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Os quanta de luz e a ótica quântica

(The quantum of light and quantum optics)

Resumos

Apresentamos um panorama sobre a “teoria da luz”, a partir da proposta de Planck de 1900, até os temas atuais de emaranhamento de fótons e informação quântica. Discutimos a radiação do corpo negro, a lei de Planck e a teoria da emissão induzida, o maser e o laser, e a revolução conceitual da ótica quântica.

Palavras-chave:
radiação; fóton; laser; maser; emaranhamento; informação quântica


We present an overview of the “theory of light” from Planck's proposal of 1900 to the present subjects of entanglement of photons and quantum information. We discuss the blackbody radiation, Planck's law and the theory of induced emission, the maser and the laser, and the conceptual revolution of quantum optics.

Keywords:
radiation; photon; laser; maser; entanglement; quantum information


1. Os primórdios da teoria dos quanta

A concepção atual sobre a natureza da luz tem sua origem nos primórdios da física quântica. Em 1900, Max Planck propõe uma fórmula matemática que descreve o espectro da radiação emitida por um corpo aquecido, mais precisamente um corpo negro, definido como um objeto ideal que absorve toda a radiação incidente sobre ele. Embora idealizado, o corpo negro é uma boa aproximação de sistemas encontrados na natureza, como estrelas e fornos de siderúrgicas. Além disso, o espectro da radiação de fundo do Universo segue de perto a lei de Planck, que pode ser escrita como

(1) ρ ν , T = 8 π ν 2 c 3 h ν e h ν k T 1 ,

onde ρν,T é a energia da radiação emitida por unidade de volume e frequência, T a temperatura, ν a frequência, c a velocidade da luz, k a constante de Boltzmann, e h=6,63x1027erg.s é uma constante introduzida por Planck para ajustar sua fórmula aos dados experimentais: a famosa constante de Planck.

As teorias anteriores não conseguiam explicar por que, ao aumentar a temperatura, a cor correspondente ao máximo do espectro migrava do vermelho para o violeta, implicando por exemplo que as estrelas vermelhas têm temperaturas menores que as mais azuladas, como ilustrado na Fig. 1, que exibe o comportamento do espectro para várias temperaturas, bem como o ajuste da fórmula de Planck ao espectro da radiação de fundo do Universo. Esse ajuste permite atribuir à radiação de fundo uma temperatura de 2,74 Kelvin.

Figura 1
Radiação de corpo negro. Á medida que a temperatura diminui, o pico da curva da radiação de um corpo negro se desloca para menores intensidades e maiores comprimentos de onda. O gráfico embaixo à direita ilustra o ajuste da fórmula de Planck ao espectro da radiação de fundo, medido pelo satélite COBE.

A teoria clássica da radiação, desenvolvida por Rayleigh e Jeans, enfrentava por outro lado um impasse: ela previa uma densidade de energia

(2) ρ ν , T = 8 π ν 2 c 3 k T ,

que concordava com experimentos em baixas frequências, mas previa que a intensidade deveria sempre aumentar com a frequência, divergindo para frequências infinitas! Esse resultado é obtido a partir da fórmula de Planck no limite hνkT1. Por outro lado, a fórmula de Planck concorda com a expressão proposta em 1896 pelo físico alemão Wilhelm Wien, com base em argumentos termodinâmicos

(3) ρ ν , T = ν 3 f ν T .

Planck produz sua fórmula, com base em resultados experimentais, em outubro de 1900, enviando-a ao físico alemão Heinrich Rubens, que já tinha realizado diversas medidas de espectros de radiação proveniente de cavidades (que funcionavam como corpos negros). Em 7 de outubro de 1900, Rubens comunicara a Planck que uma fórmula sugerida por Rayleigh em junho de 1900 só concordava com os dados experimentais para frequências baixas. Em 19 de outubro de 1900, Rubens, juntamente com o físico experimental alemão Ferdinand Kurlbaum e com a participação teórica de Planck, comunicam à Sociedade Germânica de Física que a fórmula de Planck concordava com os dados experimentais. Faltava no entanto entender a origem física dessa expressão. Em 14 de dezembro de 1900 Planck apresenta sua descoberta em uma reunião da Sociedade Germânica de Física, apresentando uma dedução baseada em argumentos termodinâmicos e estatísticos, envolvendo a interação entre a radiação eletromagnética e a matéria, representada por um conjunto de osciladores. Planck adota então uma hipótese crucial: a energia de cada oscilador não é uma quantidade contínua, infinitamente divisível, mas sim uma grandeza discreta, composta de um número inteiro de quantidades elementares ε de energia, dadas por ε=hf sendo f a frequência do oscilador, ressonante com a frequência ν do campo eletromagnético [1][1] M. Planck, Annalen der Physik 4, 553 (1901); para uma discussão da proposta de Planck, ver N. Studart, Revista Brasileira de Ensino de Física 22, 523 (2000). Ver também a Ref. [4].. Nasce aí a física quântica, que iria revolucionar o Século XX.

