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Pequena introdução a QFT

Short introduction to QFT

Abstract

We deliver a motivational introduction to quantum field theory, aimed at curious students interested in that important and broad realm of contemporary physics. Assuming knowledge of the well-known quantum mechanics and special relativity fundamentals, we briefly review and discourse about its main ideas, methods and precepts, looking forward a generalization to quantum field theory. We show how the apparent incompatibility between relativity and quantum mechanics, present in some initial textbooks on the subject, may be elucidated and cleared out through the field concept, allowing for a consistent description of elementary particles interactions in the domains of validity intersection for those two theories. We explain in a clear and simple way what came to be known in the literature as second quantization. The text, eminently didactic and motivational, is accessible to final year undergraduate or starting post graduate students with a good prior knowledge of special relativity and quantum mechanics.

Palavras-chave:
qft; teoria quântica de campos; equação de Klein-Gordon; relatividade; tqc

Efetuamos uma discussão introdutória à teoria quântica de campos direcionada a estudantes curiosos e interessados nessa importante e abrangente área da física contemporânea. Supondo bem conhecidos os conceitos de mecânica quântica e relatividade especial, discorremos rapidamente sobre seus métodos e preceitos principais, objetivando a generalização para teoria de campos. Mostramos como a aparente incompatibilidade entre relatividade e mecânica quântica, presente em alguns livros-texto iniciais sobre o assunto, pode ser resolvida através do conceito de campo, permitindo uma descrição consistente das interações entre partículas elementares na interseção entre os domínios de validade daquelas duas primeiras teorias. Explicamos de forma clara e simples o que veio a ser conhecido na literatura como segunda quantização. O texto, eminentemente didático e motivador, é acessível a alunos de final de curso de graduação ou início de pós-graduação com bons conhecimentos de relatividade especial e mecânica quântica.

Keywords
qft; quantum field theory; quantization; Klein-Gordon equation; relativity


Preâmbulo

Ao longo dos anos de sua formação básica, nos corredores ou no cafezinho, é comum o estudante de física se deparar com afirmações do tipo:

  • A teoria da relatividade torna tempo e espaço completamente equivalentes, tratando-os, merecidamente, de forma igual.

  • Considerando que a melhor descrição atual das interações fundamentais da natureza se baseia no conceito de campo, conceituamos que em física, um campo é simplesmente uma função definida no espaço-tempo.

  • A segunda quantização complementa a primeira, promovendo a própria função de onda também ao patamar de operador.

  • Toda teoria quântica de campos é, necessariamente, relativística. (Corolário da famosa máxima de que a teoria de campos é o casamento entre relatividade e mecânica quântica).

Durante a leitura do presente texto, incitamos o leitor a refletir sobre cada uma das quatro afirmações acima, decidindo com convincente argumentação sobre sua veracidade ou não.

Aproveitando, antes de prosseguir, convidamos também o leitor a escrever neste momento a equação de Schrödinger (ES) em sua folha de papel ou caderno de anotações. Alertamos que trata-se de uma solicitação (ou desafio) capciosa, atente bem aos detalhes de notação e convenções ao escrever a ES. Inclusive, se não lembrar, vale consultar.

1. Introdução

QFT é a abreviatura, em inglês, de quantum field theory que em português traduzimos por teoria quântica de campos. A maior parte da literatura científica de ponta atual, tanto artigos com resultados experimentais ou teóricos inéditos e propostas de teorias inovadoras quanto livros-texto avançados, encontra-se em inglês, sendo essa praticamente uma língua franca em ciência. Qualquer postulante a pesquisador em física deve procurar dominar o quanto antes as quatro habilidades básicas de comunicação nesse importante idioma. Optamos por escrever o presente texto em português objetivando alcançar o maior número de estudantes brasileiros que desejem se iniciar em QFT ou, abreviemos também em nossa língua, TQC. Reconhecidamente, a teoria quântica de campos (TQC) é atualmente a principal e mais bem sucedida linguagem matemática na qual formulamos os modelos físicos para a descrição da natureza. Podemos mencionar suas duas maiores aplicações em física de partículas elementares e matéria condensada, ambas inegavelmente muito bem sucedidas. As ideias e conceitos de TQC permeiam contudo toda a física moderna, sendo seu conhecimento essencial mesmo para os que não venham a ser propriamente praticantes de TQC em seu dia a dia profissional.

É bem sabido que, no início do século passado, ocorreu uma grande revolução na forma de compreendermos e fazermos física. Mesmo após o advento das duas teorias da relatividade e da mecânica quântica (MQ), fenômenos novos, tais como os associados à fenomenologia de partículas elementares ou observações cosmológicas, continuaram (e continuam) desafiando os físicos de plantão. A teoria da relatividade especial (TRE) foi complementada, visando a acomodação de referenciais não-inerciais, para a teoria da relatividade geral. Uma adequada compatibilização entre essas teorias na intersecção de seus escopos de validade obviamente se faz necessária. Para a compreensão da dinâmica de nosso universo por exemplo, acredita-se que um modelo cosmológico fundamental deva ser consistente tanto com a relatividade geral quanto com a MQ. Esse seria um dos principais problemas em aberto da física atual, conhecido como “quantização da gravitação” – talvez a teoria de cordas venha dizer algo a respeito. Neste presente artigo nos limitaremos à TRE mostrando como compatibilizá-la com a MQ resultando na bem estabelecida TQC tradicional.

A TQC fascina nossos estudantes desde o curso de graduação, tendo fama de ser um assunto difícil e por demais complicado. De fato, devido à sua complexidade e pré-requisitos, não se aprende TQC da noite para o dia. Mas para sua devida compreensão não há nada impossível que não ceda a um estudo metódico e persistente com afinco. Hoje em dia as bases da TQC encontram-se muito bem estabelecidas e um dos nossos objetivos aqui é justamente conceituar suas ideias essenciais. Contudo, devido às limitações de espaço para um artigo como este, alertamos que ficaremos mais na motivação inicial e teremos que parar no melhor da festa e recomendar ao leitor continuar em outros textos mais completos e avançados.

Mencionamos que existem diferentes formas de abordar TQC sendo as duas principais as quantizações canônica e funcional. Nesta última, que não será tratada aqui, as amplitudes de transição são calculadas através de integrais funcionais de Feynman [1[1] R.P. Feynman,The Principle of Least Action in Quantum Mechanics. Tese de Doutorado, Princeton University, Princeton (1942)., 2[2] R.P. Feynman e A.R. Gibbs, Quantum Mechanics and Path Integrals (Dover, New York, 2010).]. O funcional gerador das funções de Green também é definido a partir de uma integral de Feynman da exponencial da ação [3[3] R. Koberle, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20210170 (2021)., 4[4] A.K. Das, World Sci. Lect. Notes Phys. 52, 1 (2006).]. Duas das vantagens principais da quantização funcional consistem no fato de termos uma teoria explicitamente covariante desde o início e dispensarmos o uso de operadores. Por razões didáticas no entanto, para uma primeira visão rápida da TQC, abordaremos aqui somente a quantização canônica. Nesta, seguiremos a receita básica da MQ tradicional obtendo um espaço de estados físicos, o operador hamiltoniano e prosseguindo no cálculo de seu espectro. A compatibilização com a TRE contudo conduzirá naturalmente ao conceito de campo, inicialmente clássico e logo em seguida quântico. Como bônus, a possibilidade de criação e destruição de partículas segue como consequência imediata do formalismo. Infelizmente também não abordaremos aqui os aspectos históricos da construção da TQC. Desde seus primórdios na primeira metade do século passado, através de muitas tentativas com erros e acertos, até chegar à sua forma conceitual como entendemos hoje, a TQC foi elaborada através de um esforço coletivo de vários físicos ao longo dos anos.1 1 Ao leitor interessado na história da TQC, recomendamos a leitura do livro de Schweber [5].

Quanto à literatura especializada de caráter didático, citamos alguns dos principais livros-texto e artigos introdutórios em TQC a seguir. Considerando a vasta disponibilidade de textos sobre esse assunto a pequena amostra que segue, longe de ser completa, reflete apenas um certo gosto pessoal. Como livro-texto padrão moderno e atualizado, procurando dar uma visão geral e completa da TQC, mencionamos as obras [4[4] A.K. Das, World Sci. Lect. Notes Phys. 52, 1 (2006)., 6[6] M.E. Peskin e D.V. Schroeder, An Introduction to Quantum Field Theory (Addison-Wesley, Reading, 2005)., 7[7] S. Weinberg, The Quantum Theory of Fields. Vol. 1: Foundations (Cambridge University Press, Cambridge, 2005), v. 1., 8[8] M. Maggiore, A Modern Introduction to Quantum Field Theory (Oxford University Press, Oxford, 2005)., 9[9] M. Srednicki, Quantum Field Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 2007)., 10[10] A. Das, Lectures on Quantum Field Theory (World Scientific, Hackensack, 2008)., 11[11] F. Mandl e G. Shaw, Quantum Field Theory (Wiley, Chichester, 2010)., 12[12] M.O.C. Gomes, Teoria Quântica dos Campos (Edusp, São Paulo, 2015), 2 ed.] todas escritas ou revisadas e reeditadas já em nosso século XXI. Um pouco mais antigos, os importantes livros [13[13] N.N. Bogolyubov e D.V. Shirkov, Introduction to the Theory of Quantized Fields, Interscience Monographs in Physics and Astronomy (Interscience Publishers & Sons, New York, 1959), v. 3., 14[14] J.D. Bjorken e S.D. Drell, Relativistic Quantum Mechanics, International Series in Pure and Applied Physics (McGraw-Hill Book Company, New York 1965)., 15[15] J.D. Bjorken e S.D. Drell, Relativistic Quantum Fields, International Series in Pure and Applied Physics (McGraw-Hill Book Company, New York, 1965)., 16[16] C. Itzykson e J.B. Zuber, Quantum Field Theory, International Series In Pure and Applied Physics (McGraw- Hill, New York, 1980)., 17[17] L.H. Ryder, Quantum Field Theory (Cambridge University Press, Cambridge 1986), 2 ed., 18[18] N. Nakanishi e I. Ojima, Covariant Operator Formalism of Gauge Theories and Quantum Gravity (World Scientific, Singapure, 1990), v. 27., 19[19] L.S. Brown, Quantum Field Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 1992).] influenciaram toda uma geração de físicos atualmente em atividade em pesquisa e produção de conhecimento. Com características bastante motivacionais e boas doses de humor e injeção de ânimo indicamos o bem conhecido livro de Anthony Zee [20[20] A. Zee, Quantum Field Theory in a Nutshell (University Press, Princeton, 2010).]. Outro bom lugar para começar a estudar TQC seria o texto introdutório e bastante acessível [21[21] T. Lancaster e S. J. Blundell, Quantum Field Theory for the Gifted Amateur (Oxford University Press, Oxford, 2014).], enfatizando aplicações em matéria condensada desde o início. De passagem, concernente à aplicação de TQC em matéria condensada, além das referências [21[21] T. Lancaster e S. J. Blundell, Quantum Field Theory for the Gifted Amateur (Oxford University Press, Oxford, 2014)., 22[22] P.A. Martin e F. Rothen, Many-Body Problems and Quantum Field Theory – An Introduction, Texts and Monographs in Physics (Springer, Berlin, Heidelberg, 2004).], não podemos deixar de mencionar o livro um pouco mais avançado recentemente lançado do eminente físico brasileiro Eduardo Marino [23[23] E.C. Marino, Quantum Field Theory Approach to Condensed Matter Physics (Cambridge University Press, Cambridge, 2017).]. Para aqueles ainda não suficientemente confortáveis com o idioma internacional repetimos e destacamos a importante contribuição de Marcelo Gomes [12[12] M.O.C. Gomes, Teoria Quântica dos Campos (Edusp, São Paulo, 2015), 2 ed.], acima citada, escrita originalmente em português bem como o belo livro de mecânica analítica do Nivaldo Lemos [24[24] N. Lemos, Mecânica Analítica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2007), 2 ed.] que aliás também já tem sua versão em língua inglesa [25[25] N. Lemos, Analytical Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 2018).]. Esse último, apesar de não ser um livro de TQC propriamente dito, contém bastante material introdutório e preparatório para teoria de campos em nível de graduação [24[24] N. Lemos, Mecânica Analítica (Editora Livraria da Física, São Paulo, 2007), 2 ed., 25[25] N. Lemos, Analytical Mechanics (Cambridge University Press, Cambridge, 2018).]. Artigos curtos de divulgação, motivacionais e introdutórios à TQC com objetivos semelhantes ao nosso, mas de formato e ênfase bem distintos, podem ser vistos em [3[3] R. Koberle, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20210170 (2021)., 26[26] P. Gosdzinsky e R. Tarrach, Am. J. Phys. 59, 70 (1991)., 27[27] R.G. Pereira e E. Miranda, Rev. Bras. Ens. Fis. 24, 237 (2002)., 28[28] A.D. Boozer, Eur. J. Phys. 28, 729 (2007) , 29[29] D.M. De Oliveira, Rev. Bras. Ens. Fis. 33, 3309 (2011)., 30[30] J.J.M. Pimenta, L.F.B. Belussi, É.R.T. Natti e P.L. Natti, Rev. Bras. Ens. Fis. 35, 2306 (2013) , 31[31] H. Linde, Eur. J. Phys. 39, 035401 (2018)., 32[32] R. Thibes, Eur. J. Phys. 41, 055203 (2020).].

