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Comentários sobre integrais impróprias que representam grandezas físicas

Some comments on improper integrals representing physical quantities

Resumos

Uma integral imprópria de função de variável real que representa certa grandeza física é freqüentemente calculada considerando-a como parte de uma integral no plano complexo cujo caminho de integração, num processo de limite, tende a incluir todo o eixo real, aproximando-se dos pólos reais do integrando de modo a produzir resultados fisicamente aceitáveis. Neste trabalho, descrevemos os métodos usualmente empregados no cálculo dessas integrais, com ênfase em como as condições físicas determinam o modo de proceder aos limites. Além disso, resolvemos três problemas clássicos para ilustrar as técnicas apresentadas.

integral imprópria; contorno; i-épsilon; valor principal


An improper integral of a function of real variable representing a given physical quantity is often calculated by considering it as part of a complex integral whose path of integration, in a limiting process, tends to include the whole real axis, approaching the real poles of the integrand such as to produce physically acceptable results. In this work, we describe the methods usually employed in the evaluation of such integrals, with emphasis on how physical conditions determine the way the limits are to be carried out. In addition, we solve three classical problems to exemplify the techniques presented.

improper integral; prescription; i-epsilon; principal value


ARTIGOS GERAIS

Comentários sobre integrais impróprias que representam grandezas físicas

Some comments on improper integrals representing physical quantities

Roberto Toscano Couto1 1 E-mail: toscano@im.uff.br.

Departamento de Matemática Aplicada, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, Brasil

RESUMO

Uma integral imprópria de função de variável real que representa certa grandeza física é freqüentemente calculada considerando-a como parte de uma integral no plano complexo cujo caminho de integração, num processo de limite, tende a incluir todo o eixo real, aproximando-se dos pólos reais do integrando de modo a produzir resultados fisicamente aceitáveis. Neste trabalho, descrevemos os métodos usualmente empregados no cálculo dessas integrais, com ênfase em como as condições físicas determinam o modo de proceder aos limites. Além disso, resolvemos três problemas clássicos para ilustrar as técnicas apresentadas.

Palavras-chave: integral imprópria, contorno, i-épsilon, valor principal.

ABSTRACT

An improper integral of a function of real variable representing a given physical quantity is often calculated by considering it as part of a complex integral whose path of integration, in a limiting process, tends to include the whole real axis, approaching the real poles of the integrand such as to produce physically acceptable results. In this work, we describe the methods usually employed in the evaluation of such integrals, with emphasis on how physical conditions determine the way the limits are to be carried out. In addition, we solve three classical problems to exemplify the techniques presented.

Keywords: improper integral, prescription, i-epsilon, principal value.

1. Introdução

Em meio aos cálculos de uma certa grandeza física, é comum encontrá-la representada por uma integral imprópria efetuada sobre todo o eixo real, ao longo do qual se encontram um ou mais pólos do integrando. A prática rotineira para resolver tal integral consiste em considerá-la como parte de outra, no plano complexo, cujo caminho de integração, num processo de limite, tende a incluir todo o eixo real. Matematicamente, uma integral imprópria é bem definida quando o seu valor não depende do modo como os limites que ela envolve são efetuados (Ref. [1, sec. 10.15, p. 592]). Entretanto, é comum depararmos-nos com representações de grandezas físicas por integrais impróprias que não apresentam essa característica de unicidade. Nesses casos, o modo de realizar os limites deve ser determinado com base em algumas das propriedades da grandeza física. Isto é, o caminho de integração deve estender-se sobre todo o eixo real e aproximar-se dos pólos reais de modo a produzir alguns dos resultados já esperados (i.e., satisfazer certas condições físicas do problema).

Ordinariamente, encontramos na literatura física - Ref. [2], Ref. [3, sec. 14.7], Ref. [4, cap. 11, par. 3, p. 225-227], Ref. [5, sec. 19.4, p. 540-543] e Ref. [6] - dois métodos de efetuar limites associados a integrais impróprias: o que fornece o conhecido valor principal de Cauchy e o que alguns autores (e.g., Ref. [5, sec. A.4]) chamam de procedimento i e. Este segundo método é usado para remover a impropriedade da definição da integral causada pelos pólos reais do integrando, e o primeiro, além desta aplicação, serve também para estender a integral a todo o eixo real, sendo as peculiaridades de ambos, no entanto, freqüentemente combinadas numa mesma integral de modo que as condições físicas sejam satisfeitas.

