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Estágio supervisionado em física: o pulso ainda pulsa...

Supervised preservice teachers' practice in physics: the pulse still pulses...

Resumos

Situado no campo da formação inicial de professores, esse trabalho aborda questões referentes ao estágio curricular supervisionado em física. Embora as disciplinas de "Prática de Ensino" e/ou "Estágio Supervisionado" das Licenciaturas devam desempenhar um papel de "disciplinas integradoras" entre a prática de sala de aula e os conteúdos acadêmicos, cabe perguntar se esses componentes curriculares têm cumprido essa função, assim como pesquisar quais tipos de problemas surgem durante a realização dos estágios supervisionados. Nesse estudo, procuramos investigar as principais dificuldades enfrentadas por licenciandos do último semestre de um curso de licenciatura em física, especificamente no que diz respeito ao momento dos estágios supervisionados. Avaliamos, também, as condições oferecidas, pelas escolas, para o trabalho dos licenciandos. Tendo como principal instrumento o "diário de campo" de observação, construído ao longo das visitas efetuadas a 19 escolas durante o segundo semestre de 2007, construiu-se um conjunto de três categorias de análise, a partir das quais os dados puderam ser interpretados. Nossas conclusões sugerem reflexões em diversos níveis, desde certas reorientações do curso de Licenciatura até recomendações endereçadas aos poderes públicos responsáveis pela gestão das instituições escolares.

formação inicial; estágio supervisionado; prática de ensino


Concerning the teacher formation at the undergraduate level , this work discusses issues related to the supervised preservice teachers' practice in physics. Although the classroom practice and academic knowledge must be linked by "integrative disciplines" like "Teaching Practice" and/or "Supervised Preservice Practice" courses of the Teacher Education Undergraduate Program, we may ask if theses disciplines are fulfilling their purpose. Similarly, we have to investigate what kinds of questions arises during the teaching practice. In this research, we investigated the main difficulties faced by 8th grade undergraduate students in Physics Teacher Education, specifically during the supervised preservice practice. We also evaluated the conditions that schools offered to the students' work. Using as the main methodological tool a "field diary" of observation, built during the visiting period to 19 schools along 2007 second semester, we designed three categories of analysis, from which the data could be interpreted. Our conclusions point towards issues at different levels, from Teacher Education Program's reorientations to recommendations addressed to public institutions that take care of schools' management.

initial teacher education; supervised preservice practice; teaching practice


PESQUISAS EM ENSINO DE FÍSICA

Estágio supervisionado em física: o pulso ainda pulsa...

Supervised preservice teachers' practice in physics: the pulse still pulses...

André Ferrer P. Martins1 1 E-mail: aferrer34@yahoo.com.br.

Departamento de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil

RESUMO

Situado no campo da formação inicial de professores, esse trabalho aborda questões referentes ao estágio curricular supervisionado em física. Embora as disciplinas de "Prática de Ensino" e/ou "Estágio Supervisionado" das Licenciaturas devam desempenhar um papel de "disciplinas integradoras" entre a prática de sala de aula e os conteúdos acadêmicos, cabe perguntar se esses componentes curriculares têm cumprido essa função, assim como pesquisar quais tipos de problemas surgem durante a realização dos estágios supervisionados. Nesse estudo, procuramos investigar as principais dificuldades enfrentadas por licenciandos do último semestre de um curso de licenciatura em física, especificamente no que diz respeito ao momento dos estágios supervisionados. Avaliamos, também, as condições oferecidas, pelas escolas, para o trabalho dos licenciandos. Tendo como principal instrumento o "diário de campo" de observação, construído ao longo das visitas efetuadas a 19 escolas durante o segundo semestre de 2007, construiu-se um conjunto de três categorias de análise, a partir das quais os dados puderam ser interpretados. Nossas conclusões sugerem reflexões em diversos níveis, desde certas reorientações do curso de Licenciatura até recomendações endereçadas aos poderes públicos responsáveis pela gestão das instituições escolares.

Palavras-chave: formação inicial, estágio supervisionado, prática de ensino.

