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O Gato e a Borboleta: propriedades quânticas de sistemas caóticos

The Cat and the Butterfly: quantum properties of chaotic systems

Resumos

Neste artigo apresento uma introdução ao problema do caos quântico, ou seja, da caracterização e do tratamento de sistemas quânticos cujo análogo clássico tem dinâmica caótica. Duas das principais abordagens a esse problema são discutidas: uma delas é estatística, fazendo uso de matrizes aleatórias, enquanto a outra é baseada na aproximação semiclássica. Resultados obtidos por meio dessas abordagens são mencionados para sistemas fechados (funções de correlação espectral), para transporte (momentos como condutância e ruído de disparo) e para ressonâncias (lei de Weyl fractal e funções de onda fractais).

Palavras-chave
Caos quântico; Matrizes aleatórias; Aproximação semiclássica


In this article I present an introduction to the problem of quantum chaos, i.e. the characterization and treatment of quantum systems whose classical analogue has chaotic dynamics. Two of the main approaches to this problem are discussed: one is statistical, making use of random matrices, while the other is based on the semiclassical approximation. Results obtained by these approaches are mentioned for closed systems (spectral correlation functions), transport (moments like conductance and shot noise) and resonances (fractal Weyl law and fractal wave functions).

Keywords
Quantum chaos; Random matrices; Semiclassical approximation


1. Introdução

Inicialmente, a física quântica se desenvolveu de forma semiclássica, por meio de analogias e formulações ad hoc, como o modelo de Bohr para o átomo de hidrogênio e a condição de quantização de Sommerfeld, que concordavam com resultados experimentais para sistemas simples. Entretanto, já em 1917 o próprio Albert Einstein publicou um artigo no qual observou que esse modo de proceder não seria possível no caso de sistemas não-integráveis [1[1] A. Einstein, Rev. Bras. Ens. Fís. 27, 103 (2005)., 2[2] M.A.M. de Aguiar, Rev. Bras. Ens. Fís. 27, 101 (2005).]. Poucos anos depois, a equação de Schrödinger inaugurou uma nova época na teoria quântica e a questão do tratamento de sistemas caóticos só foi retomada na década de 1970 [3[3] M.C. Gutzwiller, J. Math. Phys. 12, 343 (1971).], acabando por se transformar na área que ficou conhecida como caos quântico [4[4] M.C. Gutzwilller, Chaos in Classical and Quantum Mechanics (Springer, Nova York, 1990)., 5[5] G. Casati e B. Chirikov, Quantum Chaos: Between Order and Disorder (Cambridge University Press, Cambridge, 1995)., 6[6] F. Haake, Quantum Signatures of Chaos (Springer, Nova York, 2019)., 7[7] H.J. Stöckmann, Quantum Chaos: An Introduction (Cambridge University Press, Cambridge, 2008).] (apesar da preferência de um dos fundadores, Sir Michael Berry, pela expressão caologia quântica [8[8] M.V. Berry, em Some quantum-to-classical asymptotics, in Les Houches Lecture Series LII, editado por M.J. Giannoni, A. Voros e J. Zinn-Justin (Elsevier, Amsterdam, 1989).]). O primeiro livro publicado sobre o assunto é de autoria de um brasileiro, o Prof. Alfredo M. Ozorio de Almeida [9[9] A.M. Ozorio de Almeida, Sistemas Hamiltonianos: Caos e Quantização (Editora da Unicamp, São Paulo, 1987).].

A principal diferença entre a mecânica clássica e mecânica quântica é que a segunda não é determinística: trata apenas de probabilidades de resultados. Mas no contexto dos sistemas caóticos também o determinismo se torna questionável, devido à sensibilidade às condições iniciais e à divergência exponencialmente rápida com o tempo. Como esses dois indeterminismos se relacionam? Por outro lado, a teoria do caos lida com estruturas infinitamente detalhadas, fractais, enquanto na física quântica a constante de Planck ℏ representa uma escala abaixo da qual o princípio da incerteza torna as informações inacessíveis. Existem fractais na mecânica quântica? A dinâmica caótica aparece quando as leis de movimento contêm não-linearidades, mas a equação de Schrödinger é linear. Existe caos na mecânica quântica?

Neste artigo apresento um panorama desse interessante campo de investigação, incluindo resultados recentes. Como a área é ampla, não tenho pretensão de cobri-la inteira nem de mencionar todas as contribuições. É uma exposição idiossincrática, que favorece os assuntos com os quais eu mesmo já trabalhei. Deixo de fora áreas enormes de investigação, como a propagação de pacotes de onda e fenômenos dependentes do tempo em geral, problemas de decoerência, métodos numéricos, grafos, superfícies de curvatura negativa e muito mais.

Um tema que talvez mereça menção especial é o de sistemas de muitos corpos e termodinâmica [10[10] M. Srednicki, Phys. Rev. E. 50, 888 (1994).], no qual o caos tem papel central e cuja formulação quântica vem se desenvolvendo rapidamente, tanto que dois artigos de revisão foram dedicados a essa área nos últimos anos [11[11] F. Borgonovi, F.M. Izrailev, L.F. Santos e V.G. Zelevinsky, Phys. Reports 626, 1 (2016)., 12[12] L. D’Alessio, Y. Kafri, A. Polkovnikov e M. Rigol, Adv. Physics 65, 239 (2016).]. Também recentemente, o tema do caos quântico recebeu novo impulso teórico com a introdução, no contexto de buracos negros, da ideia de correlação em tempos distintos [13[13] J. Maldacena, S.H. Shenker e D. Stanford, J. High Energ. Phys. 2016, 106 (2016).]. Definida como [A(0),B(t)], essa quantidade mede a influência de uma perturbação causada pelo operador A, sobre uma medida posterior do operador B, e sua dependência temporal é sensível à dinâmica clássica [14[14] E.B. Rozenbaum, S. Ganeshan e V. Galitski, Phys. Rev. Lett. 118, 086801 (2017).]. Aliás, os dois problemas parecem estar relacionados [15[15] C. Murthy e M. Srednicki, Phys. Rev. Lett. 123, 230606 (2019).].

Apesar de negligenciar o importante tema das aplicações empíricas, devo mencionar que o caos quântico não é um assunto de interesse puramente acadêmico, já tendo sido implementado experimentalmente em diversas plataformas. Pioneiros foram os estudos usando elétrons em semicondutores, no chamados pontos quânticos mesoscópicos [16[16] C.M. Marcus, A.J. Rimberg, R.M. Westervelt, P.F. Hopkins e A.C. Gossard, Phys. Rev. Lett. 69, 506 (1992)., 17[17] A.M. Chang, H.U. Baranger, L.N. Pfeiffer, K.W. West, Phys. Rev. Lett. 73, 2111 (1994)., 18[18] S. Oberholzer, E.V. Sukhorukov, C. Schonenberger, Nature 415, 765 (2002)., 19[19] T. Bylander, T. Duty e P. Delsing, Nature 434, 361 (2005)., 20[20] E.V. Sukhorukov, A.N. Jordan, S. Gustavsson, R. Leturcq, T. Ihn e K. Ensslin, Nature Phys. 3, 243 (2007).], pequenos o bastante para exibirem efeitos quânticos mas grandes o bastante para que a dinâmica clássica seja importante. Outro campo de testes foram as cavidades supercondutoras nas quais microondas podem ser injetadas [21[21] C. Dembowski, B. Dietz, T. Friedrich, H.D. Gräf, A. Heine, C. Mejía-Monasterio, M. Miski-Oglu, A. Richter e T.H. Seligman, Phys. Rev. Lett. 93, 134102 (2004)., 22[22] B. Dietz, T. Friedrich, H.L. Harney, M. Miski-Oglu, A. Richter, F. Schäfer e H.A. Weidenmüller, Phys. Rev. Lett. 98, 074103 (2007)., 23[23] A. Bäcker, R. Ketzmerick, S. Löck, M. Robnik, G. Vidmar, R. Höhmann, U. Kuhl e H.J. Stöckmann, Phys. Rev. Lett. 100, 174103 (2008).] e que, sendo macroscópicas, podem ser fabricadas em qualquer formato. Na ótica temos os microlasers [24[24] C. Gmachl, F. Capasso, E.E. Narimanov, J.U. Nöckel, A.D. Stone, J. Faist, D.L. Sivco e A.Y. Cho, Science 231, 486 (1998)., 25[25] T. Tanaka, M. Hentschel, T. Fukushima e T. Harayama, Phys. Rev. Lett. 98, 033902 (2007)., 26[26] H. Cao e J. Wiersig, Rev. Mod. Phys. 87, 61 (2015).], materiais oticamente ativos com perfil de emissão dependente da dinâmica clássica, nos quais órbitas periódicas podem ser usadas na obtenção de direcionalidade.

Duas das principais abordagens ao problema do caos quântico são complementares em suas premissas. A teoria de matrizes aleatórias parte da ideia de que não é possível tratar em detalhes sistemas caóticos e propõe que se use um tratamento completamente estatístico, ou seja, os elementos de matriz dos observáveis quânticos são substituídos por variáveis aleatórias [27[27] M.L. Mehta, Random Matrices (Elsevier, Amsterdam, 2004)., 28[28] G. Livan, M. Novaes e P. Vivo, Introduction to Random Matrices: Theory and Practice (Springer, Berlim, 2018).]. Essa teoria tem muito boa concordância com os resultados numéricos e experimentais e alcançou enorme sucesso. Por outro lado, a aproximação semiclássica se baseia no uso de informações clássicas para aproximar propriedades quânticas, no regime em que ℏ é pequeno frente a outras grandezas do sistema. Essa teoria é mais difícil, porém mais fundamental e capaz de fornecer mais informações. Muitos esforços foram empreendidos na compreensão da relação entre essas duas teorias, ou seja, para dar fundamentação semiclássica às previsões das matrizes aleatórias. Atualmente, essa conexão está razoavelmente bem entendida.

Curiosamente, relações análogas existem em outras áreas, bastante diferentes. Em 1859, Bernhard Riemann encontrou uma relação entre os números primos e os zeros da função que leva seu nome, ζ(s). Essa relação é muito semelhante à fórmula do traço de Gutzwiller: os números primos estão para os zeros de Riemann assim como as órbitas periódicas clássicas de um sistema caótico estão para seus níveis de energia quânticos. Foi só em 1973 que Montgomery conjecturou, independentemente, que os zeros de Riemann têm propriedades estatísticas semelhantes às dos autovalores de matrizes aleatórias. Sobre a possível existência de um sistema caótico relacionado à Hipótese de Riemann, veja [29[29] M.V. Berry e J.P. Keating, SIAM Rev. 41, 236 (1999).]. Por outro lado, Atle Selberg mostrou que existe uma relação entre as geodésicas fechadas (órbitas periódcas) de um espaço compacto de curvatura negativa e os autovalores do operador Laplaciano (níveis de energia) quando age sobre funções definidas nesse espaço [30[30] A. Voros e N.L. Balasz, Phys. Rep. 143, 169 (1986).].

Tanto a teoria de matrizes aleatórias quanto a aproximação semiclássica têm variações que dependem da situação a ser tratada. Por exemplo, o sistema em questão pode ser fechado ou aberto e, se for aberto, podemos estar interessados em problemas de transporte ou em problemas de ressonância. Este artigo está estruturado de modo a se alinhar com essas distinções.