Nesta exposição (dirigida principalmente aos alunos) assume-se que o leitor saiba aplicar o teorema dos resíduos para obter o valor de uma integral real imprópria, inclusive o valor principal de Cauchy. Este trabalho visa principalmente a descrever o segundo método acima mencionado, cotejando-o, contudo, com o primeiro. Após a apresentação dos métodos, na sec. 2, aplicamo-los, na sec. 3, para calcular: (i) o movimento do sistema massa-mola não-amortecido, (ii) as vibrações de uma corda esticada infinita e sujeita às oscilações harmônicas de uma força concentrada num de seus pontos e (iii) o potencial eletrostático em todo o espaço. São problemas clássicos que permitem explicar o uso dos métodos aqui apresentados sem complicar com os detalhes específicos dos muitos problemas mais complexos e de maior importância aos quais os métodos são geralmente aplicados. Os dois primeiros são tratados, por exemplo, na Ref. [3] (Exemplo 2 da sec. 7.7, sec. 12.9 e p. 609-610 da sec. 14.5), e o terceiro é aqui resolvido de modo incomum para ilustrar os métodos.

Nossa intenção, portanto, é didática. Mostramos os detalhes necessários ao entendimento de um procedimento de cálculo que, apesar da sua importância, é comumente encontrado de forma abreviada em apêndices ou ad hoc, no meio de desenvolvimentos complexos que dificultam a sua aprendizagem.

2. Métodos usuais de cálculo de integrais impróprias que representam grandezas físicas

Consideremos a integral

onde f(z)/ (z - b) (z Î ) só não é regular em singularidades isoladas não-reais de f e no pólo real simples b. Ela envolve dois processos de limite, um para a integração sobre todo o eixo real e outro em x = b. Se, para efetuar os limites laterais nas singularidades em b e no infinito, fizermos x aproximar-se delas equidistantemente, obtemos o valor principal da integral,

que pode ser calculada pelo teorema dos resíduos usando o caminho de integração fechado G da Fig. 1. É sabido que o semicírculo Cr usado para contornar o pólo pode ser por baixo ou por cima deste e que, sobre o semicírculo CR (usado para fechar o caminho e assim possibilitar a aplicação do teorema dos resíduos), a integral deve tender a zero quando R ® ¥ [a função f(z) pode ser tal que o caminho possa ser fechado com o semicírculo infinito tanto por cima quanto por baixo (e.g., f(z) = (z2+1)-1), mas estamos considerando uma função cuja integral converge para zero no semicírculo infinito superior e diverge no inferior (e.g., f(z) = eiaz com a > 0), devendo, então, o semicírculo CR ser como o da Fig. 1]. Temos que


onde zj são as singularidades isoladas de f(z) que jazem no semiplano superior (Im z > 0) e Res denota o resíduo do integrando [f(z)/(z-b), no caso, para o qual Res (b) = f(b) ]. A integral sobre Cr é calculada segundo o Teorema IV da sec. 10.14 da Ref. [1]. Resumidamente, este teorema estabelece que, se Cr for um arco circular de raio r e centro em z = a, onde f(z) tem um pólo simples, e a for o ângulo subentendido por Cr (positivo ou negativo, conforme Cr seja percorrido no sentido anti-horário ou horário, respectivamente), então

f(z) dz = ai Res (a) [leia na Ref. [1] as condições que f(z) deve satisfazer].

Vejamos agora o cálculo daquela integral pelo procedimento ie. Este método consiste em deslocar de ie, para cima ou para baixo, cada pólo real (a direção do deslocamento deve ser inferida das condições físicas e dela depende, em geral, o valor do limite) antes de calcular a integral e, então, fazer e ® 0+ . Em virtude desses deslocamentos, a integral pode ser efetuada sem dificuldade por meio do teorema dos resíduos (fechando-se o caminho de integração com um semicírculo infinito). No caso da integral na Eq. (1), temos de cuidar do pólo b somente. Calculemo-la deslocando-o para cima primeiramente (b ® b + ie) e usando o caminho de integração G da Fig. 2 (com CR por cima, em vista da função f considerada):


onde, para denotar o valor que se obtém por esse método, antepomos à integral o símbolo + (significando que o pólo real foi deslocado de + ie). Observe que o limite que estende a integral sobre todo o eixo é feito como no cálculo do valor principal da integral. Comparando as Eqs. (3) e (4), vemos que o valor- da integral na Eq. (1) é igual ao seu valor-+ subtraído de pi Res (b).