Cinco anos depois, Albert Einstein introduz a quantização da radiação eletromagnética, o que permite explicar características sutis do efeito fotoelétrico: elétrons são ejetados por um metal quando um feixe de luz incide sobre ele (ver Fig. 2). Segundo a teoria clássica, esse fenômeno pode ser atribuído à transferência de energia da radiação eletromagnética para os elétrons no metal. A energia cinética dos elétrons ejetados deveria assim aumentar com a intensidade da luz incidente; além disso, deveria haver um intervalo de tempo tanto maior quanto menor a intensidade da luz, entre o início da iluminação do metal e a ejeção dos elétrons. Os experimentos mostravam, no entanto, que a energia dos elétrons dependia da frequência da luz, não da intensidade. E que havia um limiar de frequências, abaixo do qual elétrons não eram ejetados, independente da intensidade da luz incidente.

Figura 2
Efeito fotoelétrico. Um material metálico ejeta elétrons quando submetido a luz com frequência maior que um certo limiar, que depende do material. A energia de cada elétron depende linearmente da frequência da luz incidente e o número de elétrons ejetados é proporcional à intensidade da luz.

A contradição entre a teoria clássica e os resultados experimentais é resolvida por Einstein [2][2] A. Einstein, Annalen der Physik 17,132 (1905).: ele postula que a luz, ao se propagar, pode ser considerada como um conjunto de quanta, posteriormente chamados de “fótons” - denominação atribuída usualmente ao físico-químico norte-americano Gilbert Lewis, que em 1926 publica um artigo na revista Nature contendo a proposta desse nome (que já havia aparecido, no entanto, em publicações anteriores de outros pesquisadores, de fato já em 1916 o físico e psicólogo norte-americano Leonard Thompson Troland usou-o para designar uma unidade de iluminação da retina [3][3] H. Kragh, European Physical Journal H 39, 263 (2014).). Cada fóton de luz tem uma energia E=hν; a emissão de um elétron corresponde à absorção de um fóton, desde que a energia desse fóton seja suficientemente alta para superar a energia de ligação do elétron no metal. Portanto, a energia do elétron deve aumentar linearmente com a frequência da luz, enquanto o número de elétrons ejetados, acima do limiar, deve ser igual ao número de quanta incidentes, que é proporcional à intensidade da luz (ver Fig. 2). A energia E do elétron ejetado é E=hνW, sendo W a energia de ligação do elétron, que depende do metal.

No período de 1906 a 1909, Einstein reflete sobre a física da radiação. Em carta a seu amigo Jakob Laub, em 1908, Einstein escreve [4][4] A. Pais, Subtle is the Lord: The Science and the Life of Albert Einstein (Oxford University Press, New York, 1982).: “Estou ocupado incessantemente com a questão da radiação…Essa questão quântica é tão descomunalmente importante e difícil que ela deveria preocupar todo mundo”. Em 1909, Einstein publica dois artigos importantes relacionados a essa questão [5][5] A. Einstein, Physikalische Zeitschrift 10, 135 (1909); Physikalische Zeitschrift 10, 817 (1909).. Neles, mostra que a flutuação de energia ε da radiação de um corpo negro em um intervalo de frequências entre ν e ν+dν, no interior de um volume V, e para uma densidade espectral ρν,T (energia por unidade de volume e intervalo de frequência unitário) é dada pela equação, deduzida a partir da fórmula de Planck

(4) ε 2 ν , T = h ν ρ + c 3 8 π ν 2 ρ 2 V d ν .