Na Seções 2 2. Sistemas Caóticos Dentre a enorme variedade de sistemas caóticos, estamos interessados principalmente em sistemas hamiltonianos, descritos por uma função H(q,p) definida sobre o espaço de fase, a partir da qual obtêm-se as equações de movimento, (1) q . i = ∂ ⁡ H ∂ ⁡ p i , p . i = - ∂ ⁡ H ∂ ⁡ q i . Consideramos Hamiltonianas que são da forma H=p22⁢m+V⁢(q). Nesse caso o movimento do sistema se dá sobre a superfície de energia constante H(q,p) = E. As equações de movimento também podem ser obtidas minimizando a ação, que é função das posições inicial e final, (2) 𝒮 ⁢ ( q i , q f ) = ∫ q i q f p ⁢ d q . Uma vez conhecida a ação, os momentos inicial e final são dados por derivadas, pf = ∂S/∂qf e pi = ∂S/∂qi. Em geral, o problema de achar uma trajetória de energia E que saia de qi e chegue em qf tem infinitas soluções, com diferentes tempos de percurso. Isso é especialmente verdade em sistemas caóticos, nos quais tipicamente o número de trajetórias cresce exponencialmente com o tempo. (Vale notar que é possível definir um problema complementar em que 𝒮⁢(qi,qf,T)=∫titfL⁢dt e buscamos trajetórias que vão de qi a qf num tempo T = tf−ti, com energias variáveis). A dinâmica clássica também pode ser representada através de densidades de probabilidade. Isso pode ser feito no espaço de fase, usando ρ(q,p,t), ou somente no espaço de configuração, usando P(q,t). No espaço de fase o movimento é de um fluido incompressível, de modo que ρ(q(t),p(t),t) = ρ(q(0),p(0),0) (no espaço de configuração isso não acontece). Se a superfície de energia constante é compacta, o movimento do sistema tem em geral características caóticas. Isso quer dizer que seu espaço de fase conterá dois tipos de condições iniciais: as que produzem trajetórias regulares e as que produzem trajetórias caóticas. As primeiras são estáveis, no sentido de que duas condições iniciais próximas permanecerão razoavelmente próximas por um tempo razoavelmente longo. As segundas são instáveis, ou seja, condições próximas se afastam exponencialmente rápido. O tratamento de sistemas genéricos é bem mais difícil, então vamos sempre ter em mente sistemas totalmente caóticos, ou seja, no qual não existem órbitas estáveis. A instabilidade média do sistema é medida pelo exponente de Lyapunov λ. Sistemas totalmente caóticos são uma abstração, dificilmente encontráveis no mundo real. Mas abstrações e aproximações são inevitáveis quando se procura construir modelos para os fenômenos naturais. Entendendo os sistemas totalmente caóticos teremos uma ideia melhor de como funcionam os parcialmente caóticos que, esses sim, abundam. Não é preciso ser totalmente caótico para exibir o chamado efeito borboleta : pequenas alterações na condição inicial podem levar a grandes efeitos finais, por meio de amplificação exponencial no tempo. A ideia de que mesmo um sistema de dois graus de liberdade pode ser imprevisível na prática foi uma revolução conceitual que mostrou que modelos simples podem dar origem a fenômenos complexos. O fato de um sistema ser caótico não significa que não exista movimento periódico. Pelo contrário, em geral existem infinitas órbitas periódicas. Só que, além de serem instáveis, elas são isoladas quando vistas na superfície de energia constante, ou seja, não formam famílias contínuas (a menos que variemos a energia). Além disso, o conjunto de todas as órbitas periódicas tem medida nula. Isso significa que encontrar órbitas periódicas de um sistema caótico pode ser, na prática, bem difícil. Por outro lado, elas estão por toda parte. Mais concretamente, são densas no espaço de fase: em qualquer região desse espaço, por menor que seja, há infinitas condições iniciais periódicas (a situação é muito parecida com a dos números racionais dentro da reta real: eles são isolados e seu conjunto tem medida nula mas, em qualquer intervalo da reta, por menor que seja, há infinitos deles). O número de órbitas periódicas de um sistema caótico que têm período aproximadamente igual a T cresce como eKT, e o coeficiente K é chamado de entropia topológica do sistema. Duas propriedades importantes dos sistemas caóticos são a ergodicidade e o mixing. Uma trajetória é dita ergódica se, ao longo do tempo, ela passa arbitrariamente próxima de qualquer ponto do espaço de fase. As trajetórias longas de um sistema caótico, periódicas ou não, tendem a ser ergódicas. O mixing é uma propriedade ainda mais forte. Um sistema é mixing se um conjunto inicial de condições iniciais se espalha por todo o espaço de fase. Em termos probabilísticos, isso significa que uma densidade de probabilidade inicial ρ(q,p,0) tende, depois um tempo muito longo, à distribuição uniforme sobre a superfície de energia constante, (3) ρ E ⁢ ( q , p ) = 1 Ω ⁢ ( E ) ⁢ δ ⁢ ( H ⁢ ( q , p ) - E ) , onde Ω(E) é o volume dessa superfície. Isso corresponde ao ensemble microcanônico da mecânica estatística: todos os pontos de mesma energia são igualmente prováveis. Grosso modo, existe uma escala de tempo em que isso ocorre, como um tempo de relaxação, denotado τ0. Uma classe importante de sistemas dinâmicos, por sua simplicidade, são os bilhares, regiões do plano dentro dentro das quais uma partícula se move livremente, sofrendo reflexão especular na fronteira. Formatos retangulares e elípticos dão origem a sistemas inteiramente regulares. O bilhar de Sinai e o bilhar do estádio, por outro lado, são inteiramente caóticos. Esses sistemas possuem simetria de reversão temporal, a menos que a partícula em questão esteja carregada e haja um campo magnético externo [31]. Outra importância dos bilhares é que foram construídos experimentalmente, em diferentes plataformas [16, 18, 21, 24]. Na Figura 1 mostramos trajetórias típicas em três bilhares regulares e em três bilhares caóticos; a diferença é claramente visível. Figura 1 Trajetórias típicas em bilhares regulares e em bilhares caóticos. Reproduzido de [32], com permissão. Para visualizarmos um espaço de fase com dimensão maior que 2, utilizamos o recurso das chamadas seções de Poincaré. No caso de bilhares, a seção é a própria fronteira e as coordenadas são o ponto de colisão e o seno do ângulo que a trajetória faz com a normal. Usando a seção, a dinâmica se reduz a um mapa bidimensional, (qn,pn) = f(qn−1,pn−1), o que facilita a visualização da dinâmica. Ótimos exemplos de mapas são o mapa padrão, o mapa do gato e o mapa do padeiro, que podem ser visualizados em [33, 34, 35]. Na Figura 2a mostramos uma trajetória curta, em vermelho, e uma trajetória longa, em cinza, para o bilhar conhecido como cardióide; na Figura 2b mostramos a representação das mesmas trajetórias na seção de Poincaré na fronteira. Note como a trajetória cinza, que é longa e caótica, dá origem a um mar de pontos que cobre uniformemente o espaço da seção. Figura 2 (a) Duas trajetórias no bilhar do cardióide; (b) As mesmas trajetórias representadas na seção de Poincaré na fronteira. Reproduzido de [37], com permissão. Neste artigo também abordamos sistemas abertos. Temos em mente um sistema inicialmente fechado, no qual introduzimos uma ou mais aberturas para conectá-lo ao resto do universo. Consideramos duas abordagens diferentes aos sistemas abertos: espalhamento e ressonânica. No caso de espalhamento, temos em mente um fluxo estacionário de partículas que entram e saem do sistema. Podemos definir o tempo de permanência, τP, como sendo o tempo típico que uma partícula injetada no sistema leva para sair dele. No contexto das ressonâncias temos em mente um sistema que produz continuamente partículas e estas vão se perdendo para o exterior. As aberturas devem ser pequenas para que a natureza caótica da dinâmica ainda se faça sentir, o que se traduz na condição τP > τ0. Recomendo [36, 37] para uma revisão sobre sistemas caóticos abertos. Quando um sistema caótico é aberto, quase todas as trajetórias que existiam nele desaparecem. Isso é consequência da ergodicidade: trajetórias longas inevitavelmente visitam a região da abertura e acabam escapando. O conjunto das trajetórias que ficam eternamente presas no sistema é chamado de sela caótica. Em particular, ele contém todas as órbitas periódicas do sistema aberto. Associados à sela caótica existem dois outros conjuntos importantes de pontos: o que convergem para ela formam a variedade estável ; os que divergem dela (ou que convergem para ela quando propagados para trás) formam a variedade instável. Por exemplo, se uma trajetória de espalhamento entra no sistema e só sai depois de um tempo muito longo, então ela deve ter entrado próxima à variedade estável, se aproximado bastante da sela, e depois saído próxima da variedade instável. Em geral, tanto a sela caótica quanto suas variedades estável e instável são conjuntos fractais. As variedades são contínuas em uma direção e fractais na outra; suas dimensões totais são portanto 1 + de e 1 + di, respectivamente. A sela é a intersecção das variedades e tem portanto dimensão de + di. Se o sistema tiver simetria de reversão temporal, as duas variedades têm a mesma dimensão d0 e a sela tem dimensão 2d0. Esses conjuntos são facilmente entendidos no caso do mapa do padeiro aberto, caso em que os fractais correspondem ao famoso conjunto de Cantor [38]. Na Figura 3a vemos duas trajetórias em um sistema desse tipo: uma que escapa (vermelho) e uma que fica presa na sela caótica (azul claro). Na Figura 3b vemos a seção de Poincaré na fronteira, na qual a abertura é representada por uma faixa retangular; além da trajetória vermelha, vemos em azul claro um conjunto de pontos que pertence à sela caótica. Figura 3 (a) Duas trajetórias no bilhar do cardióide com uma abertura, uma delas sai do sistema e a outra não; (b) A sela caótica representada na seção de Poincaré na fronteira. Reproduzido de [37], com permissão. Se imaginarmos que o sistema aberto começa com um número muito grande de condições iniciais, distribuídos de acordo com alguma densidade, então esse número diminuirá com o tempo de acordo com um decaimento exponencial, e−γt. A quantidade γ é chamada de taxa de decaimento. Ela é o inverso de tempo de permanência, γ = 1/τP, e está relacionada com a dimensão fractal da sela caótica de acordo com a relação [, 39] (4) d 0 = 1 - γ λ , onde λ é o expoente de Lyapunov do sistema. O conjunto dos pontos que permanecem tem medida nula. Em vez de uma densidade invariante, como (4), podemos definir densidades condicionalmente invariantes, o que significa que sua medida total decai exponencialmente com o tempo. Em geral, existem infinitas medidas desse tipo mesmo para uma taxa de decaimento fixa. Uma delas é mais natural, denotada ρc, por ter taxa de decaimento γ e ser o limite de toda densidade inicial genérica. Essa densidade natural está suportada sobre a variedade instável da sela. Mostramos um exemplo na Figura 4, para o mesmo bilhar do cardióide aberto que usamos na Figura 3. Para mapas abertos, a taxa de decaimento pode ser obtida em termos da medida dessa densidade sobre a abertura, μ = ∫ρc(x,p)dxdp, e é dada por [37, 40] Figura 4 Representação da seção de Poincaré na fronteira para a densidade condicionalmente invariante natural, suportada pela variedade instável da sela caótica, do bilhar do cardióide aberto da Figura 3. Reproduzido de [37], com permissão. (5) γ = - log ⁡ ( 1 - μ ) . e 3 3. Mecânica Quântica 3.1. Sistemas fechados Um sistema clássico com Hamiltoniana H=p22⁢m+V⁢(q) é quantizado pela equação de Schrödinger, (6) - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 ⁡ Ψ ⁢ ( q , t ) + V ⁢ ( q ) ⁢ Ψ ⁢ ( q , t ) = i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ Ψ ⁢ ( q , t ) . Essa equação é linear em Ψ, de modo que uma combinação linear de soluções também é solução (o famoso gato de Schrödinger é um desses estados de superposição). Uma definição ingênua e apressada de caos não vai servir pois, à primeira vista, não existe “sensibilidade às condições iniciais”. Onde estão as consequências da dinâmica caótica para a mecânica quântica? Logo depois de Schrödinger propor sua equação, Ehrenfest notou que pacotes de onda localizados se movem de tal maneira que seu centro coincide com a trajetória clássica. Aí estaria um caminho para observarmos caos em mecânica quântica. Entretanto, essa semelhança dura por um tempo muito curto, que hoje é conhecido como tempo de Ehrenfest [41, 42]. Para sistemas caóticos, esse tempo é da ordem de |log⁡ℏ|. Depois, o pacote de onda começa a se desintegrar devido a efeitos de interferência, que são justamente os mais interessantes do ponto de vista quântico. Neste artigo focamos em problemas estacionários. Para sistemas fechados, o operador H=-ℏ22⁢m⁢∇2+V⁢(q) é hermitiano, H = H†, e estamos interessados nas autofunções ψn(q) e nos níveis de energia reais En tais que (7) - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 ⁡ ψ n ⁢ ( q ) + V ⁢ ( q ) ⁢ ψ n ⁢ ( q ) = E n ⁢ ψ n ⁢ ( q ) . Uma vez conhecidos os níveis de energia e as autofunções de um sistema, podemos propagar uma função de onda inicial φ(0) = ∑ncnψn fazendo φ(t) = ∑ncne−iEnt/ℏψn. Na prática, uma maneira de obter os níveis de energia e as autofunções de um sistema é calcular os elementos de matriz da Hamiltoniana numa certa base, montar a matriz correspondente e diagonalizá-la. Em geral a dimensão do problema é infinita, então precisamos truncar a matriz em uma certa dimensão N para podermos colocá-la no computador. A densidade de estados ρ(E) nos diz quantos níveis de energia existem em torno do valor E (naturalmente, este conceito faz sentido em regiões do espectro com muitos níveis, o que é o caso do regime semiclássico). Essa função pode ser dividida em uma parte suave, chamada de termo de Weyl, que corresponde a uma média local, e uma parte que contém as flutuações em torno dessa média, (8) ρ ⁢ ( E ) = ρ ¯ ⁢ ( E ) + ρ fl ⁢ ( E ) . O termo de Weyl é tal que ρ¯⁢(E)⁢d⁢E é o número de estados com energia entre E e E + dE. Semiclassicamente, está ligado ao volume da superfície de energia E no espaço de fase. Em particular, a lei de Weyl diz que o número de níveis de energia menores do que um certo valor E deve ser igual ao volume de pontos no espaço de fase com energia menor que E, dividido por ℏd, onde d é o número de graus de liberdade do sistema. No caso de bilhares, temos simplesmente -ℏ22⁢m⁢∇2ψn(q) = Enψn(q), com a condição de contorno de que ψn(q) = 0 se q estiver sobre a fronteira. Aliás, um artigo clássico de Mark Kac perguntava se é possível ouvir a forma de um bilhar, ou seja, se sabendo os níveis de energia {En,n > 0}, que correspondem às frequências dos modos normais de vibração de uma membrana com a forma do bilhar, era possível inferir qual seria essa forma (em geral, a resposta é não [43]; se nos restringirmos a fronteiras que geram dinâmicas totalmente caóticas, provavelmente a resposta é sim). Para estudarmos as funções de onda, é útil representá-las no espaço de fase [44]. Isso pode ser feito utilizando a função de Wigner, (9) W n ⁢ ( q , p ) = 1 π ⁢ ℏ ⁢ ∫ - ∞ ∞ ψ n * ⁢ ( q + x ) ⁢ ψ n ⁢ ( q - x ) ⁢ e 2 ⁢ i ⁢ p ⁢ x ⁢ ℏ ⁢ d x , ou a função de Husimi, Hn(q,p) = |⟨q,p|ψn⟩|2, que é obtida a partir do produto escalar da função de onda com um estado coerente, (10) ⟨ x | q , p ⟩ = 1 ( π ⁢ ℏ ) 1 / 4 ⁢ e ( x - q ) 2 / 2 + i ⁢ p ⁢ x / ℏ . Com relação aos estados estacionários, é natural imaginar que eles devem refletir a ergodicidade do sistema clássico, ou seja, devem reproduzir a distribuição uniforme sobre a superfície de energia. Uma maneira de fazer isso é dizer que a função de Wigner de um estado de energia E deve ser igual à densidade ergódica da eq. (4) [45]. O fato de que a maioria das autofunções realmente satisfaz essa condição é comumente chamado de ergodicidade quântica. Em particular, a função |ψn(q)|2 no espaço de configuração também é uniforme. Mostramos alguns exemplos na Figura 5. Figura 5 Estados estacionários de um bilhar integrável (círculo) e de um bilhar caótico (cardióide). A diferença é claramente visível. Os autoestados caóticos são uniformemente distribuídos. Reproduzido de [32], com permissão. No caso de bilhares, gostaríamos de obter uma função de Husimi que vivesse no espaço de fase da seção de Poincaré na fronteira. A função de onda é zero na fronteira, mas uma função de Husimi apropriada pode ser definida utilizando sua derivada normal [46]. Mapas conservativos, como o mapa padrão, podem ser quantizados mesmo não sendo Hamiltonianos. Isso é feito construindo diretamente um propagador quântico U que faz o papel de e−iHt/ℏ e é uma matriz unitária. Esses estão entre os modelos mais simples de caos quântico [47]. Além do mapa padrão, a quantização do mapa do gato [48] e do mapa do padeiro [49] são muito utilizadas. 