Nossa apresentação e fluxo de ideias encontram-se organizados da seguinte forma. Na seção 2 2. Os Dois Pilares da Física Moderna Antes de entrarmos efetivamente em teoria de campos, utilizaremos essa seção para revisar ideias básicas que supomos bem conhecidas do leitor. Nossa física contemporânea segue dois preceitos fundamentais estabelecidos na primeira metade do século XX, nomeadamente, teoria da relatividade e mecânica quântica. Novas teorias e modelos para descrição de nosso universo ou fenômenos específicos são propostos na comunidade científica a todo momento, a exigência de compatibilidade com esses dois pilares, no entanto, é um crivo praticamente sine qua non. Vamos discutir as ideias principais desses dois paradigmas a seguir, buscando em cada qual sua essência. primeiro paradigma Qual a essência da teoria da relatividade especial (TRE)? É bem sabido que a TRE surgiu a partir de questionamentos de Einstein sobre a observação de um mesmo fenômeno através de diferentes referenciais inerciais. Podemos então colocar como característica principal da TRE a exigência de invariância (ou covariância) frente a transformações de Lorentz (TL). Na Figura 1 abaixo ilustramos uma particular TL, denominada boost na direção X, relacionando dois referenciais inerciais S e S′. Se permitirmos boosts arbitrários em qualquer direção e adicionarmos também rotações, temos o grupo de transformações de Lorentz. Mais especificamente, utilizando a tradicional notação relativística, uma TL de um sistema de referência de coordenadas inercial xμ para outro x′⁣μ é uma transformação linear (1) x ′ ⁣ μ = Λ ν μ ⁢ x ν , μ , ν = 0 , … ⁢ ,3 , onde Λνμ indica uma matriz 4×4 de entradas reais satisfazendo (2) Λ μ ρ ⁢ Λ ν σ ⁢ η ρ ⁢ σ = η μ ⁢ ν . Com o símbolo ημ⁢ representamos a métrica do espaço-tempo flat de Minkowski que, por convenção, escolhemos aqui como (3) η μ ⁢ ν = ( 1 0 0 0 0 - 1 0 0 0 0 - 1 0 0 0 0 - 1 ) . Figure 1 Exemplo básico de TL: boost na direção X com velocidade relativa β=vc. Matricialmente a equação (2) pode ser também escrita de forma prática como (4) Λ T ⁢ η ⁢ Λ = η . Portanto, qualquer matriz real quadrada de ordem quatro Λ que satisfaça a condição (4) acima caracteriza uma específica transformação de Lorentz. Por exemplo, o leitor pode facilmente obter a matriz Λνμ para o caso do boost representado na Figura 1 e verificar explicitamente a concordância com (4). Tratando-se de uma transformação linear, uma TL mistura as quatro coordenadas xμ (as novas coordenadas x′⁣μ constituem uma combinação linear das antigas xμ). Em particular mistura espaço e tempo. Logo, surge o questionamento natural: Então quer dizer que espaço e tempo são a mesma coisa? A assinatura da métrica (3) mostra que não é bem assim, vejamos a seguir dois contra-exemplos interessantes de transformação de Lorentz. um contra-exemplo Procuremos o caso mais radical possível de uma transformação de coordenadas que leve tempo integralmente em espaço e vice-versa. Digamos c⁢t→x e x→c⁢t, que escrevemos matricialmente num subespaço de dimensão dois como (5) ( c ⁢ t ′ x ′ ) = Λ ⁢ ( c ⁢ t x ) ⁢ com ⁢ Λ = ( 0 1 1 0 ) . Claramente não temos aqui uma TL pois (6) ( 0 1 1 0 ) ⁢ ( 1 0 0 - 1 ) ⁢ ( 0 1 1 0 ) ≠ ( 1 0 0 - 1 ) e a equação (4) não é satisfeita. outro contra-exemplo Como segundo contra-exemplo analisemos a famosa transformação de coordenadas para a frente de luz dada por (7) { x + = ( x 0 + x 1 ) / 2 , x - = ( x 0 - x 1 ) / 2 . Trata-se de uma transformação de coordenadas muito útil e prática frequentemente utilizada para resolver problemas de pesquisa em física de altas energias.2 Em particular a transformação (7) proporciona a conhecida solução geral de d’Alembert para a equação de onda em duas dimensões. Trata-se de uma TL? Reescrevendo (7) como (8) ( x + x - ) = 2 2 ⁢ ( 1 1 1 - 1 ) ⁢ ( x 0 x 1 ) e substituindo a correspondente matriz de transformação em (4) o leitor pode facilmente constatar que (7) não é uma TL, indicando que as coordenadas x+ e x- não podem ser interpretadas como tempo ou espaço. Ou seja TL são transformações lineares entre as coordenadas xμ de referenciais inerciais mas não quaisquer transformações lineares, e sim somente aquelas que satisfazem (4) ou, equivalentemente, (2). Do ponto de vista matemático uma análise minuciosa mostra que as TL constituem um grupo de Lie de dimensão seis, formado por boosts e rotações espaciais. Incluindo também translações espaciais e temporais obtemos o grupo de Poincaré relacionando dois sistemas inerciaisagora por (9) x ′ ⁣ μ = Λ ν μ ⁢ x ν + b μ , sendo bμ o parâmetro de translação. O grupo de Poincaré também constitui um grupo de Lie, desta feita de dimensão dez, cujos geradores Lμ⁢ν e Pμ satisfazem a álgebra (10) [ L μ ⁢ ν , L ρ ⁢ σ ] = η ν ⁢ ρ ⁢ L μ ⁢ σ + η μ ⁢ σ ⁢ L ν ⁢ ρ - η μ ⁢ ρ ⁢ L ν ⁢ σ - η ν ⁢ σ ⁢ L μ ⁢ ρ , (11) [ L μ ⁢ ν , P ρ ] = P μ ⁢ δ ρ ν - P ν ⁢ δ ρ μ , e (12) [ P μ , P ν ] = 0 . Qualquer teoria consistente com a TRE deve propiciar representações em espaços vetoriais do grupo de Poincaré. segundo paradigma Passando agora para a mecânica quântica, semelhantemente indagamos: Qual a essência da mecânica quântica? Dependendo de estilo e gosto, várias respostas seriam possíveis. Mas, para evitar controvérsias, e procurando objetividade, modifiquemos a pergunta para: Qual a equação principal da mecânica quântica? Uma delas com certeza é a equação de Schrödinger (ES). Todo amante da física sabe a ES de coração, certo? Abaixo apresentamos três possibilidades: (13) H ⁢ ψ = E ⁢ ψ , (14) - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ d 2 ⁢ ψ ⁢ ( x ) d ⁢ x 2 + V ⁢ ( x ) ⁢ ψ ⁢ ( x ) = E ⁢ ψ ⁢ ( x ) , (15) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ψ ⁢ ( x , t ) = ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 + V ⁢ ( x ) ) ⁢ ψ ⁢ ( x , t ) . Possivelmente o leitor escreveu uma quarta no preâmbulo. Parece que cada livro-texto tem uma ES diferente! Ocorre que as equações (13), (14) e (15) são todas “casos particulares”. Temos em mãos, digamos, uma equação de autovalor (13) onde falta caracterizar o espaço vetorial e o operador hamiltoniano H. Este último poderia ser obtido, talvez, pelo termo do lado esquerdo da equação (14) agindo sobre ψ, mas aqui somente temos uma variável espacial x (situação bem particular). E onde está a dinâmica? Já a terceira, equação (15), por envolver a variável temporal, parece um pouco mais geral oferecendo uma dinâmica de evolução ao longo do tempo. Mas e se a partícula tiver spin ou outros graus de liberdade internos? E se o sistema for constituído por mais de uma partícula? De fato essas e outras particulares equações de Schrödinger decorrem do postulado geral de evolução dinâmica de estado em um sistema quântico, que aqui denominaremosa ES por excelência, com artigo definido, escrita em toda sua generalidade como (16) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ | ψ , t ⟩ = H ⁢ | ψ , t ⟩ . No presente texto, quando mencionarmos a ES, por vezes adjetivando de geral ou fundamental, estaremos nos referindo à equação (16) acima.3 O paradigma quântico na pintura de Schrödinger afirma então que: Dado um sistema físico, a partir de seus graus de liberdade, definimos um espaço de Hilbert 𝒱 contendo seus possíveis estados |ψ⟩∈𝒱. Denotamos por T⁢(𝒱) o conjunto de todos os operadores lineares de 𝒱 em 𝒱. Em seguida construimos o operador hamiltoniano H∈T⁢(𝒱) responsável pela dinâmica do sistema. Parametrizando os estados em 𝒱 pela variável real tempo, a evolução temporal de um dado estado físico |ψ,t⟩ é regida pela ES fundamental (16). Operadores autoadjuntos em T⁢(𝒱) caracterizam os observáveis quânticos. Dado um estado físico, calculamos probabilidades de medida de autovalores associados a observáveis. Vejamos dois exemplos práticos: um exemplo: um grau de liberdade contínuo Suponha o sistema físico de interesse constituído por uma única partícula de massa m, cuja posição x pode ser medida ao longo de um eixo real X, submetida ao potencial V⁢(x). Construimos um espaço de Hilbert de dimensão infinita 𝒱 gerado pela base ℬ de autovetores de posição |x⟩, isto é, (17) ℬ = { | x ⟩ ; x ∈ ℝ } , 𝒱 = [ ℬ ] . A evolução dinâmica do sistema é ditada pelo hamiltoniano (18) H = P 2 2 ⁢ m + V ⁢ ( X ) , sendo P,X∈T⁢(𝒱) os operadores momento e posição respectivamente. Projetando então a ES fundamental (16) na base |x⟩ obtemos (19) i ⁢ ℏ ⁢ ⟨ x | ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ | ψ , t ⟩ = ⟨ x | ⁢ H ⁢ | ψ , t ⟩ . Substituindo o hamiltoniano (18) e considerando que o operador momento P atua na base de posição proporcional à derivada espacial, reescrevemos (19) como (20) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ⁡ ψ ⁢ ( x , t ) ∂ ⁡ t = - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∂ 2 ⁡ ψ ⁢ ( x , t ) ∂ ⁡ x 2 + V ⁢ ( x ) ⁢ ψ ⁢ ( x , t ) , com a função de onda ψ⁢(x,t) definida por (21) ψ ⁢ ( x , t ) ≡ ⟨ x | ψ , t ⟩ . Note que a equação diferencial (20) nada mais é do que a antiga (15) restrita a uma dimensão espacial. Fica claro então que a ES (20) é obtida como caso particular para o presente problema como consequência da ES fundamental geral (16). outro exemplo: um grau de liberdade discreto Analisemos em seguida um férmion de spin 1/2, digamos um elétron, na presença de um campo magnético uniforme B, fixo na direção Z. O elétron se encontra em movimento no espaço tridimensional, contudo, suponha que o aparato experimental não permita, ou não tenhamos interesse em, medidas de posição ou momento. Estamos interessados e podemos efetivamente medir as componentes de spin ao longo de qualquer direção espacial. Para construirmos o espaço de Hilbert, selecionamos a direção fixa Z, associamos o operador autoadjunto Sz ao observável projeção de spin na direção Z e definimos os dois autovetores |+⟩ e |-⟩ relativos aos dois possíveis resultados da medida ±ℏ/2. Definimos então o espaço de Hilbert 𝒱 como sendo o espaço gerado pela base ortonormal (22) ℬ = { | + ⟩ , | - ⟩ } . ou seja, (23) 𝒱 = [ ℬ ] = { α ⁢ | + ⟩ + β ⁢ | - ⟩ ; α , β ∈ ℂ } . Veja que, contrariamente ao exemplo anterior de dimensão infinita, agora o espaço vetorial 𝒱 possui dimensão dois. O campo magnético B privilegia a direção espacial Z através do operador hamiltoniano que aqui definimos por (24) H = e m ⁢ c ⁢ B ⋅ S , sendo e e m respectivamente a carga e a massa do elétron, c a velocidade da luz e S o operador spin. De forma mais compacta podemos reescrever (24) como (25) H = ω ⁢ S z onde definimos (26) ω ≡ e ⁢ B m ⁢ c e o operador Sz componente de spin na direção Z é dado por (27) S z = ℏ 2 ⁢ { | + ⟩ ⁢ ⟨ + | - | - ⟩ ⁢ ⟨ - | } . Naturalmente H age no espaço bidimensional (23) através de Sz. O análogo à função de onda agora, dado pela projeção dos vetores de base sobre os estados, são os coeficientes (28) α ⁢ ( t ) = ⟨ + | ψ , t ⟩ ⁢ e ⁢ β ⁢ ( t ) = ⟨ - | ψ , t ⟩ . Partindo da ES fundamental (16), utilizando o hamiltoniano (25) e projetando na base (22) obtemos (29) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ⟨ ± | ψ , t ⟩ = ⟨ ± | ω ⁢ S z | ⁢ ψ , t ⟩ , ou seja, denotando derivadas temporais em relação ao tempo por um ponto sobre a função, (30) i ⁢ α ˙ = ω ⁢ α 2 ⁢ e ⁢ i ⁢ β ˙ = ω ⁢ β 2 , levando à solução geral para a evolução dinâmica de estado (31) | ψ , t ⟩ = α ⁢ ( 0 ) ⁢ exp ⁡ ( - i ⁢ ω ⁢ t 2 ) ⁢ | + ⟩ + β ⁢ ( 0 ) ⁢ exp ⁡ ( + i ⁢ ω ⁢ t 2 ) ⁢ | - ⟩ , que interpretamos como precessão de spin em torno do campo magnético colinear à direção Z. A investigação desses dois exemplos simples nos mostra como a mesma ES geral (16) descreve diferentes sistemas de acordo com as peculiares e particularidades do espaço de Hilbert dos estados 𝒱 e do hamiltoniano H. Observe que as equações (30), provenientes de (29), podem ser interpretadas como uma ES particular para o exemplo 2. Elas possuem derivadas temporais de primeira ordem herdadas da ES fundamental (16) mas não têm derivadas espaciais pois o grau de liberdade associado ao espaço de Hilbert (23) é discreto. Bem relembrados e entendidos esses conceitos fundamentais de TRE e MQ, na próxima seção começaremos, enfim, a falar sobre teoria de campos. a seguir destacamos aspectos cruciais da TRE e MQ, com vista a chegarmos à TQC. Relembramos a definição de transformação de Lorentz e descrevemos dois contra-exemplos simples e interessantes relacionados à distinção entre tempo e espaço vistos por referenciais diferentes. Pelo lado da MQ enfatizamos os aspectos fundamentais da equação de Schrödinger. Na seção 3 3. Uma Aparente Incompatibilidade Na seção anterior efetuamos uma discussão sobre os dois principais paradigmas da física contemporânea. Quanto a seu escopo de validade, lembramos que a relatividade especial descreve corpos em movimento com velocidade elevada em comparação à velocidade da luz no vácuo, enquanto a mecânica quântica descreve sistemas de dimensões moleculares ou menores. Estamos agora interessados em estudar sistemas que simultaneamente tenham dimensões subatômicas e altas velocidades. Ou seja, precisamos de uma teoria que una os dois paradigmas anteriores em um só. o problema Ocorre que, considerando uma primeira análise rápida e superficial, por variadas razões, a mecânica quântica tradicional e a relatividade especial parecem em princípio incompatíveis entre si. Essa problemática é abordada em vários livros-texto introdutórios de teoria de campos ou física de partículas nos quais usualmente se mostra em detalhes que: A equação de Schrödinger para uma partícula na forma (15) contém uma derivada primeira em relação ao tempo e derivadas espaciais de segunda ordem, não sendo portanto compatível com a relação relativística de energia. No caso livre em que V⁢(x)=0, por exemplo, a ES não relativística para uma partícula pode ser pensada como proveniente da relação clássica de energia cinética (32) E = p 2 2 ⁢ m que deveria ser generalizada para a correspondente relativística (33) E 2 = c 2 ⁢ p 2 + m 2 ⁢ c 4 . No entanto, tentativas de generalizar a equação de Schrödinger usual (15) para a de Klein-Gordon4 ou Dirac4 conduzem a autovalores de energia negativos. Se interpretarmos as equações relativísticas de Klein-Gordon ou Dirac como generalizações da ES, a densidade de probabilidade proveniente da função de onda deixa de ser positiva definida. A metodologia de trabalho usual da MQ fica então seriamente comprometida. No caso específico da equação de Dirac, uma interpretação engenhosa foi proposta por seu autor em que se consideram todos os possíveis níveis de energia negativa ocupados – o famoso “mar de Dirac”. Tal ideia possui a virtude de prever a existência do pósitron como uma lacuna no espectro de energias. No entanto, nesse caso, passamos de uma teoria de uma partícula para outra de infinitas partículas, além de não resolvermos o problema dos bosons que não seguem o princípio da exclusão de Pauli. Além das bem conhecidas colocações acima que parecem sugerir serem relatividade especial e mecânica quântica incompatíveis entre si, no presente texto, gostaríamos de ressaltar os seguintes três pontos essenciais: A equação de Schrödinger na forma (15) não é invariante frente a uma TL. Propostas de equações diferenciais para ES que não sejam de primeira ordem no tempo são naturalmente inconsistentes com a ES fundamental (16). Por exemplo a equação de Klein-Gordon4 que pode ser escrita como (34) ( ∂ μ ⁡ ∂ μ + m 2 ) ⁢ ϕ ⁢ ( x ) = 0 com x=(c⁢t,x), é compatível com a TRE, sendo invariante frente a uma TL da forma (1), mas é incompatível com a MQ, no sentido de não poder representar um caso particular da equação (16), por ser de segunda ordem no tempo. A relatividade permite mudanças de referencial que misturam e intercambiam tempo e espaço, digamos o boost (35) x ′ ⁣ 1 = γ ⁢ ( x 1 - β ⁢ x 0 ) , x ′ ⁣ 0 = γ ⁢ ( x 0 - β ⁢ x 1 ) . representado na Figura 1. Contudo, a mecânica quântica tradicional trata espaço e tempo de forma conceitual bem diferenciada: espaço ⟶ posição ⟶ operador, tempo ⟶ único ⟶ parâmetro. Associamos um operador à posição enquanto o tempo é um parâmetro real de evolução. Dependendo do referencial portanto, uma TL mesclaria operador e parâmetro real. Para o caso de um sistema com mais de uma partícula usualmente escrevemos a função de onda como (36) ψ = ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) , com n indicando o número total de partículas. Veja a flagrante assimetria, várias posições e somente um valor único para o tempo. a solução Existe mais de uma forma de abordar e resolver o dilema acima, aqui utilizaremos o mais simples que vem a ser justamento o paradigma de teoria quântica de campos. O formalismo a ser desenvolvido adiante se pauta basicamente nos seguintes três preceitos em contraposição aos pontos anteriores para obtermos uma descrição quântica compatível com a relatividade: Apesar da ES na forma (15) não ser invariante frente a uma TL, a ES fundamental (16) pode de fato satisfazer esta exigência dependendo do hamiltoniano H∈T⁢(𝒱) para determinado espaço vetorial 𝒱. Podemos sim aproveitar as equações diferenciais relativísticas de Klein-Gordon e de Dirac, mas as funções incógnita ϕ ou ψ não são mais funções de onda (portanto não caracterizam o estado de um sistema quântico) mas sim campos a serem quantizados. Não tratamos mais a posição como um operador com autovalores a serem medidos e sim, semelhantemente ao tempo, as coordenadas espaciais agora indicam parâmetros reais. Cada ponto do espaço-tempo, num dado referencial, é indexado por quatro parâmetros xμ=(c⁢t,x). Essa construção é completamente análoga à abordagem quântica tradicional do campo eletromagnético presente nas equações de Maxwell. Como as equações de Maxwell já são covariantes frente a TL podemos passar direto à quantização e obter naturalmente uma teoria quântica de campos relativística. Outra analogia importante ocorre se lembrarmos do antigo e singelo sistema físico constituído por uma única partícula num campo de forças externo. A equação de movimento clássica é a segunda lei de Newton que envolve a variável dinâmica posição da partícula. Veja que a equação diferencial da segunda lei de Newton é de segunda ordem no tempo, mas isso não causa problemas quando efetuamos a quantização desse sistema e obtemos uma ES para a função de onda com derivada temporal de primeira ordem. Para a equação de Klein-Gordon (34), semelhantemente, entendemos ϕ⁢(x) como um conjunto de variáveis dinâmicas (funções do tempo t) indexadas pela posição espacial x. A incompatibilidade entre (34) e a MQ desaparece completamente no momento em que entendemos que a equação de Klein-Gordon é uma equação clássica não precisando portanto ser de primeira ordem no tempo como (16). Naturalmente precisaremos então identificar qual equação de fato fará o papel da ES (16) após a devida quantização do sistema (34). Isso será feito mais adiante na próxima seção. Por razões históricas, o processo em que as funções incógnitas que figuram nas equações diferenciais de Klein-Gordon ou Dirac são, como campos, efetivamente quantizadas, ficou conhecido como segunda quantização com a seguinte (não muito correta) interpretação: Digamos que na “primeira quantização” objetos físicos clássicos tais como posição, momento e energia são levados em operadores a agirem sobre uma “função de onda”. Na “segunda quantização” a própria “função de onda” é por sua vez conduzida também ao papel de operador. Contudo essa interpretação é equivocada devendo ser evitada. Conforme o caso acima mencionado das equações de Maxwell e conforme veremos em detalhes na seção seguinte, em teoria de campos, temos uma única etapa de quantização onde os campos clássicos são levados diretamente em operadores. Por fim, finalizamos esta seção com uma afirmação óbvia mas muitas vezes esquecida: Operador opera. Ou seja, em física, sempre que lidarmos com o conceito de operador, é essencial saber precisamente sobre que espaço operar. Nesse sentido, ao construirmos uma teoria quântica, quer seja de forma direta, indireta ou através de um processo de quantização de uma teoria clássica, tem que ficar muito claro qual é o correspondente espaço de Hilbert dos estados. abordamos a conhecida aparente incompatibilidade inicial entre TRE e MQ. Relembramos de passagem os tradicionais argumentos de livros-texto tais como o da presença de energias negativas no espectro da teoria e mencionamos mais dois argumentos que vão diretamente ao cerne da questão para, logo em seguida, mostrar como a TQC apresenta uma solução natural unindo TRE e MQ. Na seção 4 4. Teoria de Campos Para entendermos o que é teoria de campos, obviamente precisamos primeiro de uma importante definição. O que é exatamente um campo? Por definição, um campo 𝒞 é uma função ou aplicação a partir de um subconjunto ℳ do espaço-tempo como domínio, tomando valores em um contradomínio ℰ que caracteriza a natureza do campo (37) 𝒞 : ℳ ⊂ ℝ 4 ⟶ ℰ . Tomemos por primeiro exemplo o campo eletromagnético clássico em que o contradomínio é ℝ6, devido a termos três componentes espaciais reais para o campo elétrico e três para o magnético. Nesse caso a cada ponto do espaço-tempo associamos dois vetores E e B. Modificando a natureza do contradomínio ℰ podemos ter, digamos, um campo de temperaturas, campos reais ou complexos, campos matriciais, campos de funções, campos de spinores, operadores etc. O mesmo campo eletromagnético clássico acima citado poderia, alternativamente, ser descrito por um campo tensorial antissimétrico Fμ⁢ν de seis componentes independentes,5 com a vantagem de se comportar como um tensor frente a transformações de Lorentz da forma (1). E o que viria a ser um campo quântico? Na abordagem canônica os campos quânticos são campos de operadores, ou seja, o contradomínio ℰ representa um conjunto de operadores atuando em determinado espaço de Hilbert 𝒱 onde são representados os estados físicos. Nesse caso ℰ=T⁢(𝒱) e os operadores são funções do espaço-tempo, nesse sentido estamos de fato lidando com uma teoria quântica de campos. O correspondente espaço de Hilbert 𝒱 deve ter suas características ditadas pelos graus de liberdade do sistema físico, conforme vimos no paradigma da MQ. exemplo não-relativístico Para fixarmos as ideias, vamos construir uma primeira teoria quântica de campos não-relativística.6 Considere um sistema quântico constituído por n partículas de massa m na presença de um potencial externo U⁢(x). Definimos um espaço de Hilbert inicial como o espaço vetorial formado por funções de onda complexas da forma (38) ψ = ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) com evolução dinâmica regida pelo operador hamiltoniano H = ∑ i = 1 n ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ i 2 + U ⁢ ( x i ) ) + ∑ i = 1 n ∑ j = 1 i - 1 V ⁢ ( x i - x j ) , onde V⁢(x) denota um potencial de interação interno entre os pares de partículas. Note que H age sobre o espaço das funções (38) através dos operadores diferenciais presentes em (4). A partir da ES fundamental (16) podemos escrever imediatamente a ES particular para o presente problema como (40) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ψ = H ⁢ ψ com ψ e H definidos, respectivamente, por (38) e (4). Note que até aqui ainda não tem nada de teoria de campos, estamos falando apenas de mecânica quântica usual para um sistema de n partículas. Em seguida, por motivos em princípio puramente didáticos, gostaríamos de, alternativamente, descrever esse mesmo sistema através de uma teoria quântica de campos de fato. Com esse intuito introduzimos os operadores (41) a ⁢ ( x ) ⁢ e ⁢ a † ⁢ ( x ) satisfazendo as relações de comutação (42) [ a ⁢ ( x ) , a ⁢ ( x ′ ) ] = [ a † ⁢ ( x ) , a † ⁢ ( x ′ ) ] = 0 , e (43) [ a ⁢ ( x ) , a † ⁢ ( x ′ ) ] = δ 3 ⁢ ( x - x ′ ) . Mais precisamente a⁢(x) e a†⁢(x) constituem campos quânticos estáticos, isto é, a cada ponto x∈ℝ3 do espaço físico associamos operadores a⁢(x) e a†⁢(x). Note também que, para cada ponto espacial x∈ℝ3, devido às relações de comutação (42) e (43), os operadores a⁢(x) e a†⁢(x) se comportam como operadores de criação e aniquilação de um quantum de energia de um oscilador harmônico quântico usual. Precisamos agora determinar onde exatamente (em que espaço matemático) os operadores (41) atuam. Sabendo que, na descrição de MQ usual, os estados físicos para o sistema quântico em tela são caracterizados pelas funções de onda (38), construimos a seguir um segundo espaço de Hilbert para a correspondente teoria quântica de campos através dos estados (44) | ψ , t ⟩ = ∫ d 3 ⁢ x 1 ⁢ … ⁢ d 3 ⁢ x n ⁢ ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) a † ⁢ ( x 1 ) ⁢ … ⁢ a † ⁢ ( x n ) ⁢ | 0 ⟩ exigindo que (45) a ⁢ ( x ) ⁢ | 0 ⟩ = 0 . O estado |0⟩ é denominado vácuo da teoria. Ou seja, o novo espaço de Hilbert tem a capacidade de descrever inclusive estados com número de partículas variável. Interpretamos o vácuo |0⟩ como o estado contendo nenhuma partícula, a partir do qual podemos construir estados contendo partículas localizadas aplicando o operador de criação a†⁢(x). Dessa forma, por exemplo, (46) | α ⟩ = a † ⁢ ( x ) ⁢ | 0 ⟩ denota o estado quântico contendo uma partícula localizada no ponto espacial x∈ℝ3 e assim por diante. Naturalmente, a partir desses estados básicos podemos efetuar combinações lineares e o ket (4) denota o estado físico de n partículas descrito pela função de onda (38) no qual as partículas não estão necessariamente localizadas. Note que em (4), a função de onda entra fazendo o papel dos coeficientes da combinação linear que é dada nesse caso por uma “soma contínua”, ou seja, uma integral múltipla. Tendo pronto o espaço de Hilbert dos estados físicos de nossa teoria de campos, definimos agora o operador hamiltoniano como (47) ℍ = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 + U ⁢ ( x ) ) ⁢ a ⁢ ( x ) + 1 2 ⁢ ∫ d 3 ⁢ x ⁢ d 3 ⁢ y ⁢ V ⁢ ( x - y ) ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ a † ⁢ ( y ) ⁢ a ⁢ ( y ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Temos em mão duas descrições alternativas para o mesmo sistema quântico. O leitor pode agora mostrar a partir das relações de comutação (42) e (43) que o estado físico (4) satisfaz à equação fundamental (16) com ℍ dado por (47) se e somente se a função de onda (38) com hamiltoniano (4) satisfaz (40). Portanto, na descrição de TQC, na equação de Schrödinger fundamental (16) consideramos o operador hamiltoniano dado por (47) e o espaço de Hilbert contendo estados físicos da forma (38). A partir dos operadores (41) atuando no espaço de estados da teoria quântica de campos podemos construir observáveis tais como, por exemplo, o operador número de partículas (48) N = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Aplicando (48) sobre o váculo |0⟩, (46) e (38) obtemos respectivamente7 (49) N ⁢ | 0 ⟩ = 0 , N ⁢ | α ⟩ = | α ⟩ e N ⁢ | ψ , t ⟩ = n ⁢ | ψ , t ⟩ , indicando serem autoestados do operador número contendo respectivamente zero, uma e n partículas. Dessa forma, na descrição via formalismo de TQC, obtivemos um ganho em generalidade em relação ao número de partículas. Para esse sistema especificamente, N é uma constante de movimento pois, conforme pode ser checado a partir de (47), temos (50) [ N , ℍ ] = 0 . Modificando ℍ contudo (outra dinâmica para este mesmo espaço de Hilbert), abrimos a possibilidade para descrevermos outros sistemas com número de partículas variável. o caso livre Para o caso sem interação, substituindo U⁢(x)=V⁢(x)=0 no hamiltoniano anterior (47), obtemos uma teoria de campos livre não relatística com hamiltoniano (51) ℍ NR = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Com o intuito de ganharmos em entendimento e interpretação vamos analisar essa mesma teoria livre por outro ponto de vista. Tomando ℏ=1 por simplicidade e trocando a variável muda de integração de x para p através da transformada de Fourier (52) a ~ ⁢ ( p ) = ∫ d 3 ⁢ x ( 2 ⁢ π ) 3 / 2 ⁢ e - i ⁢ p ⋅ x ⁢ a ⁢ ( x ) , podemos reescrever (51) como (53) ℍ NR = ∫ d 3 ⁢ p ⁢ 1 2 ⁢ m ⁢ p 2 ⁢ a ~ † ⁢ ( p ) ⁢ a ~ ⁢ ( p ) . Substituindo (52) em (42) e (43) verificamos que os operadores tilda no espaço de momentos agora satisfazem às relações de comutação (54) [ a ~ ⁢ ( p ) , a ~ ⁢ ( p ′ ) ] = [ a ~ † ⁢ ( p ) , a ~ † ⁢ ( p ′ ) ] = 0 , e (55) [ a ~ ⁢ ( p ) , a ~ † ⁢ ( p ′ ) ] = δ 3 ⁢ ( p - p ′ ) com (56) a ~ ⁢ ( p ) ⁢ | 0 ⟩ = 0 . O estado de uma partícula livre de momento linear bem definido p pode ser escrito como (57) | p ⟩ = a † ⁢ ( p ) ⁢ | 0 ⟩ . Note que (57) é um autoestado do hamiltoniano (53) com autovalor de energia p22⁢m, explicitamente temos (58) ℍ NR ⁢ | p ⟩ = p 2 2 ⁢ m ⁢ | p ⟩ . Esse autovalor de energia não-relatístico claramente nos instiga a procurar compatibilizar (53) com a TRE. Como modificar a equação (53) nesse sentido? Como generalizar para o caso relativístico? Pense um pouco antes de prosseguir a leitura. incluindo a relatividade Claro, a generalização para uma teoria relativística é agora simples e imediata. Considerando a relação de energia relativística (33), basta a partir de (53) redefinir (59) ℍ R = ∫ d 3 ⁢ p ⁢ ( p 2 ⁢ c 2 + m 2 ⁢ c 4 ) 1 / 2 ⁢ a ~ † ⁢ ( p ) ⁢ a ~ ⁢ ( p ) e – abracadabra! – obtemos uma teoria quântica de campos relativística! Na realidade, observando atentamente (59), o leitor mais experiente talvez reconheça aqui um sistema físico simples bastante familiar no contexto introdutório de teoria quântica de campos. Continuando a análise, o vetor de estado (60) a ~ † ⁢ ( p 1 ) ⁢ … ⁢ a ~ † ⁢ ( p n ) ⁢ | 0 ⟩ representa um estado físico constituído por n partículas de momentos bem definidos p1,…,pn com autovalor de energia total (61) E ⁢ ( p 1 ) + ⊋ + E ⁢ ( p n ) onde (62) E ⁢ ( p ) ≡ ( p 2 ⁢ c 2 + m 2 ⁢ c 4 ) 1 / 2 . O hamiltoniano ℍR aqui obtido de forma natural generalizando uma teoria de campos não-relativística nada mais é do que o hamiltoniano quântico associada ao famoso campo de Klein-Gordon. De fato, conforme o leitor pode conferir nas páginais iniciais de livros-texto tradicionais de TQC [6, 7, 9, 10, 17, 20], partindo da densidade lagrangiana clássica de Klein-Gordon (63) ℒ KG = 1 2 ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ - 1 2 ⁢ m 2 ⁢ ϕ 2 , calculando a densidade hamiltoniana (64) ℋ KG = 1 2 ⁢ ϕ ˙ 2 + 1 2 ⁢ ( ∇ ⁡ ϕ ) 2 + 1 2 ⁢ m 2 ⁢ ϕ 2 , expandindo o campo clássico de Klein-Gordon ϕ⁢(x) em modos de Fourier e procedendo a quantização canônica obtem-se precisamente o operador hamiltoniano (59) com espectro de autovetores e autovalores dado respectivamente por (60) e (61). Dessa forma fica claro como o conceito de TQC compatibiliza a MQ com a TRE. Exemplificamos com um dos principais modelos de TQC relativística, qual seja, o campo de Klein-Gordon. Reiteramos que a equação de Klein-Gordon (34) é uma equação de movimento clássica8 e, respondendo à pergunta posta no final da seção anterior, o operador hamiltoniano (59) agindo no espaço de estados fornece a versão da ES (16) para a teoria quântica do campo de Klein-Gordon. A simplicidade neste exemplo decorre do fato de termos uma teoria livre. O hamiltoniano (59) pode ser prontamente diagonalizado e seus autovetores (60) constituem uma base para o espaço de Hilbert. Infelizmente tal simplicidade não se estende ao caso com interações. , a principal do artigo, definimos o conceito de campo e apresentamos exemplos explícitos de modelos simples de TQC, sempre do ponto de vista da quantização canônica. No caso de TQC livres mostramos como passar de forma natural de uma teoria não-relativística para a correspondente relativística. A aplicação de TQC à física de partículas elementares é abordada de passagem na seção 5 5. Uma Aplicação Importante: Física de Partículas Elementares Conforme vimos na introdução, um dos maiores sucessos da teoria quântica de campos reside em sua aplicação na descrição da fenomenologia de partículas elementares através do conhecido modelo padrão. Nesta seção discutiremos os rudimentos de um modelo simples de eletrodinâmica quântica apenas para dar um gosto inicial ao leitor que certamente continuará seus estudos com parcimônia em textos mais avançados. O exemplo de teoria quântica de campos relativístico apresentado na seção anterior descreve um campo de Klein-Gordon livre. Para obtermos um modelo mais interessante e útil precisamos introduzir interações entre os campos. Digamos que estejamos interessados em descrever a interação entre um píon carregado (spin zero) e um elétron (spin meio) através do campo eletromagnético (spin um). Construimos então um sistema composto por campos de Klein-Gordon, Dirac e Maxwell com densidades lagrangianas dadas respectivamente por (65) ℒ KG = ∂ μ ⁡ ϕ * ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ - M ⁢ | ϕ | 2 , (66) ℒ D = ψ ¯ ⁢ ( i ⁢ ∂̸ - m ) ⁢ ψ , e (67) ℒ M = - 1 4 ⁢ F μ ⁢ ν ⁢ F μ ⁢ ν - 1 2 ⁢ ( ∂ μ ⁡ A μ ) 2 . As quantidades M e m acima representam as massas do píon e elétron respectivamente. O segundo termo em (67) é responsável pela fixação da liberdade de calibre9 associada ao campo eletromagnético. A densidade lagrangiana total, definindo o modelo, é dada por (68) ℒ = ℒ KG + ℒ D + ℒ M + ℒ I onde o último termo descreve a interação entre os campos sendo dado por (69) ℒ I = e ⁢ ψ ¯ ⁢ A̸ ⁢ ψ + i ⁢ e ⁢ A μ ⁢ ( ϕ ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ * - ϕ * ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ ) + e 2 ⁢ A 2 ⁢ | ϕ | 2 . Partindo da lagrangiana (68) é necessário efetuar todo o procedimento de quantização do modelo. Seguindo a prescrição canônica, calculamos a densidade hamiltoniana e parênteses de Poisson, introduzimos operadores de criação e aniquilação, definimos o espaço de estados etc. No entanto trata-se de um processo altamente não trivial – as complicações provenientes dos termos de interação não permitem uma diagonalização tão simples como no caso livre e precisamos de formas engenhosas de utilização de teoria de perturbação – ao longo do caminho surgem vários percalços técnicos tais como existência de vínculos, invariância de gauge, regularização, renormalização e outros. Andando a passos largos, no final da história precisamos extrair algo da teoria que possa ser diretamente confrontado com a experiência. Uma grandeza chave no presente caso seria a seção de espalhamento para colisão píon elétron, que pode ser calculada a partir da amplitude de probabilidade (70) ℳ = ⟨ e - ⁢ π + | e - ⁢ π + ⟩ . A partir da teoria quântica de campos correspondente a (68) a amplitude ℳ pode ser calculada perturbativamente. Os termos da série perturbativa podem ser representados por diagramas de Feynman. A Figura 2 abaixo indica o termo não-trivial de ordem mais baixa para a amplitude ℳ. O cálculo desse diagrama é feito a partir do termo de interação (69) usando as características da teoria que podem ser traduzidas nas famosas regras de Feynman. Para uma primeira visão geral de TQC podemos parar por aqui. Instigamos o leitor a continuar e persistir a partir de textos padrão tais como os citados nas referências bem como cursando as disciplinas tradicionais de TQC a nível de pós-graduação em física. Estendemos o convite para que o leitor não só venha a compreender os detalhes e métodos da TQC como venha também a dar sua contribuição científica nesta vasta área do conhecimento de tamanha beleza e ainda muito fértil em problemas em aberto. Figure 2 Diagrama de Feynmann para processo de colisão elétron píon. cujo objetivo é justamente aguçar a curiosidade do leitor para se aventurar na literatura mais avançada de teoria de campos e física de partículas. A última seção é reservada à conclusão onde encerramos com alguns comentários finais e retomada das questões colocadas no preâmbulo. Ao final do artigo incluímos um breve apêndice sobre as equações de Klein-Gordon-Fock e Dirac.