ABSTRACT

Concerning the teacher formation at the undergraduate level , this work discusses issues related to the supervised preservice teachers' practice in physics. Although the classroom practice and academic knowledge must be linked by "integrative disciplines" like "Teaching Practice" and/or "Supervised Preservice Practice" courses of the Teacher Education Undergraduate Program, we may ask if theses disciplines are fulfilling their purpose. Similarly, we have to investigate what kinds of questions arises during the teaching practice. In this research, we investigated the main difficulties faced by 8th grade undergraduate students in Physics Teacher Education, specifically during the supervised preservice practice. We also evaluated the conditions that schools offered to the students' work. Using as the main methodological tool a "field diary" of observation, built during the visiting period to 19 schools along 2007 second semester, we designed three categories of analysis, from which the data could be interpreted. Our conclusions point towards issues at different levels, from Teacher Education Program's reorientations to recommendations addressed to public institutions that take care of schools' management.

Keywords: initial teacher education, supervised preservice practice, teaching practice.

O pulso ainda pulsa

O pulso ainda pulsa

Peste bubônica câncer pneumonia

Raiva rubéola tuberculose anemia

Rancor cisticercose caxumba difteria

Encefalite faringite gripe leucemia

(...)

O corpo ainda é pouco

O corpo ainda é pouco

Reumatismo raquitismo cistite disritmia

Hérnia pediculose tétano hipocrisia

Brucelose febre tifóide arteriosclerose miopia

Catapora culpa cárie câimbra lepra afasia

O pulso ainda pulsa

O corpo ainda é pouco

(O Pulso - Titãs)

1. Introdução

As pesquisas em educação e em educação em ciências têm trazido importantes contribuições para a reflexão em torno da temática da formação de professores. O modelo de "racionalidade técnica" vem sendo substituído por diversas perspectivas que têm em comum a preocupação com a profissionalização do professor e com a reflexão a partir da prática. O professor deixa de ser visto como um "aplicador" de técnicas e/ou modelos pré-estabelecidos. Autores bastante conhecidos, como Nóvoa, Shön, Perrenoud e Zeichner apontam nessa direção.

Especificamente em relação à área das ciências naturais, argumenta-se que uma série de "saberes" devem ser de domínio dos futuros professores e, portanto, necessitam estar presentes nos cursos de formação. Carvalho e Gil-Pérez [1], por exemplo, destacam o conhecimento da matéria a ser ensinada, o questionamento do pensamento docente espontâneo, a crítica ao ensino tradicional, o saber avaliar e dirigir atividades, entre outros aspectos. Já Delizoicov [2] reforça a importância da competência quanto aos conhecimentos específicos da disciplina, além de um conhecimento da História e da Filosofia da Ciência. Muitos outros trabalhos poderiam ser citados aqui.

Entretanto, as demandas criadas sobre os cursos de formação inicial, no sentido de renová-los e aprimorá-los, não impedem que alguns problemas persistam. Dentre eles, a desarticulação entre a realidade prática e os conteúdos acadêmicos é um dos principais [3]. Nesse contexto, o estágio curricular supervisionado - ainda associado, na maioria das vezes, a disciplinas denominadas "Prática de Ensino" - adquire um papel crucial.

Na concepção de Pimenta e Lima [4], o estágio necessita ser compreendido como um "campo de conhecimento" e de produção de saberes, e não como uma "atividade prática instrumental". É um "lugar de reflexão sobre a construção e o fortalecimento da identidade" docente [4, p. 62], e deveria ser o eixo curricular central nos cursos de formação de professores, promovendo uma superação da dicotomia entre a teoria e a prática, aproximando a realidade da atividade teórica. Carvalho [5] também nos chama a atenção para isso, ao citar a "unidade teoria e prática" como um dos cinco eixos propostos pela Anped (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação) e pela Anfope (Associação Nacional de Formação dos Profissionais de Educação) para os cursos de formação de professores.

A "Prática de Ensino" assume, assim, o papel de uma "disciplina integradora", articulando as disciplinas didático-pedagógicas com as de cunho específico. Responsável por integrar saberes, ela teria uma função central na formação de professores, promovendo a ligação entre a teoria e a prática [3]. Sua importância eleva-se, ainda, em função das recentes reformas educacionais que elevaram para 400 horas o número de horas de estágio supervisionado [6].

Será que essa disciplina tem cumprido esse importante papel? Que tipos de problemas surgem - de fato - durante a realização dos estágios supervisionados? De que forma esses problemas (eminentemente práticos) dialogam com questões teóricas relativas à formação de professores?