Einstein observa que essa expressão é incompatível com a teoria ondulatória da luz. De fato, a teoria clássica, que fornece a lei de Rayleigh-Jeans para a densidade espectral, contem apenas o segundo termo do lado direito da expressão acima, que pode ser chamado assim de “termo ondulatório” O primeiro termo do lado direito, por outro lado, é característico de partículas independentes com energia hν. Este termo, comumente chamado de “ruído balístico” (“shot noise” em inglês), é a única contribuição para a variância de uma distribuição de partículas independentes - a famosa distribuição de Poisson, segundo a qual a variância do número dessas partículas é igual ao número médio das mesmas: Δn2n2n2=n. Multiplicando ambos os lados dessa equação por hν2, e notando que hν2n=hν2ηVdν=hνρVdν, onde η é a densidade de partículas (número de partículas por unidade de volume e intervalo de frequência unitário), sendo ρ=hνη, obtemos a equação de Einstein restrita ao primeiro termo do lado direito de (3), pois ε2ν,T=hν2Δn2 Portanto, a Eq. (3) expressa tanto os aspectos corpusculares como os ondulatórios da luz. Einstein comenta então que “a próxima fase no desenvolvimento da física teórica trará uma teoria da luz que pode ser interpretada como uma fusão entre a teoria ondulatória e a teoria da emissão” (esta última correspondendo à teoria corpuscular).

A noção de quanta de luz parecia contradizer os resultados experimentais obtidos desde o célebre experimento de interferência da luz realizado por Thomas Young em 1801: como poderiam corpúsculos de luz produzir o fenômeno de interferência? A primeira Conferência de Solvay, realizada em 1911, representa um ponto de inflexão na física do Século XX, e tem como tema “Radiação e os quanta”. Ela reúne um grupo seleto de cientistas, entre os quais Hendrik Lorentz, que a preside, Max Planck, Albert Einstein, Henri Poincaré, Marie Curie, Arnold Sommerfeld, Paul Langevin e Ernest Rutherford. Einstein insiste no caráter provisório do conceito de quanta, “que não parece ser reconciliável com as consequências experimentalmente verificadas da teoria ondulatória”.

Em 1916, Einstein escreve ao seu amigo Michel Besso [4][4] A. Pais, Subtle is the Lord: The Science and the Life of Albert Einstein (Oxford University Press, New York, 1982).: “Uma luz esplêndida baixou sobre mim acerca da absorção e emissão de radiação”. Em três artigos [6[6] A. Einstein, Verhandlungen der Deutschen Physikalischen Gesellschaft 18, 318 (1916); Mitteilungen der Physikalischen Gesellschaft 16, 47 (1916).,7][7] A. Einstein, Physikalische Zeitschrift 18, 121 (1917)., publicados em 1916 e 1917, Einstein propõe que deve ser associado a um quantum de luz, além da energia hν, um momentum com magnitude igual a hνc [7][7] A. Einstein, Physikalische Zeitschrift 18, 121 (1917)., e apresenta uma nova dedução da lei de Planck [6][6] A. Einstein, Verhandlungen der Deutschen Physikalischen Gesellschaft 18, 318 (1916); Mitteilungen der Physikalischen Gesellschaft 16, 47 (1916)., que que leva em conta a existência de três processos distintos de interação da matéria com a radiação: a absorção, a emissão espontânea e a emissão induzida. No primeiro processo, um átomo absorve um quantum de luz, passando de um nível de energia para outro mais excitado. No segundo processo, um átomo excitado emite espontaneamente um fóton, ao mesmo tempo que sofre uma transição para um estado com menor energia. Na emissão estimulada, processo que tem uma importância fundamental para o desenvolvimento do laser, um átomo excitado é estimulado a emitir um quantum de luz por um fóton que incide sobre ele. O fóton emitido tem a mesma energia e momentum do fóton incidente, de modo que ao final desse processo temos dois fótons com mesma energia e mesma direção de propagação. Einstein mostra, em sua dedução da fórmula de Planck, que a introdução do processo de emissão induzida é necessária para o equilíbrio termodinâmico.

