as equações obtidas nesta seção podem não corresponder a sistemas físicos consistentes e também não respeitarem o princípio da causalidade, dependendo da formulação da integral de caminho utilizada [14]. De fato, é necessário um maior cuidado para a definição da não localidade presente na ação efetiva para que ela obedeça a causalidade, conforme discutiremos na Seção 4. A lição a ser tirada do exemplo discutido acima é que, de forma geral, em uma teoria quântica de campos a não localidade aparece quando levamos em consideração a variação da constante de acoplamento, devido a correções quânticas. . A lagrangiana proposta é

(51) N L = - g 16 π G R [ 1 + f ( Y ) ] ,

em que,

(52) Y = - 1 μ X μ X X = - 1 R .

Aqui =DμDμ é o operador d’Alembertiano e R é o escalar de curvatura de Ricci. A necessidade de inserir o termo μXμX na ação surgiu dos efeitos da contribuição não local para a descrição da inflação primordial e para que o modelo obedecesse os testes do Sistema Solar [13[13] S. Deser e R.P. Woodard, JCAP 6, 034 (2019).]. Este termo é negativo na escala do Sistema Solar e positivo na escala cosmológica, o que torna possível restringir os efeitos não locais apenas para o último cenário, o que é denominado “efeito de blindagem” [14[14] E. Belgacem, Y. Dirian, S. Foffa e M. Maggiore, JCAP 3, 002 (2018).].

É possível reescrever esta ação de uma forma local, ao introduzirmos os campos auxiliares U e V como multiplicadores de Lagrange, resultando em

(53) = - g 16 π G [ R ( 1 + f ( Y ) + U ) + g μ ν E μ ν ] ,

em que Eμν=μUνX+μVνY+VμXνX. Os campos X,Y,U e V devem ser considerados campos escalares independentes, os quais devem satisfazer condições de contorno retardadas a fim de evitar a presença de graus de liberdade extras para a teoria [13[13] S. Deser e R.P. Woodard, JCAP 6, 034 (2019).].

As equações de campo modificadas pelo termo não local são obtidas variando a expressão (53) com relação à métrica (com a inclusão de uma fonte), o que fornece

(54) ( G μ ν - D μ D ν + g μ ν ) ( 1 + U + f ( Y ) ) + E ( μ ν ) - 1 2 g μ ν g ρ σ E ρ σ = 8 π G T μ ν ,

na qual o tensor energia momento não inclui o termo correspondente à energia escura (vácuo) e os índices entre parênteses denotam a parte simétrica do tensor.

Para que o modelo não possua mais equações independentes do que a relatividade geral (i.e. o mesmo número de graus de liberdade) e também para que a lei de conservação DμTμν=0 seja válida, é necessário que a identidade de Bianchi DμGμν=0 seja obedecida. De fato, ao atuarmos o operador Dμ na expressão (54), e após uma série de manipulações algébricas e também o uso das equações de campos de (U,V,X,Y), encontramos explicitamente que a lei de conservação (covariante) DμTμν=0 é satisfeita.

Por fim, é importante mencionar que a função de distorção não local f(Y) deve ser obtida através do procedimento de reconstrução [13[13] S. Deser e R.P. Woodard, JCAP 6, 034 (2019).], que impõe, por exemplo, que a evolução cosmológica do modelo DWII deve ser descrita pelas equações de Friedmann usuais da relatividade geral. Nesse caso, um ajuste exponencial a partir da solução numérica da função de distorção fornece

(55) f ( Y ) e 1.1 ( Y - 16.7 ) .

Portanto, o modelo DW II do campo gravitacional reproduz a expansão acelerada do universo evitando um ajuste fino maior. Em contraste com outros modelos gravitacionais alternativos, mencionados anteriormente, esse modelo modifica a relatividade geral no nível da ação, permitindo maior conhecimento sobre a origem da não localidade e do conteúdo de simetrias.

4. Operadores não Locais e Causalidade

A fim de complementar as discussões anteriores, apresentaremos nesta seção definições formais de alguns aspectos de efeitos não-locais, em especial, a preservação da causalidade e a sua relação com o processo de quantização.