2. Os Dois Pilares da Física Moderna

Antes de entrarmos efetivamente em teoria de campos, utilizaremos essa seção para revisar ideias básicas que supomos bem conhecidas do leitor. Nossa física contemporânea segue dois preceitos fundamentais estabelecidos na primeira metade do século XX, nomeadamente, teoria da relatividade e mecânica quântica. Novas teorias e modelos para descrição de nosso universo ou fenômenos específicos são propostos na comunidade científica a todo momento, a exigência de compatibilidade com esses dois pilares, no entanto, é um crivo praticamente sine qua non. Vamos discutir as ideias principais desses dois paradigmas a seguir, buscando em cada qual sua essência.

primeiro paradigma

Qual a essência da teoria da relatividade especial (TRE)? É bem sabido que a TRE surgiu a partir de questionamentos de Einstein sobre a observação de um mesmo fenômeno através de diferentes referenciais inerciais. Podemos então colocar como característica principal da TRE a exigência de invariância (ou covariância) frente a transformações de Lorentz (TL). Na Figura 1 abaixo ilustramos uma particular TL, denominada boost na direção X, relacionando dois referenciais inerciais S e S. Se permitirmos boosts arbitrários em qualquer direção e adicionarmos também rotações, temos o grupo de transformações de Lorentz. Mais especificamente, utilizando a tradicional notação relativística, uma TL de um sistema de referência de coordenadas inercial xμ para outro xμ é uma transformação linear

(1) x μ = Λ ν μ x ν , μ , ν = 0 , ,3 ,

onde Λνμ indica uma matriz 4×4 de entradas reais satisfazendo

(2) Λ μ ρ Λ ν σ η ρ σ = η μ ν .

Com o símbolo ημ⁢ representamos a métrica do espaço-tempo flat de Minkowski que, por convenção, escolhemos aqui como

(3) η μ ν = ( 1 0 0 0 0 - 1 0 0 0 0 - 1 0 0 0 0 - 1 ) .

Figure 1
Exemplo básico de TL: boost na direção X com velocidade relativa β=vc.

Matricialmente a equação (2) pode ser também escrita de forma prática como

(4) Λ T η Λ = η .

Portanto, qualquer matriz real quadrada de ordem quatro Λ que satisfaça a condição (4) acima caracteriza uma específica transformação de Lorentz. Por exemplo, o leitor pode facilmente obter a matriz Λνμ para o caso do boost representado na Figura 1 e verificar explicitamente a concordância com (4).

Tratando-se de uma transformação linear, uma TL mistura as quatro coordenadas xμ (as novas coordenadas xμ constituem uma combinação linear das antigas xμ). Em particular mistura espaço e tempo. Logo, surge o questionamento natural: Então quer dizer que espaço e tempo são a mesma coisa? A assinatura da métrica (3) mostra que não é bem assim, vejamos a seguir dois contra-exemplos interessantes de transformação de Lorentz.

um contra-exemplo

Procuremos o caso mais radical possível de uma transformação de coordenadas que leve tempo integralmente em espaço e vice-versa. Digamos ctx e xct, que escrevemos matricialmente num subespaço de dimensão dois como

(5) ( c t x ) = Λ ( c t x ) com Λ = ( 0 1 1 0 ) .

Claramente não temos aqui uma TL pois

(6) ( 0 1 1 0 ) ( 1 0 0 - 1 ) ( 0 1 1 0 ) ( 1 0 0 - 1 )

e a equação (4) não é satisfeita.

outro contra-exemplo

Como segundo contra-exemplo analisemos a famosa transformação de coordenadas para a frente de luz dada por

(7) { x + = ( x 0 + x 1 ) / 2 , x - = ( x 0 - x 1 ) / 2 .

Trata-se de uma transformação de coordenadas muito útil e prática frequentemente utilizada para resolver problemas de pesquisa em física de altas energias.2 2 Veja mais detalhes sobre essa transformação nos recentes artigos de ensino de física [33, 34, 35]. Em particular a transformação (7) proporciona a conhecida solução geral de d’Alembert para a equação de onda em duas dimensões. Trata-se de uma TL? Reescrevendo (7) como

(8) ( x + x - ) = 2 2 ( 1 1 1 - 1 ) ( x 0 x 1 )

e substituindo a correspondente matriz de transformação em (4) o leitor pode facilmente constatar que (7) não é uma TL, indicando que as coordenadas x+ e x- não podem ser interpretadas como tempo ou espaço.

Ou seja TL são transformações lineares entre as coordenadas xμ de referenciais inerciais mas não quaisquer transformações lineares, e sim somente aquelas que satisfazem (4) ou, equivalentemente, (2). Do ponto de vista matemático uma análise minuciosa mostra que as TL constituem um grupo de Lie de dimensão seis, formado por boosts e rotações espaciais. Incluindo também translações espaciais e temporais obtemos o grupo de Poincaré relacionando dois sistemas inerciaisagora por

(9) x μ = Λ ν μ x ν + b μ ,

sendo bμ o parâmetro de translação. O grupo de Poincaré também constitui um grupo de Lie, desta feita de dimensão dez, cujos geradores Lμν e Pμ satisfazem a álgebra

(10) [ L μ ν , L ρ σ ] = η ν ρ L μ σ + η μ σ L ν ρ - η μ ρ L ν σ - η ν σ L μ ρ ,
(11) [ L μ ν , P ρ ] = P μ δ ρ ν - P ν δ ρ μ ,

e

(12) [ P μ , P ν ] = 0 .

Qualquer teoria consistente com a TRE deve propiciar representações em espaços vetoriais do grupo de Poincaré.

segundo paradigma

Passando agora para a mecânica quântica, semelhantemente indagamos: Qual a essência da mecânica quântica? Dependendo de estilo e gosto, várias respostas seriam possíveis. Mas, para evitar controvérsias, e procurando objetividade, modifiquemos a pergunta para: Qual a equação principal da mecânica quântica? Uma delas com certeza é a equação de Schrödinger (ES). Todo amante da física sabe a ES de coração, certo? Abaixo apresentamos três possibilidades:

(13) H ψ = E ψ ,
(14) - 2 2 m d 2 ψ ( x ) d x 2 + V ( x ) ψ ( x ) = E ψ ( x ) ,
(15) i t ψ ( x , t ) = ( - 2 2 m 2 + V ( x ) ) ψ ( x , t ) .

Possivelmente o leitor escreveu uma quarta no preâmbulo. Parece que cada livro-texto tem uma ES diferente!

Ocorre que as equações (13), (14) e (15) são todas “casos particulares”. Temos em mãos, digamos, uma equação de autovalor (13) onde falta caracterizar o espaço vetorial e o operador hamiltoniano H. Este último poderia ser obtido, talvez, pelo termo do lado esquerdo da equação (14) agindo sobre ψ, mas aqui somente temos uma variável espacial x (situação bem particular). E onde está a dinâmica? Já a terceira, equação (15), por envolver a variável temporal, parece um pouco mais geral oferecendo uma dinâmica de evolução ao longo do tempo. Mas e se a partícula tiver spin ou outros graus de liberdade internos? E se o sistema for constituído por mais de uma partícula?

De fato essas e outras particulares equações de Schrödinger decorrem do postulado geral de evolução dinâmica de estado em um sistema quântico, que aqui denominaremosa ES por excelência, com artigo definido, escrita em toda sua generalidade como

(16) i t | ψ , t = H | ψ , t .

No presente texto, quando mencionarmos a ES, por vezes adjetivando de geral ou fundamental, estaremos nos referindo à equação (16) acima.3 3 Aqui estamos mais preocupados com os conceitos e uma fundamentação da visão moderna da MQ. Em termos históricos a equação (16) é bem diferente daquela que o próprio Schrödinger escreveu originalmente em [36]. O paradigma quântico na pintura de Schrödinger afirma então que:

  1. Dado um sistema físico, a partir de seus graus de liberdade, definimos um espaço de Hilbert 𝒱 contendo seus possíveis estados |ψ𝒱. Denotamos por T(𝒱) o conjunto de todos os operadores lineares de 𝒱 em 𝒱.

  2. Em seguida construimos o operador hamiltoniano HT(𝒱) responsável pela dinâmica do sistema.

  3. Parametrizando os estados em 𝒱 pela variável real tempo, a evolução temporal de um dado estado físico |ψ,t é regida pela ES fundamental (16).

  4. Operadores autoadjuntos em T(𝒱) caracterizam os observáveis quânticos. Dado um estado físico, calculamos probabilidades de medida de autovalores associados a observáveis.

Vejamos dois exemplos práticos:

um exemplo: um grau de liberdade contínuo

Suponha o sistema físico de interesse constituído por uma única partícula de massa m, cuja posição x pode ser medida ao longo de um eixo real X, submetida ao potencial V(x). Construimos um espaço de Hilbert de dimensão infinita 𝒱 gerado pela base de autovetores de posição |x, isto é,

(17) = { | x ; x } , 𝒱 = [ ] .

A evolução dinâmica do sistema é ditada pelo hamiltoniano

(18) H = P 2 2 m + V ( X ) ,

sendo P,XT(𝒱) os operadores momento e posição respectivamente. Projetando então a ES fundamental (16) na base |x obtemos

(19) i x | t | ψ , t = x | H | ψ , t .

Substituindo o hamiltoniano (18) e considerando que o operador momento P atua na base de posição proporcional à derivada espacial, reescrevemos (19) como

(20) i ψ ( x , t ) t = - 2 2 m 2 ψ ( x , t ) x 2 + V ( x ) ψ ( x , t ) ,

com a função de onda ψ(x,t) definida por

(21) ψ ( x , t ) x | ψ , t .

Note que a equação diferencial (20) nada mais é do que a antiga (15) restrita a uma dimensão espacial. Fica claro então que a ES (20) é obtida como caso particular para o presente problema como consequência da ES fundamental geral (16).

outro exemplo: um grau de liberdade discreto

Analisemos em seguida um férmion de spin 1/2, digamos um elétron, na presença de um campo magnético uniforme B, fixo na direção Z. O elétron se encontra em movimento no espaço tridimensional, contudo, suponha que o aparato experimental não permita, ou não tenhamos interesse em, medidas de posição ou momento. Estamos interessados e podemos efetivamente medir as componentes de spin ao longo de qualquer direção espacial. Para construirmos o espaço de Hilbert, selecionamos a direção fixa Z, associamos o operador autoadjunto Sz ao observável projeção de spin na direção Z e definimos os dois autovetores |+ e |- relativos aos dois possíveis resultados da medida ±/2. Definimos então o espaço de Hilbert 𝒱 como sendo o espaço gerado pela base ortonormal

(22) = { | + , | - } .

ou seja,

(23) 𝒱 = [ ] = { α | + + β | - ; α , β } .