2. Lei de Planck e emissão induzida

Einstein considera [6][6] A. Einstein, Verhandlungen der Deutschen Physikalischen Gesellschaft 18, 318 (1916); Mitteilungen der Physikalischen Gesellschaft 16, 47 (1916). um conjunto de moléculas em equilíbrio térmico, e transições envolvendo dois estados moleculares com energias Em e En, sendo EnEm=hν. De acordo com a distribuição de Boltzmann, o número de moléculas com energia Ei é Ni=piexpEikT,i=m,n, onde pi é um fator de normalização. A taxa de transição das moléculas com energia En para o estado com energia Em, devida à interação com o campo eletromagnético, tem duas contribuições: a emissão espontânea, proporcional ao número de moléculas Nn - que denotamos por NnAnm - e a emissão induzida, proporcional à densidade de energia ρν,T e ao número de moléculas Nn - denotada por BnmNnρν,T. Temos assim

(5) d W n m d t = N n ρ B n m + A n m n m .

Por outro lado, as moléculas com energia Em sofrem transições para o nível En devido à absorção de fótons, a taxa de transição correspondente sendo

(6) d W m n d t = N m ρ B m n m n .

Em equilíbrio, devemos ter

(7) d W n m d t = d W m n d t A n m p n = ρ ν , T B m n p m exp E n E m k T B n m p n ,

de modo que

(8) ρ ν , T = A n m p n B m n p m exp E n E m k T B n m p n B m n p m .

O último termo do lado direito da Eq. (7) representa a contribuição da emissão induzida, que vemos ser desprezível quando EnEmkT1. Sob essa condição, obtemos, da Eq. (8)

(9) ρ ν , T = A n m p n B m n p m exp E n E m k T .

Neste limite, deve ser satisfeita a lei de Wien, implicando que AnmpnBmnpmν3 e EnEm=hν, onde h é uma constante e portanto a Eq. (7) torna-se

(10) ρ ν , T = κ ν 3 exp h ν k T B n m p n B m n p m ,

sendo κ uma constante de proporcionalidade. No limite oposto, EnEmkT1, podemos expandir a exponencial na equação acima, obtendo então para ρν,T

(11) ρ ν , T = κ ν 3 1 + h ν k T B n m p n B m n p m .

Para que essa densidade de energia coincida com a expressão de Rayleigh-Jeans, experimentalmente comprovada nesse regime e dada pela Eq. (2), devemos ter Bmnpm=Bnmpn e κ=8πhc3 Obtemos assim a fórmula de Planck. Anm e Bnm são chamados respectivamente de “coeficientes A e B de Einstein”. Segue da discussão acima que

(12) A B = 8 π h ν 3 c 3 .

É interessante notar que essa dedução mostra que necessariamente o coeficiente Bnm, associado à emissão induzida, deve ser diferente de zero, e igual ao coeficiente correspondente à absorção. Além disso, obtemos no decorrer da dedução a fórmula de Bohr, EnEm=hν!

Em 1927, o físico inglês Paul Dirac desenvolve a teoria matemática do fóton [8][8] P.A.M. Dirac, Proc. Royal Soc. (London) A114, 243 (1927)., consistente com o formalismo da mecânica quântica desenvolvida por Erwin Schrödinger e Werner Heisenberg., dando origem à eletrodinâmica quântica, que iria produzir resultados extremamente ricos e precisos sobre a estrutura da matéria nos anos seguintes.

Os trabalhos de Einstein de 1916-1917 podem ser considerados como precursores da ótica quântica. Curiosamente, no entanto, foi necessário esperar quatro décadas para que ocorresse um evento, motivado por esses trabalhos, que teve uma grande importância científica e tecnológica na segunda metade do Século XX: a invenção do laser.

3. O maser e o laser: A luz do Século XX

O processo de emissão estimulada sugere que, para um conjunto de átomos excitados, a emissão espontânea de um fóton por um dos átomos pode gerar dois fótons, através da emissão induzida provocada em outro átomo excitado; esses dois fótons por sua vez poderiam gerar outros dois quanta de luz, e assim por diante, produzindo-se assim uma avalanche de fótons. A realização prática dessa ideia não é trivial, no entanto. Em equilíbrio térmico, a maioria dos átomos está no estado não excitado, implicando que os processos de absorção dominam sobre os de emissão estimulada. É preciso assim inverter a população atômica (ou molecular), de modo que o número de estados excitados seja maior que o de átomos desexcitados. Além disso, o fóton emitido no processo de emissão espontânea sai em uma direção aleatória (como é o caso de uma lâmpada incandescente), e seria interessante concentrar a emissão em torno de um único modo de propagação, de modo a obter um feixe mais potente.