A partir da problematização das dificuldades reais enfrentadas por um conjunto de licenciandos, propomo-nos, com esse trabalho, a contribuir para a reflexão acerca do lugar do estágio supervisionado na formação inicial de professores de física no Brasil.

Nessa direção, estabelecemos como objetivo da pesquisa a investigação das principais dificuldades enfrentadas por licenciandos do último semestre de um curso de licenciatura em física, especificamente no que diz respeito à realização do estágio supervisionado. Tencionou-se, ainda, avaliar criticamente as condições oferecidas, pelas escolas, para o trabalho dos licenciandos [7].

2. A metodologia empregada

Os sujeitos dessa pesquisa foram os licenciandos que, ao longo do ano de 2007, cursaram as disciplinas "Prática de Ensino de Física I" e "Prática de Ensino de Física II", no primeiro e no segundo semestres, respectivamente. Eles pertenciam ao "currículo antigo" do curso de licenciatura em física (noturno) da UFRN, que ainda não contemplava, por exemplo, a introdução de quatro disciplinas denominadas de "Estágio Supervisionado" (I a IV). Desse modo, foi ainda nas "Práticas" que esses alunos realizaram seus estágios.

Como professor dessas disciplinas, à época da pesquisa, o autor desse trabalho propôs que fosse realizada uma atividade denominada de "Módulo de Ensino Diferenciado (MED)". Essa atividade constava, basicamente, da elaboração - ao longo do primeiro semestre (2007.1) - de um planejamento didático, juntamente com o professor-colaborador (aquele que recebe o estagiário na escola). Isso acontecia ao mesmo tempo em que o estagiário tinha a oportunidade de conhecer a escola, interagir com professores, coordenadores e direção, e realizar o estágio de observação em sala de aula. No segundo semestre (2007.2), o licenciando deveria assumir, como regente, uma parte das aulas do professor-colaborador, aplicando o planejamento didático (MED) elaborado previamente.

Em cada um dos semestres, os licenciandos entregavam dois documentos escritos: um "Plano de Estágio" e um "Relatório Final". Particularmente no segundo semestre, o "Plano" era o próprio MED, e o "Relatório" era um documento com características de uma "síntese final reflexiva" de toda a experiência do estágio.

Como professor da disciplina, acompanhei não apenas na universidade o andamento dos estágios, mas realizei visitas nas escolas para observar e avaliar o desempenho dos licenciandos e de outros aspectos relativos ao processo como um todo. Nesse âmbito, foi utilizado como instrumento um "diário de campo", onde os registros eram realizados durante e após as observações das aulas nas escolas. Com esse procedimento, procurou-se dar conta tanto da dimensão descritiva quanto da dimensão reflexiva associadas aos conteúdos de observações [8]. Embora sejamos conscientes de que a observação está, enquanto método, sujeita a críticas (possibilidade de alterar o ambiente ou o comportamento das pessoas observadas, depender de interpretações pessoais, possibilitar visões distorcidas etc. [8, p. 27]), veremos que, em nosso caso, a própria natureza dos dados coletados tornou o "diário de campo" um instrumento adequado.

O conjunto de dados que nos permitem avaliar as principais dificuldades e experiências vivenciadas pelos nossos sujeitos é composto, portanto, de documentos escritos pelos licenciandos (relatórios) e de nosso diário de campo. Nesse trabalho optamos em apresentar, tão somente, os dados contidos no diário. No entanto, é importante ressaltar que tais dados foram cotejados com os relatórios dos alunos, no sentido de que foi considerado mais relevante aquilo que - observado por nós nas visitas às escolas - também encontrou eco nas falas dos estagiários. Nossa análise será de natureza qualitativa.

Ao todo, foram observados em ação 31 licenciandos em física, atuando em 19 escolas. Do total de licenciandos, 6 já eram professores das escolas em que estagiavam, enquanto que a maioria (25) era formada por novatos (regentes pela primeira vez). Desses, 10 acabaram assumindo as turmas em que estagiavam, dada a ausência de professores de física nessas escolas.

Das 19 escolas, a maioria era pública estadual (15), sendo as demais (4) pertencentes à iniciativa privada. Das quinze escolas públicas visitadas, duas não se encontravam no município de Natal, mas em municípios vizinhos. Foram feitas observações nos três turnos: matutino (7 licenciandos), vespertino (19) e noturno (5).