Deslocando o pólo agora para baixo (Fig. 3), temos que


que difere do valor-+ pela ausência do termo 2pi Res (b), e isto se deve ao fato de que, não estando o pólo b- ie no interior do caminho G, o resíduo nele não contribui para a integral.

Os resultados nas Eqs. (3), (4) e (5) permitem escrever a equação (c.f. Eq. (6.18) da Ref. [4] e Eq. (A.4.4) da Ref. [5])

que só tem significado preciso se for multiplicada por uma função f(x) bem comportada (i.e., que satisfaz as hipóteses consideradas) e depois integrada em todo o eixo real, devendo as integrais impróprias ser calculadas conforme os símbolos + , - e indicam.

Outro exemplo: considere a integral em da função eiax /(x2 - b2 ) = eiax / [(x + b) (x - b)] (pólos reais em x = ±b), sendo a > 0 e b > 0; temos que

onde, naturalmente, +- significa que o primeiro pólo (-b, o mais à esquerda) foi deslocado de +ie e o segundo, de -ie, como na Fig. 4 (onde vemos que somente o resíduo no pólo esquerdo contribui para a integral). O caminho de integração G é fechado com um semicírculo CR por cima, conforme prescreve o lema de Jordan (Ref. [3, p. 96]) para garantir que a integral sobre esse semicírculo convirja para zero quando R ® ¥ (CR ficaria por baixo se a < 0, pois, nesse caso, se y ® -¥ então ay > 0 e eiaz = eiax e-ay ® 0).


A estratégia de se deslocar o pólo para calcular uma integral imprópria é equivalente a uma outra também muito utilizada pelos físicos (Ref. [3, p. 113-114]), a qual passamos a mostrar, considerando novamente o primeiro exemplo de integral dado acima. Na Eq. (4) vimos que

Como o valor da integral de uma função analítica não é alterado quando o caminho é deformado de modo que permaneçam no seu interior as mesmas singularidades, podemos, na integral acima, mudar o caminho de integração, de G (Fig. 2) para (Fig. 5), cuja única diferença é a presença, no lugar do segmento (b - r, b + r) do eixo real, do semicírculo Cr em torno do pólo b. Após esta pequena deformação, podemos trocar a ordem em que são efetuados o limite quando e ® 0+ e a integração para escrever o segundo membro da equação acima como


A Eq. (8) é, então, equivalentemente dada por

Vê-se claramente, pelo teorema dos resíduos, que o resultado é 2pi [ åj Res (zj) + Res (b) ], o mesmo já obtido.

Logo, remover o pólo do caminho ou desviar este daquele são estratégias equivalentes. Por esta razão, as Eqs. (8) e (9) são usadas indistintamente na literatura física quando se deseja para a integral na Eq. (1) o seu valor-+, que se obtém efetuando os limites segundo os modos equivalentes que elas indicam (levantando o pólo ou contornando-o por baixo). Podemos, por conseguinte, considerar os segundos membros das Eqs. (8) e (9) como notações diferentes para um mesmo tipo de cálculo da integral imprópria.

Comparemos essas duas estratégias no caso do segundo exemplo de integral imprópria estudado acima; temos que

onde, como mostra a Eq. (7), pode ser substituído por , sendo G como na Fig. 4, e, equivalentemente,

Confrontando as Figs. 4 e 6 , percebemos claramente a equivalência das duas estratégias incorporadas nas Eqs. (10) e (11). Em ambas, os caminhos fechados de integração englobam os mesmos pólos, o que garante o mesmo resultado proveniente da aplicação do teorema dos resíduos. O caminho G é usado no caso em que os pólos reais são deslocados verticalmente; já corresponde ao caso em que o caminho desvia-se ligeiramente dos pólos reais. Repita-se mais uma vez: a diferença básica reside em como fazer com que o resíduo em cada pólo contribua ou não (a decisão baseia-se em condições físicas, como veremos na próxima seção) para o valor da integral: na primeira estratégia, o pólo é deslocado verticalmente e, na segunda, o caminho é desviado dele, deixando-o do lado de dentro ou fora. A segunda estratégia é a utilizada na seção de exemplos didáticos que segue.