Como vimos, a atuação de um operador diferencial inverso em uma função é uma das formas de inserir a não localidade em uma teoria (veja por exemplo as Eqs. (49) e (37)). Podemos definir um operador diferencial inverso 𝒟-1, tal que ele satisfaça a propriedade

(56) 𝒟 - 1 ( 𝒟 φ ( x ) ) = φ ( x ) .

Alguns exemplos de operadores diferenciais inversos conhecidos são -1, [μ2+]-1, [t2+c1t+c2]-1, e-/M2. A partir da definição (56) podemos obter a sua representação integral

(57) 𝒟 - 1 φ ( x ) = φ ( 0 ) ( x ) + d 4 y G ( x , y ) φ ( y ) .

Por sua vez, aplicando o operador 𝒟x à expressão acima, com as derivadas sendo calculadas com relação à variável x, temos que

(58) φ ( x ) = 𝒟 φ ( 0 ) ( x ) + d 4 y 𝒟 G ( x , y ) φ ( y ) .

Portanto, para que a definição (56) seja satisfeita, devemos ter

(59) 𝒟 φ ( 0 ) ( x ) = 0
(60) 𝒟 G ( x , y ) = δ ( 4 ) ( x - y ) ,

em que, a função φ(0)(x) é chamada de solução homogênea e identificamos G(x,y) como a função de Green. Observe que a função de Green é simétrica mediante uma inversão das variáveis xy, isto é

(61) G ( x , y ) = G ( y , x ) .

Ademais, a função de Green G(x,y) pode ser escrita como a soma de uma função de Green retardada com uma função de Green avançada

(62) G ( x , y ) = G R ( x , y ) + G A ( y , x ) .

Esta decomposição nas partes retardada e avançada, torna explícito a invariância da função de Green G(x,y) sob a permutação das coordenadas xy, uma vez que sob esta condição a função de Green retardada se torna a função de Green avançada, i.e. GR(x,y)GA(y,x). Vale a pena mencionar que todo operador diferencial possui sua própria função de Green particular, que por sua vez é solução da Equação (60).

Para exemplificar a relação entre a presença da função de Green e a causalidade nas equações de movimento, consideremos o seguinte termo,

(63) Δ S = 1 2 d 4 x φ ( x ) - 1 φ ( x ) = 1 2 d 4 x d 4 y φ ( x ) G ( x , y ) φ ( y ) ,

que corresponde à correção da ação do campo escalar clássico [35[35] H. Nersisyan, Infrared Nonlocal Gravity Theories: Optimizing Science Return to Euclid Satellite Mission. Tese de Doutorado, Heidelberg University (2017).]. Variando funcionalmente a ação (63), com relação ao campo φ, temos:

(64) δ S ( φ ) δ φ ( y ) = 1 2 d 4 x [ G ( x , y ) + G ( y , x ) ] φ ( x ) ,

onde usamos a definição de derivada funcional δφ(x)δφ(y)=δ4(x-y). Podemos enunciar algumas conclusões importantes sobre a questão da causalidade obtidas a partir de (63) e (64):

  1. Mesmo que a ação (63) seja definida apenas em termos da função de Green retardada, a fim de garantir que apenas os valores do campo φ no cone de luz passado sejam considerados, a variação da ação fará com que as equações de movimento possuam tanto a função de Green retardada quanto a avançada (veja (64)). A razão disto é que o segundo termo em (64) contém uma permutação nas variáveis, e como vimos, GR(x,y)=GA(y,x).

  2. Como consequência, as equações de movimento para um dado evento dependem tanto do campo avaliado em um ponto no cone de luz passado xμ quanto no cone de luz futuro yμ, violando o princípio da causalidade.