Veja que, contrariamente ao exemplo anterior de dimensão infinita, agora o espaço vetorial 𝒱 possui dimensão dois. O campo magnético B privilegia a direção espacial Z através do operador hamiltoniano que aqui definimos por

(24) H = e m c B S ,

sendo e e m respectivamente a carga e a massa do elétron, c a velocidade da luz e S o operador spin. De forma mais compacta podemos reescrever (24) como

(25) H = ω S z

onde definimos

(26) ω e B m c

e o operador Sz componente de spin na direção Z é dado por

(27) S z = 2 { | + + | - | - - | } .

Naturalmente H age no espaço bidimensional (23) através de Sz. O análogo à função de onda agora, dado pela projeção dos vetores de base sobre os estados, são os coeficientes

(28) α ( t ) = + | ψ , t e β ( t ) = - | ψ , t .

Partindo da ES fundamental (16), utilizando o hamiltoniano (25) e projetando na base (22) obtemos

(29) i t ± | ψ , t = ± | ω S z | ψ , t ,

ou seja, denotando derivadas temporais em relação ao tempo por um ponto sobre a função,

(30) i α ˙ = ω α 2 e i β ˙ = ω β 2 ,

levando à solução geral para a evolução dinâmica de estado

(31) | ψ , t = α ( 0 ) exp ( - i ω t 2 ) | + + β ( 0 ) exp ( + i ω t 2 ) | - ,

que interpretamos como precessão de spin em torno do campo magnético colinear à direção Z.

A investigação desses dois exemplos simples nos mostra como a mesma ES geral (16) descreve diferentes sistemas de acordo com as peculiares e particularidades do espaço de Hilbert dos estados 𝒱 e do hamiltoniano H. Observe que as equações (30), provenientes de (29), podem ser interpretadas como uma ES particular para o exemplo 2. Elas possuem derivadas temporais de primeira ordem herdadas da ES fundamental (16) mas não têm derivadas espaciais pois o grau de liberdade associado ao espaço de Hilbert (23) é discreto.

Bem relembrados e entendidos esses conceitos fundamentais de TRE e MQ, na próxima seção começaremos, enfim, a falar sobre teoria de campos.

3. Uma Aparente Incompatibilidade

Na seção anterior efetuamos uma discussão sobre os dois principais paradigmas da física contemporânea. Quanto a seu escopo de validade, lembramos que a relatividade especial descreve corpos em movimento com velocidade elevada em comparação à velocidade da luz no vácuo, enquanto a mecânica quântica descreve sistemas de dimensões moleculares ou menores. Estamos agora interessados em estudar sistemas que simultaneamente tenham dimensões subatômicas e altas velocidades. Ou seja, precisamos de uma teoria que una os dois paradigmas anteriores em um só.

o problema

Ocorre que, considerando uma primeira análise rápida e superficial, por variadas razões, a mecânica quântica tradicional e a relatividade especial parecem em princípio incompatíveis entre si. Essa problemática é abordada em vários livros-texto introdutórios de teoria de campos ou física de partículas nos quais usualmente se mostra em detalhes que:

  • A equação de Schrödinger para uma partícula na forma (15) contém uma derivada primeira em relação ao tempo e derivadas espaciais de segunda ordem, não sendo portanto compatível com a relação relativística de energia. No caso livre em que V(x)=0, por exemplo, a ES não relativística para uma partícula pode ser pensada como proveniente da relação clássica de energia cinética

    (32) E = p 2 2 m

    que deveria ser generalizada para a correspondente relativística

    (33) E 2 = c 2 p 2 + m 2 c 4 .

    No entanto, tentativas de generalizar a equação de Schrödinger usual (15) para a de Klein-Gordon4 4 As importantes e fundamentais equações de Klein-Gordon e Dirac podem ser pensadas em um certo sentido como generalizações relativísticas da equação de Schrödinger para uma partícula livre. Para o leitor menos familiarizado, incluímos um breve apêndice sobre tais equações ao final do artigo. ou Dirac4 conduzem a autovalores de energia negativos.

  • Se interpretarmos as equações relativísticas de Klein-Gordon ou Dirac como generalizações da ES, a densidade de probabilidade proveniente da função de onda deixa de ser positiva definida. A metodologia de trabalho usual da MQ fica então seriamente comprometida.

  • No caso específico da equação de Dirac, uma interpretação engenhosa foi proposta por seu autor em que se consideram todos os possíveis níveis de energia negativa ocupados – o famoso “mar de Dirac”. Tal ideia possui a virtude de prever a existência do pósitron como uma lacuna no espectro de energias. No entanto, nesse caso, passamos de uma teoria de uma partícula para outra de infinitas partículas, além de não resolvermos o problema dos bosons que não seguem o princípio da exclusão de Pauli.

Além das bem conhecidas colocações acima que parecem sugerir serem relatividade especial e mecânica quântica incompatíveis entre si, no presente texto, gostaríamos de ressaltar os seguintes três pontos essenciais:

  1. A equação de Schrödinger na forma (15) não é invariante frente a uma TL.

  2. Propostas de equações diferenciais para ES que não sejam de primeira ordem no tempo são naturalmente inconsistentes com a ES fundamental (16). Por exemplo a equação de Klein-Gordon4 que pode ser escrita como

    (34) ( μ μ + m 2 ) ϕ ( x ) = 0

    com x=(ct,x), é compatível com a TRE, sendo invariante frente a uma TL da forma (1), mas é incompatível com a MQ, no sentido de não poder representar um caso particular da equação (16), por ser de segunda ordem no tempo.

  3. A relatividade permite mudanças de referencial que misturam e intercambiam tempo e espaço, digamos o boost

    (35) x 1 = γ ( x 1 - β x 0 ) , x 0 = γ ( x 0 - β x 1 ) .

    representado na Figura 1. Contudo, a mecânica quântica tradicional trata espaço e tempo de forma conceitual bem diferenciada:

    espaço posição operador,

    tempo único parâmetro.

Associamos um operador à posição enquanto o tempo é um parâmetro real de evolução. Dependendo do referencial portanto, uma TL mesclaria operador e parâmetro real. Para o caso de um sistema com mais de uma partícula usualmente escrevemos a função de onda como

(36) ψ = ψ ( x 1 , , x n ; t ) ,

com n indicando o número total de partículas. Veja a flagrante assimetria, várias posições e somente um valor único para o tempo.

a solução

Existe mais de uma forma de abordar e resolver o dilema acima, aqui utilizaremos o mais simples que vem a ser justamento o paradigma de teoria quântica de campos. O formalismo a ser desenvolvido adiante se pauta basicamente nos seguintes três preceitos em contraposição aos pontos anteriores para obtermos uma descrição quântica compatível com a relatividade:

  1. Apesar da ES na forma (15) não ser invariante frente a uma TL, a ES fundamental (16) pode de fato satisfazer esta exigência dependendo do hamiltoniano HT(𝒱) para determinado espaço vetorial 𝒱.

  2. Podemos sim aproveitar as equações diferenciais relativísticas de Klein-Gordon e de Dirac, mas as funções incógnita ϕ ou ψ não são mais funções de onda (portanto não caracterizam o estado de um sistema quântico) mas sim campos a serem quantizados.

  3. Não tratamos mais a posição como um operador com autovalores a serem medidos e sim, semelhantemente ao tempo, as coordenadas espaciais agora indicam parâmetros reais. Cada ponto do espaço-tempo, num dado referencial, é indexado por quatro parâmetros xμ=(ct,x).

Essa construção é completamente análoga à abordagem quântica tradicional do campo eletromagnético presente nas equações de Maxwell. Como as equações de Maxwell já são covariantes frente a TL podemos passar direto à quantização e obter naturalmente uma teoria quântica de campos relativística. Outra analogia importante ocorre se lembrarmos do antigo e singelo sistema físico constituído por uma única partícula num campo de forças externo. A equação de movimento clássica é a segunda lei de Newton que envolve a variável dinâmica posição da partícula. Veja que a equação diferencial da segunda lei de Newton é de segunda ordem no tempo, mas isso não causa problemas quando efetuamos a quantização desse sistema e obtemos uma ES para a função de onda com derivada temporal de primeira ordem. Para a equação de Klein-Gordon (34), semelhantemente, entendemos ϕ(x) como um conjunto de variáveis dinâmicas (funções do tempo t) indexadas pela posição espacial x. A incompatibilidade entre (34) e a MQ desaparece completamente no momento em que entendemos que a equação de Klein-Gordon é uma equação clássica não precisando portanto ser de primeira ordem no tempo como (16). Naturalmente precisaremos então identificar qual equação de fato fará o papel da ES (16) após a devida quantização do sistema (34). Isso será feito mais adiante na próxima seção.

Por razões históricas, o processo em que as funções incógnitas que figuram nas equações diferenciais de Klein-Gordon ou Dirac são, como campos, efetivamente quantizadas, ficou conhecido como segunda quantização com a seguinte (não muito correta) interpretação: Digamos que na “primeira quantização” objetos físicos clássicos tais como posição, momento e energia são levados em operadores a agirem sobre uma “função de onda”. Na “segunda quantização” a própria “função de onda” é por sua vez conduzida também ao papel de operador. Contudo essa interpretação é equivocada devendo ser evitada. Conforme o caso acima mencionado das equações de Maxwell e conforme veremos em detalhes na seção seguinte, em teoria de campos, temos uma única etapa de quantização onde os campos clássicos são levados diretamente em operadores. Por fim, finalizamos esta seção com uma afirmação óbvia mas muitas vezes esquecida: Operador opera. Ou seja, em física, sempre que lidarmos com o conceito de operador, é essencial saber precisamente sobre que espaço operar. Nesse sentido, ao construirmos uma teoria quântica, quer seja de forma direta, indireta ou através de um processo de quantização de uma teoria clássica, tem que ficar muito claro qual é o correspondente espaço de Hilbert dos estados.

4. Teoria de Campos

Para entendermos o que é teoria de campos, obviamente precisamos primeiro de uma importante definição. O que é exatamente um campo? Por definição, um campo 𝒞 é uma função ou aplicação a partir de um subconjunto do espaço-tempo como domínio, tomando valores em um contradomínio que caracteriza a natureza do campo

(37) 𝒞 : 4 .

Tomemos por primeiro exemplo o campo eletromagnético clássico em que o contradomínio é 6, devido a termos três componentes espaciais reais para o campo elétrico e três para o magnético. Nesse caso a cada ponto do espaço-tempo associamos dois vetores E e B. Modificando a natureza do contradomínio podemos ter, digamos, um campo de temperaturas, campos reais ou complexos, campos matriciais, campos de funções, campos de spinores, operadores etc. O mesmo campo eletromagnético clássico acima citado poderia, alternativamente, ser descrito por um campo tensorial antissimétrico Fμν de seis componentes independentes,5 5 Veja por exemplo em [32] uma relação direta entre a descrições vetorial E e B e tensorial Fμ⁢ν do eletromagnetismo bem como conexões com invariância de calibre. com a vantagem de se comportar como um tensor frente a transformações de Lorentz da forma (1).

E o que viria a ser um campo quântico? Na abordagem canônica os campos quânticos são campos de operadores, ou seja, o contradomínio representa um conjunto de operadores atuando em determinado espaço de Hilbert 𝒱 onde são representados os estados físicos. Nesse caso =T(𝒱) e os operadores são funções do espaço-tempo, nesse sentido estamos de fato lidando com uma teoria quântica de campos. O correspondente espaço de Hilbert 𝒱 deve ter suas características ditadas pelos graus de liberdade do sistema físico, conforme vimos no paradigma da MQ.

exemplo não-relativístico

Para fixarmos as ideias, vamos construir uma primeira teoria quântica de campos não-relativística.6 6 Os dois exemplos seguintes são baseados nos capítulos 2 e 3 do livro-texto [9]. Veja também o capítulo 3 de [37]. Uma discussão mais aprofundada desse modelo foi recentemente publicada no artigo de pesquisa [38]. Considere um sistema quântico constituído por n partículas de massa m na presença de um potencial externo U(x). Definimos um espaço de Hilbert inicial como o espaço vetorial formado por funções de onda complexas da forma

(38) ψ = ψ ( x 1 , , x n ; t )

com evolução dinâmica regida pelo operador hamiltoniano

H = i = 1 n ( - 2 2 m i 2 + U ( x i ) ) + i = 1 n j = 1 i - 1 V ( x i - x j ) ,

onde V(x) denota um potencial de interação interno entre os pares de partículas. Note que H age sobre o espaço das funções (38) através dos operadores diferenciais presentes em (4). A partir da ES fundamental (16) podemos escrever imediatamente a ES particular para o presente problema como

(40) i t ψ = H ψ

com ψ e H definidos, respectivamente, por (38) e (4). Note que até aqui ainda não tem nada de teoria de campos, estamos falando apenas de mecânica quântica usual para um sistema de n partículas. Em seguida, por motivos em princípio puramente didáticos, gostaríamos de, alternativamente, descrever esse mesmo sistema através de uma teoria quântica de campos de fato. Com esse intuito introduzimos os operadores

(41) a ( x ) e a ( x )

satisfazendo as relações de comutação

(42) [ a ( x ) , a ( x ) ] = [ a ( x ) , a ( x ) ] = 0 ,

e

(43) [ a ( x ) , a ( x ) ] = δ 3 ( x - x ) .

Mais precisamente a(x) e a(x) constituem campos quânticos estáticos, isto é, a cada ponto x3 do espaço físico associamos operadores a(x) e a(x). Note também que, para cada ponto espacial x3, devido às relações de comutação (42) e (43), os operadores a(x) e a(x) se comportam como operadores de criação e aniquilação de um quantum de energia de um oscilador harmônico quântico usual.

Precisamos agora determinar onde exatamente (em que espaço matemático) os operadores (41) atuam. Sabendo que, na descrição de MQ usual, os estados físicos para o sistema quântico em tela são caracterizados pelas funções de onda (38), construimos a seguir um segundo espaço de Hilbert para a correspondente teoria quântica de campos através dos estados

(44) | ψ , t = d 3 x 1 d 3 x n ψ ( x 1 , , x n ; t ) a ( x 1 ) a ( x n ) | 0

exigindo que

(45) a ( x ) | 0 = 0 .

O estado |0 é denominado vácuo da teoria. Ou seja, o novo espaço de Hilbert tem a capacidade de descrever inclusive estados com número de partículas variável. Interpretamos o vácuo |0 como o estado contendo nenhuma partícula, a partir do qual podemos construir estados contendo partículas localizadas aplicando o operador de criação a(x). Dessa forma, por exemplo,

(46) | α = a ( x ) | 0

denota o estado quântico contendo uma partícula localizada no ponto espacial x3 e assim por diante. Naturalmente, a partir desses estados básicos podemos efetuar combinações lineares e o ket (4) denota o estado físico de n partículas descrito pela função de onda (38) no qual as partículas não estão necessariamente localizadas. Note que em (4), a função de onda entra fazendo o papel dos coeficientes da combinação linear que é dada nesse caso por uma “soma contínua”, ou seja, uma integral múltipla.

Tendo pronto o espaço de Hilbert dos estados físicos de nossa teoria de campos, definimos agora o operador hamiltoniano como

(47) = d 3 x a ( x ) ( - 2 2 m 2 + U ( x ) ) a ( x ) + 1 2 d 3 x d 3 y V ( x - y ) a ( x ) a ( y ) a ( y ) a ( x ) .

Temos em mão duas descrições alternativas para o mesmo sistema quântico. O leitor pode agora mostrar a partir das relações de comutação (42) e (43) que o estado físico (4) satisfaz à equação fundamental (16) com dado por (47) se e somente se a função de onda (38) com hamiltoniano (4) satisfaz (40). Portanto, na descrição de TQC, na equação de Schrödinger fundamental (16) consideramos o operador hamiltoniano dado por (47) e o espaço de Hilbert contendo estados físicos da forma (38).

A partir dos operadores (41) atuando no espaço de estados da teoria quântica de campos podemos construir observáveis tais como, por exemplo, o operador número de partículas

(48) N = d 3 x a ( x ) a ( x ) .

Aplicando (48) sobre o váculo |0, (46) e (38) obtemos respectivamente7 7 Estamos supondo as funções de onda (38) simétricas em relação a troca de posição de partículas, ou seja, estamos descrevendo partículas tipo bóson.

(49) N | 0 = 0 , N | α = | α e N | ψ , t = n | ψ , t ,

indicando serem autoestados do operador número contendo respectivamente zero, uma e n partículas. Dessa forma, na descrição via formalismo de TQC, obtivemos um ganho em generalidade em relação ao número de partículas. Para esse sistema especificamente, N é uma constante de movimento pois, conforme pode ser checado a partir de (47), temos

(50) [ N , ] = 0 .

Modificando contudo (outra dinâmica para este mesmo espaço de Hilbert), abrimos a possibilidade para descrevermos outros sistemas com número de partículas variável.

o caso livre

Para o caso sem interação, substituindo U(x)=V(x)=0 no hamiltoniano anterior (47), obtemos uma teoria de campos livre não relatística com hamiltoniano

(51) NR = d 3 x a ( x ) ( - 2 2 m 2 ) a ( x ) .

Com o intuito de ganharmos em entendimento e interpretação vamos analisar essa mesma teoria livre por outro ponto de vista. Tomando =1 por simplicidade e trocando a variável muda de integração de x para p através da transformada de Fourier

(52) a ~ ( p ) = d 3 x ( 2 π ) 3 / 2 e - i p x a ( x ) ,

podemos reescrever (51) como

(53) NR = d 3 p 1 2 m p 2 a ~ ( p ) a ~ ( p ) .

Substituindo (52) em (42) e (43) verificamos que os operadores tilda no espaço de momentos agora satisfazem às relações de comutação

(54) [ a ~ ( p ) , a ~ ( p ) ] = [ a ~ ( p ) , a ~ ( p ) ] = 0 ,

e

(55) [ a ~ ( p ) , a ~ ( p ) ] = δ 3 ( p - p )

com

(56) a ~ ( p ) | 0 = 0 .

O estado de uma partícula livre de momento linear bem definido p pode ser escrito como

(57) | p = a ( p ) | 0 .

Note que (57) é um autoestado do hamiltoniano (53) com autovalor de energia p22m, explicitamente temos

(58) NR | p = p 2 2 m | p .

Esse autovalor de energia não-relatístico claramente nos instiga a procurar compatibilizar (53) com a TRE. Como modificar a equação (53) nesse sentido? Como generalizar para o caso relativístico? Pense um pouco antes de prosseguir a leitura.

incluindo a relatividade

Claro, a generalização para uma teoria relativística é agora simples e imediata. Considerando a relação de energia relativística (33), basta a partir de (53) redefinir

(59) R = d 3 p ( p 2 c 2 + m 2 c 4 ) 1 / 2 a ~ ( p ) a ~ ( p )

e – abracadabra! – obtemos uma teoria quântica de campos relativística! Na realidade, observando atentamente (59), o leitor mais experiente talvez reconheça aqui um sistema físico simples bastante familiar no contexto introdutório de teoria quântica de campos. Continuando a análise, o vetor de estado

(60) a ~ ( p 1 ) a ~ ( p n ) | 0

representa um estado físico constituído por n partículas de momentos bem definidos p1,,pn com autovalor de energia total

(61) E ( p 1 ) + + E ( p n )

onde

(62) E ( p ) ( p 2 c 2 + m 2 c 4 ) 1 / 2 .

O hamiltoniano R aqui obtido de forma natural generalizando uma teoria de campos não-relativística nada mais é do que o hamiltoniano quântico associada ao famoso campo de Klein-Gordon. De fato, conforme o leitor pode conferir nas páginais iniciais de livros-texto tradicionais de TQC [6[6] M.E. Peskin e D.V. Schroeder, An Introduction to Quantum Field Theory (Addison-Wesley, Reading, 2005)., 7[7] S. Weinberg, The Quantum Theory of Fields. Vol. 1: Foundations (Cambridge University Press, Cambridge, 2005), v. 1., 9[9] M. Srednicki, Quantum Field Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 2007)., 10[10] A. Das, Lectures on Quantum Field Theory (World Scientific, Hackensack, 2008)., 17[17] L.H. Ryder, Quantum Field Theory (Cambridge University Press, Cambridge 1986), 2 ed., 20[20] A. Zee, Quantum Field Theory in a Nutshell (University Press, Princeton, 2010).], partindo da densidade lagrangiana clássica de Klein-Gordon

(63) KG = 1 2 μ ϕ μ ϕ - 1 2 m 2 ϕ 2 ,

calculando a densidade hamiltoniana

(64) KG = 1 2 ϕ ˙ 2 + 1 2 ( ϕ ) 2 + 1 2 m 2 ϕ 2 ,

expandindo o campo clássico de Klein-Gordon ϕ(x) em modos de Fourier e procedendo a quantização canônica obtem-se precisamente o operador hamiltoniano (59) com espectro de autovetores e autovalores dado respectivamente por (60) e (61).