3. As observações nas escolas

Os dados coletados por meio do diário de campo foram organizados, para fins de análise, em três categorias: a) infra-estrutura e aspectos físicos; b) o ambiente coletivo de trabalho; e c) a prática profissional dos estagiários.

Com essas três categorias pretendemos organizar o conjunto de observações realizadas de modo completo, ou seja, esclarecendo as diversas dimensões que compõem a experiência do estágio supervisionado para os nossos sujeitos.

Passemos, então, às observações propriamente ditas em cada uma das categorias:

a) Infra-estrutura e aspectos físicos

A situação das escolas públicas estaduais visitadas é, em sua maioria, de abandono. Em termos de infra-estrutura, poderíamos classificar as escolas como "precárias". Embora não haja problemas mais graves nos prédios onde as escolas funcionam (como rachaduras nas paredes, p. ex.), é comum encontrarmos carteiras quebradas, lousas esburacadas, sem condições de uso ou apoiadas em cadeiras, ventiladores e lâmpadas quebrados.

As escolas possuem, via de regra, uma biblioteca. No entanto, há poucos livros relacionados à física ou de divulgação científica. O mais comum é encontrarmos poucos exemplares de livros didáticos (antigos) de física. A situação também é precária em relação à existência de salas de informática. Em pouquíssimas escolas foi possível verificar a presença desse tipo de espaço. Em algumas, havia uma sala com computadores, mas inacessível aos estudantes (aparentemente, para que danos não fossem causados aos equipamentos...).

Em relação a laboratórios, pudemos constatar que em somente uma escola havia um espaço dessa natureza em funcionamento, embora em outra o espaço existisse (inclusive com um funcionário), mas sem uso. No entanto, era bastante comum ouvir relatos de professores e coordenadores de que havia materiais de laboratório, e que ele seria montado "brevemente". Ao menos em quatro escolas constatamos a existência desses materiais - de boa qualidade - fechados em caixas, desorganizados e abandonados.

Cabe dizer, ainda, que as áreas comuns das escolas (pátios etc.) são extremamente pobres, não oferecendo recursos de qualquer natureza que possam tornar o ambiente mais agradável (plantas, bancos etc.).

Quanto às escolas particulares visitadas, pode-se afirmar que a infra-estrutura é melhor e mais moderna, no que diz respeito às salas de aula, bibliotecas e salas de informática. No entanto, também carecem de laboratórios didáticos.

Finalizando a análise desse tópico, é importante ressaltar que a precariedade da infra-estrutura física foi apontada com freqüência nos relatórios dos licenciandos, associada a dificuldades por eles enfrentadas.

b) O ambiente coletivo de trabalho

Para além da infra-estrutura física, uma série de outros fatores determinantes para o bom andamento ou não dos estágios foi classificada por nós nessa categoria. Dizem respeito à própria organização do ambiente de trabalho, à relação entre os profissionais, à sua presença na escola etc.

Um primeiro ponto a destacar aqui é a ausência de professores de física em boa parte das escolas públicas estaduais, o que fez com que 10 estagiários acabassem por assumir (sem remuneração), na prática, a própria turma. Vários relataram, inclusive, que lhes foi sugerido assumir aulas de outra disciplina, como matemática, química e até artes. O ambiente de trabalho ficava, em função disso, comprometido, pois a ausência de professores acarretava faltas constantes dos alunos, que por vezes eram liberados antes do horário previsto.

Excetuando-se os que já eram professores e aqueles que assumiram a turma do estágio, houve 15 licenciandos que estagiaram em escolas onde havia um professor-colaborador responsável por recebê-lo. Em cerca da metade dessas situações (7) existiu, de fato, um acompanhamento do estagiário por esse profissional. Entretanto, nas demais escolas (8) o licenciando era praticamente "abandonado" com a turma. Mesmo com o agendamento de nossa vista com antecedência, não foi possível encontrar o professor-colaborador, e, nos relatórios, foi apontado que esse profissional, no mais das vezes, "aproveitava-se" da presença do estagiário para ausentar-se da escola, resolver questões pessoais etc.