A região de micro-ondas é mais favorável que a do visível para construir esse dispositivo. A razão é que, nessa região, a diferença de energia entre os dois níveis atômicos ou moleculares envolvidos na transição é muito pequena, da ordem de 105eV. Para uma temperatura ambiente de 25 ℃, por outro lado, temos kT = 0,0257 eV, muito maior portanto que a diferença de energia entre os dois níveis, implicando que o estado excitado tem uma população praticamente igual à do estado de menor energia. Além disso, segue da Eq. (12) que a emissão espontânea é desprezível diante da emissão estimulada e da absorção, para ν=1010Hz, frequência típica na região de micro-ondas. Em contraste, para luz visível, temos ν=1015Hz, correspondendo a uma diferença de população entre dois níveis atômicos da ordem de alguns eV, de modo que neste caso, para temperaturas ambientes, kThν e a população dos níveis excitados é muito menor que a dos níveis desexcitados. Além disso, a emissão espontânea não pode ser desprezada para essas frequências, pois a razão A/B na Eq. (9) é muito maior que no caso das micro-ondas, de modo que é preciso que o nível excitado seja metaestável, ou seja, tenha um tempo de vida suficientemente alto para que seja possível obter uma inversão de população apreciável antes dos átomos descaírem. Essas considerações explicam por que um dispositivo baseado na emissão estimulada foi realizado primeiramente na região de micro-ondas : o maser (acrônimo para “Microwave Amplification by Stimulated Emission of Radiation”).

O primeiro trabalho teórico descrevendo a operação de um maser foi apresentado por Nikolay Basov e Alexander Prokhorov do Lebedev Institute of Physics em conferência realizada na Academia Soviética de Ciências em 1952. Esses resultados foram publicados em 1954 [9][9] N.G. Basov and A.M. Prokhorov, Journal of Experimental and Theoretical Physics (JETP) 27, 431 (1954); JETP 28, 249 (1955).. Independentemente, o primeiro maser é construído em 1953, na Universidade de Colúmbia (EUA), pelos norte-americanos Charles Townes, James Gordon e Herbert Zeiger [10][10] J.P. Gordon, H.J. Zeiger and C.H. Townes, Phys. Rev. 95, 282 (1954); Phys. Rev. 99, 1264 (1955).: consiste de um feixe de moléculas de amônia que produz amplificação estimulada de micro-ondas na frequência de 24 GHz (1 GHz = 1 gigaherz = 109Hz). Essa frequência corresponde à diferença de energia entre dois estados da molécula de amônia, em que o átomo de Nitrogênio fica de um lado ou outro do plano de átomos de Hidrogênio (ver Fig. 3). As populações desses dois estados, à temperatura ambiente, é praticamente igual. É necessário no entanto, para ter um processo de avalanche baseado na emissão induzida, que a população esteja invertida, ou seja, que haja mais moléculas no estado de maior energia (estado excitado). De fato, a inversão de população deve ser suficiente para superar as perdas: o ponto em que o ganho começa a superar as perdas é chamado de “limiar de oscilação” do maser. Os dois estados são separados passando o feixe por um gradiente de campo elétrico: As moléculas no estado de maior energia têm então uma trajetória diferente daquelas que estão no estado de menor energia. Isso permite separar as moléculas excitadas, que são introduzidas em uma cavidade ressonante com a transição entre os dois estados - ver Fig 3. Obtém-se assim um sistema com população invertida que emite fótons na cavidade ressonante. Os fótons são refletidos nas paredes da cavidade, o que reforça o processo de emissão estimulada exatamente na frequência selecionada pela cavidade. Á medida em que o feixe molecular atravessa a cavidade, aumenta a intensidade do campo de micro-ondas produzido, que é retirado da cavidade por um guia de ondas.

Figura 3
(a) Os dois estados de uma molécula de Amônia; (b) Operação de um maser de amônia.

A seletividade e a estabilidade dos primeiros masers é notável. Somente frequências que distam no máximo 5000 Hz da frequência central de 24 GHz são amplificadas, e o deslocamento de frequência em longos períodos de tempo é muito pequeno, da ordem de uma parte em um bilhão. Townes, Basov e Prokhorov recebem o Prêmio Nobel em 1964 por seus trabalhos teóricos que levaram à realização do maser.