Podemos concluir que a presença de um termo não local na densidade lagrangiana, de uma teoria clássica de campos, pode implicar na violação da causalidade. No entanto, este problema pode ser evitado por meio do procedimento de localização da ação, de maneira semelhante ao que fizemos na Equação (53), garantindo que a não localidade apareça apenas nas equações da campo. Nesse caso, é necessário resolver a forma diferencial das equações de campo ou a sua forma integral via funções de Green. Ademais, é importante ter em mente que as equações diferenciais devem ser resolvidas a partir de condições de contorno retardadas, caso contrário isso resultará em graus de liberdade extras. Da mesma forma, a integral da função de Green, nas soluções das equações de campo, deve ser avaliada respeitando um ordenamento temporal (causalidade) nos limites de integração.

De fato, existem formalismos que permitem obter diretamente equações de campo causais a partir de uma ação não local. Focaremos aqui na abordagem da ação efetiva quântica e como ela pode determinar se uma teoria obedece ou não ao princípio da causalidade. Além disso, e mais importante, vamos apresentar qual é o formalismo de quantização que permite que uma teoria não local sempre respeite o princípio da causalidade.

Neste contexto, para compreender o significado de uma ação efetiva quântica, consideremos como exemplo o caso de um campo escalar Φ definido em um espaço-tempo curvo, em que o campo métrico gμν é visto como um campo clássico de fundo (background). Pode-se mostrar que, nesse caso, a ação efetiva quântica Γ[gμν;ϕ] é obtida por meio de uma transformação de Legendre a partir da ação clássica S=SEH+SM [14[14] E. Belgacem, Y. Dirian, S. Foffa e M. Maggiore, JCAP 3, 002 (2018).], tendo em vista que

(65) e i Γ [ g μ ν ; ϕ ] = e i S E H [ g μ ν ] × D φ e i S M [ g μ ν ; ϕ + φ ] - i δ Γ [ g μ ν ; ϕ ] δ ϕ φ .

Vale a pena destacar que para obtermos a expressão (65) fizemos uso do método de campos de fundo ao separarmos o campo como Φ=ϕ+φ, sendo que ϕ corresponde à parte clássica, enquanto o campo φ contém as flutuações quânticas [44[44] L.E. Parker e D. Toms, Quantum Field Theory in Curved Spacetime: Quantized Field and Gravity (Cambridge University Press, Cambridge, 2009)., 45[45] I.L. Buchbinder e I. Shapiro, Introduction to Quantum Field Theory with Applications to Quantum Gravity (Oxford University Press, Oxford, 2021).]. Nesta expressão, SEH é a ação de Einstein-Hilbert, SM a ação correspondente do campo Φ acoplado minimamente com a métrica, enquanto identificamos J=δΓδϕ como o termo de fonte. Por sua vez, Dφ denota a medida da integral sobre todas as possíveis configurações (“trajetórias”) do campo quântico φ(x).

Por simplicidade, vamos considerar o caso em que a parte clássica do campo de matéria Φ é nula, i.e. ϕ=0, e também na ausência de fontes JδΓδϕ=0. Neste caso, a Equação (65) se reduz a

(66) Γ [ g μ ν ] = S E H + Γ M ,

em que identificamos iΓM[gμν]ln[DφeiSM[gμν;φ]] como a contribuição de matéria para a ação efetiva. Desta forma, é fácil observar que em primeira ordem a ação efetiva corresponde à ação clássica, sendo corrigida por termos quânticos subsequentes, que podem conter informação não local [44[44] L.E. Parker e D. Toms, Quantum Field Theory in Curved Spacetime: Quantized Field and Gravity (Cambridge University Press, Cambridge, 2009)., 45[45] I.L. Buchbinder e I. Shapiro, Introduction to Quantum Field Theory with Applications to Quantum Gravity (Oxford University Press, Oxford, 2021).]. Por sua vez, ao definirmos o valor esperado para o estado de vácuo do tensor energia-momento como

(67) 0 | T μ ν | 0 = - 2 - g δ ( - g Γ M ) δ g μ ν ,

temos que variação da ação efetiva quântica (66) fornece as equações de campo

(68) R μ ν - R 2 g μ ν - Λ g μ ν = 8 π G 0 | T μ ν | 0 .