A desmotivação expressa por boa parte dos professores-colaboradores foi uma marca em nossas visitas às escolas onde esse profissional esteve presente. Era comum ouvirmos o tom de lamentação sobre a profissão, e o "aviso" de que, a seu tempo, o estagiário irá perceber que as coisas não são como ele pensa.

Outro ponto que merece destaque foi a falta de compromisso observada por nós, por parte das próprias escolas, em organizar e garantir um ambiente propício ao trabalho coletivo. No turno vespertino, as aulas sistematicamente não começam no horário em que deveriam (normalmente às 13:00), sendo permitida a entrada de estudantes a qualquer horário. Isso acarreta várias interrupções na aula, além de propiciar a permanência de alunos nos corredores, o que causava tumultos e barulho. No turno noturno, o problema era a antecipação do fim das aulas: previstas para terminar após às 22h, nunca encerravam-se depois das 21:40.

Por fim, um aspecto curioso observado em duas escolas foi a opção pela organização em "salas-ambiente", ou seja, um modelo em que os alunos, em vez dos professores, é que se deslocam para as salas de cada uma das disciplinas. A proposta até poderia ser considerada interessante, não fosse pelo fato de que as chamadas "salas-ambiente" não possuíam nenhum equipamento ou material específico, mas apenas carteiras e uma lousa ou quadro branco.

Em relação às escolas particulares visitadas, não encontramos os problemas relatados nessa seção. Em todas elas os estagiários já eram regentes das próprias turmas.

c) A prática profissional dos estagiários

Nessa categoria procuramos aglutinar dados de observação que se referem à prática de sala de aula de nossos estagiários, procurando apontar as principais dificuldades que surgiram e outros elementos relevantes para uma reorientação de todo o processo.

É natural que professores em início de carreira tenham, em geral, muitas dificuldades em lidar com os alunos, no sentido do estabelecimento de um ambiente propício à aprendizagem. Observamos que isso foi uma realidade para a grande maioria de nossos estagiários. Principalmente nos turnos matutino e vespertino, tanto em escolas públicas quanto em particulares, era bastante comum a falta de concentração e a indisciplina dos alunos durante as aulas. Nas escolas públicas pudemos observar que estudantes entram e saem da aula a qualquer momento, atendem celulares etc. Era marcante a dificuldade e apreensão dos estagiários diante desses comportamentos, com os quais não conseguiam lidar satisfatoriamente.

O maior destaque nesse tópico, no entanto, refere-se à facilidade com que os estagiários reproduzem metodologias consideradas - por eles mesmos - como "tradicionais". A exposição de um conteúdo pré-determinado, no quadro, com pouca ou nenhuma participação dos alunos, acabava sendo a prática corriqueira na maioria dos casos. Ainda que diversas estratégias metodológicas tenham sido discutidas na disciplina de Prática de Ensino de Física I, bem como em outros cursos da Licenciatura, e que os estagiários não fossem alheios a princípios de orientações educacionais construtivistas (tais como considerar o saber do aluno e levar em conta esse conhecimento no estabelecimento de estratégias didáticas, procurar o envolvimento ativo do aprendiz etc.), houve uma grande dificuldade na criação dos MED's, e um recrudescimento para práticas mais "tradicionais" no momento do estágio. Em geral, os licenciandos pouco interagiam com seus alunos, independente da atividade que estava sendo proposta. Embora tenham existido exceções a esse quadro, notamos que a pouca interação parecia associar-se à insegurança dos licenciandos, preocupados em assegurar um "domínio de sala" - identificado como manutenção da disciplina - e em manter uma "performance" satisfatória. Nas escolas particulares isso foi mais marcante.

Mas, também, presenciamos uma situação quase oposta à descrita acima: estagiário procurando interagir com uma turma apática e pouco participativa. Isso se deu, basicamente, nas escolas do turno noturno, onde as turmas de ensino médio caracterizam-se por uma média de idade mais elevada e pela presença maior de alunos trabalhadores.

Por último, mas não menos importante, cabe apontar dois aspectos observados que são extremamente relevantes ao considerarmos o encaminhamento dos licenciandos para o momento do estágio. O primeiro foi a presença, em uma escola, de um aluno com deficiência mental. Diante de todas as dificuldades já apresentadas, fica evidente como a necessidade de lidar com essa delicada questão esteve totalmente distante das possibilidades dadas ao estagiário (e também à escola). A inclusão, nesse contexto, era verdadeira ficção. O segundo aspecto diz respeito à violência que cercava uma das escolas visitadas, em município vizinho. Toda ação pedagógica desenvolvida nessa escola era, explicitamente, refém da presença de certos grupos organizados locais que, a seu modo e a seu tempo, impunham limites à escola e aos sujeitos que nela trabalhavam. Havia, por exemplo, estudantes que, por serem vinculados a esses grupos, tinham "livre trânsito" na escola e não eram cobrados sob qualquer aspecto.