Curiosamente, o dispositivo demonstrado por Townes, Gordon e Zeiger não foi o primeiro maser: em 1962, foram detectadas emissões na região de micro-ondas de nuvens interestelares com altas intensidades e com linhas espectrais muito estreitas. Essas características levaram à conclusão de que masers ocorriam naturalmente. Vários masers naturais foram descobertos, ocorrendo através do processo de emissão estimulada em várias moléculas, como SiO e H2O.

O primeiro laser (acrônimo para “Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation”) é demonstrado em dezembro de 1960 pelo físico norte-americano Theodore Maiman, pesquisador do Laboratório Hughes, em Malibu, na Califórnia [11][11] A.L. Schawlow and C.H. Townes, Phys. Rev. 112, 1940 (1958).. O trabalho de Maiman é precedido por duas propostas teóricas, demonstrando as condições de funcionamento e a viabilidade do laser. A primeira, feita pelo físico norte-americano Gordon Gould - então estudante de doutorado na Universidade de Colúmbia que cunhou o nome laser e que registra a ideia em 1957, ganhando a patente 20 anos mais tarde, depois de longa batalha judicial. A segunda [12][12] T. Maiman, Nature 187, 493 (1960)., publicada em 1958 por Townes, da Universidade de Columbia e então consultor dos laboratórios da Bell, e o norte-americano Arthur Schawlow, que trabalhava na Bell.

Tipicamente, em um laser, um conjunto de átomos é colocado em um tubo cilíndrico, com paredes laterais transparentes, entre dois espelhos, sendo um deles semitransparente, isto é, não apenas reflete luz, mas também pode transmiti-la - sendo, no entanto, a intensidade da luz transmitida muito menor que a da refletida. Os átomos são excitados, por exemplo, por uma corrente elétrica ou por um pulso de luz emitido por um flash (Fig. 4). Os átomos excitados começam, então, a emitir fótons espontaneamente. Se emitidos ao longo do eixo do cilindro, os fótons espontâneos iniciais estimulam a emissão de outros fótons idênticos na mesma direção, a maior parte dos quais é refletida pelos espelhos, reforçando, assim, o processo de emissão estimulada e produzindo, então, uma avalanche de fótons praticamente idênticos. Os fótons que não são emitidos ao longo do eixo saem pelas paredes laterais do cilindro, não são refletidos e portanto não são reforçados pelo processo de emissão estimulada.

Figura 4
Funcionamento de um laser.

Essa foi uma ideia importante para a realização do laser: ao contrário do maser, na cavidade ressonante do laser os diferentes modos de oscilação do campo (frequências e direções diferentes) são muito próximos, e é necessário então evitar que os modos com vetores de propagação diferentes do eixo da cavidade roubem a energia de excitação dos átomos. Por isso é importante que fótons emitidos nesses outros modos possam escapar da cavidade. O feixe de luz que atravessa o espelho semitransparente tem assim propriedades bastante diferentes da luz emitida por uma lâmpada incandescente (chamada ‘luz térmica’): tem direção de propagação e frequência muito bem definidas, já que os fótons são em sua maioria produzidos pelo processo de emissão estimulada.

A energia fornecida pelo flash ou pela corrente elétrica é assim concentrada em torno de uma direção e uma frequência, podendo ter alta intensidade. Para obter um feixe com essas características a partir de uma lâmpada incandescente - que emite luz em diversas direções, com uma distribuição ampla de frequências -, é necessário colimar (ou seja, direcionar) uma parte da luz emitida através de orifícios e lentes, e, além disso, usar filtros de cor para selecionar a frequência, o que implica desperdiçar a maior parte da energia fornecida pela lâmpada, produzindo-se um feixe de baixa intensidade.

A inversão de população, no laser, requer estratégias diversas das adotadas no maser, pois agora a grande maioria dos átomos está no estado fundamental (estado menos excitado do átomo).