O valor esperado que aparece na Equação (68) depende das condições de contorno utilizadas no cálculo da integral de caminho, que podem determinar se as equações de campo obedecem ou não ao princípio de causalidade [44[44] L.E. Parker e D. Toms, Quantum Field Theory in Curved Spacetime: Quantized Field and Gravity (Cambridge University Press, Cambridge, 2009)., 45[45] I.L. Buchbinder e I. Shapiro, Introduction to Quantum Field Theory with Applications to Quantum Gravity (Oxford University Press, Oxford, 2021).]. Abordaremos a seguir como formular esta quantidade a fim de garantir que ela seja causal.

Em uma teoria quântica de campos é necessário distinguir entre os estados que se comportam assintoticamente como livres no passado distante, chamados de “estados-in” e os estados que se comportam desta forma no futuro distante, chamados de “estados-out”. Quantidades como o valor esperado 0|Tμν|0 são elementos de uma matriz de espalhamento que aparecem em cálculos intermediários em teoria quântica de campos, mas usualmente não representam quantidades físicas. O motivo disto é que as condições de contorno da integral de caminho determinam se essa quantidades são calculadas em estados-in ou em estados-out. Por um lado, a integral de caminho de Feynman fornece que o valor esperado do tensor energia-momento deve ser 0out|Tμν|0in, que pode ser um número complexo, mesmo se o operador Tμν for hermitiano. Além disso, um valor esperado do tipo in-out obedece a equações de movimento em que aparecem o propagador de Feynman, o qual não satisfaz o princípio da causalidade (uma vez que ele é uma superposição de um propagador avançado e um retardado).

Para evitar essa incompatibilidade com o princípio da causalidade no processo de quantização, é necessário utilizar a integral de caminho de Schwinger-Keldish ou formalismo CTP (closed-time-path) [11[11] E. Mitsou, Aspects of Infrared Non-local Modifications of General Relativity (Springer Cham, Geneva, 2016)., 46[46] R.D. Jordan, Phys. Rev. D 33, 444 (1986).], que fornece estados assintoticamente livres do tipo in-in. Para o tensor energia-momento, por exemplo, temos que 0in|Tμν|0in é real para o caso em que Tμν é um operador hermitiano e representa o valor esperado deste operador para um dado instante de tempo, correspondendo então a uma quantidade física.

Devemos enfatizar, por fim, que a formulação da quantização de quantidades a partir de valores esperados do tipo in-in faz com que as equações de movimento obedeçam as relações de causalidade, já que neste caso apenas o propagador retardado aparecerá nas equações de campo. A ideia principal da abordagem de Schwinger-Keldish para a quantização é integrar as configurações dos campos ao longo de trajetórias que partem do passado para o futuro e retornam novamente ao passado, o que produz equações (efetivas) de campo que são satisfeitas pelo valor esperado dos operadores.

5. Conclusão

Neste trabalho discutimos o significado de não-localidade no contexto da teoria de campos a partir de exemplos da eletrodinâmica e também em teorias gravitacionais modificadas não-locais recentemente desenvolvidas. Apresentamos uma introdução pedagógica a este assunto destacando as principais questões que surgem em cada modelo nos quais a não-localidade foi introduzida. Além disso, oferecemos uma definição formal de operadores não-locais e consideramos a implicação da não-localidade para a preservação do princípio da causalidade em nível quântico, e sua íntima relação com a ação efetiva quântica.

No contexto da eletrodinâmica clássica, mostramos como é possível obter as equações de Maxwell locais a partir de uma lagrangiana não local e ainda como a não localidade é restrita ao nível da ação do modelo. Embora os fenômenos não locais não apareçam nas equações de campo do eletromagnetismo, vimos que eles se manifestam, por exemplo, no efeito quântico de Aharonov-Bohm. Ademais, mostramos como a não-localidade pode ser usada para gerar a invariância de gauge, no caso da teoria dos fótons massivos de Proca, sendo introduzida na ação a partir do mecanismo de Stueckelberg. Já na eletrodinâmica quântica, vimos que a não-localidade está relacionada com o deslocamento da constante de acoplamento, no caso a carga elétrica. A origem deste fenômeno está nas correções de ordem superior da ação efetiva quântica para os fótons.