3.1. Um oásis no deserto

Dos 19 estabelecimentos visitados, um merece menção especial: trata-se de uma escola pública, que se destacava em relação às demais. Retomemos as três categorias de observação, apontando as idiossincrasias dessa escola.

Embora a infra-estrutura dessa escola fosse semelhante às outras, no sentido da arquitetura do prédio, tipos de salas etc., era notável a melhor conservação dos espaços físicos (banheiros, sala dos professores, salas de aula) e equipamentos (bebedouros, armários, murais). Havia uma sala de computadores em funcionamento, com um funcionário responsável designado especificamente para cuidar desse espaço. Em conversas com estudantes e com esse próprio funcionário, percebemos que a sala era bastante utilizada, tanto para pesquisas como para outras atividades vinculadas ao trabalho de sala de aula (uso de softwares educacionais, por exemplo).

Observamos, ainda, a presença de um laboratório didático que, embora pequeno, era efetivamente utilizado com freqüência (fomos informados que a verba para a montagem desse laboratório havia sido conseguida por meio de um projeto enviado à Secretaria Estadual da Educação). Nesse laboratório, havia uma (única) bancada central e alguns armários que continham, basicamente, materiais simples e de baixo custo, mas em quantidade suficiente para que pudessem ser manipulados por vários grupos (e não apenas usados numa demonstração pelo professor).

Quanto ao ambiente coletivo de trabalho, certas características também merecem destaque: todos os alunos encontravam-se uniformizados, o horário de início e fim das aulas era respeitado, e, segundo a direção, não havia disciplina sem professores e poucos faltavam ao trabalho. Tudo isso contribuía para criar uma rotina de funcionamento real e efetivo da escola, permitindo uma sensação de "segurança" em relação às atividades diárias: sabia-se que haveria aulas, que elas começariam e terminariam no horário, que os programas seriam cumpridos etc. Embora pareça algo simples, essa estabilidade do ambiente coletivo de trabalho não foi percebida por nós nas demais escolas, nem relatada pelos estagiários em seus relatórios (ao contrário, a instabilidade era a regra, gerando uma série de dificuldades que praticamente inviabilizavam o trabalho no dia-a-dia escolar).

Nessa escola, nossos estagiários tiveram a presença constante de um professor-colaborador que os acompanhou e forneceu apoio para a realização das atividades de estágio. Esse professor participou, desde o início, do planejamento didático dos estagiários, inserindo-o no planejamento global da disciplina e permitindo, dessa maneira, a existência e realização de uma proposta coerente. Certas características pessoais e atitudes do professor-colaborador mostraram-se decisivas: a capacidade de diálogo com os estagiários e com os estudantes; a percepção da importância do estágio supervisionado para a formação dos futuros professores; o domínio dos conteúdos específicos e a segurança em relação a esse domínio; a relação bastante positiva com os estudantes das várias turmas. Esse último aspecto, em particular, foi utilizado pelo professor-colaborador (presente em todas as aulas regidas pelos estagiários) no sentido de evitar "tensões" com as turmas. Esse professor, enfim, atuou, efetivamente, de modo colaborativo.

Os aspectos relacionados acima permitiram que a prática profissional dos estagiários fosse mais bem sucedida (e menos traumática) do que nas demais escolas. Nas conversas com os estagiários (e também por seus relatórios), pudemos notar um menor número de queixas e um número maior de descrições de momentos significativos de experiência profissional. Houve um sentimento mais generalizado de segurança, apoio e acompanhamento do estagiário em relação à instituição escolar.