Em resumo, considere uma grandeza física representada por uma integral imprópria efetuada sobre todo o eixo real, ao longo do qual se encontram um ou mais pólos do integrando. Para calcular o valor- dessa integral que é condizente com as propriedades daquela grandeza (caso o valor principal ou qualquer outro não seja), agimos como na Eq. (11), escrevendo-a diretamente como uma integral complexa sobre um caminho fechado que se desvia ligeiramente dos pólos reais em conformidade com as propriedades físicas. O resultado, então, será simplesmente a soma dos resíduos nos pólos dentro de multiplicada por ±2pi (o sinal depende da orientação do caminho de integração).

3. Exemplos didáticos

3.1. Sistema massa-mola não-amortecido

Como primeiro exemplo de aplicação dos métodos apresentados, consideremos o sistema massa-mola, sem amortecimento e sob as hipóteses costumeiras (mola de massa desprezível, constante elástica k e sem deformação quando a posição da massa m é x = 0), sendo f(t) a força externa sobre a massa. A equação que o descreve é m + kx(t) = f(t). Admitimos que a massa sempre" (desde t = - ¥) esteve em repouso na origem até t = t0 , instante em que um golpe transfere-lhe instantaneamente o impulso I0 . Assim, f(t) = I0d (t - t0 ) e o problema a ser resolvido é formulado como segue:

onde w0º . Podemos aplicar a transformada de Fourier

obtendo

Daí

cuja transformada de Fourier inversa é

Esta é uma representação integral da solução do problema, imprópria por causa dos limites de integração infinitos e dos pólos reais ±w0 do integrando. Para calculá-la empregando um caminho fechado G no plano complexo de w, devemos fazer com que o trecho de G ao longo do eixo real desvie-se dos dois pólos reais em ±w0 por meio de semicírculos de raio r ® 0. A Fig. 7 mostra as quatro possibilidades de se implementarem os desvios. Além disso, devemos fechar o caminho com um semicírculo de raio R ® ¥ por cima () se t < t0 ou por baixo () se t > t0 , assim satisfazendo as exigências do lema de Jordan que garantem a nulidade da integral sobre o semicírculo infinito empregado.


Mencionamos na sec. 1 que, ao se calcular uma integral imprópria, o modo de proceder aos limites nos pólos reais (w ® ± w0 no presente problema) é definido pelas condições físicas do problema. No caso, o princípio de causalidade (uma lei universal da natureza, pela qual, quando um fenômeno físico provoca outro, o efeito não pode ocorrer antes da causa) determina a escolha de uma daquelas quatro maneiras de contornar os pólos reais: devemos adotar a que não produza resultados que o violem.

Tais resultados dependem dos resíduos do integrando na Eq. (13)

e

Pois bem, de acordo com o citado princípio de causalidade, a solução x(t) do problema deve ser nula para t < t0 (antes do golpe). Ora, em face dos resíduos acima, somente obteremos esse resultado se adotarmos o primeiro esquema na Fig. 7, i.e., se contornarmos os pólos por cima. De fato, assim, eles não se encontrarão no interior do caminho fechado da Fig. 8, G [formado com o semicírculo , em vista do lema de Jordan, conforme se explicou no parágrafo que segue a Eq. (13)], e os resíduos neles não contribuirão para a integral (cf. último parágrafo da sec. 2)


Uma integral imprópria é sempre realizada através de limites. Estes podem ser levados a cabo por diferentes modos (todos conduzindo ao mesmo resultado quando a integral é bem definida). Um destes resulta, por exemplo, no valor principal de Cauchy, que, para a integral em questão, é dado por

o qual, por não estar em consonância com o princípio de causalidade (não se anula para t < t0), deve ser descartado. Se uma integral imprópria representa uma grandeza física, esta possui propriedades conhecidas (decorrentes das leis físicas) que determinam o modo pelo qual ela deve ser efetuada. Foi o que aconteceu acima: O estado de repouso da massa m na origem antes do golpe [x(t < t0) = 0] determinou o modo pelo qual o caminho de integração deve tender ao eixo real (incluindo os pólos). Com isso não há mais indeterminações na representação integral de x(t) dada pela Eq. (13). Podemos, agora, calculá-la para t > t0 empregando o caminho fechado G da Fig. 9, que se desvia dos pólos do mesmo modo que na Fig. 8, mas que se fecha por baixo, com o semicírculo , consoante o lema de Jordan:


onde G é como na Fig. 9.