3.2. Espalhamento O problema de espalhamento que temos em mente é o de um bilhar ao qual são acopladas duas guias de onda [50]. A seção transversal de cada guia é constante, de modo que a equação de Schrödinger é separável dentro delas. Na direção longitudinal temos propagação livre, enquanto na direção transversal temos os autoestados da partícula na caixa. Se a energia total é fixa, então um número finito de modos transversais podem ser populados, digamos N1 e N2 em cada guia. O problema de espalhamento é descrito por uma matriz S que conecta as amplitudes nos canais de entrada com as amplitudes nos canais de saída, (11) ( b 1 b 2 ) = S ⁢ ( a 1 a 2 ) . Nesta equação ai=(ai,1⋮ai,Ni) é um vetor com Ni amplitudes de entrada e bi=(bi,1⋮bi,Ni) é um vetor com Ni amplitudes de saída, enquanto que a matriz S possui quatro blocos (12) S = ( r t ′ t r ′ ) . O bloco r é N1×N1 e mede quanto das ondas incidentes pela guia 1 são refletidas pela própria guia 1; por outro lado, o bloco t é N2×N1 e mede quanto das ondas incidentes pela guia 1 são transmitidas pela guia 2; o papel dos outros blocos é análogo. A conservação da energia fica garantida pelo fato de a matriz S ser unitária, (13) S ⁢ S † = 1 . O processo de transporte pode ser estudado por meio da matriz hermitiana (14) T = t ⁢ t † . Seus autovalores estão sempre entre 0 e 1 e podem ser interpretados como probabilidade de transmissão da guia 1 para a guia 2. Analogamente, os autovalores de rr† podem ser interpretados como probabilidades de reflexão da guia 1. Esses autovalores estão sujeitos ao vínculo tt† + rr† = 1. A transmissão total é dada pelo traço Tr(T) e é chamada de condutância do sistema. Maiores informações sobre o transporte podem ser obtidas a partir dos demais traços, Tr(Tn). Por exemplo, mesmo a temperatura zero existe ruído na transporte quântico, devido à natureza granular da carga elétrica (cada elétron tem uma probabilidade de ser transmitido e uma probabilidade de ser refletido, gerando oscilações quânticas na corrente). Esse ruído, chamado de ruído de disparo, é medido pela quantidade Tr(T(1−T)). Traços de polinômios da matriz T são chamados de momentos de transporte. Quando o sistema é caótico, essas quantidades são funções fortemente oscilantes, erráticas, da energia E. Nesse caso, faz sentido tomar uma média local sobre uma pequena janela de energia, (15) ⟨ f ⟩ E = 1 Δ ⁢ E ⁢ ∫ E E + Δ ⁢ E f ⁢ ( E ′ ) ⁢ d E ′ , para tornar a função mais suave. 3.3. Ressonâncias O sistema aberto [51] ainda pode ser representado por uma Hamiltoniana, entretanto esse operador não é mais hermitiano. Em consequência, seus autovalores deixam de ser reais e adquirem uma parte imaginária negativa, En = ℰn−iΓn/2, de modo que autofunções ainda existem porém sua evolução temporal passa a exibir decaimento exponencial, e−iEnt = e−iℰnte−Γnt/2. Os autovalores complexos En são chamados de ressonâncias e as correspondentes autofunções são as autofunções ressonantes. As quantidades τn são as taxas de decaimento dos autoestados. Assim como existe a lei de Weyl para estados estacionários de sistemas fechados, existe também uma lei de Weyl para ressonâncias, mas ela é bem mais interessante. As ressonâncias devem ser contadas no plano complexo e a lei de Weyl fractal [52] diz que o número de ressonâncias com parte real (frequência) menor que ℰ e parte imaginária (taxa de decaimento) menor que Γ deve ser proporcional a ℏ−d0/2, onde d0 é a dimensão fractal da sela caótica (a constante de proporcionalidade parece ser universal, sem relação com propriedades do espaço de fase; ver seção 4.3). Outra característica interessante do espectro de ressonâncias é a existência de um gap [53, 54, 55]. No limite de altas frequências, as evidências indicam que, se o sistema for caótico o bastante, não há ressonâncias com parte imaginária menor do que γ, a taxa de decaimento clássica do sistema. Um operador não-hermitiano possui autoestados diferentes à esquerda e à direita, H⁢|ψnR⟩=zn⁢|ψnR⟩ e ⟨ψnL|⁢H=zn⁢⟨ψnL|. Assim como, para sistemas fechados, espera-se que os estados estacionários ocupem todo o espaço de fase, que é um conjunto invariante, no caso de ressonâncias espera-se que os autoestados ocupem a variedade instável da sela caótica (no caso de |ψnR⟩) ou a variedade estável (no caso de ⟨ψnL|). Temos portanto autofunções com características fractais [56]. , apresento uma revisão de conceitos básicos da teoria do caos e da mecânica quântica, respectivamente, para deixar claro quais são as questões que serão tratadas. A abordagem do caos quântico via matrizes aleatórias é discutida na Seção 4 4. Matrizes Aleatórias Na década de 50, o mesmo Wigner que inventou a “função de Wigner” (e receberia o prêmio Nobel em 1963 por suas contribuições ao estudo dos princípios de simetria em física) introduziu um modelo no estudo da física nuclear. Em vez de tentar resolver exatamente o núcleo para obter seus níveis de energia com alta precisão, ele argumentou que a matriz Hamiltoniana associada a esse sistema de muitos corpos seria tão complicada, tão sensível à variação de parâmetros sobre os quais não há controle, que faria sentido simplesmente trocá-la por uma matriz aleatória. Wigner inaugurou assim uma abordagem estatística da física nuclear na qual os valores exatos das quantidades têm menos importância que sua distribuição. Na década de 80, alguns trabalhos sugeriram [57, 58, 59, 60] que essa abordagem poderia ser usada no caos quântico, uma vez que o mesmo argumento de imprevisibilidade usado para sistemas de muitos corpos também seria aplicável a sistemas de um único corpo, desde que tivesse dinâmica caótica. Posteriormente, essa ideia ficou conhecida como conjectura de Bohigas, Giannoni e Schmit [61]. Consideramos então um ensemble de sistemas semelhantes, todos eles caóticos, e calculamos o valor médio de um observável qualquer sobre esse ensemble. Nesse caso, trocamos operadores físicos por operadores aleatórios, representados por matrizes aleatórias [28]. No caso de sistemas com dinâmica mista, ou seja, para os quais parte das condições iniciais gera movimento caótico enquanto outra parte gera movimento regular, a grande maioria dos autoestados pode ser classificada, analogamente, em regular ou irregular [62]. Os dois tipos de níveis de energia dão origem a espectros independentes [63], e a descrição por matrizes aleatórias se aplica somente ao espectro irregular. O tipo de matriz aleatória a ser considerado depende dos vínculos que precisam ser respeitados. Se for a Hamiltoniana de um sistema fechado, ela deve ser hermitiana. Se o sistema possuir simetria de reversão temporal, a Hamiltoniana tem elementos de matriz reais. Por outro lado, se o operador for o propagador de um mapa fechado ou a matriz S de um problema de espalhamento, deve ser unitário. 4.1. Sistemas fechados No caso de sistemas fechados, o interesse recai sobre os níveis de energia e os estados estacionários. Os níveis de energia podem ser modelados pelos autovalores de matrizes hermitianas com elementos aleatórios independentes. Para simplificar, pode-se considerar que os elementos são variáveis gaussianas com distribuição de probabilidade conjunta proporcional a e−Tr(H2)/2. Os níveis de energia de estados altamente excitados de um sistema caótico genérico devem seguir uma estatística espectral local que seja universal e determinada unicamente pelas simetrias presentes. Mais concretamente, seja ρ(E) a densidade de autovalores. Como vimos em (8) ela tem duas partes, o termo suave de Weyl e o termo de oscilações ρfl(E). Então (16) R n ⁢ ( ϵ ) = 1 ρ ¯ n ⁢ ⟨ ∏ i = 1 n ρ fl ⁢ ( E + ϵ i ρ ¯ ) ⟩ é a função de correlação espectral de n-pontos, expressada em termos de energias adimensionais εi, que formam um vetor ϵ. A média é feita sobre E em um intervalo de energia pequeno o bastante para desprezarmos variações de ρ¯⁢(E). Essas funções de correlação foram muito estudadas no contexto das matrizes aleatórias (ver, por exemplo, [27, 64, 65, 66]). No regime de grandes dimensões, o cálculo para matrizes complexas (ou seja, na ausência de simetria de reversão temporal ) produz determinantes n×n, (17) det ⁡ ( sin ⁡ [ π ⁢ ( ϵ i - ϵ j ) ] π ⁢ ( ϵ i - ϵ j ) ) . Por exemplo, para n = 2 temos (18) 1 - ( sin ⁡ [ π ⁢ ( ϵ 1 - ϵ 2 ) ] π ⁢ ( ϵ 1 - ϵ 2 ) ) 2 = 1 - 1 2 ⁢ π 2 ⁢ ( ϵ 1 - ϵ 2 ) 2 + cos ⁡ [ 2 ⁢ π ⁢ ( ϵ 1 - ϵ 2 ) ] 2 ⁢ π 2 ⁢ ( ϵ 1 - ϵ 2 ) 2 . Em geral, Rn(ϵ) pode ser dividida em termos oscilatórios e não-oscilatórios, com os primeiros contendo funções trigonométricas das variáveis ϵi−ϵj, e os segundos sendo polinômios de Laurent dessas variáveis. A partir das funções de correlação, historicamente se mostrou mais popular definir a distribuição de espaçamento entre primeiros vizinhos P(s). Essa função descreve a densidade de probabilidade da variável aleatória que é obtida a partir das diferenças entre níveis de energia {sn = En + 1−En,n > 0}, (na verdade, os níveis devem ser reescalados para eliminar efeitos não-universais advindos da densidade média ρ¯⁢(E); esse procedimento é chamado de “unfolding”). Para matrizes complexas, essa função é dada por P⁢(s)=32⁢s2π2⁢e-4⁢s2/π. O comportamento quadrático para s pequeno indica que degenerescências são muito raras, fenômeno conhecido como repulsão de níveis. Comparações entre o resultado obtido na teoria de matrizes aleatórias e os níveis de energia de sistemas físicos obtidos numericamente, ou mesmo experimentalmente, sempre deram suporte à conjectura da universalidade. Exemplos podem ser vistos em [7]. Autofunções são autovetores da Hamiltoniana. Se essa matriz for aleatória com elementos gaussianos, então os autovetores também são aleatórios com elementos gaussianos. Para bilhares, isso leva a um modelo para as autofunções conhecido como ondas aleatórias, segundo o qual (19) ψ ⁢ ( q ) ∝ ∑ n ( a n ⁢ cos ⁡ ( k n → ⋅ q → ) + b n ⁢ sin ⁡ ( k n → ⋅ q → ) ) , onde an e bn são variváveis aleatórias com distribuição gaussiana, enquanto os kn→ são vetores com módulo igual ao do vetor de onda clássico e direção aleatória. Essa superposição corresponde à ideia de que classicamente a partícula passa em todos os pontos vindo de todas as direções. Uma consequência do modelo de onda aleatória, que decorre da aplicação do teorema central do limite, é que os valores assumidos por um autoestado caótico devem possuir distribuição gaussiana, o que é validado por simulações numéricas [32]. 4.2. Espalhamento Para o problema de espalhamento, a abordagem estatística preconiza trocar a matriz S por uma matriz unitária aleatória. Isso pode ser feito usando a distribuição de probabilidade uniforme que é naturalmente definida sobre o grupo unitário, conhecida como medida de Haar. Esse ensemble é chamado de CUE, Circular Unitary Ensemble. No caso da presença de simetria de reversão temporal, a matriz S deve ser simétrica e é portanto tomada com distribuição uniforme sobre o COE, Circular Orthogonal Ensemble. Para detalhes, ver [6]. Para uma discussão acessível sobre rotações aleatórias, ver [67]. Quando S é uniformemente distribuída sobre o CUE, isso induz uma distribuição de probabilidade para a matriz de transmissão T definida em (14). Essa distribuição é um caso particular do ensemble de Jacobi [68]. A distribuição conjunta de autovalores, nesse caso, é dada por (20) P ⁢ ( T ) ∝ Δ ⁢ ( T ) 2 ⁢ ∏ i = 1 N 1 T i N 2 - N 1 , onde (21) Δ ⁢ ( T ) = ∏ i < j ( T j - T i ) é o Vandermonde das variáveis T. A normalização dessa distribuição decorre da integral (22) ∫ 0 1 d T ⁢ Δ ⁢ ( T ) 2 ⁢ c ⁢ ∏ i = 1 N 1 T i a - 1 ⁢ ( 1 - T i ) b - 1 = ∏ j = 0 N 1 - 1 Γ ⁢ ( 1 + c + j ⁢ c ) ⁢ Γ ⁢ ( a + j ⁢ c ) ⁢ Γ ⁢ ( b + j ⁢ c ) Γ ⁢ ( 1 + c ) ⁢ Γ ⁢ ( a + b + ( N 1 + j - 1 ) ⁢ c ) , conhecida como integral de Selberg [69]. A presença do quadrado do Vandermonde mostra que também os autovalores de T estão sujeitos a repulsão de níveis. A partir de P(T) é possível obter também a densidade de autovalores [70]. Se N1 = N2≫1, essa densidade se torna ρ⁢(T)=1π⁢T⁢(1-T). De posse da distribuição conjunta de autovalores (20) podemos calcular todo tipo de característica estatística do transporte. A condutância média do sistema, por exemplo é ⟨Tr⁢(T)⟩=N1⁢N2M, sendo M o número total de canais, (23) M = N 1 + N 2 . A variância da condutância, por sua vez, é dada por ⟨(Tr⁢(T))2⟩-⟨Tr⁢(T)⟩2=N12⁢N22M2⁢(M2-1). A maior parte dos primeiros resultados obtidos usando a descrição via matrizes aleatórias foi reunido em [71]. Outras quantidades podem ser relacionadas a um conjunto de polinômios muito importante que são os polinômios de Schur sλ(T), identificados por um conjuntos de inteiros positivos λ = (λ1,λ2,…) satisfazendo λi≥λi + 1. O valor médio de um polinômio de Schur dos autovalores de transmissão é dado [72] por uma integral semelhante à de Selberg [73, 74], (24) ∫ d T ⁢ | Δ ⁢ ( T ) | 2 ⁢ det ⁡ ( 1 - T ) M ⁢ s λ ⁢ ( T ) ⁢ d ⁢ T = s λ ⁢ ( 1 N 1 ) 2 s λ ⁢ ( 1 M ) ⁢ ∏ j = 0 N 1 - 1 j ! ⁢ ( j + 1 ) ! ⁢ ( M + j ) ! ( M + N 1 + j ) ! . Com isso, pode-se calcular por exemplo os momentos da condutância ⟨(Tr(T))n⟩ ou o ruído de disparo, ⟨Tr(T(1−T))⟩ [75]. 