Por que essa única escola era tão diferente? É difícil responder a isso, no âmbito de uma pesquisa, a partir de um contato bastante limitado com o estabelecimento em questão, como foi o nosso. Apenas para evitar a ausência de resposta, arriscaríamos dizer que é uma situação altamente complexa a que determina a existência de uma instituição de ensino mais estruturada, organizada e comprometida com sua função social. Há um sutil e delicado equilíbrio, dependente de um grande número de fatores, que parece levar ou não ao "sucesso". A constituição de um grupo (direção, coordenação, professores e funcionários) efetivamente empenhado nas atividades da escola é crucial para que isso ocorra.

4. À guisa de conclusão

Procuramos apontar, nesse trabalho, as principais dificuldades enfrentadas pelos estagiários do curso de licenciatura em física da UFRN na realização de seus estágios supervisionados. Essas dificuldades trazem à reflexão importantes questões, tornadas mais significativas considerando-se a premência de uma maior articulação entre a pesquisa em ensino de física e a sala de aula.

Em primeiro lugar, nossas observações sinalizam para uma reorientação das disciplinas de "Prática de Ensino de Física (I e II)" e "Estágio Supervisionado" (I a IV) da Licenciatura (noturna) da UFRN, em termos do encaminhamento dos alunos para o estágio. Acreditamos que a "pulverização" dos licenciandos em um grande número de escolas revelou-se algo insatisfatório, uma vez que isso dificultou o acompanhamento do conjunto de estagiários e propiciou que muitos se sentissem isolados e sem apoio. Essa situação, que foi gerada em função da dificuldade dos estudantes do turno noturno em encontrar horários para a realização da prática docente compatíveis com suas jornadas diárias de trabalho, agravou-se, no entanto, devido à realidade encontrada pelos estagiários nas escolas. Uma possibilidade que deve ser perseguida, portanto, é o agrupamento de um número significativo de licenciandos em cada escola. Nessa direção, o trabalho com projetos (pensamos aqui em espécies de "MEDs coletivos") pode ser uma boa solução [4]. A contrapartida negativa dessa proposta seria o menor número de escolas atingidas.

Outro aspecto a ser levado em conta diz respeito às temáticas a serem abordadas nas disciplinas de "Prática" e/ou "Estágio". É preciso contemplar, de algum modo, a necessidade de refletir conjuntamente com os licenciandos acerca de questões como: a insegurança diante da regência, a preocupação com a própria imagem, as dificuldades da transformação da prática, o que significa ser professor etc. A literatura mostra que professores em início de carreira têm muitas dificuldades em lidar com essas questões (ver, p. ex., as Refs. [9] e [10]), tão relevantes para o futuro professor quanto o domínio do conteúdo específico a ser ensinado.

O - preocupante - retorno a "práticas tradicionais" de ensino sugere que os licenciandos, ao longo do curso, não aprendem nem vivenciam, significativamente, estratégias diferenciadas e alternativas à "exposição do conteúdo na lousa". Não basta que isso seja abordado em nível teórico ou objeto de discussão em uma ou outra disciplina. Seria oportuna a existência de um diálogo maior entre as diversas disciplinas da Licenciatura, com vistas ao estabelecimento de um projeto político-pedagógico mais consistente e coerente, que evite deixar o momento da prática somente para o final do curso e permita vivências que não se limitem a um reforço de práticas "tradicionais".

Entretanto, nossas observações deixaram evidente que, para além de qualquer conjunto de questões que possa levar a uma reorientação de disciplinas da Licenciatura, as mazelas do ensino médio de física nas escolas visitadas não podem ser solucionadas apenas no âmbito da universidade e do curso de formação inicial. Não basta que criemos novas demandas sobre os "saberes" que o futuro professor deve ou não possuir, ou estabelecermos um vínculo mais estreito entre as "Práticas de Ensino" e a pesquisa em ensino de ciências (necessidade essa bem apontada por Marandino [11]). Uma experiência significativa de estágio depende da existência de instituições minimamente estruturadas e capacitadas para receber os estagiários (um tímido passo nessa direção foi dado com a assinatura de um convênio entre a UFRN e a Secretaria Estadual de Educação, estabelecendo um conjunto de escolas "campos de estágio". Veja a Ref. [12]).

Nesse cenário, fica evidente a necessidade imperiosa da proposição e execução de políticas públicas que visem transformar o quadro precário e caótico em que se encontram as escolas da rede pública do estado do Rio Grande do Norte. Não pode haver formação inicial e continuada de qualidade sem o envolvimento ativo do Estado e de toda a sociedade.