Dessa forma fica claro como o conceito de TQC compatibiliza a MQ com a TRE. Exemplificamos com um dos principais modelos de TQC relativística, qual seja, o campo de Klein-Gordon. Reiteramos que a equação de Klein-Gordon (34) é uma equação de movimento clássica8 8 Clássica aqui no sentido de contraposição a quântica. Apesar de relativística, a equação de Klein-Gordon é uma equação de movimento para um campo clássico no mesmo sentido que as equações de Maxwell para o campo eletromagnético. Veja mais detalhes sobre a equação de Klein-Gordon no apêndice final. e, respondendo à pergunta posta no final da seção anterior, o operador hamiltoniano (59) agindo no espaço de estados fornece a versão da ES (16) para a teoria quântica do campo de Klein-Gordon. A simplicidade neste exemplo decorre do fato de termos uma teoria livre. O hamiltoniano (59) pode ser prontamente diagonalizado e seus autovetores (60) constituem uma base para o espaço de Hilbert. Infelizmente tal simplicidade não se estende ao caso com interações.

5. Uma Aplicação Importante: Física de Partículas Elementares

Conforme vimos na introdução, um dos maiores sucessos da teoria quântica de campos reside em sua aplicação na descrição da fenomenologia de partículas elementares através do conhecido modelo padrão. Nesta seção discutiremos os rudimentos de um modelo simples de eletrodinâmica quântica apenas para dar um gosto inicial ao leitor que certamente continuará seus estudos com parcimônia em textos mais avançados.

O exemplo de teoria quântica de campos relativístico apresentado na seção anterior descreve um campo de Klein-Gordon livre. Para obtermos um modelo mais interessante e útil precisamos introduzir interações entre os campos. Digamos que estejamos interessados em descrever a interação entre um píon carregado (spin zero) e um elétron (spin meio) através do campo eletromagnético (spin um). Construimos então um sistema composto por campos de Klein-Gordon, Dirac e Maxwell com densidades lagrangianas dadas respectivamente por

(65) KG = μ ϕ * μ ϕ - M | ϕ | 2 ,

(66) D = ψ ¯ ( i ∂̸ - m ) ψ ,

e

(67) M = - 1 4 F μ ν F μ ν - 1 2 ( μ A μ ) 2 .

As quantidades M e m acima representam as massas do píon e elétron respectivamente. O segundo termo em (67) é responsável pela fixação da liberdade de calibre9 9 Uma introdução elementar ao conceito de liberdade de calibre pode ser vista em [32]. associada ao campo eletromagnético. A densidade lagrangiana total, definindo o modelo, é dada por

(68) = KG + D + M + I

onde o último termo descreve a interação entre os campos sendo dado por

(69) I = e ψ ¯ ψ + i e A μ ( ϕ μ ϕ * - ϕ * μ ϕ ) + e 2 A 2 | ϕ | 2 .

Partindo da lagrangiana (68) é necessário efetuar todo o procedimento de quantização do modelo. Seguindo a prescrição canônica, calculamos a densidade hamiltoniana e parênteses de Poisson, introduzimos operadores de criação e aniquilação, definimos o espaço de estados etc. No entanto trata-se de um processo altamente não trivial – as complicações provenientes dos termos de interação não permitem uma diagonalização tão simples como no caso livre e precisamos de formas engenhosas de utilização de teoria de perturbação – ao longo do caminho surgem vários percalços técnicos tais como existência de vínculos, invariância de gauge, regularização, renormalização e outros.

Andando a passos largos, no final da história precisamos extrair algo da teoria que possa ser diretamente confrontado com a experiência. Uma grandeza chave no presente caso seria a seção de espalhamento para colisão píon elétron, que pode ser calculada a partir da amplitude de probabilidade

(70) = e - π + | e - π + .

A partir da teoria quântica de campos correspondente a (68) a amplitude pode ser calculada perturbativamente.

Os termos da série perturbativa podem ser representados por diagramas de Feynman. A Figura 2 abaixo indica o termo não-trivial de ordem mais baixa para a amplitude . O cálculo desse diagrama é feito a partir do termo de interação (69) usando as características da teoria que podem ser traduzidas nas famosas regras de Feynman. Para uma primeira visão geral de TQC podemos parar por aqui. Instigamos o leitor a continuar e persistir a partir de textos padrão tais como os citados nas referências bem como cursando as disciplinas tradicionais de TQC a nível de pós-graduação em física. Estendemos o convite para que o leitor não só venha a compreender os detalhes e métodos da TQC como venha também a dar sua contribuição científica nesta vasta área do conhecimento de tamanha beleza e ainda muito fértil em problemas em aberto.

Figure 2
Diagrama de Feynmann para processo de colisão elétron píon.

6. Conclusão

Fornecemos uma breve introdução elementar didática e motivadora à TQC sem entrar muito a fundo em detalhes técnicos. A partir daqui o estudante interessado pode prosseguir mais seriamente sua caminhada. Sendo a jornada longa, árdua e com muitos cálculos pela frente, esperamos ter elencado argumentos suficientes para uma motivação inicial mostrando os fundamentos e objetivos da TQC.

Analisando agora as afirmações postas no preâmbulo vemos que somente uma pode ser considerada inteiramente correta.

  • A teoria da relatividade torna tempo e espaço completamente equivalentes, tratando-os, merecidamente, de forma igual. Incorreto. Através da métrica (3) percebemos que a diferença entre espaço e tempo reside de certa forma num sinal algébrico. Conforme vimos no primeiro contra-exemplo da seção 2 2. Os Dois Pilares da Física Moderna Antes de entrarmos efetivamente em teoria de campos, utilizaremos essa seção para revisar ideias básicas que supomos bem conhecidas do leitor. Nossa física contemporânea segue dois preceitos fundamentais estabelecidos na primeira metade do século XX, nomeadamente, teoria da relatividade e mecânica quântica. Novas teorias e modelos para descrição de nosso universo ou fenômenos específicos são propostos na comunidade científica a todo momento, a exigência de compatibilidade com esses dois pilares, no entanto, é um crivo praticamente sine qua non. Vamos discutir as ideias principais desses dois paradigmas a seguir, buscando em cada qual sua essência. primeiro paradigma Qual a essência da teoria da relatividade especial (TRE)? É bem sabido que a TRE surgiu a partir de questionamentos de Einstein sobre a observação de um mesmo fenômeno através de diferentes referenciais inerciais. Podemos então colocar como característica principal da TRE a exigência de invariância (ou covariância) frente a transformações de Lorentz (TL). Na Figura 1 abaixo ilustramos uma particular TL, denominada boost na direção X, relacionando dois referenciais inerciais S e S′. Se permitirmos boosts arbitrários em qualquer direção e adicionarmos também rotações, temos o grupo de transformações de Lorentz. Mais especificamente, utilizando a tradicional notação relativística, uma TL de um sistema de referência de coordenadas inercial xμ para outro x′⁣μ é uma transformação linear (1) x ′ ⁣ μ = Λ ν μ ⁢ x ν , μ , ν = 0 , … ⁢ ,3 , onde Λνμ indica uma matriz 4×4 de entradas reais satisfazendo (2) Λ μ ρ ⁢ Λ ν σ ⁢ η ρ ⁢ σ = η μ ⁢ ν . Com o símbolo ημ⁢ representamos a métrica do espaço-tempo flat de Minkowski que, por convenção, escolhemos aqui como (3) η μ ⁢ ν = ( 1 0 0 0 0 - 1 0 0 0 0 - 1 0 0 0 0 - 1 ) . Figure 1 Exemplo básico de TL: boost na direção X com velocidade relativa β=vc. Matricialmente a equação (2) pode ser também escrita de forma prática como (4) Λ T ⁢ η ⁢ Λ = η . Portanto, qualquer matriz real quadrada de ordem quatro Λ que satisfaça a condição (4) acima caracteriza uma específica transformação de Lorentz. Por exemplo, o leitor pode facilmente obter a matriz Λνμ para o caso do boost representado na Figura 1 e verificar explicitamente a concordância com (4). Tratando-se de uma transformação linear, uma TL mistura as quatro coordenadas xμ (as novas coordenadas x′⁣μ constituem uma combinação linear das antigas xμ). Em particular mistura espaço e tempo. Logo, surge o questionamento natural: Então quer dizer que espaço e tempo são a mesma coisa? A assinatura da métrica (3) mostra que não é bem assim, vejamos a seguir dois contra-exemplos interessantes de transformação de Lorentz. um contra-exemplo Procuremos o caso mais radical possível de uma transformação de coordenadas que leve tempo integralmente em espaço e vice-versa. Digamos c⁢t→x e x→c⁢t, que escrevemos matricialmente num subespaço de dimensão dois como (5) ( c ⁢ t ′ x ′ ) = Λ ⁢ ( c ⁢ t x ) ⁢ com ⁢ Λ = ( 0 1 1 0 ) . Claramente não temos aqui uma TL pois (6) ( 0 1 1 0 ) ⁢ ( 1 0 0 - 1 ) ⁢ ( 0 1 1 0 ) ≠ ( 1 0 0 - 1 ) e a equação (4) não é satisfeita. outro contra-exemplo Como segundo contra-exemplo analisemos a famosa transformação de coordenadas para a frente de luz dada por (7) { x + = ( x 0 + x 1 ) / 2 , x - = ( x 0 - x 1 ) / 2 . Trata-se de uma transformação de coordenadas muito útil e prática frequentemente utilizada para resolver problemas de pesquisa em física de altas energias.2 Em particular a transformação (7) proporciona a conhecida solução geral de d’Alembert para a equação de onda em duas dimensões. Trata-se de uma TL? Reescrevendo (7) como (8) ( x + x - ) = 2 2 ⁢ ( 1 1 1 - 1 ) ⁢ ( x 0 x 1 ) e substituindo a correspondente matriz de transformação em (4) o leitor pode facilmente constatar que (7) não é uma TL, indicando que as coordenadas x+ e x- não podem ser interpretadas como tempo ou espaço. Ou seja TL são transformações lineares entre as coordenadas xμ de referenciais inerciais mas não quaisquer transformações lineares, e sim somente aquelas que satisfazem (4) ou, equivalentemente, (2). Do ponto de vista matemático uma análise minuciosa mostra que as TL constituem um grupo de Lie de dimensão seis, formado por boosts e rotações espaciais. Incluindo também translações espaciais e temporais obtemos o grupo de Poincaré relacionando dois sistemas inerciaisagora por (9) x ′ ⁣ μ = Λ ν μ ⁢ x ν + b μ , sendo bμ o parâmetro de translação. O grupo de Poincaré também constitui um grupo de Lie, desta feita de dimensão dez, cujos geradores Lμ⁢ν e Pμ satisfazem a álgebra (10) [ L μ ⁢ ν , L ρ ⁢ σ ] = η ν ⁢ ρ ⁢ L μ ⁢ σ + η μ ⁢ σ ⁢ L ν ⁢ ρ - η μ ⁢ ρ ⁢ L ν ⁢ σ - η ν ⁢ σ ⁢ L μ ⁢ ρ , (11) [ L μ ⁢ ν , P ρ ] = P μ ⁢ δ ρ ν - P ν ⁢ δ ρ μ , e (12) [ P μ , P ν ] = 0 . Qualquer teoria consistente com a TRE deve propiciar representações em espaços vetoriais do grupo de Poincaré. segundo paradigma Passando agora para a mecânica quântica, semelhantemente indagamos: Qual a essência da mecânica quântica? Dependendo de estilo e gosto, várias respostas seriam possíveis. Mas, para evitar controvérsias, e procurando objetividade, modifiquemos a pergunta para: Qual a equação principal da mecânica quântica? Uma delas com certeza é a equação de Schrödinger (ES). Todo amante da física sabe a ES de coração, certo? Abaixo apresentamos três possibilidades: (13) H ⁢ ψ = E ⁢ ψ , (14) - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ d 2 ⁢ ψ ⁢ ( x ) d ⁢ x 2 + V ⁢ ( x ) ⁢ ψ ⁢ ( x ) = E ⁢ ψ ⁢ ( x ) , (15) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ψ ⁢ ( x , t ) = ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 + V ⁢ ( x ) ) ⁢ ψ ⁢ ( x , t ) . Possivelmente o leitor escreveu uma quarta no preâmbulo. Parece que cada livro-texto tem uma ES diferente! Ocorre que as equações (13), (14) e (15) são todas “casos particulares”. Temos em mãos, digamos, uma equação de autovalor (13) onde falta caracterizar o espaço vetorial e o operador hamiltoniano H. Este último poderia ser obtido, talvez, pelo termo do lado esquerdo da equação (14) agindo sobre ψ, mas aqui somente temos uma variável espacial x (situação bem particular). E onde está a dinâmica? Já a terceira, equação (15), por envolver a variável temporal, parece um pouco mais geral oferecendo uma dinâmica de evolução ao longo do tempo. Mas e se a partícula tiver spin ou outros graus de liberdade internos? E se o sistema for constituído por mais de uma partícula? De fato essas e outras particulares equações de Schrödinger decorrem do postulado geral de evolução dinâmica de estado em um sistema quântico, que aqui denominaremosa ES por excelência, com artigo definido, escrita em toda sua generalidade como (16) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ | ψ , t ⟩ = H ⁢ | ψ , t ⟩ . No presente texto, quando mencionarmos a ES, por vezes adjetivando de geral ou fundamental, estaremos nos referindo à equação (16) acima.3 O paradigma quântico na pintura de Schrödinger afirma então que: Dado um sistema físico, a partir de seus graus de liberdade, definimos um espaço de Hilbert 𝒱 contendo seus possíveis estados |ψ⟩∈𝒱. Denotamos por T⁢(𝒱) o conjunto de todos os operadores lineares de 𝒱 em 𝒱. Em seguida construimos o operador hamiltoniano H∈T⁢(𝒱) responsável pela dinâmica do sistema. Parametrizando os estados em 𝒱 pela variável real tempo, a evolução temporal de um dado estado físico |ψ,t⟩ é regida pela ES fundamental (16). Operadores autoadjuntos em T⁢(𝒱) caracterizam os observáveis quânticos. Dado um estado físico, calculamos probabilidades de medida de autovalores associados a observáveis. Vejamos dois exemplos práticos: um exemplo: um grau de liberdade contínuo Suponha o sistema físico de interesse constituído por uma única partícula de massa m, cuja posição x pode ser medida ao longo de um eixo real X, submetida ao potencial V⁢(x). Construimos um espaço de Hilbert de dimensão infinita 𝒱 gerado pela base ℬ de autovetores de posição |x⟩, isto é, (17) ℬ = { | x ⟩ ; x ∈ ℝ } , 𝒱 = [ ℬ ] . A evolução dinâmica do sistema é ditada pelo hamiltoniano (18) H = P 2 2 ⁢ m + V ⁢ ( X ) , sendo P,X∈T⁢(𝒱) os operadores momento e posição respectivamente. Projetando então a ES fundamental (16) na base |x⟩ obtemos (19) i ⁢ ℏ ⁢ ⟨ x | ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ | ψ , t ⟩ = ⟨ x | ⁢ H ⁢ | ψ , t ⟩ . Substituindo o hamiltoniano (18) e considerando que o operador momento P atua na base de posição proporcional à derivada espacial, reescrevemos (19) como (20) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ⁡ ψ ⁢ ( x , t ) ∂ ⁡ t = - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∂ 2 ⁡ ψ ⁢ ( x , t ) ∂ ⁡ x 2 + V ⁢ ( x ) ⁢ ψ ⁢ ( x , t ) , com a função de onda ψ⁢(x,t) definida por (21) ψ ⁢ ( x , t ) ≡ ⟨ x | ψ , t ⟩ . Note que a equação diferencial (20) nada mais é do que a antiga (15) restrita a uma dimensão espacial. Fica claro então que a ES (20) é obtida como caso particular para o presente problema como consequência da ES fundamental geral (16). outro exemplo: um grau de liberdade discreto Analisemos em seguida um férmion de spin 1/2, digamos um elétron, na presença de um campo magnético uniforme B, fixo na direção Z. O elétron se encontra em movimento no espaço tridimensional, contudo, suponha que o aparato experimental não permita, ou não tenhamos interesse em, medidas de posição ou momento. Estamos interessados e podemos efetivamente medir as componentes de spin ao longo de qualquer direção espacial. Para construirmos o espaço de Hilbert, selecionamos a direção fixa Z, associamos o operador autoadjunto Sz ao observável projeção de spin na direção Z e definimos os dois autovetores |+⟩ e |-⟩ relativos aos dois possíveis resultados da medida ±ℏ/2. Definimos então o espaço de Hilbert 𝒱 como sendo o espaço gerado pela base ortonormal (22) ℬ = { | + ⟩ , | - ⟩ } . ou seja, (23) 𝒱 = [ ℬ ] = { α ⁢ | + ⟩ + β ⁢ | - ⟩ ; α , β ∈ ℂ } . Veja que, contrariamente ao exemplo anterior de dimensão infinita, agora o espaço vetorial 𝒱 possui dimensão dois. O campo magnético B privilegia a direção espacial Z através do operador hamiltoniano que aqui definimos por (24) H = e m ⁢ c ⁢ B ⋅ S , sendo e e m respectivamente a carga e a massa do elétron, c a velocidade da luz e S o operador spin. De forma mais compacta podemos reescrever (24) como (25) H = ω ⁢ S z onde definimos (26) ω ≡ e ⁢ B m ⁢ c e o operador Sz componente de spin na direção Z é dado por (27) S z = ℏ 2 ⁢ { | + ⟩ ⁢ ⟨ + | - | - ⟩ ⁢ ⟨ - | } . Naturalmente H age no espaço bidimensional (23) através de Sz. O análogo à função de onda agora, dado pela projeção dos vetores de base sobre os estados, são os coeficientes (28) α ⁢ ( t ) = ⟨ + | ψ , t ⟩ ⁢ e ⁢ β ⁢ ( t ) = ⟨ - | ψ , t ⟩ . Partindo da ES fundamental (16), utilizando o hamiltoniano (25) e projetando na base (22) obtemos (29) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ⟨ ± | ψ , t ⟩ = ⟨ ± | ω ⁢ S z | ⁢ ψ , t ⟩ , ou seja, denotando derivadas temporais em relação ao tempo por um ponto sobre a função, (30) i ⁢ α ˙ = ω ⁢ α 2 ⁢ e ⁢ i ⁢ β ˙ = ω ⁢ β 2 , levando à solução geral para a evolução dinâmica de estado (31) | ψ , t ⟩ = α ⁢ ( 0 ) ⁢ exp ⁡ ( - i ⁢ ω ⁢ t 2 ) ⁢ | + ⟩ + β ⁢ ( 0 ) ⁢ exp ⁡ ( + i ⁢ ω ⁢ t 2 ) ⁢ | - ⟩ , que interpretamos como precessão de spin em torno do campo magnético colinear à direção Z. A investigação desses dois exemplos simples nos mostra como a mesma ES geral (16) descreve diferentes sistemas de acordo com as peculiares e particularidades do espaço de Hilbert dos estados 𝒱 e do hamiltoniano H. Observe que as equações (30), provenientes de (29), podem ser interpretadas como uma ES particular para o exemplo 2. Elas possuem derivadas temporais de primeira ordem herdadas da ES fundamental (16) mas não têm derivadas espaciais pois o grau de liberdade associado ao espaço de Hilbert (23) é discreto. Bem relembrados e entendidos esses conceitos fundamentais de TRE e MQ, na próxima seção começaremos, enfim, a falar sobre teoria de campos. , levar tempo em espaço e vice-versa não é uma TL aceitável.