Se quiséssemos obter x(t) segundo o procedimento que a Eq. (10) exemplifica, o cálculo da integral na Eq. (13) seria expresso como

Note que, uma vez que os pólos ±w0 encontram-se deslocados para baixo, o eixo real passa por cima deles, como nas Figs. 8 e 9. Daí a equivalência entre o artifício incorporado na Eq. (16) (equação válida para todo t Î ) e aquele nas Eqs. (14) e (15) (equações válidas para t < t0 e t > t0, respectivamente), conforme explicado na sec. 2.

O deslocamento dos pólos de - ie, tal qual na Eq. (16), tem embasamento físico. Para explicá-lo, vamos resolver novamente o problema, mas agora admitindo que sobre a massa m atue a força de atrito fa = - b (t) de magnitude arbitrariamente pequena (b 0). Nesse caso, em vez do problema descrito pela Eq. (12), temos

onde e º b/(2m) 0 . Resolvendo-o do mesmo modo (através da transformada de Fourier), obtemos

que difere da Eq. (13) apenas por aparecer, no denominador do integrando, o termo 2eiw, oriundo do termo de atrito na Eq. (17) [cuja transformada de Fourier é {2e} = -2eiw (w)].

De imediato vemos que não são reais os pólos do integrando, não causando eles, portanto, qualquer impropriedade na integral (i.e., não criando eles a necessidade de realizar limites), o que descarta a aplicação dos métodos estudados na sec. 2. Esses pólos são

Logo, desprezando as potências de e de grau maior que 1, temos que

w2 + 2eiw - = [w - w_] [w - w+] =

[w - ( - w0 - ie)] [w - (w0 - ie)],

cuja substituição na Eq. (18) fornece

Essa equação acrescida da realização do limite de quando e ® 0+após o cálculo da integral é exatamente a Eq. (16).

Concluímos assim que aplicar o procedimento i e para calcular a integral na Eq. (13) (referente ao sistema massa-mola sem atrito), usando o princípio de causalidade para definir a direção dos deslocamentos dos pólos, equivale a introduzir, naquele sistema, um amortecimento fictício de magnitude proporcional a e (cujo efeito é deslocar os pólos do eixo real) e, após resolver esse problema (mais simples, sem pólos que causem impropriedades), eliminar o amortecimento (fazer e ® 0+).

3.2. Vibração harmônica forçada de uma corda infinita

Como segundo exemplo de aplicação do formalismo apresentado na sec. 2, consideremos o problema ondulatório numa corda esticada, infinita, de densidade linear r e sob tensão T (constantes),

onde c = , no caso em que a distribuição de forças verticais por unidade de comprimento seja dada por (desprezando-se o peso da corda)

isto é, em seu ponto x = x0 são geradas ondas por uma força aí concentrada que varia harmonicamente no tempo com a freqüência w0, sendo F0 sua magnitude máxima. Admitamos, ainda, que estejamos interessados apenas na solução assintótica no tempo, yas(x,t), que é a que descreve o movimento para t suficientemente grande (o que se denota aqui por t ® ¥), independentemente das condições iniciais. Estas determinam o movimento transiente, existente até que o movimento assintótico predomine. Para garantir isso, consideraremos apenas condições iniciais de extensão finita, ou seja, que existem constantes finitas aie bi (i = 1,2) tais que y(x,0) = 0 se x Ï [a1,b1] e yt(x,0) = 0 se x Ï [a2,b2]. Tais perturbações iniciais de suporte compacto podem ser sempre consideradas como se já tivessem propagado para o infinito uma vez decorrido o tempo necessário para isso. Nessas circunstâncias, sabemos que, assintoticamente, qualquer ponto da corda estará vibrando no modo harmônico caracterizado pela freqüência w0, o que justifica admitirmos