4.3. Ressonâncias Existem basicamente duas abordagens estatísticas para o problema das ressonâncias. Uma delas consiste em começar com uma Hamiltoniana H aleatória com elementos gaussianos, e então produzir uma matriz de espalhamento S definida como (25) S ⁢ ( E ) = 1 - 2 ⁢ π ⁢ i ⁢ V † ⁢ 1 E - H + i ⁢ π ⁢ V ⁢ V † ⁢ V , onde V é um operador que promove o acoplamento da região interna do sistema com o exterior. Essa abordagem tem a vantagem de levar em conta explicitamente a dependência de S com a energia. A expressão acima revela que as ressonâncias correspondem a pólos da matriz S (que é unitária para energias reais, mas não para energias complexas). Isso faz sentido do ponto de vista da equação (11). A matriz S leva amplitudes incidentes em amplitudes emitidas. Na situação de ressonância, S se torna infinita e é possível existir uma onda emitida mesmo não havendo onda incidente. O sistema se torna radioativo, com a energia decaindo exponencialmente. Uma discussão muito completa desse tipo de tratamento pode ser encontrada em [76]. Uma outra abordagem, mais limitada porém mais simples, é começar com uma matriz unitária aleatória U, que representa o propagador do sistema, e multiplicá-la por um projetor, U~=U⁢Q. Eu mesmo escrevi um artigo de revisão sobre essa abordagem [77]. O projetor Q representa a região do espaço de fase que permanece fechada, ou seja, o complemento da abertura. O propagador aberto U~ é uma matriz subunitária [78], ou seja, satisfaz U~⁢U~†<1 e seus autovalores podem ser escritos na forma eiθne−γn/2, de modo que as quantidades γn podem ser interpretadas como sendo as taxas de decaimento dos autoestados; os valores θn são como pseudo-energias. Um resultado interessante dessa abordagem é a distribuição da variável g = e−γ. Se a abertura ocupa um volume μ do espaço de fase, então (26) P ⁢ ( g ) = ( μ 1 - μ ) ⁢ 1 ( 1 - g ) 2 se g < 1−μ e P(g) = 0 se g > 1−μ. Isso significa que existe um gap espectral e as taxas de decaimento quânticas devem ser maiores do que −log⁡(1−μ), que é a taxa de decaimento clássica. Essa observação está em acordo com evidências numéricas obtidas para sistemas específicos (por exemplo, o mapa padrão quântico aberto [79]). O formato da distribuição (26) também concorda com os resultados de sistemas específicos (e.g. [80]). , enquanto a aproximação semiclássica é discutida na Seção 5 5. Aproximação Semiclássica Em contraste com a abordagem via matrizes aleatórias, a aproximação semiclássica busca não só descrever mas principalmente derivar as propriedades quânticas de um sistema com base em suas propriedades clássicas. 5.1. Sistemas fechados No caso de sistemas fechados, o foco do interesse é a densidade de estados. Já vimos, na eq. (8), que essa função pode ser dividida em uma parte suave e conhecida e uma parte que contém as flutuações, ρ⁢(E)=ρ¯⁢(E)+ρfl ⁢(E). A fórmula do traço de Gutzwiller [3] fornece essa segunda parte em termos das órbitas periódicas do sistema, que são isoladas e instáveis: (27) ρ fl ⁢ ( E ) ≈ 1 π ⁢ ℏ ⁢ Re ⁢ ∑ p F p ⁢ 𝒯 p ⁢ e i ⁢ 𝒮 p ⁢ ( E ) / ℏ , onde Sp e τp são a ação e o período da órbita p, respectivamente, enquanto Fp é um fator relacionado à estabilidade e que depende do expoente de Lyapunov. A série contém infinitos termos e, a rigor, não pode ser convergente (já que a densidade de estados é singular sobre os autovalores), mas isso não impede que resultados corretos sejam obtidos a partir dela, seja usando médias ou esquemas de renormalização [81, 82, 83]. Para o cálculo de funções de correlação (16), são necessárias somas múltiplas sobre órbitas periódicas. Por exemplo, a função de dois pontos é aproximada por (28) R 2 ⁢ ( ϵ 1 , ϵ 2 ) = 1 2 ⁢ π 2 ⁢ ℏ 2 ⁢ ρ ¯ 2 ⁢ Re ⟨ ∑ p , q F p ⁢ F q * ⁢ 𝒯 p ⁢ 𝒯 q ⁢ e i ⁢ ( 𝒮 p ⁢ ( E 1 ) - 𝒮 q ⁢ ( E 2 ) ) / ℏ ⟩ , onde a média é feita sobre uma janela de energia e Ej=E+ϵj/ρ¯. O ponto crucial é que as contribuições da maioria dos pares de órbitas oscila rapidamente quando a energia é variada e acaba por não contribuir para o valor final da média. Isso só não ocorre se a diferença de ação entre p e q for estacionária em relação a pequenas mudanças em E. Podemos começar com o caso simples e importante em que as órbitas são idênticas [84]. Usando 𝒮p⁢(Ej)≈𝒮p⁢(E)+ϵj⁢𝒯p/ρ¯ chegamos a ∑p|Fp|2⁢𝒯p2⁢ei⁢𝒯p⁢(ϵ1-ϵ2)/ρ¯⁢ℏ. Recorremos então a um resultado conhecido como regra de Hannay-Ozorio de Almeida [85], que diz que (29) ∑ p | F p | 2 ⁢ f ⁢ ( 𝒯 p ) ≈ ∫ 0 ∞ d ⁢ t t ⁢ f ⁢ ( t ) . No nosso caso, isso leva a (30) R 2 ⁢ ( ϵ 1 , ϵ 2 ) = 1 2 ⁢ π 2 ⁢ ℏ 2 ⁢ ρ ¯ 2 ⁢ Re ⁢ ∫ 0 ∞ d t ⁢ t ⁢ e i ⁢ t ⁢ ( ϵ 1 - ϵ 2 ) / ρ ¯ ⁢ ℏ = - 1 2 ⁢ π 2 ⁢ ( ϵ 1 - ϵ 2 ) 2 , que reproduz corretamente o primeiro termo não-trivial em (4.1). Órbitas diferentes só contribuem se estiverem correlacionadas, no sentido de possuírem a mesma ação. O mecanismo geral por trás da existência dessas correlações foi descoberto em [86, 87] e desenvolvido com mais profundidade em [88]. Trata-se da existência de cruzamentos, fora dos quais os trechos das trajetórias são quase iguais e dentro dos quais existe uma recombinação dos trechos. Podemos ver como isso funciona na Figura 6. À esquerda vemos duas trajetórias, uma em linha cheia e outra em tracejada, que diferem apenas na região em torno do cruzamento. Essa configuração só é possível em sistemas que possuem simetria de reversão temporal, já que há um trecho em que as duas trajetórias se movem em sentidos opostos. À direita temos um situação mais complicada, na qual duas trajetórias diferem em dois cruzamentos, sendo um deles simples e o outro triplo. Nas duas imagens o tamanho do cruzamento está exagerado, e a natureza caótica da trajetória não está evidente (é bem sabido que trajetórias de sistemas hamiltonianos não se cruzam no espaço de fase; esses esboços são para o espaço de configuração). Figura 6 Trajetórias correlacionadas, que possuem praticamente a mesma ação por diferirem uma da outra somente na pequena vizinhança de cruzamentos. A situação à esquerda exibe um cruzamento simples, enquanto a situação à direita tem um simples e um triplo. Reproduzido de [88], com permissão. O cálculo de funções de correlação com mais pontos exige um número maior de órbitas periódicas. Por exemplo, na Figura 7 temos uma órbita, em preto, correlacionada com outras três órbitas, uma configuração que contribui para o cálculo de R4. Note que as reconexões efetuadas dentro do cruzamento são diferentes das que acontecem na Figura 6. O tratamento dessas funções mais sofisticadas foi desenvolvido recentemente em []. Para sistemas sem simetria de reversão temporal, foi mostrado em [90] que a aproximação semiclássica de fato reproduz a previsão correspondente obtida usando matrizes aleatórias, exceto pelos termos oscilatórios. Figura 7 Uma trajetória (linha cheia) correlacionada com outras três (tracejadas), uma configuração que contribui para o cálculo da função de correlação espectral de quatro pontos, R4. Reproduzido de [88], com permissão. A teoria discutida acima não é capaz de recuperar os termos oscilatórios das funções de correlação. Esses termos demandam uma teoria diferente, apresentada para o caso mais simples n = 2 em [91]. 5.2. Espalhamento Temos agora um bilhar caótico, ligado ao exterior por duas guias que suportam N1 e N2 canais de espalhamento. O número total de canais é M = N1 + N2. No limite semiclássico, ℏ→0, M→∞, o elemento Soi da matriz S é aproximado por uma soma sobre trajetórias α que saem do canal i e chegam ao canal o, (31) S o ⁢ i = 1 M ⁢ τ P ⁢ ∑ α : i → o A α ⁢ e i ⁢ 𝒮 α / ℏ , onde Sα(E) é novamente a ação e Aα está relacionado à estabilidade. O tratamento semiclássico da condutância, por exemplo, consiste em escrever Tr⁢(T)=∑i,oto⁢i⁢ti⁢o†=1M⁢τP ∑i,o∑α⁢σAα⁢ei⁢𝒮α/ℏ⁢Aσ*⁢e-i⁢𝒮σ/ℏ, onde α e σ são duas trajetórias que vão de i para o. No caso em que as duas trajetórias são idênticas, temos 1M⁢τP⁢∑i,o∑α|Aα|2=1M⁢∑i,o=N1⁢N2M. Correções de ordem mais alta em 1/M para o valor médio ⟨Tr(T)⟩ vêm de órbitas não-idênticas mas correlacionadas, como no caso de sistemas fechados. Suponhamos o cálculo de um momento do transporte como (32) p λ ⁢ ( 𝒯 ) = ∑ i → = 1 N 1 ∏ k = 1 n ( t † ⁢ t ) i π ⁢ ( k ) , i k = ∑ i → = 1 N 1 ∑ o → = 1 N 2 ∏ k = 1 n t i π ⁢ ( k ) , o k † ⁢ t o k , i k , onde π é uma permutação que possui ciclo tipo λ. Esse cálculo requer somas múltiplas sobre trajetórias, (33) p λ ⁢ ( 𝒯 ) = 1 M n ⁢ τ P n ⁢ ∏ k = 1 n ∑ i k , o k ∑ α k , σ k A α ⁢ A σ * ⁢ e i ⁢ ( 𝒮 α - 𝒮 σ ) / ℏ , com o entendimento de que αk vai de ik para ok, enquanto que αk vai de iπ(k) para ok. A quantidade Aα = ∏kAαk é uma estabilidade coletiva, enquanto Sα = ∑kSk é uma ação coletiva das trajetórias α, e analogamente para σ. O momento de transporte (33) é uma função fortemente oscilante da energia, e sua média local pode ser calculada sob uma aproximação de fase estacionária, como discutimos na seção anterior, o que leva à condição de que o conjunto das trajetórias α deve ter a mesma ação coletiva que o conjunto das trajetórias σ. Mais uma vez, são os cruzamentos que têm um papel central na teoria para produzir essas correlações [92]. Vemos alguns exemplos na Figura 8, que contribuem para o cálculo de ⟨p1,1(T)⟩ = ⟨(Tr(T))2⟩. Essa abordagem é naturalmente perturbativa no parâmetro 1/M e, fazendo-se uso das propriedades caóticas do sistema, pode-se mostrar [93] que a contribuição de uma configuração de trajetórias com L trechos e V cruzamentos é proporcional a MV − L. A quantidade V − L, por sua vez, está relacionada à característica de Euler do diagrama, indicando que a teoria é de natureza topológica. Figura 8 (a) Trajetórias de espalhamento que apresentam correlações. O exemplo apresentado em (b) só é possível em sistemas com simetria de reversão temporal. Reproduzido de [95], com permissão. A aproximação semiclássica para transporte quântico caótico foi depois generalizada para incluir barreiras de tunelamento [94, 95, 96] e a presença de trajetórias com energias diferentes [97, 98]. Ademais, o aproximação semiclássica se mostrou mais poderosa que o uso de matrizes aleatórias, porque é capaz de tratar situações em que a outra abordagem não funciona. Um exemplo importante é a situação em que o tempo de Ehrenfest do sistema τE, que mede o tempo mínimo necessário para que efeitos de interferência sejam importantes, é maior do que o tempo de permanência, τE > τP. Nesse caso, a universalidade que subjaz a teoria de matrizes aleatórias não está presente e essa teoria não se justifica. Por outro lado, vários resultados válidos nesse contexto foram obtidos a partir da aproximação semiclássica [99, 100, 101, 102]. Teorias de perturbação topológica aparecem em integrais matriciais [103, 104, 105], o que motivou a proposta [106] de uma integral matricial que satisfaz exatamente a mesma expansão diagramática que a abordagem semiclássica ao transporte quântico caótico (com o detalhe de que a dimensão das matrizes deve ser levada a zero). A integral em questão é (34) ∫ d Z ⁢ e - M ⁢ ∑ q = 1 ∞ 1 q ⁢ Tr ⁢ ( Z ⁢ Z † ) q ⁢ ∏ k = 1 n Z i π ⁢ ( k ) , o k † ⁢ Z o k , i k , e sua solução exata permite mostrar que a aproximação semiclássica é de fato equivalente à descrição usando matrizes aleatórias que vimos na seção 4.2 (ver também [107]). Esse método do modelo matricial semiclássico foi depois adaptado a sistemas com simetria de reversão temporal [108] e a cálculos que envolvem trajetórias com energias diferentes [109, 110]. 5.3. Ressonâncias O tratamento de sistemas abertos é em princípio mais simples do ponto de vista semiclássico do que o de sistemas fechados. Fundamentalmente, porque em sistemas abertos são raras as órbitas extremamente longas, justamente a fonte de dificuldades em sistemas fechados. Ademais, a aproximação semiclássica baseada na fórmula de Gutzwiller não garante que os níveis de energia aproximados sejam reais, enquanto que isso não é problema no caso aberto já que as ressonâncias são mesmo complexas. Essas expectativas se mostraram justificadas logo que o uso de órbitas periódicas na obtenção de ressonâncias começou, em [111], onde o espalhamento por três discos foi considerado (essa abordagem foi generalizada para o espalhamento por n discos em [54]). O uso da fórmula do traço em sistemas parcialmente abertos foi discutida em [112]. O uso de métodos semiclássicos no tratamento de problemas como a existência de um gap entre as ressonâncias e a lei de Weyl fractal foi resumido em [113]. A importância das órbitas periódicas curtas para sistemas abertos foi enfatizada em [114, 115] (generalizando a teoria análoga para sistemas fechados [116, 117, 118]), onde elas foram usadas para construir um operador que aproxima o propagador aberto, fornecendo tanto autovalores quanto autovetores. Também em [80] as áreas do espaço de fase que deixam o sistema rapidamente foram utilizadas para obter uma prova heurística da lei de Weyl fractal. A morfologia no espaço de fase da função de onda associada a uma ressonância com taxa de decaimento Γ parece ser bem capturada semiclassicamente pelas seguintes hipóteses [119]: 1) Ela corresponde a uma medida condicionalmente invariante do sistema clássico com taxa de decaimento Γ e 2) ela é constante sobre pontos que estão à mesma distância temporal da sela caótica, quando esta é resolvida com precisão ℏ. Essa prescrição leva a uma excelente concordância com dados numéricos, como podemos ver na Figura 9. Figura 9 Funções de Husimi de autofunções ressonantes, para o mapa padrão aberto. Na linha de cima temos o resultado exato e na linha de baixo a previsão teórica. As colunas correspondem a taxas de decaimento dadas por Γ = γ = 0.21, Γ = 0.6, Γ = 1 e Γ = 2, sendo γ a taxa de decaimento clássica. Reproduzido de [119], com permissão. . Concluo na Seção 6 6. Conclusão O caos quântico nasceu com Einstein há pouco mais de cem anos, mas passou as primeiras décadas hibernando e só começou mesmo em 1971, quando Gutzwiller conectou a densidade de estados quânticos com as órbitas periódicas do sistema clássico. Ao longo da década de 1980 entendeu-se que a estatística dos níveis de energia deveria ser a mesma dos autovalores de matrizes aleatórias e essa conjectura foi responsável por boa parte dos esforços realizados nessa área. Esse problema está hoje entendido em sua maior parte, assim como o problema análogo associado ao transporte quântico em sistemas caóticos. Também a questão das ressonâncias se desenvolveu muito nos últimos 15 anos. Mesmo nessas áreas clássicas, alguns pontos ainda permanecem obscuros e mantêm os especialistas ocupados. Entretanto, tanto caótico quanto quântico são termos que se aplicam a uma variedade enorme de fenômenos e a intersecção entre seus usos continua crescendo. Por exemplo, o entendimento de sistemas de muitos corpos ainda tem muito o que avançar. Ademais, conforme a tecnologia se aperfeiçoa, a teoria passa a ser implementada em novas plataformas, novos materiais, novas escalas, o que sempre traz surpresas e desafios. Agradeço o apoio financeiro do CNPq (306765/2018-7) e às sugestões de um parecerista anônimo, que contribuíram para melhorar o artigo. .