  • Considerando que a melhor descrição atual das interações fundamentais da natureza se baseia no conceito de campo, conceituamos que em física, um campo é simplesmente uma função definida no espaço-tempo. Correto, de acordo com a definição apresentada no início da seção 4 4. Teoria de Campos Para entendermos o que é teoria de campos, obviamente precisamos primeiro de uma importante definição. O que é exatamente um campo? Por definição, um campo 𝒞 é uma função ou aplicação a partir de um subconjunto ℳ do espaço-tempo como domínio, tomando valores em um contradomínio ℰ que caracteriza a natureza do campo (37) 𝒞 : ℳ ⊂ ℝ 4 ⟶ ℰ . Tomemos por primeiro exemplo o campo eletromagnético clássico em que o contradomínio é ℝ6, devido a termos três componentes espaciais reais para o campo elétrico e três para o magnético. Nesse caso a cada ponto do espaço-tempo associamos dois vetores E e B. Modificando a natureza do contradomínio ℰ podemos ter, digamos, um campo de temperaturas, campos reais ou complexos, campos matriciais, campos de funções, campos de spinores, operadores etc. O mesmo campo eletromagnético clássico acima citado poderia, alternativamente, ser descrito por um campo tensorial antissimétrico Fμ⁢ν de seis componentes independentes,5 com a vantagem de se comportar como um tensor frente a transformações de Lorentz da forma (1). E o que viria a ser um campo quântico? Na abordagem canônica os campos quânticos são campos de operadores, ou seja, o contradomínio ℰ representa um conjunto de operadores atuando em determinado espaço de Hilbert 𝒱 onde são representados os estados físicos. Nesse caso ℰ=T⁢(𝒱) e os operadores são funções do espaço-tempo, nesse sentido estamos de fato lidando com uma teoria quântica de campos. O correspondente espaço de Hilbert 𝒱 deve ter suas características ditadas pelos graus de liberdade do sistema físico, conforme vimos no paradigma da MQ. exemplo não-relativístico Para fixarmos as ideias, vamos construir uma primeira teoria quântica de campos não-relativística.6 Considere um sistema quântico constituído por n partículas de massa m na presença de um potencial externo U⁢(x). Definimos um espaço de Hilbert inicial como o espaço vetorial formado por funções de onda complexas da forma (38) ψ = ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) com evolução dinâmica regida pelo operador hamiltoniano H = ∑ i = 1 n ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ i 2 + U ⁢ ( x i ) ) + ∑ i = 1 n ∑ j = 1 i - 1 V ⁢ ( x i - x j ) , onde V⁢(x) denota um potencial de interação interno entre os pares de partículas. Note que H age sobre o espaço das funções (38) através dos operadores diferenciais presentes em (4). A partir da ES fundamental (16) podemos escrever imediatamente a ES particular para o presente problema como (40) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ψ = H ⁢ ψ com ψ e H definidos, respectivamente, por (38) e (4). Note que até aqui ainda não tem nada de teoria de campos, estamos falando apenas de mecânica quântica usual para um sistema de n partículas. Em seguida, por motivos em princípio puramente didáticos, gostaríamos de, alternativamente, descrever esse mesmo sistema através de uma teoria quântica de campos de fato. Com esse intuito introduzimos os operadores (41) a ⁢ ( x ) ⁢ e ⁢ a † ⁢ ( x ) satisfazendo as relações de comutação (42) [ a ⁢ ( x ) , a ⁢ ( x ′ ) ] = [ a † ⁢ ( x ) , a † ⁢ ( x ′ ) ] = 0 , e (43) [ a ⁢ ( x ) , a † ⁢ ( x ′ ) ] = δ 3 ⁢ ( x - x ′ ) . Mais precisamente a⁢(x) e a†⁢(x) constituem campos quânticos estáticos, isto é, a cada ponto x∈ℝ3 do espaço físico associamos operadores a⁢(x) e a†⁢(x). Note também que, para cada ponto espacial x∈ℝ3, devido às relações de comutação (42) e (43), os operadores a⁢(x) e a†⁢(x) se comportam como operadores de criação e aniquilação de um quantum de energia de um oscilador harmônico quântico usual. Precisamos agora determinar onde exatamente (em que espaço matemático) os operadores (41) atuam. Sabendo que, na descrição de MQ usual, os estados físicos para o sistema quântico em tela são caracterizados pelas funções de onda (38), construimos a seguir um segundo espaço de Hilbert para a correspondente teoria quântica de campos através dos estados (44) | ψ , t ⟩ = ∫ d 3 ⁢ x 1 ⁢ … ⁢ d 3 ⁢ x n ⁢ ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) a † ⁢ ( x 1 ) ⁢ … ⁢ a † ⁢ ( x n ) ⁢ | 0 ⟩ exigindo que (45) a ⁢ ( x ) ⁢ | 0 ⟩ = 0 . O estado |0⟩ é denominado vácuo da teoria. Ou seja, o novo espaço de Hilbert tem a capacidade de descrever inclusive estados com número de partículas variável. Interpretamos o vácuo |0⟩ como o estado contendo nenhuma partícula, a partir do qual podemos construir estados contendo partículas localizadas aplicando o operador de criação a†⁢(x). Dessa forma, por exemplo, (46) | α ⟩ = a † ⁢ ( x ) ⁢ | 0 ⟩ denota o estado quântico contendo uma partícula localizada no ponto espacial x∈ℝ3 e assim por diante. Naturalmente, a partir desses estados básicos podemos efetuar combinações lineares e o ket (4) denota o estado físico de n partículas descrito pela função de onda (38) no qual as partículas não estão necessariamente localizadas. Note que em (4), a função de onda entra fazendo o papel dos coeficientes da combinação linear que é dada nesse caso por uma “soma contínua”, ou seja, uma integral múltipla. Tendo pronto o espaço de Hilbert dos estados físicos de nossa teoria de campos, definimos agora o operador hamiltoniano como (47) ℍ = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 + U ⁢ ( x ) ) ⁢ a ⁢ ( x ) + 1 2 ⁢ ∫ d 3 ⁢ x ⁢ d 3 ⁢ y ⁢ V ⁢ ( x - y ) ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ a † ⁢ ( y ) ⁢ a ⁢ ( y ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Temos em mão duas descrições alternativas para o mesmo sistema quântico. O leitor pode agora mostrar a partir das relações de comutação (42) e (43) que o estado físico (4) satisfaz à equação fundamental (16) com ℍ dado por (47) se e somente se a função de onda (38) com hamiltoniano (4) satisfaz (40). Portanto, na descrição de TQC, na equação de Schrödinger fundamental (16) consideramos o operador hamiltoniano dado por (47) e o espaço de Hilbert contendo estados físicos da forma (38). A partir dos operadores (41) atuando no espaço de estados da teoria quântica de campos podemos construir observáveis tais como, por exemplo, o operador número de partículas (48) N = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Aplicando (48) sobre o váculo |0⟩, (46) e (38) obtemos respectivamente7 (49) N ⁢ | 0 ⟩ = 0 , N ⁢ | α ⟩ = | α ⟩ e N ⁢ | ψ , t ⟩ = n ⁢ | ψ , t ⟩ , indicando serem autoestados do operador número contendo respectivamente zero, uma e n partículas. Dessa forma, na descrição via formalismo de TQC, obtivemos um ganho em generalidade em relação ao número de partículas. Para esse sistema especificamente, N é uma constante de movimento pois, conforme pode ser checado a partir de (47), temos (50) [ N , ℍ ] = 0 . Modificando ℍ contudo (outra dinâmica para este mesmo espaço de Hilbert), abrimos a possibilidade para descrevermos outros sistemas com número de partículas variável. o caso livre Para o caso sem interação, substituindo U⁢(x)=V⁢(x)=0 no hamiltoniano anterior (47), obtemos uma teoria de campos livre não relatística com hamiltoniano (51) ℍ NR = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Com o intuito de ganharmos em entendimento e interpretação vamos analisar essa mesma teoria livre por outro ponto de vista. Tomando ℏ=1 por simplicidade e trocando a variável muda de integração de x para p através da transformada de Fourier (52) a ~ ⁢ ( p ) = ∫ d 3 ⁢ x ( 2 ⁢ π ) 3 / 2 ⁢ e - i ⁢ p ⋅ x ⁢ a ⁢ ( x ) , podemos reescrever (51) como (53) ℍ NR = ∫ d 3 ⁢ p ⁢ 1 2 ⁢ m ⁢ p 2 ⁢ a ~ † ⁢ ( p ) ⁢ a ~ ⁢ ( p ) . Substituindo (52) em (42) e (43) verificamos que os operadores tilda no espaço de momentos agora satisfazem às relações de comutação (54) [ a ~ ⁢ ( p ) , a ~ ⁢ ( p ′ ) ] = [ a ~ † ⁢ ( p ) , a ~ † ⁢ ( p ′ ) ] = 0 , e (55) [ a ~ ⁢ ( p ) , a ~ † ⁢ ( p ′ ) ] = δ 3 ⁢ ( p - p ′ ) com (56) a ~ ⁢ ( p ) ⁢ | 0 ⟩ = 0 . O estado de uma partícula livre de momento linear bem definido p pode ser escrito como (57) | p ⟩ = a † ⁢ ( p ) ⁢ | 0 ⟩ . Note que (57) é um autoestado do hamiltoniano (53) com autovalor de energia p22⁢m, explicitamente temos (58) ℍ NR ⁢ | p ⟩ = p 2 2 ⁢ m ⁢ | p ⟩ . Esse autovalor de energia não-relatístico claramente nos instiga a procurar compatibilizar (53) com a TRE. Como modificar a equação (53) nesse sentido? Como generalizar para o caso relativístico? Pense um pouco antes de prosseguir a leitura. incluindo a relatividade Claro, a generalização para uma teoria relativística é agora simples e imediata. Considerando a relação de energia relativística (33), basta a partir de (53) redefinir (59) ℍ R = ∫ d 3 ⁢ p ⁢ ( p 2 ⁢ c 2 + m 2 ⁢ c 4 ) 1 / 2 ⁢ a ~ † ⁢ ( p ) ⁢ a ~ ⁢ ( p ) e – abracadabra! – obtemos uma teoria quântica de campos relativística! Na realidade, observando atentamente (59), o leitor mais experiente talvez reconheça aqui um sistema físico simples bastante familiar no contexto introdutório de teoria quântica de campos. Continuando a análise, o vetor de estado (60) a ~ † ⁢ ( p 1 ) ⁢ … ⁢ a ~ † ⁢ ( p n ) ⁢ | 0 ⟩ representa um estado físico constituído por n partículas de momentos bem definidos p1,…,pn com autovalor de energia total (61) E ⁢ ( p 1 ) + ⊋ + E ⁢ ( p n ) onde (62) E ⁢ ( p ) ≡ ( p 2 ⁢ c 2 + m 2 ⁢ c 4 ) 1 / 2 . O hamiltoniano ℍR aqui obtido de forma natural generalizando uma teoria de campos não-relativística nada mais é do que o hamiltoniano quântico associada ao famoso campo de Klein-Gordon. De fato, conforme o leitor pode conferir nas páginais iniciais de livros-texto tradicionais de TQC [6, 7, 9, 10, 17, 20], partindo da densidade lagrangiana clássica de Klein-Gordon (63) ℒ KG = 1 2 ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ - 1 2 ⁢ m 2 ⁢ ϕ 2 , calculando a densidade hamiltoniana (64) ℋ KG = 1 2 ⁢ ϕ ˙ 2 + 1 2 ⁢ ( ∇ ⁡ ϕ ) 2 + 1 2 ⁢ m 2 ⁢ ϕ 2 , expandindo o campo clássico de Klein-Gordon ϕ⁢(x) em modos de Fourier e procedendo a quantização canônica obtem-se precisamente o operador hamiltoniano (59) com espectro de autovetores e autovalores dado respectivamente por (60) e (61). Dessa forma fica claro como o conceito de TQC compatibiliza a MQ com a TRE. Exemplificamos com um dos principais modelos de TQC relativística, qual seja, o campo de Klein-Gordon. Reiteramos que a equação de Klein-Gordon (34) é uma equação de movimento clássica8 e, respondendo à pergunta posta no final da seção anterior, o operador hamiltoniano (59) agindo no espaço de estados fornece a versão da ES (16) para a teoria quântica do campo de Klein-Gordon. A simplicidade neste exemplo decorre do fato de termos uma teoria livre. O hamiltoniano (59) pode ser prontamente diagonalizado e seus autovetores (60) constituem uma base para o espaço de Hilbert. Infelizmente tal simplicidade não se estende ao caso com interações. . Não existe mistério no conceito de campo desde que atentemos para o fato de que podemos ter diferentes tipos de campo dependendo da escolha do contradomínio.

  • A segunda quantização complementa a primeira, promovendo a própria função de onda também ao patamar de operador. Pelo menos parcialmente incorreto. Uma vez que não efetuamos duas quantizações em sequência, uma não pode “complementar” a outra. Veja o último parágrafo da seção 3 3. Uma Aparente Incompatibilidade Na seção anterior efetuamos uma discussão sobre os dois principais paradigmas da física contemporânea. Quanto a seu escopo de validade, lembramos que a relatividade especial descreve corpos em movimento com velocidade elevada em comparação à velocidade da luz no vácuo, enquanto a mecânica quântica descreve sistemas de dimensões moleculares ou menores. Estamos agora interessados em estudar sistemas que simultaneamente tenham dimensões subatômicas e altas velocidades. Ou seja, precisamos de uma teoria que una os dois paradigmas anteriores em um só. o problema Ocorre que, considerando uma primeira análise rápida e superficial, por variadas razões, a mecânica quântica tradicional e a relatividade especial parecem em princípio incompatíveis entre si. Essa problemática é abordada em vários livros-texto introdutórios de teoria de campos ou física de partículas nos quais usualmente se mostra em detalhes que: A equação de Schrödinger para uma partícula na forma (15) contém uma derivada primeira em relação ao tempo e derivadas espaciais de segunda ordem, não sendo portanto compatível com a relação relativística de energia. No caso livre em que V⁢(x)=0, por exemplo, a ES não relativística para uma partícula pode ser pensada como proveniente da relação clássica de energia cinética (32) E = p 2 2 ⁢ m que deveria ser generalizada para a correspondente relativística (33) E 2 = c 2 ⁢ p 2 + m 2 ⁢ c 4 . No entanto, tentativas de generalizar a equação de Schrödinger usual (15) para a de Klein-Gordon4 ou Dirac4 conduzem a autovalores de energia negativos. Se interpretarmos as equações relativísticas de Klein-Gordon ou Dirac como generalizações da ES, a densidade de probabilidade proveniente da função de onda deixa de ser positiva definida. A metodologia de trabalho usual da MQ fica então seriamente comprometida. No caso específico da equação de Dirac, uma interpretação engenhosa foi proposta por seu autor em que se consideram todos os possíveis níveis de energia negativa ocupados – o famoso “mar de Dirac”. Tal ideia possui a virtude de prever a existência do pósitron como uma lacuna no espectro de energias. No entanto, nesse caso, passamos de uma teoria de uma partícula para outra de infinitas partículas, além de não resolvermos o problema dos bosons que não seguem o princípio da exclusão de Pauli. Além das bem conhecidas colocações acima que parecem sugerir serem relatividade especial e mecânica quântica incompatíveis entre si, no presente texto, gostaríamos de ressaltar os seguintes três pontos essenciais: A equação de Schrödinger na forma (15) não é invariante frente a uma TL. Propostas de equações diferenciais para ES que não sejam de primeira ordem no tempo são naturalmente inconsistentes com a ES fundamental (16). Por exemplo a equação de Klein-Gordon4 que pode ser escrita como (34) ( ∂ μ ⁡ ∂ μ + m 2 ) ⁢ ϕ ⁢ ( x ) = 0 com x=(c⁢t,x), é compatível com a TRE, sendo invariante frente a uma TL da forma (1), mas é incompatível com a MQ, no sentido de não poder representar um caso particular da equação (16), por ser de segunda ordem no tempo. A relatividade permite mudanças de referencial que misturam e intercambiam tempo e espaço, digamos o boost (35) x ′ ⁣ 1 = γ ⁢ ( x 1 - β ⁢ x 0 ) , x ′ ⁣ 0 = γ ⁢ ( x 0 - β ⁢ x 1 ) . representado na Figura 1. Contudo, a mecânica quântica tradicional trata espaço e tempo de forma conceitual bem diferenciada: espaço ⟶ posição ⟶ operador, tempo ⟶ único ⟶ parâmetro. Associamos um operador à posição enquanto o tempo é um parâmetro real de evolução. Dependendo do referencial portanto, uma TL mesclaria operador e parâmetro real. Para o caso de um sistema com mais de uma partícula usualmente escrevemos a função de onda como (36) ψ = ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) , com n indicando o número total de partículas. Veja a flagrante assimetria, várias posições e somente um valor único para o tempo. a solução Existe mais de uma forma de abordar e resolver o dilema acima, aqui utilizaremos o mais simples que vem a ser justamento o paradigma de teoria quântica de campos. O formalismo a ser desenvolvido adiante se pauta basicamente nos seguintes três preceitos em contraposição aos pontos anteriores para obtermos uma descrição quântica compatível com a relatividade: Apesar da ES na forma (15) não ser invariante frente a uma TL, a ES fundamental (16) pode de fato satisfazer esta exigência dependendo do hamiltoniano H∈T⁢(𝒱) para determinado espaço vetorial 𝒱. Podemos sim aproveitar as equações diferenciais relativísticas de Klein-Gordon e de Dirac, mas as funções incógnita ϕ ou ψ não são mais funções de onda (portanto não caracterizam o estado de um sistema quântico) mas sim campos a serem quantizados. Não tratamos mais a posição como um operador com autovalores a serem medidos e sim, semelhantemente ao tempo, as coordenadas espaciais agora indicam parâmetros reais. Cada ponto do espaço-tempo, num dado referencial, é indexado por quatro parâmetros xμ=(c⁢t,x). Essa construção é completamente análoga à abordagem quântica tradicional do campo eletromagnético presente nas equações de Maxwell. Como as equações de Maxwell já são covariantes frente a TL podemos passar direto à quantização e obter naturalmente uma teoria quântica de campos relativística. Outra analogia importante ocorre se lembrarmos do antigo e singelo sistema físico constituído por uma única partícula num campo de forças externo. A equação de movimento clássica é a segunda lei de Newton que envolve a variável dinâmica posição da partícula. Veja que a equação diferencial da segunda lei de Newton é de segunda ordem no tempo, mas isso não causa problemas quando efetuamos a quantização desse sistema e obtemos uma ES para a função de onda com derivada temporal de primeira ordem. Para a equação de Klein-Gordon (34), semelhantemente, entendemos ϕ⁢(x) como um conjunto de variáveis dinâmicas (funções do tempo t) indexadas pela posição espacial x. A incompatibilidade entre (34) e a MQ desaparece completamente no momento em que entendemos que a equação de Klein-Gordon é uma equação clássica não precisando portanto ser de primeira ordem no tempo como (16). Naturalmente precisaremos então identificar qual equação de fato fará o papel da ES (16) após a devida quantização do sistema (34). Isso será feito mais adiante na próxima seção. Por razões históricas, o processo em que as funções incógnitas que figuram nas equações diferenciais de Klein-Gordon ou Dirac são, como campos, efetivamente quantizadas, ficou conhecido como segunda quantização com a seguinte (não muito correta) interpretação: Digamos que na “primeira quantização” objetos físicos clássicos tais como posição, momento e energia são levados em operadores a agirem sobre uma “função de onda”. Na “segunda quantização” a própria “função de onda” é por sua vez conduzida também ao papel de operador. Contudo essa interpretação é equivocada devendo ser evitada. Conforme o caso acima mencionado das equações de Maxwell e conforme veremos em detalhes na seção seguinte, em teoria de campos, temos uma única etapa de quantização onde os campos clássicos são levados diretamente em operadores. Por fim, finalizamos esta seção com uma afirmação óbvia mas muitas vezes esquecida: Operador opera. Ou seja, em física, sempre que lidarmos com o conceito de operador, é essencial saber precisamente sobre que espaço operar. Nesse sentido, ao construirmos uma teoria quântica, quer seja de forma direta, indireta ou através de um processo de quantização de uma teoria clássica, tem que ficar muito claro qual é o correspondente espaço de Hilbert dos estados. .