cuja substituição na Eq. (19), levando em conta a Eq. (20), fornece

onde k0º w0 /c. Podemos resolver essa equação aplicando a transformada de Fourier,

obtendo

Daí

cuja transformada de Fourier inversa é

Para calcular essa integral pelo método exposto na sec. 2, empregamos um caminho fechado G no plano complexo de k cujo trecho ao longo do eixo real há de se desviar dos pólos reais ±k0 do integrando em harmonia com alguma propriedade do sistema físico em estudo, isto é, produzindo alguns dos resultados esperados. Estes, no caso, são aqueles ditados pela chamada condição de irradiação, a qual traduz o fato de que, num processo de irradiação, as ondas necessariamente se afastam de sua fonte caso não sejam refletidas (tal condição é certamente satisfeita num meio infinito e homogêneo). No problema em estudo, no ponto x = x0 reside a fonte das oscilações na corda; logo, não deve haver, à esquerda desse ponto, ondas que se propaguem para a direita (i.e., que se aproximem de x = x0) e, à direita, ondas que se propaguem para a esquerda.

O caminho G deve compor-se parcialmente de um semicírculo de raio R ® ¥ [centrado na origem e contido no semiplano Im k < 0 se x > x0 (denotado por ) ou Im k > 0 se x < x0 (denotado por )], cuja contribuição à integral é nula (lema de Jordan), e fechar-se ao longo do eixo real, contornando os pólos com semicírculos de raio r ® 0 neles centrados. Assim, a representação integral de y(x) [Eq. (24)] passa a ser calculada como segue:

A questão é: o caminho fechado G deve envolver ambos, um ou nenhum dos pólos reais? Em outras palavras, como devem estar dispostos os semicírculos infinitesimais usados como parte de G para que este contorne os pólos reais? Vejamos. Se multiplicarmos os resíduos

pelo fator , obtemos

expressões que correspondem a ondas que se propagam respectivamente para a direita e para a esquerda de x = x0. Com base nisso e na condição de irradiação, podemos então concluir que, para x > x0, o caminho de integração G (nesse caso composto parcialmente de ) deve ser como na Fig. 10: deve contornar o pólo k0 por baixo, assim deixando-o no exterior e evitando a contribuição de Res(k0) (i.e., evitando no resultado uma onda que se propaga para a esquerda), e deve contornar o pólo -k0 por cima, deixando-o no interior e assim admitindo a contribuição de Res(-k0), uma onda para a direita.


Para x < x0, não há necessidade de usar novamente a condição de irradiação para deduzir o modo de contornar os pólos, pois este deve ser o mesmo já determinado para x > x0 (obviamente, aquela condição deve ser sempre satisfeita). As Figs. 10 e 11 mostram o caminho fechado G a ser empregado no cálculo da integral na Eq. (25) para x > x0 e x < x0, respectivamente.


Essas figuras mostram claramente, em vista da Eq. (25), que (2pT/F0) y(x) é dado por (-2pi) Res (-k0) se x > x0 e por (2pi) Res (k0) se x < x0; logo

Substituindo esse resultado na Eq. (21), obtemos finalmente a solução assintótica desejada:

Obviamente, como de praxe, sendo yas (x,t) uma função real, a solução desejada será a parte real ou imaginária do resultado acima, dependendo, no caso, de ser a força concentrada no ponto x = x0 no instante inicial (t = 0) igual ao seu valor máximo, F0, ou zero, respectivamente, uma vez que também f(x,t) é, na realidade, a parte real ou a imaginária do segundo membro da Eq. (20).