2. Sistemas Caóticos

Dentre a enorme variedade de sistemas caóticos, estamos interessados principalmente em sistemas hamiltonianos, descritos por uma função H(q,p) definida sobre o espaço de fase, a partir da qual obtêm-se as equações de movimento,

(1) q . i = H p i , p . i = - H q i .

Consideramos Hamiltonianas que são da forma H=p22m+V(q). Nesse caso o movimento do sistema se dá sobre a superfície de energia constante H(q,p) = E.

As equações de movimento também podem ser obtidas minimizando a ação, que é função das posições inicial e final,

(2) 𝒮 ( q i , q f ) = q i q f p d q .

Uma vez conhecida a ação, os momentos inicial e final são dados por derivadas, pf = ∂S/∂qf e pi = ∂S/∂qi. Em geral, o problema de achar uma trajetória de energia E que saia de qi e chegue em qf tem infinitas soluções, com diferentes tempos de percurso. Isso é especialmente verdade em sistemas caóticos, nos quais tipicamente o número de trajetórias cresce exponencialmente com o tempo. (Vale notar que é possível definir um problema complementar em que 𝒮(qi,qf,T)=titfLdt e buscamos trajetórias que vão de qi a qf num tempo T = tfti, com energias variáveis).

A dinâmica clássica também pode ser representada através de densidades de probabilidade. Isso pode ser feito no espaço de fase, usando ρ(q,p,t), ou somente no espaço de configuração, usando P(q,t). No espaço de fase o movimento é de um fluido incompressível, de modo que ρ(q(t),p(t),t) = ρ(q(0),p(0),0) (no espaço de configuração isso não acontece).

Se a superfície de energia constante é compacta, o movimento do sistema tem em geral características caóticas. Isso quer dizer que seu espaço de fase conterá dois tipos de condições iniciais: as que produzem trajetórias regulares e as que produzem trajetórias caóticas. As primeiras são estáveis, no sentido de que duas condições iniciais próximas permanecerão razoavelmente próximas por um tempo razoavelmente longo. As segundas são instáveis, ou seja, condições próximas se afastam exponencialmente rápido. O tratamento de sistemas genéricos é bem mais difícil, então vamos sempre ter em mente sistemas totalmente caóticos, ou seja, no qual não existem órbitas estáveis. A instabilidade média do sistema é medida pelo exponente de Lyapunov λ.

Sistemas totalmente caóticos são uma abstração, dificilmente encontráveis no mundo real. Mas abstrações e aproximações são inevitáveis quando se procura construir modelos para os fenômenos naturais. Entendendo os sistemas totalmente caóticos teremos uma ideia melhor de como funcionam os parcialmente caóticos que, esses sim, abundam. Não é preciso ser totalmente caótico para exibir o chamado efeito borboleta : pequenas alterações na condição inicial podem levar a grandes efeitos finais, por meio de amplificação exponencial no tempo. A ideia de que mesmo um sistema de dois graus de liberdade pode ser imprevisível na prática foi uma revolução conceitual que mostrou que modelos simples podem dar origem a fenômenos complexos.

O fato de um sistema ser caótico não significa que não exista movimento periódico. Pelo contrário, em geral existem infinitas órbitas periódicas. Só que, além de serem instáveis, elas são isoladas quando vistas na superfície de energia constante, ou seja, não formam famílias contínuas (a menos que variemos a energia). Além disso, o conjunto de todas as órbitas periódicas tem medida nula. Isso significa que encontrar órbitas periódicas de um sistema caótico pode ser, na prática, bem difícil. Por outro lado, elas estão por toda parte. Mais concretamente, são densas no espaço de fase: em qualquer região desse espaço, por menor que seja, há infinitas condições iniciais periódicas (a situação é muito parecida com a dos números racionais dentro da reta real: eles são isolados e seu conjunto tem medida nula mas, em qualquer intervalo da reta, por menor que seja, há infinitos deles). O número de órbitas periódicas de um sistema caótico que têm período aproximadamente igual a T cresce como eKT, e o coeficiente K é chamado de entropia topológica do sistema.

Duas propriedades importantes dos sistemas caóticos são a ergodicidade e o mixing. Uma trajetória é dita ergódica se, ao longo do tempo, ela passa arbitrariamente próxima de qualquer ponto do espaço de fase. As trajetórias longas de um sistema caótico, periódicas ou não, tendem a ser ergódicas. O mixing é uma propriedade ainda mais forte. Um sistema é mixing se um conjunto inicial de condições iniciais se espalha por todo o espaço de fase. Em termos probabilísticos, isso significa que uma densidade de probabilidade inicial ρ(q,p,0) tende, depois um tempo muito longo, à distribuição uniforme sobre a superfície de energia constante,

(3) ρ E ( q , p ) = 1 Ω ( E ) δ ( H ( q , p ) - E ) ,

onde Ω(E) é o volume dessa superfície. Isso corresponde ao ensemble microcanônico da mecânica estatística: todos os pontos de mesma energia são igualmente prováveis. Grosso modo, existe uma escala de tempo em que isso ocorre, como um tempo de relaxação, denotado τ0.

Uma classe importante de sistemas dinâmicos, por sua simplicidade, são os bilhares, regiões do plano dentro dentro das quais uma partícula se move livremente, sofrendo reflexão especular na fronteira. Formatos retangulares e elípticos dão origem a sistemas inteiramente regulares. O bilhar de Sinai e o bilhar do estádio, por outro lado, são inteiramente caóticos. Esses sistemas possuem simetria de reversão temporal, a menos que a partícula em questão esteja carregada e haja um campo magnético externo [31[31] M. Robnik e M.V. Berry, J. Phys. A 18, 1361 (1985).]. Outra importância dos bilhares é que foram construídos experimentalmente, em diferentes plataformas [16[16] C.M. Marcus, A.J. Rimberg, R.M. Westervelt, P.F. Hopkins e A.C. Gossard, Phys. Rev. Lett. 69, 506 (1992)., 18[18] S. Oberholzer, E.V. Sukhorukov, C. Schonenberger, Nature 415, 765 (2002)., 21[21] C. Dembowski, B. Dietz, T. Friedrich, H.D. Gräf, A. Heine, C. Mejía-Monasterio, M. Miski-Oglu, A. Richter e T.H. Seligman, Phys. Rev. Lett. 93, 134102 (2004)., 24[24] C. Gmachl, F. Capasso, E.E. Narimanov, J.U. Nöckel, A.D. Stone, J. Faist, D.L. Sivco e A.Y. Cho, Science 231, 486 (1998).]. Na Figura 1 mostramos trajetórias típicas em três bilhares regulares e em três bilhares caóticos; a diferença é claramente visível.

Figura 1
Trajetórias típicas em bilhares regulares e em bilhares caóticos. Reproduzido de [32[32] A. Bäcker, Phys. J. Special Topics 145, 161 (2007).], com permissão.

Para visualizarmos um espaço de fase com dimensão maior que 2, utilizamos o recurso das chamadas seções de Poincaré. No caso de bilhares, a seção é a própria fronteira e as coordenadas são o ponto de colisão e o seno do ângulo que a trajetória faz com a normal. Usando a seção, a dinâmica se reduz a um mapa bidimensional, (qn,pn) = f(qn−1,pn−1), o que facilita a visualização da dinâmica. Ótimos exemplos de mapas são o mapa padrão, o mapa do gato e o mapa do padeiro, que podem ser visualizados em [33[33] https://en.wikipedia.org/wiki/Standard_map.
https://en.wikipedia.org/wiki/Standard_m...
, 34[34] https://en.wikipedia.org/wiki/Arnold’s_cat_map.
https://en.wikipedia.org/wiki/Arnold’s_c...
, 35[35] https://en.wikipedia.org/wiki/Baker’s_map.
https://en.wikipedia.org/wiki/Baker’s_ma...
]. Na Figura 2a mostramos uma trajetória curta, em vermelho, e uma trajetória longa, em cinza, para o bilhar conhecido como cardióide; na Figura 2b mostramos a representação das mesmas trajetórias na seção de Poincaré na fronteira. Note como a trajetória cinza, que é longa e caótica, dá origem a um mar de pontos que cobre uniformemente o espaço da seção.

Figura 2
(a) Duas trajetórias no bilhar do cardióide; (b) As mesmas trajetórias representadas na seção de Poincaré na fronteira. Reproduzido de [37[37] E.G. Altmann, J.S.E. Portela e T. Tél, Rev. Mod. Phys. 85, 869 (2013).], com permissão.

Neste artigo também abordamos sistemas abertos. Temos em mente um sistema inicialmente fechado, no qual introduzimos uma ou mais aberturas para conectá-lo ao resto do universo. Consideramos duas abordagens diferentes aos sistemas abertos: espalhamento e ressonânica. No caso de espalhamento, temos em mente um fluxo estacionário de partículas que entram e saem do sistema. Podemos definir o tempo de permanência, τP, como sendo o tempo típico que uma partícula injetada no sistema leva para sair dele. No contexto das ressonâncias temos em mente um sistema que produz continuamente partículas e estas vão se perdendo para o exterior. As aberturas devem ser pequenas para que a natureza caótica da dinâmica ainda se faça sentir, o que se traduz na condição τP > τ0. Recomendo [36[36] Y.C. Lai e T. Tél, Transient Chaos (Springer, Berlim, 2011)., 37[37] E.G. Altmann, J.S.E. Portela e T. Tél, Rev. Mod. Phys. 85, 869 (2013).] para uma revisão sobre sistemas caóticos abertos.

Quando um sistema caótico é aberto, quase todas as trajetórias que existiam nele desaparecem. Isso é consequência da ergodicidade: trajetórias longas inevitavelmente visitam a região da abertura e acabam escapando. O conjunto das trajetórias que ficam eternamente presas no sistema é chamado de sela caótica. Em particular, ele contém todas as órbitas periódicas do sistema aberto. Associados à sela caótica existem dois outros conjuntos importantes de pontos: o que convergem para ela formam a variedade estável ; os que divergem dela (ou que convergem para ela quando propagados para trás) formam a variedade instável. Por exemplo, se uma trajetória de espalhamento entra no sistema e só sai depois de um tempo muito longo, então ela deve ter entrado próxima à variedade estável, se aproximado bastante da sela, e depois saído próxima da variedade instável.

Em geral, tanto a sela caótica quanto suas variedades estável e instável são conjuntos fractais. As variedades são contínuas em uma direção e fractais na outra; suas dimensões totais são portanto 1 + de e 1 + di, respectivamente. A sela é a intersecção das variedades e tem portanto dimensão de + di. Se o sistema tiver simetria de reversão temporal, as duas variedades têm a mesma dimensão d0 e a sela tem dimensão 2d0. Esses conjuntos são facilmente entendidos no caso do mapa do padeiro aberto, caso em que os fractais correspondem ao famoso conjunto de Cantor [38[38] S. Nonnenmacher e M. Zworski, J. Phys. A 38, 10683 (2005).].

Na Figura 3a vemos duas trajetórias em um sistema desse tipo: uma que escapa (vermelho) e uma que fica presa na sela caótica (azul claro). Na Figura 3b vemos a seção de Poincaré na fronteira, na qual a abertura é representada por uma faixa retangular; além da trajetória vermelha, vemos em azul claro um conjunto de pontos que pertence à sela caótica.

Figura 3
(a) Duas trajetórias no bilhar do cardióide com uma abertura, uma delas sai do sistema e a outra não; (b) A sela caótica representada na seção de Poincaré na fronteira. Reproduzido de [37[37] E.G. Altmann, J.S.E. Portela e T. Tél, Rev. Mod. Phys. 85, 869 (2013).], com permissão.

Se imaginarmos que o sistema aberto começa com um número muito grande de condições iniciais, distribuídos de acordo com alguma densidade, então esse número diminuirá com o tempo de acordo com um decaimento exponencial, eγt. A quantidade γ é chamada de taxa de decaimento. Ela é o inverso de tempo de permanência, γ = 1/τP, e está relacionada com a dimensão fractal da sela caótica de acordo com a relação [[37] E.G. Altmann, J.S.E. Portela e T. Tél, Rev. Mod. Phys. 85, 869 (2013)., 39[39] H. Kantz e P. Grassberger, Physica D 17, 75 (1985).]

(4) d 0 = 1 - γ λ ,

onde λ é o expoente de Lyapunov do sistema.

O conjunto dos pontos que permanecem tem medida nula. Em vez de uma densidade invariante, como (4), podemos definir densidades condicionalmente invariantes, o que significa que sua medida total decai exponencialmente com o tempo. Em geral, existem infinitas medidas desse tipo mesmo para uma taxa de decaimento fixa. Uma delas é mais natural, denotada ρc, por ter taxa de decaimento γ e ser o limite de toda densidade inicial genérica. Essa densidade natural está suportada sobre a variedade instável da sela. Mostramos um exemplo na Figura 4, para o mesmo bilhar do cardióide aberto que usamos na Figura 3. Para mapas abertos, a taxa de decaimento pode ser obtida em termos da medida dessa densidade sobre a abertura, μ = ∫ρc(x,p)dxdp, e é dada por [37[37] E.G. Altmann, J.S.E. Portela e T. Tél, Rev. Mod. Phys. 85, 869 (2013)., 40[40] G. Pianigiani e J.A. Yorke, Trans. Am. Math. Soc. 252, 351 (1979).]