Cabe à Secretaria Estadual da Educação, por exemplo, garantir o bom funcionamento das escolas e a existência de profissionais qualificados e habilitados - em todas as disciplinas - para lecionar. Apesar do reconhecido déficit (tanto nacional quanto estadual) de professores de física,2 2 O déficit nacional, segundo o MEC, é da ordem de 50.000 professores de física. há, no Rio Grande do Norte, professores já concursados e que - inexplicavelmente - aguardam em listas de espera e não são convocados.

Destacaria, ainda nessa direção, programas governamentais em andamento que têm o potencial de contribuir significativamente para a melhoria do ensino de física nas escolas públicas: o PNLEM (Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio) e o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência). Especificamente no contexto (precário) das escolas públicas de Natal (RN), acreditamos ser um avanço a existência de materiais didáticos de física a que os alunos possam ter acesso. Por outro lado, as bolsas de iniciação à docência podem trazer um incentivo a mais para o ingresso na carreira docente, além de ampliar o tempo e as formas de ação dos licenciandos nas escolas.

Se a sociedade brasileira deseja, de fato, promover uma educação científica de qualidade, que possa subsidiar o desenvolvimento econômico, social e cultural da nação, não pode prescindir de professores e escolas de alto nível na educação básica. Nesse sentido, a "reflexão sobre a prática" e a "superação da dicotomia teoria-prática" fazem-se, mais do que nunca, necessárias. Somente partindo-se dessa realidade concreta e buscando-se formas de ação efetivas (e teoricamente orientadas) que visem a sua transformação é que universidade e governo poderão, juntos, dar uma resposta satisfatória a essa problemática.

Dados do INEP mostram que a situação do Rio Grande do Norte não é das mais confortáveis: enquanto que a média nacional do IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) é de 3,5 (para o final do ensino médio), o RN apresenta IDEB igual a 2,6 [13]. Mas o pulso ainda pulsa. Reverter esse quadro é tarefa de profissionais de várias áreas. Dentre eles, futuros professores de ciências e de física, para os quais é preciso garantir formação inicial e continuada de qualidade. E o estágio curricular supervisionado, sendo etapa crucial na formação de futuros professores, encontra-se implicado.

Recebido em 12/2/2009

Aceito em 9/4/2009

Publicado em 12/10/2009

  • [1] A.M.P. de Carvalho e D. Gil-Pérez, Formaçăo de Professores de Cięncias: Tendęncias e Inovaçőes (Cortez, Săo Paulo, 1998).
  • [2] D. Delizoicov, Educaçăo em Foco: Revista de Educaçăo 5, 1 (2000).
  • [3] E. Zimmermann e J.A. Bertani, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 20, 1 (2003).
  • [4] S.G. Pimenta e M.S.L. Lima, Estágio e Docęncia (Cortez, Săo Paulo, 2004).
  • [5] A.M.P. de Carvalho, Cięncia & Educaçăo 7, 1 (2001).
  • [6] Ministério da Educação, Resolução CNE/CP 2 (Conselho Nacional de Educação, Brasília, 2002).
  • [7] Uma versão preliminar desse trabalho foi apresentada no XI EPEF (Encontro de Pesquisa em Ensino de Física), realizado em Curitiba em outubro de 2008.
  • [8] M. Lüdke e M.E.D.A. André, Pesquisa em Educaçăo: Abordagens Qualitativas (EPU, Săo Paulo, 1986).
  • [9] N.R.R. Bejarano e A.M.P. de Carvalho, Revista Brasileira de Ensino de Física 26, 2 (2004).
  • [10] S.M.S. Sodré e N.R.R. Bejarano, in Anais do V Encontro Nacional de Pesquisa em Educaçăo em Cięncias, Bauru, 2005.
  • [11] M. Marandino, Caderno Brasileiro de Ensino de Física 20, 2 (2003).
  • [12] Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Projeto Estruturação dos Campos de Estágio para a Formação de Professores da Educação Básica (Mimeo, 2006).
  • [13] Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, Consulta ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica - IDEB, disponível em: http://ideb.inep.gov.br/Site/ Acesso em 11/2/2009.
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    O déficit nacional, segundo o MEC, é da ordem de 50.000 professores de física.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2009

    Histórico

    • Aceito
      09 Abr 2009
    • Recebido
      12 Fev 2009
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