Na estratégia equivalente de deslocar os pólos reais (em vez de contorná-los), que deve ser como na Fig. 12, a representação integral de y(x) que satisfaz as condições de irradiação é inequivocamente indicada como sendo o valor--+ da integral na Eq. (24):


É instrutivo que também investiguemos qual seria a solução caso tomássemos o valor principal de Cauchy daquela integral. Nesse tipo de cálculo, como já afirmamos, o resultado não depende de que o caminho G da integral na Eq. (25) contorne os pólos reais por cima ou por baixo. Assim, para x > x0, empregando o caminho da Fig. 10 (fechado por baixo como prescreve o lema de Jordan), dado por

onde e são os semicírculos usados naquela figura para contornar o pólo real à esquerda e o à direita, respectivamente, temos que

Logo, o movimento assintótico da corda associado ao valor principal de Cauchy da integral na Eq. (24) é dado por (admitindo que é a parte imaginária do resultado que interessa)

uma onda estacionária, que não pode se estabelecer numa corda sujeita às condições do problema (note a presença absurda de um nodo em x = x0, o ponto onde a força externa se concentra), em contraste com as ondas progressivas afastando-se de x = x0 que foram corretamente obtidas tomando-se o valor--+ daquela integral.

Também o procedimento ie implementado na Eq. (28) pode ser justificado fisicamente por um raciocínio análogo àquele no final da sec. 3.1. Introduzimos ficticiamente no sistema um amortecimento arbitrariamente pequeno proporcional a um parâmetro e 0 e, após resolvê-lo com precisão da ordem de e, eliminamos o amortecimento fazendo e ® 0+. Vejamos:

Admitindo que o membro direito da Eq. (19), em vez daquele na Eq. (20), é dado por f(x,t) = F0d (x - x0) - b ¶yt , com b 0, isto é, acrescido de uma força de atrito vertical por unidade de comprimento arbitrariamente pequena, temos que a equação diferencial que descreve o movimento do sistema passa a ser

Aplicando a transformada de Fourier definida na Eq. (23), obtemos

onde (k,t) = {y(x,t)} e e º bc/(2T) 0. Essa equação diferencial ordinária encontra-se resolvida em muitos textos (ver, por exemplo, a Ref. [7]. A sua solução é dada por

Nesta equação, e

Já A e q são funções de k que podem ser determinadas a partir das condições iniciais y(x,0) = y0 (x) e [¶yt]t = 0 = v0 (x) resolvendo-se o sistema linear formado pelas duas equações (k,0) = A cosq + (k) = {y0(x)} e [d/dt]t = 0 = - A (e cos q + wsenq) - iw0(k) = {v0(x)}. Mas isso não é necessário, pois A e q estão no termo que corresponde ao movimento transiente (note seu decaimento segundo a exponencial e-et), e estamos interessados apenas na solução assintótica, correspondente ao outro termo:

onde

Essas duas equações correspondem às Eqs. (21) e (24), diferindo apenas pela presença do termo 2ek0i , proveniente da consideração da força de atrito.

Os zeros do denominador do integrando na equação acima são dados por

logo, desprezando as potências de e de grau maior que 1, podemos escrever aquele denominador na forma

Finalmente, substituindo esse resultado na Eq. (33) e tomando o limite da integral de quando e ® 0+, obtemos exatamente a Eq. (28).

3.3. Potencial eletrostático em todo o espaço

Vamos resolver a equação do potencial eletrostático em todo o espaço (aqui denotado por V¥),

aplicando nesta equação a transformada de Fourier

Obtemos

onde k = |k| e (k) = {r(r) }. Logo, pelo teorema da convolução, temos que

ou

Acima usamos o resultado da inversão

- 1 {1/k2 } deduzido no ApêndiceApêndice Obtemos aqui uma expressão da transformada de Fourier inversa - 1 {1/k2}, necessária na sec. 3.3, onde k é o módulo do vetor k do 3. Para efetuar a integral tripla no espaço de k, escrevemos o elemento de volume desse espaço em coordenadas esféricas, d3k = k2 senq dk dq dj (em vez das coordenadas cartesianas, d3k = dkx dky dky ), com o cuidado de coincidir a direção do eixo kz com a do vetor r, como mostra a Fig. 15. Desse jeito, o ângulo entre k e r passa a ser a variável de integração q e, portanto, k · r = k r cos q, o que simplifica consideravelmente as integrações em q e j:.

Para calcular os valores

S, + S e - S da integral imprópria S definida acima, observamos que

Empregando os caminhos G+ e G- das Figs. 13 e 14, temos que



Podemos calcular

- E+ e - E- a partir dos valores já calculados de + E+ e + E- como segue (em vez de usar caminhos que contornem a singularidade z = 0 por cima)

Portanto, podemos escrever

Vê-se que o valor de S é o mesmo nos três modos de cálculo, o que era de se esperar, pois essa integral imprópria, cujo integrando não tende a infinito em x = 0, é bem definida (Ref. [1, sec. 10.15, p. 593]).