Figura 4
Representação da seção de Poincaré na fronteira para a densidade condicionalmente invariante natural, suportada pela variedade instável da sela caótica, do bilhar do cardióide aberto da Figura 3. Reproduzido de [37[37] E.G. Altmann, J.S.E. Portela e T. Tél, Rev. Mod. Phys. 85, 869 (2013).], com permissão.

(5) γ = - log ( 1 - μ ) .

3. Mecânica Quântica

3.1. Sistemas fechados

Um sistema clássico com Hamiltoniana H=p22m+V(q) é quantizado pela equação de Schrödinger,

(6) - 2 2 m 2 Ψ ( q , t ) + V ( q ) Ψ ( q , t ) = i t Ψ ( q , t ) .

Essa equação é linear em Ψ, de modo que uma combinação linear de soluções também é solução (o famoso gato de Schrödinger é um desses estados de superposição). Uma definição ingênua e apressada de caos não vai servir pois, à primeira vista, não existe “sensibilidade às condições iniciais”. Onde estão as consequências da dinâmica caótica para a mecânica quântica?

Logo depois de Schrödinger propor sua equação, Ehrenfest notou que pacotes de onda localizados se movem de tal maneira que seu centro coincide com a trajetória clássica. Aí estaria um caminho para observarmos caos em mecânica quântica. Entretanto, essa semelhança dura por um tempo muito curto, que hoje é conhecido como tempo de Ehrenfest [41[41] S. Tomsovic e E.J. Heller, Phys. Rev. E 47, 282 (1993)., 42[42] R. Schubert e R.O. Vallejos, J. Phys. A 45, 215307 (2012).]. Para sistemas caóticos, esse tempo é da ordem de |log⁡ℏ|. Depois, o pacote de onda começa a se desintegrar devido a efeitos de interferência, que são justamente os mais interessantes do ponto de vista quântico.

Neste artigo focamos em problemas estacionários. Para sistemas fechados, o operador H=-22m2+V(q) é hermitiano, H = H, e estamos interessados nas autofunções ψn(q) e nos níveis de energia reais En tais que

(7) - 2 2 m 2 ψ n ( q ) + V ( q ) ψ n ( q ) = E n ψ n ( q ) .

Uma vez conhecidos os níveis de energia e as autofunções de um sistema, podemos propagar uma função de onda inicial φ(0) = ∑ncnψn fazendo φ(t) = ∑ncneiEnt/ℏψn. Na prática, uma maneira de obter os níveis de energia e as autofunções de um sistema é calcular os elementos de matriz da Hamiltoniana numa certa base, montar a matriz correspondente e diagonalizá-la. Em geral a dimensão do problema é infinita, então precisamos truncar a matriz em uma certa dimensão N para podermos colocá-la no computador.

A densidade de estados ρ(E) nos diz quantos níveis de energia existem em torno do valor E (naturalmente, este conceito faz sentido em regiões do espectro com muitos níveis, o que é o caso do regime semiclássico). Essa função pode ser dividida em uma parte suave, chamada de termo de Weyl, que corresponde a uma média local, e uma parte que contém as flutuações em torno dessa média,

(8) ρ ( E ) = ρ ¯ ( E ) + ρ fl ( E ) .

O termo de Weyl é tal que ρ¯(E)dE é o número de estados com energia entre E e E + dE. Semiclassicamente, está ligado ao volume da superfície de energia E no espaço de fase. Em particular, a lei de Weyl diz que o número de níveis de energia menores do que um certo valor E deve ser igual ao volume de pontos no espaço de fase com energia menor que E, dividido por ℏd, onde d é o número de graus de liberdade do sistema.

No caso de bilhares, temos simplesmente -22m2ψn(q) = Enψn(q), com a condição de contorno de que ψn(q) = 0 se q estiver sobre a fronteira. Aliás, um artigo clássico de Mark Kac perguntava se é possível ouvir a forma de um bilhar, ou seja, se sabendo os níveis de energia {En,n > 0}, que correspondem às frequências dos modos normais de vibração de uma membrana com a forma do bilhar, era possível inferir qual seria essa forma (em geral, a resposta é não [43[43] C. Gordon e D. Webb, American Scientist 84, 46 (1996).]; se nos restringirmos a fronteiras que geram dinâmicas totalmente caóticas, provavelmente a resposta é sim).

Para estudarmos as funções de onda, é útil representá-las no espaço de fase [44[44] W.P. Schleich, Quantum Optics in Phase Space (Wiley, Nova Jersey, 2015).]. Isso pode ser feito utilizando a função de Wigner,

(9) W n ( q , p ) = 1 π - ψ n * ( q + x ) ψ n ( q - x ) e 2 i p x d x ,

ou a função de Husimi, Hn(q,p) = |⟨q,p|ψn⟩|2, que é obtida a partir do produto escalar da função de onda com um estado coerente,

(10) x | q , p = 1 ( π ) 1 / 4 e ( x - q ) 2 / 2 + i p x / .

Com relação aos estados estacionários, é natural imaginar que eles devem refletir a ergodicidade do sistema clássico, ou seja, devem reproduzir a distribuição uniforme sobre a superfície de energia. Uma maneira de fazer isso é dizer que a função de Wigner de um estado de energia E deve ser igual à densidade ergódica da eq. (4) [45[45] M.V. Berry, J. Phys. A 10, 2083 (1977).]. O fato de que a maioria das autofunções realmente satisfaz essa condição é comumente chamado de ergodicidade quântica. Em particular, a função |ψn(q)|2 no espaço de configuração também é uniforme. Mostramos alguns exemplos na Figura 5.

Figura 5
Estados estacionários de um bilhar integrável (círculo) e de um bilhar caótico (cardióide). A diferença é claramente visível. Os autoestados caóticos são uniformemente distribuídos. Reproduzido de [32[32] A. Bäcker, Phys. J. Special Topics 145, 161 (2007).], com permissão.

No caso de bilhares, gostaríamos de obter uma função de Husimi que vivesse no espaço de fase da seção de Poincaré na fronteira. A função de onda é zero na fronteira, mas uma função de Husimi apropriada pode ser definida utilizando sua derivada normal [46[46] A. Bäcker, S. Fürstberger e R. Schubert, Phys. Rev E 70, 036204 (2004).].

Mapas conservativos, como o mapa padrão, podem ser quantizados mesmo não sendo Hamiltonianos. Isso é feito construindo diretamente um propagador quântico U que faz o papel de e−iHt/ℏ e é uma matriz unitária. Esses estão entre os modelos mais simples de caos quântico [47[47] M. Esposti e S. Graffi, The Mathematical Aspects of Quantum Maps (Springer, Berlim, 2003).]. Além do mapa padrão, a quantização do mapa do gato [48[48] J.P. Keating, Nonlinearity 4, 309 (1991).] e do mapa do padeiro [49[49] http://www.scholarpedia.org/article/Quantized_baker_map.
http://www.scholarpedia.org/article/Quan...
] são muito utilizadas.

3.2. Espalhamento

O problema de espalhamento que temos em mente é o de um bilhar ao qual são acopladas duas guias de onda [50[50] Y.V. Nazarov e Y.M. Blanter, Quantum Transport (Cambridge University Press, Cambridge, 2009).]. A seção transversal de cada guia é constante, de modo que a equação de Schrödinger é separável dentro delas. Na direção longitudinal temos propagação livre, enquanto na direção transversal temos os autoestados da partícula na caixa. Se a energia total é fixa, então um número finito de modos transversais podem ser populados, digamos N1 e N2 em cada guia. O problema de espalhamento é descrito por uma matriz S que conecta as amplitudes nos canais de entrada com as amplitudes nos canais de saída,

(11) ( b 1 b 2 ) = S ( a 1 a 2 ) .

Nesta equação ai=(ai,1ai,Ni) é um vetor com Ni amplitudes de entrada e bi=(bi,1bi,Ni) é um vetor com Ni amplitudes de saída, enquanto que a matriz S possui quatro blocos

(12) S = ( r t t r ) .

O bloco r é N1×N1 e mede quanto das ondas incidentes pela guia 1 são refletidas pela própria guia 1; por outro lado, o bloco t é N2×N1 e mede quanto das ondas incidentes pela guia 1 são transmitidas pela guia 2; o papel dos outros blocos é análogo. A conservação da energia fica garantida pelo fato de a matriz S ser unitária,

(13) S S = 1 .

O processo de transporte pode ser estudado por meio da matriz hermitiana

(14) T = t t .

Seus autovalores estão sempre entre 0 e 1 e podem ser interpretados como probabilidade de transmissão da guia 1 para a guia 2. Analogamente, os autovalores de rr podem ser interpretados como probabilidades de reflexão da guia 1. Esses autovalores estão sujeitos ao vínculo tt + rr = 1.

A transmissão total é dada pelo traço Tr(T) e é chamada de condutância do sistema. Maiores informações sobre o transporte podem ser obtidas a partir dos demais traços, Tr(Tn). Por exemplo, mesmo a temperatura zero existe ruído na transporte quântico, devido à natureza granular da carga elétrica (cada elétron tem uma probabilidade de ser transmitido e uma probabilidade de ser refletido, gerando oscilações quânticas na corrente). Esse ruído, chamado de ruído de disparo, é medido pela quantidade Tr(T(1−T)). Traços de polinômios da matriz T são chamados de momentos de transporte.

Quando o sistema é caótico, essas quantidades são funções fortemente oscilantes, erráticas, da energia E. Nesse caso, faz sentido tomar uma média local sobre uma pequena janela de energia,

(15) f E = 1 Δ E E E + Δ E f ( E ) d E ,

para tornar a função mais suave.

3.3. Ressonâncias

O sistema aberto [51[51] http://www.scholarpedia.org/article/Quantum_chaotic_scattering.
http://www.scholarpedia.org/article/Quan...
] ainda pode ser representado por uma Hamiltoniana, entretanto esse operador não é mais hermitiano. Em consequência, seus autovalores deixam de ser reais e adquirem uma parte imaginária negativa, En = ℰniΓn/2, de modo que autofunções ainda existem porém sua evolução temporal passa a exibir decaimento exponencial, eiEnt = einte−Γnt/2. Os autovalores complexos En são chamados de ressonâncias e as correspondentes autofunções são as autofunções ressonantes. As quantidades τn são as taxas de decaimento dos autoestados.

Assim como existe a lei de Weyl para estados estacionários de sistemas fechados, existe também uma lei de Weyl para ressonâncias, mas ela é bem mais interessante. As ressonâncias devem ser contadas no plano complexo e a lei de Weyl fractal [52[52] W. Lu, S. Sridhar e M. Zworski, Phys. Rev. Lett. 91, 154101 (2003).] diz que o número de ressonâncias com parte real (frequência) menor que ℰ e parte imaginária (taxa de decaimento) menor que Γ deve ser proporcional a ℏd0/2, onde d0 é a dimensão fractal da sela caótica (a constante de proporcionalidade parece ser universal, sem relação com propriedades do espaço de fase; ver seção 4.3).

Outra característica interessante do espectro de ressonâncias é a existência de um gap [53[53] P. Gaspard, S.A. Rice, J. Chem. Phys. 90, 2242 (1989)., 54[54] A. Wirzba, Phys. Rep. 309, 1 (1999)., 55[55] S. Nonnenmacher e M. Zworski, Acta Math. 203, 149 (2009).]. No limite de altas frequências, as evidências indicam que, se o sistema for caótico o bastante, não há ressonâncias com parte imaginária menor do que γ, a taxa de decaimento clássica do sistema.

Um operador não-hermitiano possui autoestados diferentes à esquerda e à direita, H|ψnR=zn|ψnR e ψnL|H=znψnL|. Assim como, para sistemas fechados, espera-se que os estados estacionários ocupem todo o espaço de fase, que é um conjunto invariante, no caso de ressonâncias espera-se que os autoestados ocupem a variedade instável da sela caótica (no caso de |ψnR) ou a variedade estável (no caso de ψnL|). Temos portanto autofunções com características fractais [56[56] J.P. Keating, M. Novaes, S.D. Prado e M. Sieber, Phys. Rev. Lett. 97, 150406 (2006).].

4. Matrizes Aleatórias

Na década de 50, o mesmo Wigner que inventou a “função de Wigner” (e receberia o prêmio Nobel em 1963 por suas contribuições ao estudo dos princípios de simetria em física) introduziu um modelo no estudo da física nuclear. Em vez de tentar resolver exatamente o núcleo para obter seus níveis de energia com alta precisão, ele argumentou que a matriz Hamiltoniana associada a esse sistema de muitos corpos seria tão complicada, tão sensível à variação de parâmetros sobre os quais não há controle, que faria sentido simplesmente trocá-la por uma matriz aleatória. Wigner inaugurou assim uma abordagem estatística da física nuclear na qual os valores exatos das quantidades têm menos importância que sua distribuição.

Na década de 80, alguns trabalhos sugeriram [57[57] S. McDonald e A.N. Kaufman, Phys. Rev. Lett. 42, 1189 (1979)., 58[58] G. Casati, F. Valz-Gris e I. Guarnieri, Nuovo Cimento Lett. 28, 279 (1980)., 59[59] M.V. Berry, Ann. Phys. 131, 163 (1981)., 60[60] O. Bohigas, M.J. Giannoni e C. Schmit, Phys. Rev. Lett. 52, 1 (1984).] que essa abordagem poderia ser usada no caos quântico, uma vez que o mesmo argumento de imprevisibilidade usado para sistemas de muitos corpos também seria aplicável a sistemas de um único corpo, desde que tivesse dinâmica caótica. Posteriormente, essa ideia ficou conhecida como conjectura de Bohigas, Giannoni e Schmit [61[61] http://www.scholarpedia.org/article/Bohigas-Giannoni-Schmit_conjecture.
http://www.scholarpedia.org/article/Bohi...
]. Consideramos então um ensemble de sistemas semelhantes, todos eles caóticos, e calculamos o valor médio de um observável qualquer sobre esse ensemble. Nesse caso, trocamos operadores físicos por operadores aleatórios, representados por matrizes aleatórias [28[28] G. Livan, M. Novaes e P. Vivo, Introduction to Random Matrices: Theory and Practice (Springer, Berlim, 2018).].

No caso de sistemas com dinâmica mista, ou seja, para os quais parte das condições iniciais gera movimento caótico enquanto outra parte gera movimento regular, a grande maioria dos autoestados pode ser classificada, analogamente, em regular ou irregular [6262. [62] I.C. Percival, J. Phys. B 6, L22 (1973).]. Os dois tipos de níveis de energia dão origem a espectros independentes [63[63] M.V. Berry e M. Robnik, J. Phys. A 17, 2413 (1984).], e a descrição por matrizes aleatórias se aplica somente ao espectro irregular.