  • Toda teoria quântica de campos é, necessariamente, relativística. Incorreto. Vimos um exemplo explícito de teoria quântica de campos não-relativística na seção 4 4. Teoria de Campos Para entendermos o que é teoria de campos, obviamente precisamos primeiro de uma importante definição. O que é exatamente um campo? Por definição, um campo 𝒞 é uma função ou aplicação a partir de um subconjunto ℳ do espaço-tempo como domínio, tomando valores em um contradomínio ℰ que caracteriza a natureza do campo (37) 𝒞 : ℳ ⊂ ℝ 4 ⟶ ℰ . Tomemos por primeiro exemplo o campo eletromagnético clássico em que o contradomínio é ℝ6, devido a termos três componentes espaciais reais para o campo elétrico e três para o magnético. Nesse caso a cada ponto do espaço-tempo associamos dois vetores E e B. Modificando a natureza do contradomínio ℰ podemos ter, digamos, um campo de temperaturas, campos reais ou complexos, campos matriciais, campos de funções, campos de spinores, operadores etc. O mesmo campo eletromagnético clássico acima citado poderia, alternativamente, ser descrito por um campo tensorial antissimétrico Fμ⁢ν de seis componentes independentes,5 com a vantagem de se comportar como um tensor frente a transformações de Lorentz da forma (1). E o que viria a ser um campo quântico? Na abordagem canônica os campos quânticos são campos de operadores, ou seja, o contradomínio ℰ representa um conjunto de operadores atuando em determinado espaço de Hilbert 𝒱 onde são representados os estados físicos. Nesse caso ℰ=T⁢(𝒱) e os operadores são funções do espaço-tempo, nesse sentido estamos de fato lidando com uma teoria quântica de campos. O correspondente espaço de Hilbert 𝒱 deve ter suas características ditadas pelos graus de liberdade do sistema físico, conforme vimos no paradigma da MQ. exemplo não-relativístico Para fixarmos as ideias, vamos construir uma primeira teoria quântica de campos não-relativística.6 Considere um sistema quântico constituído por n partículas de massa m na presença de um potencial externo U⁢(x). Definimos um espaço de Hilbert inicial como o espaço vetorial formado por funções de onda complexas da forma (38) ψ = ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) com evolução dinâmica regida pelo operador hamiltoniano H = ∑ i = 1 n ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ i 2 + U ⁢ ( x i ) ) + ∑ i = 1 n ∑ j = 1 i - 1 V ⁢ ( x i - x j ) , onde V⁢(x) denota um potencial de interação interno entre os pares de partículas. Note que H age sobre o espaço das funções (38) através dos operadores diferenciais presentes em (4). A partir da ES fundamental (16) podemos escrever imediatamente a ES particular para o presente problema como (40) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ψ = H ⁢ ψ com ψ e H definidos, respectivamente, por (38) e (4). Note que até aqui ainda não tem nada de teoria de campos, estamos falando apenas de mecânica quântica usual para um sistema de n partículas. Em seguida, por motivos em princípio puramente didáticos, gostaríamos de, alternativamente, descrever esse mesmo sistema através de uma teoria quântica de campos de fato. Com esse intuito introduzimos os operadores (41) a ⁢ ( x ) ⁢ e ⁢ a † ⁢ ( x ) satisfazendo as relações de comutação (42) [ a ⁢ ( x ) , a ⁢ ( x ′ ) ] = [ a † ⁢ ( x ) , a † ⁢ ( x ′ ) ] = 0 , e (43) [ a ⁢ ( x ) , a † ⁢ ( x ′ ) ] = δ 3 ⁢ ( x - x ′ ) . Mais precisamente a⁢(x) e a†⁢(x) constituem campos quânticos estáticos, isto é, a cada ponto x∈ℝ3 do espaço físico associamos operadores a⁢(x) e a†⁢(x). Note também que, para cada ponto espacial x∈ℝ3, devido às relações de comutação (42) e (43), os operadores a⁢(x) e a†⁢(x) se comportam como operadores de criação e aniquilação de um quantum de energia de um oscilador harmônico quântico usual. Precisamos agora determinar onde exatamente (em que espaço matemático) os operadores (41) atuam. Sabendo que, na descrição de MQ usual, os estados físicos para o sistema quântico em tela são caracterizados pelas funções de onda (38), construimos a seguir um segundo espaço de Hilbert para a correspondente teoria quântica de campos através dos estados (44) | ψ , t ⟩ = ∫ d 3 ⁢ x 1 ⁢ … ⁢ d 3 ⁢ x n ⁢ ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) a † ⁢ ( x 1 ) ⁢ … ⁢ a † ⁢ ( x n ) ⁢ | 0 ⟩ exigindo que (45) a ⁢ ( x ) ⁢ | 0 ⟩ = 0 . O estado |0⟩ é denominado vácuo da teoria. Ou seja, o novo espaço de Hilbert tem a capacidade de descrever inclusive estados com número de partículas variável. Interpretamos o vácuo |0⟩ como o estado contendo nenhuma partícula, a partir do qual podemos construir estados contendo partículas localizadas aplicando o operador de criação a†⁢(x). Dessa forma, por exemplo, (46) | α ⟩ = a † ⁢ ( x ) ⁢ | 0 ⟩ denota o estado quântico contendo uma partícula localizada no ponto espacial x∈ℝ3 e assim por diante. Naturalmente, a partir desses estados básicos podemos efetuar combinações lineares e o ket (4) denota o estado físico de n partículas descrito pela função de onda (38) no qual as partículas não estão necessariamente localizadas. Note que em (4), a função de onda entra fazendo o papel dos coeficientes da combinação linear que é dada nesse caso por uma “soma contínua”, ou seja, uma integral múltipla. Tendo pronto o espaço de Hilbert dos estados físicos de nossa teoria de campos, definimos agora o operador hamiltoniano como (47) ℍ = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 + U ⁢ ( x ) ) ⁢ a ⁢ ( x ) + 1 2 ⁢ ∫ d 3 ⁢ x ⁢ d 3 ⁢ y ⁢ V ⁢ ( x - y ) ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ a † ⁢ ( y ) ⁢ a ⁢ ( y ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Temos em mão duas descrições alternativas para o mesmo sistema quântico. O leitor pode agora mostrar a partir das relações de comutação (42) e (43) que o estado físico (4) satisfaz à equação fundamental (16) com ℍ dado por (47) se e somente se a função de onda (38) com hamiltoniano (4) satisfaz (40). Portanto, na descrição de TQC, na equação de Schrödinger fundamental (16) consideramos o operador hamiltoniano dado por (47) e o espaço de Hilbert contendo estados físicos da forma (38). A partir dos operadores (41) atuando no espaço de estados da teoria quântica de campos podemos construir observáveis tais como, por exemplo, o operador número de partículas (48) N = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Aplicando (48) sobre o váculo |0⟩, (46) e (38) obtemos respectivamente7 (49) N ⁢ | 0 ⟩ = 0 , N ⁢ | α ⟩ = | α ⟩ e N ⁢ | ψ , t ⟩ = n ⁢ | ψ , t ⟩ , indicando serem autoestados do operador número contendo respectivamente zero, uma e n partículas. Dessa forma, na descrição via formalismo de TQC, obtivemos um ganho em generalidade em relação ao número de partículas. Para esse sistema especificamente, N é uma constante de movimento pois, conforme pode ser checado a partir de (47), temos (50) [ N , ℍ ] = 0 . Modificando ℍ contudo (outra dinâmica para este mesmo espaço de Hilbert), abrimos a possibilidade para descrevermos outros sistemas com número de partículas variável. o caso livre Para o caso sem interação, substituindo U⁢(x)=V⁢(x)=0 no hamiltoniano anterior (47), obtemos uma teoria de campos livre não relatística com hamiltoniano (51) ℍ NR = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Com o intuito de ganharmos em entendimento e interpretação vamos analisar essa mesma teoria livre por outro ponto de vista. Tomando ℏ=1 por simplicidade e trocando a variável muda de integração de x para p através da transformada de Fourier (52) a ~ ⁢ ( p ) = ∫ d 3 ⁢ x ( 2 ⁢ π ) 3 / 2 ⁢ e - i ⁢ p ⋅ x ⁢ a ⁢ ( x ) , podemos reescrever (51) como (53) ℍ NR = ∫ d 3 ⁢ p ⁢ 1 2 ⁢ m ⁢ p 2 ⁢ a ~ † ⁢ ( p ) ⁢ a ~ ⁢ ( p ) . Substituindo (52) em (42) e (43) verificamos que os operadores tilda no espaço de momentos agora satisfazem às relações de comutação (54) [ a ~ ⁢ ( p ) , a ~ ⁢ ( p ′ ) ] = [ a ~ † ⁢ ( p ) , a ~ † ⁢ ( p ′ ) ] = 0 , e (55) [ a ~ ⁢ ( p ) , a ~ † ⁢ ( p ′ ) ] = δ 3 ⁢ ( p - p ′ ) com (56) a ~ ⁢ ( p ) ⁢ | 0 ⟩ = 0 . O estado de uma partícula livre de momento linear bem definido p pode ser escrito como (57) | p ⟩ = a † ⁢ ( p ) ⁢ | 0 ⟩ . Note que (57) é um autoestado do hamiltoniano (53) com autovalor de energia p22⁢m, explicitamente temos (58) ℍ NR ⁢ | p ⟩ = p 2 2 ⁢ m ⁢ | p ⟩ . Esse autovalor de energia não-relatístico claramente nos instiga a procurar compatibilizar (53) com a TRE. Como modificar a equação (53) nesse sentido? Como generalizar para o caso relativístico? Pense um pouco antes de prosseguir a leitura. incluindo a relatividade Claro, a generalização para uma teoria relativística é agora simples e imediata. Considerando a relação de energia relativística (33), basta a partir de (53) redefinir (59) ℍ R = ∫ d 3 ⁢ p ⁢ ( p 2 ⁢ c 2 + m 2 ⁢ c 4 ) 1 / 2 ⁢ a ~ † ⁢ ( p ) ⁢ a ~ ⁢ ( p ) e – abracadabra! – obtemos uma teoria quântica de campos relativística! Na realidade, observando atentamente (59), o leitor mais experiente talvez reconheça aqui um sistema físico simples bastante familiar no contexto introdutório de teoria quântica de campos. Continuando a análise, o vetor de estado (60) a ~ † ⁢ ( p 1 ) ⁢ … ⁢ a ~ † ⁢ ( p n ) ⁢ | 0 ⟩ representa um estado físico constituído por n partículas de momentos bem definidos p1,…,pn com autovalor de energia total (61) E ⁢ ( p 1 ) + ⊋ + E ⁢ ( p n ) onde (62) E ⁢ ( p ) ≡ ( p 2 ⁢ c 2 + m 2 ⁢ c 4 ) 1 / 2 . O hamiltoniano ℍR aqui obtido de forma natural generalizando uma teoria de campos não-relativística nada mais é do que o hamiltoniano quântico associada ao famoso campo de Klein-Gordon. De fato, conforme o leitor pode conferir nas páginais iniciais de livros-texto tradicionais de TQC [6, 7, 9, 10, 17, 20], partindo da densidade lagrangiana clássica de Klein-Gordon (63) ℒ KG = 1 2 ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ - 1 2 ⁢ m 2 ⁢ ϕ 2 , calculando a densidade hamiltoniana (64) ℋ KG = 1 2 ⁢ ϕ ˙ 2 + 1 2 ⁢ ( ∇ ⁡ ϕ ) 2 + 1 2 ⁢ m 2 ⁢ ϕ 2 , expandindo o campo clássico de Klein-Gordon ϕ⁢(x) em modos de Fourier e procedendo a quantização canônica obtem-se precisamente o operador hamiltoniano (59) com espectro de autovetores e autovalores dado respectivamente por (60) e (61). Dessa forma fica claro como o conceito de TQC compatibiliza a MQ com a TRE. Exemplificamos com um dos principais modelos de TQC relativística, qual seja, o campo de Klein-Gordon. Reiteramos que a equação de Klein-Gordon (34) é uma equação de movimento clássica8 e, respondendo à pergunta posta no final da seção anterior, o operador hamiltoniano (59) agindo no espaço de estados fornece a versão da ES (16) para a teoria quântica do campo de Klein-Gordon. A simplicidade neste exemplo decorre do fato de termos uma teoria livre. O hamiltoniano (59) pode ser prontamente diagonalizado e seus autovetores (60) constituem uma base para o espaço de Hilbert. Infelizmente tal simplicidade não se estende ao caso com interações. . A matéria condensada está repleta de aplicações interessantes de teorias de campo não-relativístas. É fato contudo, que para descrevermos os fundamentos da física, tais como por exemplo em física de partículas elementares, precisamos de teorias de campo relativísticas.

Bons estudos!

Apêndice Equações de Klein-Gordon-Fock e Dirac

Apesar de supormos que o leitor já teve contato anterior com as equações de Klein-Gordon e Dirac,10 10 Por exemplo em disciplinas de final de graduação ou início de pós-graduação tais como introdução à física de partículas elementares, mecânica quântica relativística ou mesmo em textos introdutórios de teoria quântica de campos. com o intuito de tornarmos este artigo um pouco mais auto-completo, faremos a seguir uma breve discussão dessas importantes equações relativísticas. Mencionamos de passagem que a equação de Klein-Gordon para uma partícula na presença de um campo magnético externo em coordenadas de frente de luz foi recentemente abordada de maneira bastante didática em [35[35] D.P.M. Filho, J.K.S. Kamassury, S.A.S. Farias, L.H.S. de Sousa e S.A. Gomes, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20210172 (2021).]. Possíveis generalizações desta equação contendo derivadas de ordem superior a dois são discutidas no recente artigo [39[39] R. Thibes, Mod. Phys. Lett. A 36, 2150205 (2021).].

Naturalmente as equações fundamentais que regem o comportamento da natureza não podem ser completamente “deduzidas” ou “demonstradas” matematicamente uma vez que possuem caráter essencialmente empírico. Contudo, uma forma bem conhecida de “justificar” ou interpretar a equação de Schrödinger para uma partícula livre surge a partir da relação clássica de energia (32), na qual efetuamos as substituições

(71) E i t ,
(72) p - i

e consideramos os operadores diferenciais agindo sobre uma função de onda ψ(x,t). Dessa forma, temos

(73) E ψ ( x , t ) = p 2 2 m ψ ( x , t ) i t ψ ( x , t ) = - 2 m 2 ψ ( x , t )

que nada mais é do que a (15) com V(x)=0. Buscando uma generalização relativística, ao invés de (32), utilizando agora a relação relativística (33) e denominando a função de onda por ϕ(x,t), obtemos