Substituindo S = p na Eq. (36), obtemos a conhecida fórmula do potencial eletrostático.

É instrutivo apresentar os valores de

que se obtêm com os métodos de cálculo considerados:

valores que são condizentes com a Eq. (6) (z = 0 é um pólo do integrando). Observe que, embora C seja uma integral real, o procedimento i e produz valores imaginários para ela.

4. Comentários finais

A exposição deixa claro que, se uma integral imprópria que expressa uma grandeza física não é matematicamente bem definida (i.e., se o seu valor depende de como sejam efetuados os limites nela envolvidos), então a integral, como se apresenta, não fornece uma caracterização completa da grandeza. É insuficiente a representação de uma grandeza por uma integral imprópria que não seja bem definida. Entretanto, ao se fixar o modo de proceder aos limites pela exigência de que a integral satisfaça certas condições físicas, decorrentes de uma ou mais propriedades da grandeza, a integral passa a ter um valor bem definido e a descrever completamente a grandeza (i.e., a estar em conformidade com todas as propriedades físicas desta). Obviamente, quando a integral imprópria tem um valor bem definido ab initio, a representação da grandeza física já se encontra completa, não sendo necessário considerar qualquer condição física (esse é o caso da sec. 3.3).

Vimos que, na literatura física, o cálculo dos limites associados a integrais impróprias é realizado segundo dois métodos, basicamente, um deles conduzindo ao valor principal de Cauchy (o valor- da integral) e o outro, o procedimento i e, fornecendo diversos valores (valor-+ , valor-- , etc). Quando eles produzem resultados diferentes, há de ser escolhido o valor que é condizente com as propriedades da grandeza que a integral imprópria representa.

Agradecimentos

O autor é grato aos professores da UFF Jorge S. Sá Martins, do Departamento de Física, e Luiz Carlos L. Botelho, do Departamento de Matemática Aplicada, pela leitura crítica deste trabalho, bem como aos árbitros deste artigo, tanto pela depuração de erros quanto pelas prestimosas sugestões implementadas.

Recebido em 4/12/2006; Aceito em 22/1/2007


  • [1] F.B. Hildebrand, Advanced Calculus for Applications (Ed. Prentice Hall, Englewood Cliffs, 1976), 2 ed.
  • [2] F.W. Byron Jr. and R.W. Fuller, Mathematics of Classical and Quantum Physics (Ed. Dover, Nova Iorque, 1992), sec. 7.4, p. 415-416.
  • [3] E. Butkov, Física Matemática (Ed. LTC, Rio de Janeiro, 1988).
  • [4] E. Merzbacher, Quantum Mechanics (Ed. John Wiley & Sons, Nova Iorque, 1970), 2 ed.
  • [5] R. Shankar, Principles of Quantum Mechanics (Ed. Plenum Press, Nova Iorque, 1994), 2 ed.
  • [6] D.J. Griffiths, Introduction to Quantum Mechanics (Ed. Prentice-Hall, Upper Saddle River, 1995), sec. 11.3, p. 364-366.
  • [7] K.R. Symon, Mecânica (Ed. Campus, Rio de Janeiro, 1988), 2 ed, 1 reimpressăo.

Apêndice

Obtemos aqui uma expressão da transformada de Fourier inversa

- 1 {1/k2}, necessária na sec. 3.3, onde k é o módulo do vetor k do 3. Para efetuar a integral tripla no espaço de k, escrevemos o elemento de volume desse espaço em coordenadas esféricas, d3k = k2 senq dk dq dj (em vez das coordenadas cartesianas, d3k = dkx dky dky ), com o cuidado de coincidir a direção do eixo kz com a do vetor r, como mostra a Fig. 15. Desse jeito, o ângulo entre k e r passa a ser a variável de integração q e, portanto, k · r = k r cos q, o que simplifica consideravelmente as integrações em q e j:

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    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Dez 2007
    • Data do Fascículo
      2007

    Histórico

    • Aceito
      22 Jan 2007
    • Recebido
      04 Dez 2006
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