O tipo de matriz aleatória a ser considerado depende dos vínculos que precisam ser respeitados. Se for a Hamiltoniana de um sistema fechado, ela deve ser hermitiana. Se o sistema possuir simetria de reversão temporal, a Hamiltoniana tem elementos de matriz reais. Por outro lado, se o operador for o propagador de um mapa fechado ou a matriz S de um problema de espalhamento, deve ser unitário.

4.1. Sistemas fechados

No caso de sistemas fechados, o interesse recai sobre os níveis de energia e os estados estacionários. Os níveis de energia podem ser modelados pelos autovalores de matrizes hermitianas com elementos aleatórios independentes. Para simplificar, pode-se considerar que os elementos são variáveis gaussianas com distribuição de probabilidade conjunta proporcional a e−Tr(H2)/2.

Os níveis de energia de estados altamente excitados de um sistema caótico genérico devem seguir uma estatística espectral local que seja universal e determinada unicamente pelas simetrias presentes. Mais concretamente, seja ρ(E) a densidade de autovalores. Como vimos em (8) ela tem duas partes, o termo suave de Weyl e o termo de oscilações ρfl(E). Então

(16) R n ( ϵ ) = 1 ρ ¯ n i = 1 n ρ fl ( E + ϵ i ρ ¯ )

é a função de correlação espectral de n-pontos, expressada em termos de energias adimensionais εi, que formam um vetor ϵ. A média é feita sobre E em um intervalo de energia pequeno o bastante para desprezarmos variações de ρ¯(E).

Essas funções de correlação foram muito estudadas no contexto das matrizes aleatórias (ver, por exemplo, [27[27] M.L. Mehta, Random Matrices (Elsevier, Amsterdam, 2004)., 64[64] P. Forrester, Log-Gases and Random Matrices (Princeton University Press, Nova Jersey, 2010)., 65[65] E. Brézin e S. Hikami, J. Phys. A 36, 711 (2003)., 66[66] E. Kanzieper, Phys. Rev. Lett. 89, 250201 (2002).]). No regime de grandes dimensões, o cálculo para matrizes complexas (ou seja, na ausência de simetria de reversão temporal ) produz determinantes n×n,

(17) det ( sin [ π ( ϵ i - ϵ j ) ] π ( ϵ i - ϵ j ) ) .

Por exemplo, para n = 2 temos

(18) 1 - ( sin [ π ( ϵ 1 - ϵ 2 ) ] π ( ϵ 1 - ϵ 2 ) ) 2 = 1 - 1 2 π 2 ( ϵ 1 - ϵ 2 ) 2 + cos [ 2 π ( ϵ 1 - ϵ 2 ) ] 2 π 2 ( ϵ 1 - ϵ 2 ) 2 .

Em geral, Rn(ϵ) pode ser dividida em termos oscilatórios e não-oscilatórios, com os primeiros contendo funções trigonométricas das variáveis ϵiϵj, e os segundos sendo polinômios de Laurent dessas variáveis.

A partir das funções de correlação, historicamente se mostrou mais popular definir a distribuição de espaçamento entre primeiros vizinhos P(s). Essa função descreve a densidade de probabilidade da variável aleatória que é obtida a partir das diferenças entre níveis de energia {sn = En + 1−En,n > 0}, (na verdade, os níveis devem ser reescalados para eliminar efeitos não-universais advindos da densidade média ρ¯(E); esse procedimento é chamado de “unfolding”). Para matrizes complexas, essa função é dada por P(s)=32s2π2e-4s2/π. O comportamento quadrático para s pequeno indica que degenerescências são muito raras, fenômeno conhecido como repulsão de níveis.

Comparações entre o resultado obtido na teoria de matrizes aleatórias e os níveis de energia de sistemas físicos obtidos numericamente, ou mesmo experimentalmente, sempre deram suporte à conjectura da universalidade. Exemplos podem ser vistos em [7[7] H.J. Stöckmann, Quantum Chaos: An Introduction (Cambridge University Press, Cambridge, 2008).].

Autofunções são autovetores da Hamiltoniana. Se essa matriz for aleatória com elementos gaussianos, então os autovetores também são aleatórios com elementos gaussianos. Para bilhares, isso leva a um modelo para as autofunções conhecido como ondas aleatórias, segundo o qual

(19) ψ ( q ) n ( a n cos ( k n q ) + b n sin ( k n q ) ) ,

onde an e bn são variváveis aleatórias com distribuição gaussiana, enquanto os kn são vetores com módulo igual ao do vetor de onda clássico e direção aleatória. Essa superposição corresponde à ideia de que classicamente a partícula passa em todos os pontos vindo de todas as direções. Uma consequência do modelo de onda aleatória, que decorre da aplicação do teorema central do limite, é que os valores assumidos por um autoestado caótico devem possuir distribuição gaussiana, o que é validado por simulações numéricas [32[32] A. Bäcker, Phys. J. Special Topics 145, 161 (2007).].

4.2. Espalhamento

Para o problema de espalhamento, a abordagem estatística preconiza trocar a matriz S por uma matriz unitária aleatória. Isso pode ser feito usando a distribuição de probabilidade uniforme que é naturalmente definida sobre o grupo unitário, conhecida como medida de Haar. Esse ensemble é chamado de CUE, Circular Unitary Ensemble. No caso da presença de simetria de reversão temporal, a matriz S deve ser simétrica e é portanto tomada com distribuição uniforme sobre o COE, Circular Orthogonal Ensemble. Para detalhes, ver [6[6] F. Haake, Quantum Signatures of Chaos (Springer, Nova York, 2019).]. Para uma discussão acessível sobre rotações aleatórias, ver [67[67] L.H. Oliveira e M. Novaes, Rev. Bras. Ens. Fís. 43 (2021), unpublished.].

Quando S é uniformemente distribuída sobre o CUE, isso induz uma distribuição de probabilidade para a matriz de transmissão T definida em (14). Essa distribuição é um caso particular do ensemble de Jacobi [68[68] P.J. Forrester, J. Phys. A 39, 6861 (2006).]. A distribuição conjunta de autovalores, nesse caso, é dada por

(20) P ( T ) Δ ( T ) 2 i = 1 N 1 T i N 2 - N 1 ,

onde

(21) Δ ( T ) = i < j ( T j - T i )

é o Vandermonde das variáveis T. A normalização dessa distribuição decorre da integral

(22) 0 1 d T Δ ( T ) 2 c i = 1 N 1 T i a - 1 ( 1 - T i ) b - 1 = j = 0 N 1 - 1 Γ ( 1 + c + j c ) Γ ( a + j c ) Γ ( b + j c ) Γ ( 1 + c ) Γ ( a + b + ( N 1 + j - 1 ) c ) ,

conhecida como integral de Selberg [69[69] P.J. Forrester e S.O. Warnaar, Bull. Amer. Math. Soc. 45, 489 (2008).].

A presença do quadrado do Vandermonde mostra que também os autovalores de T estão sujeitos a repulsão de níveis. A partir de P(T) é possível obter também a densidade de autovalores [70[70] P. Vivo e E. Vivo, J. Phys. A 41, 122004 (2008).]. Se N1 = N2≫1, essa densidade se torna ρ(T)=1πT(1-T).

De posse da distribuição conjunta de autovalores (20) podemos calcular todo tipo de característica estatística do transporte. A condutância média do sistema, por exemplo é Tr(T)=N1N2M, sendo M o número total de canais,

(23) M = N 1 + N 2 .

A variância da condutância, por sua vez, é dada por (Tr(T))2-Tr(T)2=N12N22M2(M2-1). A maior parte dos primeiros resultados obtidos usando a descrição via matrizes aleatórias foi reunido em [71[71] C.W.J. Beenakker, Rev. Mod. Phys. 69, 731 (1998).].

Outras quantidades podem ser relacionadas a um conjunto de polinômios muito importante que são os polinômios de Schur sλ(T), identificados por um conjuntos de inteiros positivos λ = (λ1,λ2,…) satisfazendo λiλi + 1. O valor médio de um polinômio de Schur dos autovalores de transmissão é dado [72[72] M. Novaes, Phys. Rev. B 78, 035337 (2008).] por uma integral semelhante à de Selberg [73[73] J. Kaneko, SIAM J. Math. Anal. 24, 1086 (1993)., 74[74] K.W.J. Kadell, Adv. Math. 130, 33 (1997).],

(24) d T | Δ ( T ) | 2 det ( 1 - T ) M s λ ( T ) d T = s λ ( 1 N 1 ) 2 s λ ( 1 M ) j = 0 N 1 - 1 j ! ( j + 1 ) ! ( M + j ) ! ( M + N 1 + j ) ! .

Com isso, pode-se calcular por exemplo os momentos da condutância ⟨(Tr(T))n⟩ ou o ruído de disparo, ⟨Tr(T(1−T))⟩ [75[75] D.V. Savin e H.J. Sommers, Phys. Rev. B 73, 081307(R) (2006).].

4.3. Ressonâncias

Existem basicamente duas abordagens estatísticas para o problema das ressonâncias. Uma delas consiste em começar com uma Hamiltoniana H aleatória com elementos gaussianos, e então produzir uma matriz de espalhamento S definida como

(25) S ( E ) = 1 - 2 π i V 1 E - H + i π V V V ,

onde V é um operador que promove o acoplamento da região interna do sistema com o exterior. Essa abordagem tem a vantagem de levar em conta explicitamente a dependência de S com a energia.

A expressão acima revela que as ressonâncias correspondem a pólos da matriz S (que é unitária para energias reais, mas não para energias complexas). Isso faz sentido do ponto de vista da equação (11). A matriz S leva amplitudes incidentes em amplitudes emitidas. Na situação de ressonância, S se torna infinita e é possível existir uma onda emitida mesmo não havendo onda incidente. O sistema se torna radioativo, com a energia decaindo exponencialmente. Uma discussão muito completa desse tipo de tratamento pode ser encontrada em [76[76] Y.V. Fyodorov e H.J. Sommers, J. Math. Phys. 38, 1918 (1997).].

Uma outra abordagem, mais limitada porém mais simples, é começar com uma matriz unitária aleatória U, que representa o propagador do sistema, e multiplicá-la por um projetor, U~=UQ. Eu mesmo escrevi um artigo de revisão sobre essa abordagem [77[77] M. Novaes, J. Phys. A 46, 143001 (2013).]. O projetor Q representa a região do espaço de fase que permanece fechada, ou seja, o complemento da abertura. O propagador aberto U~ é uma matriz subunitária [78[78] K. Życzkowski e H.J. Sommers, J. Phys. A 33, 2045 (2000).], ou seja, satisfaz U~U~<1 e seus autovalores podem ser escritos na forma ene−γn/2, de modo que as quantidades γn podem ser interpretadas como sendo as taxas de decaimento dos autoestados; os valores θn são como pseudo-energias.

Um resultado interessante dessa abordagem é a distribuição da variável g = eγ. Se a abertura ocupa um volume μ do espaço de fase, então

(26) P ( g ) = ( μ 1 - μ ) 1 ( 1 - g ) 2

se g < 1−μ e P(g) = 0 se g > 1−μ. Isso significa que existe um gap espectral e as taxas de decaimento quânticas devem ser maiores do que −log⁡(1−μ), que é a taxa de decaimento clássica. Essa observação está em acordo com evidências numéricas obtidas para sistemas específicos (por exemplo, o mapa padrão quântico aberto [79[79] D.L. Shepelyansky, Phys. Rev. E 77, 015202 (2008).]). O formato da distribuição (26) também concorda com os resultados de sistemas específicos (e.g. [80[80] H. Schomerus e J. Tworzidło, Phys. Rev. Lett. 93, 154102 (2004).]).

5. Aproximação Semiclássica

Em contraste com a abordagem via matrizes aleatórias, a aproximação semiclássica busca não só descrever mas principalmente derivar as propriedades quânticas de um sistema com base em suas propriedades clássicas.

5.1. Sistemas fechados

No caso de sistemas fechados, o foco do interesse é a densidade de estados. Já vimos, na eq. (8), que essa função pode ser dividida em uma parte suave e conhecida e uma parte que contém as flutuações, ρ(E)=ρ¯(E)+ρfl (E). A fórmula do traço de Gutzwiller [3[3] M.C. Gutzwiller, J. Math. Phys. 12, 343 (1971).] fornece essa segunda parte em termos das órbitas periódicas do sistema, que são isoladas e instáveis:

(27) ρ fl ( E ) 1 π Re p F p 𝒯 p e i 𝒮 p ( E ) / ,

onde Sp e τp são a ação e o período da órbita p, respectivamente, enquanto Fp é um fator relacionado à estabilidade e que depende do expoente de Lyapunov. A série contém infinitos termos e, a rigor, não pode ser convergente (já que a densidade de estados é singular sobre os autovalores), mas isso não impede que resultados corretos sejam obtidos a partir dela, seja usando médias ou esquemas de renormalização [81[81] M.V. Berry e J.P. Keating, J. Phys. A 23, 4839 (1990)., 82[82] G. Tanner, P. Scherer, E.B. Bogomonly, B. Eckhardt e D. Wintgen, Phys. Rev. Lett. 67, 2410 (1991)., 83[83] H. Primack e U. Smilansky, J. Phys. A 31, 6253 (1998).].

Para o cálculo de funções de correlação (16), são necessárias somas múltiplas sobre órbitas periódicas. Por exemplo, a função de dois pontos é aproximada por

(28) R 2 ( ϵ 1 , ϵ 2 ) = 1 2 π 2 2 ρ ¯ 2 Re p , q F p F q * 𝒯 p 𝒯 q e i ( 𝒮 p ( E 1 ) - 𝒮 q ( E 2 ) ) / ,

onde a média é feita sobre uma janela de energia e Ej=E+ϵj/ρ¯. O ponto crucial é que as contribuições da maioria dos pares de órbitas oscila rapidamente quando a energia é variada e acaba por não contribuir para o valor final da média. Isso só não ocorre se a diferença de ação entre p e q for estacionária em relação a pequenas mudanças em E.

Podemos começar com o caso simples e importante em que as órbitas são idênticas [84[84] M.V. Berry, Proc. R. Soc. A 400, 229 (1985).]. Usando 𝒮p(Ej)𝒮p(E)+ϵj𝒯p/ρ¯ chegamos a p|Fp|2𝒯p2ei𝒯p(ϵ1-ϵ2)/ρ¯. Recorremos então a um resultado conhecido como regra de Hannay-Ozorio de Almeida [85[85] J.H. Hannay e A.M. Ozorio de Almeida, J. Phys. A 17, 3429 (1984).], que diz que

(29) p | F p | 2 f ( 𝒯 p ) 0 d t t f ( t ) .

No nosso caso, isso leva a

(30) R 2 ( ϵ 1 , ϵ 2 ) = 1 2 π 2 2 ρ ¯ 2 Re 0 d t t e i t ( ϵ 1 - ϵ 2 ) / ρ ¯ = - 1 2 π 2 ( ϵ 1 - ϵ 2 ) 2 ,

que reproduz corretamente o primeiro termo não-trivial em (4.1).