(74) 1 c 2 2 ϕ t 2 - 2 ϕ + m 2 c 2 2 ϕ = 0

que é justamente a conhecida equação de Klein-Gordon ou, mais precisamente, equação de Klein-Gordon-Fock [40[40] O. Klein, Z. Phys. 37, 895 (1926)., 41[41] W. Gordon, Z. Phys. 40, 117 (1926)., 42[42] V. Fock, Z. Phys. 39, 226 (1926).]. Utilizando o sistema de unidades naturais no qual c==1 e a notação indicial relativística, a equação (74) acima corresponde exatamente à (34) que foi utilizada na seção 3 3. Uma Aparente Incompatibilidade Na seção anterior efetuamos uma discussão sobre os dois principais paradigmas da física contemporânea. Quanto a seu escopo de validade, lembramos que a relatividade especial descreve corpos em movimento com velocidade elevada em comparação à velocidade da luz no vácuo, enquanto a mecânica quântica descreve sistemas de dimensões moleculares ou menores. Estamos agora interessados em estudar sistemas que simultaneamente tenham dimensões subatômicas e altas velocidades. Ou seja, precisamos de uma teoria que una os dois paradigmas anteriores em um só. o problema Ocorre que, considerando uma primeira análise rápida e superficial, por variadas razões, a mecânica quântica tradicional e a relatividade especial parecem em princípio incompatíveis entre si. Essa problemática é abordada em vários livros-texto introdutórios de teoria de campos ou física de partículas nos quais usualmente se mostra em detalhes que: A equação de Schrödinger para uma partícula na forma (15) contém uma derivada primeira em relação ao tempo e derivadas espaciais de segunda ordem, não sendo portanto compatível com a relação relativística de energia. No caso livre em que V⁢(x)=0, por exemplo, a ES não relativística para uma partícula pode ser pensada como proveniente da relação clássica de energia cinética (32) E = p 2 2 ⁢ m que deveria ser generalizada para a correspondente relativística (33) E 2 = c 2 ⁢ p 2 + m 2 ⁢ c 4 . No entanto, tentativas de generalizar a equação de Schrödinger usual (15) para a de Klein-Gordon4 ou Dirac4 conduzem a autovalores de energia negativos. Se interpretarmos as equações relativísticas de Klein-Gordon ou Dirac como generalizações da ES, a densidade de probabilidade proveniente da função de onda deixa de ser positiva definida. A metodologia de trabalho usual da MQ fica então seriamente comprometida. No caso específico da equação de Dirac, uma interpretação engenhosa foi proposta por seu autor em que se consideram todos os possíveis níveis de energia negativa ocupados – o famoso “mar de Dirac”. Tal ideia possui a virtude de prever a existência do pósitron como uma lacuna no espectro de energias. No entanto, nesse caso, passamos de uma teoria de uma partícula para outra de infinitas partículas, além de não resolvermos o problema dos bosons que não seguem o princípio da exclusão de Pauli. Além das bem conhecidas colocações acima que parecem sugerir serem relatividade especial e mecânica quântica incompatíveis entre si, no presente texto, gostaríamos de ressaltar os seguintes três pontos essenciais: A equação de Schrödinger na forma (15) não é invariante frente a uma TL. Propostas de equações diferenciais para ES que não sejam de primeira ordem no tempo são naturalmente inconsistentes com a ES fundamental (16). Por exemplo a equação de Klein-Gordon4 que pode ser escrita como (34) ( ∂ μ ⁡ ∂ μ + m 2 ) ⁢ ϕ ⁢ ( x ) = 0 com x=(c⁢t,x), é compatível com a TRE, sendo invariante frente a uma TL da forma (1), mas é incompatível com a MQ, no sentido de não poder representar um caso particular da equação (16), por ser de segunda ordem no tempo. A relatividade permite mudanças de referencial que misturam e intercambiam tempo e espaço, digamos o boost (35) x ′ ⁣ 1 = γ ⁢ ( x 1 - β ⁢ x 0 ) , x ′ ⁣ 0 = γ ⁢ ( x 0 - β ⁢ x 1 ) . representado na Figura 1. Contudo, a mecânica quântica tradicional trata espaço e tempo de forma conceitual bem diferenciada: espaço ⟶ posição ⟶ operador, tempo ⟶ único ⟶ parâmetro. Associamos um operador à posição enquanto o tempo é um parâmetro real de evolução. Dependendo do referencial portanto, uma TL mesclaria operador e parâmetro real. Para o caso de um sistema com mais de uma partícula usualmente escrevemos a função de onda como (36) ψ = ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) , com n indicando o número total de partículas. Veja a flagrante assimetria, várias posições e somente um valor único para o tempo. a solução Existe mais de uma forma de abordar e resolver o dilema acima, aqui utilizaremos o mais simples que vem a ser justamento o paradigma de teoria quântica de campos. O formalismo a ser desenvolvido adiante se pauta basicamente nos seguintes três preceitos em contraposição aos pontos anteriores para obtermos uma descrição quântica compatível com a relatividade: Apesar da ES na forma (15) não ser invariante frente a uma TL, a ES fundamental (16) pode de fato satisfazer esta exigência dependendo do hamiltoniano H∈T⁢(𝒱) para determinado espaço vetorial 𝒱. Podemos sim aproveitar as equações diferenciais relativísticas de Klein-Gordon e de Dirac, mas as funções incógnita ϕ ou ψ não são mais funções de onda (portanto não caracterizam o estado de um sistema quântico) mas sim campos a serem quantizados. Não tratamos mais a posição como um operador com autovalores a serem medidos e sim, semelhantemente ao tempo, as coordenadas espaciais agora indicam parâmetros reais. Cada ponto do espaço-tempo, num dado referencial, é indexado por quatro parâmetros xμ=(c⁢t,x). Essa construção é completamente análoga à abordagem quântica tradicional do campo eletromagnético presente nas equações de Maxwell. Como as equações de Maxwell já são covariantes frente a TL podemos passar direto à quantização e obter naturalmente uma teoria quântica de campos relativística. Outra analogia importante ocorre se lembrarmos do antigo e singelo sistema físico constituído por uma única partícula num campo de forças externo. A equação de movimento clássica é a segunda lei de Newton que envolve a variável dinâmica posição da partícula. Veja que a equação diferencial da segunda lei de Newton é de segunda ordem no tempo, mas isso não causa problemas quando efetuamos a quantização desse sistema e obtemos uma ES para a função de onda com derivada temporal de primeira ordem. Para a equação de Klein-Gordon (34), semelhantemente, entendemos ϕ⁢(x) como um conjunto de variáveis dinâmicas (funções do tempo t) indexadas pela posição espacial x. A incompatibilidade entre (34) e a MQ desaparece completamente no momento em que entendemos que a equação de Klein-Gordon é uma equação clássica não precisando portanto ser de primeira ordem no tempo como (16). Naturalmente precisaremos então identificar qual equação de fato fará o papel da ES (16) após a devida quantização do sistema (34). Isso será feito mais adiante na próxima seção. Por razões históricas, o processo em que as funções incógnitas que figuram nas equações diferenciais de Klein-Gordon ou Dirac são, como campos, efetivamente quantizadas, ficou conhecido como segunda quantização com a seguinte (não muito correta) interpretação: Digamos que na “primeira quantização” objetos físicos clássicos tais como posição, momento e energia são levados em operadores a agirem sobre uma “função de onda”. Na “segunda quantização” a própria “função de onda” é por sua vez conduzida também ao papel de operador. Contudo essa interpretação é equivocada devendo ser evitada. Conforme o caso acima mencionado das equações de Maxwell e conforme veremos em detalhes na seção seguinte, em teoria de campos, temos uma única etapa de quantização onde os campos clássicos são levados diretamente em operadores. Por fim, finalizamos esta seção com uma afirmação óbvia mas muitas vezes esquecida: Operador opera. Ou seja, em física, sempre que lidarmos com o conceito de operador, é essencial saber precisamente sobre que espaço operar. Nesse sentido, ao construirmos uma teoria quântica, quer seja de forma direta, indireta ou através de um processo de quantização de uma teoria clássica, tem que ficar muito claro qual é o correspondente espaço de Hilbert dos estados. e que pode ser também obtida a partir do princípio variacional da mínima ação aplicado à densidade lagrangiana (63) apresentada na seção 4 4. Teoria de Campos Para entendermos o que é teoria de campos, obviamente precisamos primeiro de uma importante definição. O que é exatamente um campo? Por definição, um campo 𝒞 é uma função ou aplicação a partir de um subconjunto ℳ do espaço-tempo como domínio, tomando valores em um contradomínio ℰ que caracteriza a natureza do campo (37) 𝒞 : ℳ ⊂ ℝ 4 ⟶ ℰ . Tomemos por primeiro exemplo o campo eletromagnético clássico em que o contradomínio é ℝ6, devido a termos três componentes espaciais reais para o campo elétrico e três para o magnético. Nesse caso a cada ponto do espaço-tempo associamos dois vetores E e B. Modificando a natureza do contradomínio ℰ podemos ter, digamos, um campo de temperaturas, campos reais ou complexos, campos matriciais, campos de funções, campos de spinores, operadores etc. O mesmo campo eletromagnético clássico acima citado poderia, alternativamente, ser descrito por um campo tensorial antissimétrico Fμ⁢ν de seis componentes independentes,5 com a vantagem de se comportar como um tensor frente a transformações de Lorentz da forma (1). E o que viria a ser um campo quântico? Na abordagem canônica os campos quânticos são campos de operadores, ou seja, o contradomínio ℰ representa um conjunto de operadores atuando em determinado espaço de Hilbert 𝒱 onde são representados os estados físicos. Nesse caso ℰ=T⁢(𝒱) e os operadores são funções do espaço-tempo, nesse sentido estamos de fato lidando com uma teoria quântica de campos. O correspondente espaço de Hilbert 𝒱 deve ter suas características ditadas pelos graus de liberdade do sistema físico, conforme vimos no paradigma da MQ. exemplo não-relativístico Para fixarmos as ideias, vamos construir uma primeira teoria quântica de campos não-relativística.6 Considere um sistema quântico constituído por n partículas de massa m na presença de um potencial externo U⁢(x). Definimos um espaço de Hilbert inicial como o espaço vetorial formado por funções de onda complexas da forma (38) ψ = ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) com evolução dinâmica regida pelo operador hamiltoniano H = ∑ i = 1 n ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ i 2 + U ⁢ ( x i ) ) + ∑ i = 1 n ∑ j = 1 i - 1 V ⁢ ( x i - x j ) , onde V⁢(x) denota um potencial de interação interno entre os pares de partículas. Note que H age sobre o espaço das funções (38) através dos operadores diferenciais presentes em (4). A partir da ES fundamental (16) podemos escrever imediatamente a ES particular para o presente problema como (40) i ⁢ ℏ ⁢ ∂ ∂ ⁡ t ⁢ ψ = H ⁢ ψ com ψ e H definidos, respectivamente, por (38) e (4). Note que até aqui ainda não tem nada de teoria de campos, estamos falando apenas de mecânica quântica usual para um sistema de n partículas. Em seguida, por motivos em princípio puramente didáticos, gostaríamos de, alternativamente, descrever esse mesmo sistema através de uma teoria quântica de campos de fato. Com esse intuito introduzimos os operadores (41) a ⁢ ( x ) ⁢ e ⁢ a † ⁢ ( x ) satisfazendo as relações de comutação (42) [ a ⁢ ( x ) , a ⁢ ( x ′ ) ] = [ a † ⁢ ( x ) , a † ⁢ ( x ′ ) ] = 0 , e (43) [ a ⁢ ( x ) , a † ⁢ ( x ′ ) ] = δ 3 ⁢ ( x - x ′ ) . Mais precisamente a⁢(x) e a†⁢(x) constituem campos quânticos estáticos, isto é, a cada ponto x∈ℝ3 do espaço físico associamos operadores a⁢(x) e a†⁢(x). Note também que, para cada ponto espacial x∈ℝ3, devido às relações de comutação (42) e (43), os operadores a⁢(x) e a†⁢(x) se comportam como operadores de criação e aniquilação de um quantum de energia de um oscilador harmônico quântico usual. Precisamos agora determinar onde exatamente (em que espaço matemático) os operadores (41) atuam. Sabendo que, na descrição de MQ usual, os estados físicos para o sistema quântico em tela são caracterizados pelas funções de onda (38), construimos a seguir um segundo espaço de Hilbert para a correspondente teoria quântica de campos através dos estados (44) | ψ , t ⟩ = ∫ d 3 ⁢ x 1 ⁢ … ⁢ d 3 ⁢ x n ⁢ ψ ⁢ ( x 1 , … , x n ; t ) a † ⁢ ( x 1 ) ⁢ … ⁢ a † ⁢ ( x n ) ⁢ | 0 ⟩ exigindo que (45) a ⁢ ( x ) ⁢ | 0 ⟩ = 0 . O estado |0⟩ é denominado vácuo da teoria. Ou seja, o novo espaço de Hilbert tem a capacidade de descrever inclusive estados com número de partículas variável. Interpretamos o vácuo |0⟩ como o estado contendo nenhuma partícula, a partir do qual podemos construir estados contendo partículas localizadas aplicando o operador de criação a†⁢(x). Dessa forma, por exemplo, (46) | α ⟩ = a † ⁢ ( x ) ⁢ | 0 ⟩ denota o estado quântico contendo uma partícula localizada no ponto espacial x∈ℝ3 e assim por diante. Naturalmente, a partir desses estados básicos podemos efetuar combinações lineares e o ket (4) denota o estado físico de n partículas descrito pela função de onda (38) no qual as partículas não estão necessariamente localizadas. Note que em (4), a função de onda entra fazendo o papel dos coeficientes da combinação linear que é dada nesse caso por uma “soma contínua”, ou seja, uma integral múltipla. Tendo pronto o espaço de Hilbert dos estados físicos de nossa teoria de campos, definimos agora o operador hamiltoniano como (47) ℍ = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 + U ⁢ ( x ) ) ⁢ a ⁢ ( x ) + 1 2 ⁢ ∫ d 3 ⁢ x ⁢ d 3 ⁢ y ⁢ V ⁢ ( x - y ) ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ a † ⁢ ( y ) ⁢ a ⁢ ( y ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Temos em mão duas descrições alternativas para o mesmo sistema quântico. O leitor pode agora mostrar a partir das relações de comutação (42) e (43) que o estado físico (4) satisfaz à equação fundamental (16) com ℍ dado por (47) se e somente se a função de onda (38) com hamiltoniano (4) satisfaz (40). Portanto, na descrição de TQC, na equação de Schrödinger fundamental (16) consideramos o operador hamiltoniano dado por (47) e o espaço de Hilbert contendo estados físicos da forma (38). A partir dos operadores (41) atuando no espaço de estados da teoria quântica de campos podemos construir observáveis tais como, por exemplo, o operador número de partículas (48) N = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Aplicando (48) sobre o váculo |0⟩, (46) e (38) obtemos respectivamente7 (49) N ⁢ | 0 ⟩ = 0 , N ⁢ | α ⟩ = | α ⟩ e N ⁢ | ψ , t ⟩ = n ⁢ | ψ , t ⟩ , indicando serem autoestados do operador número contendo respectivamente zero, uma e n partículas. Dessa forma, na descrição via formalismo de TQC, obtivemos um ganho em generalidade em relação ao número de partículas. Para esse sistema especificamente, N é uma constante de movimento pois, conforme pode ser checado a partir de (47), temos (50) [ N , ℍ ] = 0 . Modificando ℍ contudo (outra dinâmica para este mesmo espaço de Hilbert), abrimos a possibilidade para descrevermos outros sistemas com número de partículas variável. o caso livre Para o caso sem interação, substituindo U⁢(x)=V⁢(x)=0 no hamiltoniano anterior (47), obtemos uma teoria de campos livre não relatística com hamiltoniano (51) ℍ NR = ∫ d 3 ⁢ x ⁢ a † ⁢ ( x ) ⁢ ( - ℏ 2 2 ⁢ m ⁢ ∇ 2 ) ⁢ a ⁢ ( x ) . Com o intuito de ganharmos em entendimento e interpretação vamos analisar essa mesma teoria livre por outro ponto de vista. Tomando ℏ=1 por simplicidade e trocando a variável muda de integração de x para p através da transformada de Fourier (52) a ~ ⁢ ( p ) = ∫ d 3 ⁢ x ( 2 ⁢ π ) 3 / 2 ⁢ e - i ⁢ p ⋅ x ⁢ a ⁢ ( x ) , podemos reescrever (51) como (53) ℍ NR = ∫ d 3 ⁢ p ⁢ 1 2 ⁢ m ⁢ p 2 ⁢ a ~ † ⁢ ( p ) ⁢ a ~ ⁢ ( p ) . Substituindo (52) em (42) e (43) verificamos que os operadores tilda no espaço de momentos agora satisfazem às relações de comutação (54) [ a ~ ⁢ ( p ) , a ~ ⁢ ( p ′ ) ] = [ a ~ † ⁢ ( p ) , a ~ † ⁢ ( p ′ ) ] = 0 , e (55) [ a ~ ⁢ ( p ) , a ~ † ⁢ ( p ′ ) ] = δ 3 ⁢ ( p - p ′ ) com (56) a ~ ⁢ ( p ) ⁢ | 0 ⟩ = 0 . O estado de uma partícula livre de momento linear bem definido p pode ser escrito como (57) | p ⟩ = a † ⁢ ( p ) ⁢ | 0 ⟩ . Note que (57) é um autoestado do hamiltoniano (53) com autovalor de energia p22⁢m, explicitamente temos (58) ℍ NR ⁢ | p ⟩ = p 2 2 ⁢ m ⁢ | p ⟩ . Esse autovalor de energia não-relatístico claramente nos instiga a procurar compatibilizar (53) com a TRE. Como modificar a equação (53) nesse sentido? Como generalizar para o caso relativístico? Pense um pouco antes de prosseguir a leitura. incluindo a relatividade Claro, a generalização para uma teoria relativística é agora simples e imediata. Considerando a relação de energia relativística (33), basta a partir de (53) redefinir (59) ℍ R = ∫ d 3 ⁢ p ⁢ ( p 2 ⁢ c 2 + m 2 ⁢ c 4 ) 1 / 2 ⁢ a ~ † ⁢ ( p ) ⁢ a ~ ⁢ ( p ) e – abracadabra! – obtemos uma teoria quântica de campos relativística! Na realidade, observando atentamente (59), o leitor mais experiente talvez reconheça aqui um sistema físico simples bastante familiar no contexto introdutório de teoria quântica de campos. Continuando a análise, o vetor de estado (60) a ~ † ⁢ ( p 1 ) ⁢ … ⁢ a ~ † ⁢ ( p n ) ⁢ | 0 ⟩ representa um estado físico constituído por n partículas de momentos bem definidos p1,…,pn com autovalor de energia total (61) E ⁢ ( p 1 ) + ⊋ + E ⁢ ( p n ) onde (62) E ⁢ ( p ) ≡ ( p 2 ⁢ c 2 + m 2 ⁢ c 4 ) 1 / 2 . O hamiltoniano ℍR aqui obtido de forma natural generalizando uma teoria de campos não-relativística nada mais é do que o hamiltoniano quântico associada ao famoso campo de Klein-Gordon. De fato, conforme o leitor pode conferir nas páginais iniciais de livros-texto tradicionais de TQC [6, 7, 9, 10, 17, 20], partindo da densidade lagrangiana clássica de Klein-Gordon (63) ℒ KG = 1 2 ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ ⁢ ∂ μ ⁡ ϕ - 1 2 ⁢ m 2 ⁢ ϕ 2 , calculando a densidade hamiltoniana (64) ℋ KG = 1 2 ⁢ ϕ ˙ 2 + 1 2 ⁢ ( ∇ ⁡ ϕ ) 2 + 1 2 ⁢ m 2 ⁢ ϕ 2 , expandindo o campo clássico de Klein-Gordon ϕ⁢(x) em modos de Fourier e procedendo a quantização canônica obtem-se precisamente o operador hamiltoniano (59) com espectro de autovetores e autovalores dado respectivamente por (60) e (61). Dessa forma fica claro como o conceito de TQC compatibiliza a MQ com a TRE. Exemplificamos com um dos principais modelos de TQC relativística, qual seja, o campo de Klein-Gordon. Reiteramos que a equação de Klein-Gordon (34) é uma equação de movimento clássica8 e, respondendo à pergunta posta no final da seção anterior, o operador hamiltoniano (59) agindo no espaço de estados fornece a versão da ES (16) para a teoria quântica do campo de Klein-Gordon. A simplicidade neste exemplo decorre do fato de termos uma teoria livre. O hamiltoniano (59) pode ser prontamente diagonalizado e seus autovetores (60) constituem uma base para o espaço de Hilbert. Infelizmente tal simplicidade não se estende ao caso com interações. .

Inicialmente, de um ponto de vista histórico, a equação de Klein-Gordon-Fock foi proposta para descrever elétrons relativísticos. Contudo ocorre que, devido a seu spin não-nulo, elétrons possuem um grau de liberdade interno e são regidos de fato pela equação de Dirac [43[43] P.A. M. Dirac, Proc. Roy. Soc. Lond. A 117, 610 (1928).]. A ideia inicial de Dirac era obter uma equação diferencial parcial de primeira ordem tanto no tempo quanto no espaço, consistente com a relação relativística de energia (33) e as associações operatoriais (71) e (72). Para isso havia a complicação extra de se extrair uma espécie de raíz quadrada operatorial em (33). A solução encontrada por Dirac foi justamente considerar coeficientes matriciais, de forma que a equação de Dirac contem não apenas uma função de onda como incógnita, mas uma matriz coluna conhecida como spinor, o que apresenta ainda a vantagem de dar conta do mencionado grau de liberdade interno de spin. Para ver e entender essa questão com propriedade e mais detalhes, recomendamos ao leitor um bom livro-texto de física de partículas [44[44] F. Halzen e A.D. Martin, Quarks and Leptons: An Introductory Course in Modern Particle Physics (John Wiley & Sons, New York, 1984)., 45[45] D.J. Griffiths, Introduction to Elementary Particles (Wiley-VCH, Weinheim, 1987, 2008)., 46[46] M.E. Peskin, Concepts of Elementary Particle Physics (Oxford University Press, Oxford, 2019).] ou teoria quântica de campos [4[4] A.K. Das, World Sci. Lect. Notes Phys. 52, 1 (2006)., 6[6] M.E. Peskin e D.V. Schroeder, An Introduction to Quantum Field Theory (Addison-Wesley, Reading, 2005)., 7[7] S. Weinberg, The Quantum Theory of Fields. Vol. 1: Foundations (Cambridge University Press, Cambridge, 2005), v. 1., 8[8] M. Maggiore, A Modern Introduction to Quantum Field Theory (Oxford University Press, Oxford, 2005)., 9[9] M. Srednicki, Quantum Field Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 2007)., 10[10] A. Das, Lectures on Quantum Field Theory (World Scientific, Hackensack, 2008)., 11[11] F. Mandl e G. Shaw, Quantum Field Theory (Wiley, Chichester, 2010)., 12[12] M.O.C. Gomes, Teoria Quântica dos Campos (Edusp, São Paulo, 2015), 2 ed.].

Com o avançar das ideias na física, hoje em dia entendemos as equações de Klein-Gordon-Fock, Dirac e Maxwell (quem diria?) como equações clássicas11 11 Por ser uma equação clássica, a rigor a equação de Klein-Gordon-Fock (74) não contém ℏ de forma imperiosa podendo ser escrita digamos como c-2⁢∂t2-∇2⁡ϕ+μ2⁢ϕ=0 onde μ denota um parâmetro com dimensão de inverso de comprimento. A interpretação μ=m⁢c/ℏ surge então após o processo de quantização. Já a presença explícita da constante universal c é de fato necessária uma vez que (74) é relativística por ser invariante frente a TL. associadas a representações do grupo de simetrias da relatividade especial, no caso Klein-Gordon-Fock para partículas de spin zero, Dirac para partículas de spin meio e equações de Maxwell para partículas de spin um e massa nula [8[8] M. Maggiore, A Modern Introduction to Quantum Field Theory (Oxford University Press, Oxford, 2005)., 47[47] Y. Ohnuki, Unitary Representations of the Poincare Group and Relativistic Wave Equations (World Scientific, Singapore, 1988).]. Por fim ressaltamos que, conforme vimos no artigo principal, do ponto de vista da teoria quântica de campos, as funções incógnita presentes quer nas equações de Klein-Gordon-Fock, Dirac ou Maxwell não representam os estados físicos do sistema na teoria quântica, mas sim campos clássicos a serem quantizados. Estes campos clássicos por sua vez, após a quantização, se tornam campos quânticos (operadores) e agem sobre o espaço de Hilbert da teoria contendo os estados físicos propriamente ditos constituídos por combinações lineares das correspondentes partículas – os quanta associados aos campos. Isso no caso mais simples de uma teoria livre, ainda sem interações.

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  • [47]
    Y. Ohnuki, Unitary Representations of the Poincare Group and Relativistic Wave Equations (World Scientific, Singapore, 1988).
  • 1
    Ao leitor interessado na história da TQC, recomendamos a leitura do livro de Schweber [5[5] S.S. Schweber, QED and the men who made it: Dyson, Feynman, Schwinger, and Tomonaga (Princeton University Press, Princeton, 1994).].
  • 2
    Veja mais detalhes sobre essa transformação nos recentes artigos de ensino de física [33[33] J.H. Sales, A.T. Suzuki e L.A. Soriano, Rev. Bras. Ens. Fis. 37, 3309 (2015)., 34[34] J.H. Sales, A.T. Suzuki, D.N. Possidonio, I.G. Oliveira e P.H. Girotto, Rev. Bras. Ens. Fis. 42, e20190290 (2020)., 35[35] D.P.M. Filho, J.K.S. Kamassury, S.A.S. Farias, L.H.S. de Sousa e S.A. Gomes, Rev. Bras. Ens. Fis. 43, e20210172 (2021).].
  • 3
    Aqui estamos mais preocupados com os conceitos e uma fundamentação da visão moderna da MQ. Em termos históricos a equação (16) é bem diferente daquela que o próprio Schrödinger escreveu originalmente em [36[36] E. Schrödinger, Phys. Rev. 28, 1049 (1926).].
  • 4
    As importantes e fundamentais equações de Klein-Gordon e Dirac podem ser pensadas em um certo sentido como generalizações relativísticas da equação de Schrödinger para uma partícula livre. Para o leitor menos familiarizado, incluímos um breve apêndice sobre tais equações ao final do artigo.
  • 5
    Veja por exemplo em [32[32] R. Thibes, Eur. J. Phys. 41, 055203 (2020).] uma relação direta entre a descrições vetorial E e B e tensorial Fμν do eletromagnetismo bem como conexões com invariância de calibre.
  • 6
    Os dois exemplos seguintes são baseados nos capítulos 2 e 3 do livro-texto [9[9] M. Srednicki, Quantum Field Theory (Cambridge University Press, Cambridge, 2007).]. Veja também o capítulo 3 de [37[37] D. Lurie, Particles and Fields (John Wiley & Sons, New York, 1968).]. Uma discussão mais aprofundada desse modelo foi recentemente publicada no artigo de pesquisa [38[38] N.B. Sá e C. Gomes, Eur. Phys. J. C 81, 931 (2021).].
  • 7
    Estamos supondo as funções de onda (38) simétricas em relação a troca de posição de partículas, ou seja, estamos descrevendo partículas tipo bóson.
  • 8
    Clássica aqui no sentido de contraposição a quântica. Apesar de relativística, a equação de Klein-Gordon é uma equação de movimento para um campo clássico no mesmo sentido que as equações de Maxwell para o campo eletromagnético. Veja mais detalhes sobre a equação de Klein-Gordon no apêndice final.
  • 9
    Uma introdução elementar ao conceito de liberdade de calibre pode ser vista em [32[32] R. Thibes, Eur. J. Phys. 41, 055203 (2020).].
  • 10
    Por exemplo em disciplinas de final de graduação ou início de pós-graduação tais como introdução à física de partículas elementares, mecânica quântica relativística ou mesmo em textos introdutórios de teoria quântica de campos.
  • 11
    Por ser uma equação clássica, a rigor a equação de Klein-Gordon-Fock (74) não contém de forma imperiosa podendo ser escrita digamos como c-2t2-2ϕ+μ2ϕ=0 onde μ denota um parâmetro com dimensão de inverso de comprimento. A interpretação μ=mc/ surge então após o processo de quantização. Já a presença explícita da constante universal c é de fato necessária uma vez que (74) é relativística por ser invariante frente a TL.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    22 Jan 2022
  • Revisado
    27 Mar 2022
  • Aceito
    26 Abr 2022
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