Em relação às teorias gravitacionais alternativas, destacamos que uma modificação tensorial não-local nas equações de campo de Einstein resulta em pequenas correções no regime do infravermelho (a partir de efeitos quânticos). No entanto, essas correções violam a lei de conservação para o tensor energia-momento e não são fundamentalmente justificadas em nível lagrangiano. Em contraste, o modelo não local DW II mostrou capacidade de reproduzir a cosmologia padrão ΛCDM sem a necessidade de grandes ajustes finos. Isso pode ser alcançado pelo procedimento de reconstrução, impondo restrições às equações de Friedmann modificadas para fixar a função de distorção não local f(Y). Além disso, esse modelo passa nos testes do Sistema Solar da Relatividade Geral, pois ele satisfaz o mecanismo de blindagem que mantém os efeitos não locais restritos a escalas cosmológicas.

Finalmente, a fim de dar um caráter final à discussão dos fenômenos apresentados, apresentamos algumas definições formais de operadores diferenciais não locais. Considerando as correções não-locais quânticas à ação do campo escalar clássico, encontramos uma violação (explícita) da causalidade quando o operador não-local da ação é escrito em termos das funções de Green diretamente na lagrangiana. Para evitar a quebra da causalidade, é necessário primeiro a localização da ação e somente então as equações de movimento obtidas a partir da ação local podem ser resolvidas pelo método da função de Green, ou diretamente em sua forma diferencial. Entretanto, é necessário que as condições de contorno (ou equivalentemente, a função de Green) sejam as retardadas, de forma a preservar a causalidade e evitar a presença de graus de liberdade adicionais. Isso significa que todos os campos não locais e suas derivadas devem se aproximar de zero em uma superfície (de Cauchy) de valor inicial. No caso da ação efetiva quântica vimos que, para evitar esta incompatibilidade com o princípio da causalidade, é necessário utilizar a integral de caminho de Schwinger-Keldish, que fornece estados assintoticamente livres do tipo in-in. Esta abordagem garante que apenas o propagador retardado aparecerá nas equações de campo, pois as integrações das configurações dos campos nesse formalismo são feitas ao longo de trajetórias que partem do passado para o futuro e retornam novamente ao passado, garantindo assim que o princípio da causalidade seja satisfeito.

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. R.B. acknowledges partial support from Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq Project No. 305427/2019-9) and Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG Project No. APQ-01142-17).

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  • 1
    Em todas as partes deste artigo onde aparece o termo “Mecânica Quântica” estaremos nos referindo à esta interpretação tradicional, a qual usualmente é apresentada nos cursos de graduação em Física.
  • 2
    Nesta seção adotaremos a notação de Einstein para o somatório, no entanto os índices latinos (e.g. i,j,k) variam de 1 a 3 representando apenas as componentes espaciais.
  • 3
    Os parênteses de Dirac é uma generalização do parênteses de Poisson desenvolvido por P. Dirac para tratamento de sistemas singulares, com vínculos de segunda classe na mecânica hamiltoniana [25[25] R. Thibes, European Journal of Physics 41, 055203, (2020).].
  • 4
    Em particular, se consideramos a densidade lagrangiana de Larmor (E,B)=E22-B22.
  • 5
    Ao contrário da Relatividade Geral, na qual a gravidade é descrita pelo campo métrico gμν (não massivo), em modelos de gravitação quântica a interação gravitacional é mediada pelo quanta gráviton, que pode ser uma partícula massiva, cuja massa respeita o limite mg2×10-28eV/c2 [38[38] L. Shao, N. Wex e S. Zhou, Physical Review D 102, 024069 (2020).].
  • 6
    O campo gravitacional na Relatividade Geral (campo não massivo e de spin-2) possui apenas 2 graus de liberdade, associados aos seus estados de polarização.
  • 7
    A constante de Hubble H0 é o valor do parâmetro de Hubble H=a˙/a nos dias atuais.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Jun 2022
  • Revisado
    06 Ago 2022
  • Aceito
    09 Ago 2022
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