Órbitas diferentes só contribuem se estiverem correlacionadas, no sentido de possuírem a mesma ação. O mecanismo geral por trás da existência dessas correlações foi descoberto em [86[86] M. Sieber e K. Richter, Phys. Scr., T 90, 128 (2001)., 87[87] M. Sieber, J. Phys. A 35, L613 (2002).] e desenvolvido com mais profundidade em [88[88] S. Müller, S. Heusler, P. Braun, F. Haake e A. Altland, Phys. Rev. E 72, 046207 (2005).]. Trata-se da existência de cruzamentos, fora dos quais os trechos das trajetórias são quase iguais e dentro dos quais existe uma recombinação dos trechos. Podemos ver como isso funciona na Figura 6. À esquerda vemos duas trajetórias, uma em linha cheia e outra em tracejada, que diferem apenas na região em torno do cruzamento. Essa configuração só é possível em sistemas que possuem simetria de reversão temporal, já que há um trecho em que as duas trajetórias se movem em sentidos opostos. À direita temos um situação mais complicada, na qual duas trajetórias diferem em dois cruzamentos, sendo um deles simples e o outro triplo. Nas duas imagens o tamanho do cruzamento está exagerado, e a natureza caótica da trajetória não está evidente (é bem sabido que trajetórias de sistemas hamiltonianos não se cruzam no espaço de fase; esses esboços são para o espaço de configuração).

Figura 6
Trajetórias correlacionadas, que possuem praticamente a mesma ação por diferirem uma da outra somente na pequena vizinhança de cruzamentos. A situação à esquerda exibe um cruzamento simples, enquanto a situação à direita tem um simples e um triplo. Reproduzido de [88[88] S. Müller, S. Heusler, P. Braun, F. Haake e A. Altland, Phys. Rev. E 72, 046207 (2005).], com permissão.

O cálculo de funções de correlação com mais pontos exige um número maior de órbitas periódicas. Por exemplo, na Figura 7 temos uma órbita, em preto, correlacionada com outras três órbitas, uma configuração que contribui para o cálculo de R4. Note que as reconexões efetuadas dentro do cruzamento são diferentes das que acontecem na Figura 6. O tratamento dessas funções mais sofisticadas foi desenvolvido recentemente em [[89] M. Novaes e S. Müller, Phys. Rev. E 98, 052207 (2018).]. Para sistemas sem simetria de reversão temporal, foi mostrado em [90[90] M. Novaes e S. Müller, Phys. Rev. E 98, 052208 (2018).] que a aproximação semiclássica de fato reproduz a previsão correspondente obtida usando matrizes aleatórias, exceto pelos termos oscilatórios.

Figura 7
Uma trajetória (linha cheia) correlacionada com outras três (tracejadas), uma configuração que contribui para o cálculo da função de correlação espectral de quatro pontos, R4. Reproduzido de [88[88] S. Müller, S. Heusler, P. Braun, F. Haake e A. Altland, Phys. Rev. E 72, 046207 (2005).], com permissão.

A teoria discutida acima não é capaz de recuperar os termos oscilatórios das funções de correlação. Esses termos demandam uma teoria diferente, apresentada para o caso mais simples n = 2 em [91[91] S. Müller, S. Heusler, A. Altland, P. Braun e F. Haake, New J. Phys. 11, 103025 (2009).].

5.2. Espalhamento

Temos agora um bilhar caótico, ligado ao exterior por duas guias que suportam N1 e N2 canais de espalhamento. O número total de canais é M = N1 + N2. No limite semiclássico, ℏ→0, M→∞, o elemento Soi da matriz S é aproximado por uma soma sobre trajetórias α que saem do canal i e chegam ao canal o,

(31) S o i = 1 M τ P α : i o A α e i 𝒮 α / ,

onde Sα(E) é novamente a ação e Aα está relacionado à estabilidade.

O tratamento semiclássico da condutância, por exemplo, consiste em escrever Tr(T)=i,otoitio=1MτP i,oασAαei𝒮α/Aσ*e-i𝒮σ/, onde α e σ são duas trajetórias que vão de i para o. No caso em que as duas trajetórias são idênticas, temos 1MτPi,oα|Aα|2=1Mi,o=N1N2M. Correções de ordem mais alta em 1/M para o valor médio ⟨Tr(T)⟩ vêm de órbitas não-idênticas mas correlacionadas, como no caso de sistemas fechados.

Suponhamos o cálculo de um momento do transporte como

(32) p λ ( 𝒯 ) = i = 1 N 1 k = 1 n ( t t ) i π ( k ) , i k = i = 1 N 1 o = 1 N 2 k = 1 n t i π ( k ) , o k t o k , i k ,

onde π é uma permutação que possui ciclo tipo λ. Esse cálculo requer somas múltiplas sobre trajetórias,

(33) p λ ( 𝒯 ) = 1 M n τ P n k = 1 n i k , o k α k , σ k A α A σ * e i ( 𝒮 α - 𝒮 σ ) / ,

com o entendimento de que αk vai de ik para ok, enquanto que αk vai de iπ(k) para ok. A quantidade Aα = ∏kAαk é uma estabilidade coletiva, enquanto Sα = ∑kSk é uma ação coletiva das trajetórias α, e analogamente para σ.

O momento de transporte (33) é uma função fortemente oscilante da energia, e sua média local pode ser calculada sob uma aproximação de fase estacionária, como discutimos na seção anterior, o que leva à condição de que o conjunto das trajetórias α deve ter a mesma ação coletiva que o conjunto das trajetórias σ. Mais uma vez, são os cruzamentos que têm um papel central na teoria para produzir essas correlações [9292.[92] K. Richter e M. Sieber, Phys. Rev. Lett. 89, 206801 (2002).]. Vemos alguns exemplos na Figura 8, que contribuem para o cálculo de ⟨p1,1(T)⟩ = ⟨(Tr(T))2⟩. Essa abordagem é naturalmente perturbativa no parâmetro 1/M e, fazendo-se uso das propriedades caóticas do sistema, pode-se mostrar [93[93] S. Heusler, S. Müller, P. Braun e F. Haake, Phys. Rev. Lett. 96, 066804 (2006).] que a contribuição de uma configuração de trajetórias com L trechos e V cruzamentos é proporcional a MV − L. A quantidade V − L, por sua vez, está relacionada à característica de Euler do diagrama, indicando que a teoria é de natureza topológica.

Figura 8
(a) Trajetórias de espalhamento que apresentam correlações. O exemplo apresentado em (b) só é possível em sistemas com simetria de reversão temporal. Reproduzido de [95[95] D. Waltner, J. Kuipers, P. Jacquod e K. Richter, Phys. Rev. B 85, 024302 (2012).], com permissão.

A aproximação semiclássica para transporte quântico caótico foi depois generalizada para incluir barreiras de tunelamento [94[94] R.S. Whitney, Phys. Rev. B 75, 235404 (2007)., 95[95] D. Waltner, J. Kuipers, P. Jacquod e K. Richter, Phys. Rev. B 85, 024302 (2012)., 96[96] J. Kuipers, J. Phys. A 42, 425101 (2009).] e a presença de trajetórias com energias diferentes [97[97] J. Kuipers e M. Sieber, Phys. Rev. E 77, 046219 (2008)., 98[98] G. Berkolaiko e J. Kuipers, J. Phys. A 43, 035101 (2010).]. Ademais, o aproximação semiclássica se mostrou mais poderosa que o uso de matrizes aleatórias, porque é capaz de tratar situações em que a outra abordagem não funciona. Um exemplo importante é a situação em que o tempo de Ehrenfest do sistema τE, que mede o tempo mínimo necessário para que efeitos de interferência sejam importantes, é maior do que o tempo de permanência, τE > τP. Nesse caso, a universalidade que subjaz a teoria de matrizes aleatórias não está presente e essa teoria não se justifica. Por outro lado, vários resultados válidos nesse contexto foram obtidos a partir da aproximação semiclássica [99[99] I. Adagideli, Phys. Rev. B 68, 233308 (2003)., 100[100] S. Rahav e P.W. Brouwer, Phys. Rev. Lett. 95, 056806 (2005)., 101[101] R.S. Whitney e P. Jacquod, Phys. Rev. Lett. 96, 206804 (2006)., 102[102] D. Waltner, J. Kuipers e K. Richter, Phys. Rev. B 83, 195315 (2011).].

Teorias de perturbação topológica aparecem em integrais matriciais [103 [103] G.’t Hooft, Nucl. Phys. B 72, 461 (1974)., 104[104] D. Bessis, C. Itzykson e J.B. Zuber, Adv. Appl. Math. 1, 109 (1980)., 105[105] P. Di Francesco, P. Ginsparg e J. Zinn-Justin, Phys. Rep. 254, 1 (1995).], o que motivou a proposta [106[106] M. Novaes, J. Phys. A 46, 502002 (2013).] de uma integral matricial que satisfaz exatamente a mesma expansão diagramática que a abordagem semiclássica ao transporte quântico caótico (com o detalhe de que a dimensão das matrizes deve ser levada a zero). A integral em questão é

(34) d Z e - M q = 1 1 q Tr ( Z Z ) q k = 1 n Z i π ( k ) , o k Z o k , i k ,

e sua solução exata permite mostrar que a aproximação semiclássica é de fato equivalente à descrição usando matrizes aleatórias que vimos na seção 4.2 (ver também [107[107] G. Berkolaiko e J. Kuipers, J. Math. Phys. 54, 112103 (2013).]). Esse método do modelo matricial semiclássico foi depois adaptado a sistemas com simetria de reversão temporal [108[108] M. Novaes, Ann. Phys. 361, 51 (2015).] e a cálculos que envolvem trajetórias com energias diferentes [109[109] M. Novaes, J. Math. Phys. 56, 062109 (2015)., 110[110] M. Novaes, J. Math. Phys. 57, 122105 (2016).].

5.3. Ressonâncias

O tratamento de sistemas abertos é em princípio mais simples do ponto de vista semiclássico do que o de sistemas fechados. Fundamentalmente, porque em sistemas abertos são raras as órbitas extremamente longas, justamente a fonte de dificuldades em sistemas fechados. Ademais, a aproximação semiclássica baseada na fórmula de Gutzwiller não garante que os níveis de energia aproximados sejam reais, enquanto que isso não é problema no caso aberto já que as ressonâncias são mesmo complexas. Essas expectativas se mostraram justificadas logo que o uso de órbitas periódicas na obtenção de ressonâncias começou, em [111[111] P. Cvitanović e B. Eckhardt, Phys. Rev. Lett. 63, 823 (1989).], onde o espalhamento por três discos foi considerado (essa abordagem foi generalizada para o espalhamento por n discos em [54[54] A. Wirzba, Phys. Rep. 309, 1 (1999).]). O uso da fórmula do traço em sistemas parcialmente abertos foi discutida em [112[112] E. Bogomolny, R. Dubertrand e C. Schmit, Phys. Rev. E 78, 056202 (2008).]. O uso de métodos semiclássicos no tratamento de problemas como a existência de um gap entre as ressonâncias e a lei de Weyl fractal foi resumido em [113[113] S. Nonnenmacher, Nonlinearity 24, R123 (2011).].

A importância das órbitas periódicas curtas para sistemas abertos foi enfatizada em [114[114] M. Novaes, J.M. Pedrosa, D. Wisniacki, G.G. Carlo e J.P. Keating, Phys. Rev. E 80, 035202(R) (2009)., 115[115] J.M. Pedrosa, D. Wisniacki, G.G. Carlo e M. Novaes, Phys. Rev. E 85, 036203 (2011).] (generalizando a teoria análoga para sistemas fechados [116[116] E. Vergini, J. Phys. A 33, 4709 (2000)., 117[117] E. Vergini e G.G. Carlo, J. Phys. A 33, 4717 (2000)., 118[118] E. Vergini e G. G. Carlo, J. Phys. A 34, 4525 (2001).]), onde elas foram usadas para construir um operador que aproxima o propagador aberto, fornecendo tanto autovalores quanto autovetores. Também em [80[80] H. Schomerus e J. Tworzidło, Phys. Rev. Lett. 93, 154102 (2004).] as áreas do espaço de fase que deixam o sistema rapidamente foram utilizadas para obter uma prova heurística da lei de Weyl fractal.

A morfologia no espaço de fase da função de onda associada a uma ressonância com taxa de decaimento Γ parece ser bem capturada semiclassicamente pelas seguintes hipóteses [119[119] K. Clauß, M.J. Körber, A. Bäcker e R. Ketzmerick, Phys. Rev. Lett. 121, 074101 (2018).]: 1) Ela corresponde a uma medida condicionalmente invariante do sistema clássico com taxa de decaimento Γ e 2) ela é constante sobre pontos que estão à mesma distância temporal da sela caótica, quando esta é resolvida com precisão ℏ. Essa prescrição leva a uma excelente concordância com dados numéricos, como podemos ver na Figura 9.

Figura 9
Funções de Husimi de autofunções ressonantes, para o mapa padrão aberto. Na linha de cima temos o resultado exato e na linha de baixo a previsão teórica. As colunas correspondem a taxas de decaimento dadas por Γ = γ = 0.21, Γ = 0.6, Γ = 1 e Γ = 2, sendo γ a taxa de decaimento clássica. Reproduzido de [119[119] K. Clauß, M.J. Körber, A. Bäcker e R. Ketzmerick, Phys. Rev. Lett. 121, 074101 (2018).], com permissão.

6. Conclusão

O caos quântico nasceu com Einstein há pouco mais de cem anos, mas passou as primeiras décadas hibernando e só começou mesmo em 1971, quando Gutzwiller conectou a densidade de estados quânticos com as órbitas periódicas do sistema clássico. Ao longo da década de 1980 entendeu-se que a estatística dos níveis de energia deveria ser a mesma dos autovalores de matrizes aleatórias e essa conjectura foi responsável por boa parte dos esforços realizados nessa área. Esse problema está hoje entendido em sua maior parte, assim como o problema análogo associado ao transporte quântico em sistemas caóticos. Também a questão das ressonâncias se desenvolveu muito nos últimos 15 anos. Mesmo nessas áreas clássicas, alguns pontos ainda permanecem obscuros e mantêm os especialistas ocupados. Entretanto, tanto caótico quanto quântico são termos que se aplicam a uma variedade enorme de fenômenos e a intersecção entre seus usos continua crescendo. Por exemplo, o entendimento de sistemas de muitos corpos ainda tem muito o que avançar. Ademais, conforme a tecnologia se aperfeiçoa, a teoria passa a ser implementada em novas plataformas, novos materiais, novas escalas, o que sempre traz surpresas e desafios.

Agradeço o apoio financeiro do CNPq (306765/2018-7) e às sugestões de um parecerista anônimo, que contribuíram para melhorar o artigo.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2020
  • Revisado
    28 Set 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
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