No laser construído por Maiman, átomos de cromo, em um cristal de rubi, são excitados por um flash e produzem um pulso de laser. Em fevereiro de 1961, é demonstrado, por uma equipe do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA) liderada por Ali Javan, o primeiro laser que emite um feixe de luz continuamente [13][13] A. Javan, W. R. Bennett Jr. and D. R. Herriott, Phys. Rev. Lett. 6, 106 (1961).. Nesse caso, átomos de hélio, misturados com átomos de neônio, são excitados por uma corrente elétrica.

O rubi é um cristal de óxido de alumínio, no qual estão inseridos íons de crômio, que são responsáveis pela cor vermelha do rubi. Esse sistema absorve luz na região do verde e do azul, como ilustrado na Fig. 5: os íons de cromo são então excitados para um conjunto de estados (F na Fig. 5), com uma distribuição de energia que permite acomodar uma faixa espectral ampla, aproveitando assim a energia de excitação produzida por um flash que envolve o material. Justamente por absorver o verde e o azul, mas não o vermelho, é que o rubi tem sua cor característica. Os níveis excitados decaem rapidamente para um nível metaestável, que tem um tempo de vida muito maior que a duração do pulso de flash, produzindo-se assim a inversão de população, que gera o pulso de laser, na região do infravermelho, através do processo de emissão estimulada. Para que o pulso de laser seja gerado, é necessário que a inversão de população seja suficientemente grande, de modo a que o ganho do laser, que gera a amplificação, supere as perdas. Esta é a chamada “condição de limiar”. O laser deve operar acima do “limiar de oscilação”, de modo que os ganhos superem as perdas e o pulso seja gerado. Em particular, para um laser operando muito acima do limiar, os processos de emissão estimulada dominam amplamente os de emissão espontânea.

Figura 5
Níveis de energia para o laser de rubi.

O primeiro laser contínuo é anunciado em fevereiro de 1961 pelo grupo de Ali Javan [13][13] A. Javan, W. R. Bennett Jr. and D. R. Herriott, Phys. Rev. Lett. 6, 106 (1961)., do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Consiste de uma mistura dos gases Hélio e Neônio (10 partes de Hélio para uma de Neônio), confinados em um tubo de vidro. Uma descarga elétrica excita continuamente os átomos de Hélio, para níveis metaestáveis (longo tempo de vida) – 2s0 e 2s1 na Fig. 6 -, mas não os de Neônio, que são mais pesados e menos sensíveis às colisões com os elétrons da descarga. Os níveis metaestáveis dos átomos de Hélio têm energias muito próximas às dos níveis 2s2 e 3s2 do Neônio, havendo assim uma transferência ressonante de excitação, e uma inversão de população no Neônio, que desencadeia emissões estimuladas entre os níveis 2s2 e 3s2 e níveis inferiores (ver Fig. 5), que decaem para o nível 1s2 do Neônio, que por sua vez decai para o estado fundamental devido a colisões com as paredes do tubo que contem os gases. Esse processo é mantido ininterruptamente, alimentado por uma descarga elétrica contínua. Uma escolha adequada do comprimento da cavidade permite reforçar uma dessas transições em detrimento das outras. Os primeiros lasers de He-Ne emitiam luz com comprimento de onda de 1.153 nm, na região do infravermelho, mas posteriormente aparecem lasers de He-Ne na região do visível, principalmente no comprimento de onda de 633 nm, na região do vermelho, devido a ser essa emissão a mais intensa.

Figura 6
Níveis de energia para o laser de He-Ne.

Inicialmente, o laser é considerado “uma solução em busca de um problema”. Não imaginavam, os pioneiros do laser, como esse novo dispositivo afetaria o quotidiano das pessoas. No entanto, a partir das primeiras demonstrações, há um rápido desenvolvimento desses dispositivos. Em 1962, Robert Hall inventa o primeiro laser de semicondutor. No mesmo ano, Nicolas Bloembergen começa a usar lasers para investigar fenômenos de ótica não-linear. Em 1964, Kumar Patel desenvolve um laser de CO2. Em 1966, são desenvolvidos lasers de corante sintonizáveis (isto é, com frequência variável). Em 1987, um oftalmologista de New York, Steven Strokel, realiza a primeira cirurgia de córnea com laser, usando um laser de excímero no ultravioleta.

Em 1969, um espelho de 45 cm de lado é instalado na Lua por uma equipe da nave Apollo 11. Esse espelho é usado para refletir um pulso emitido por um laser de rubi no Observatório McDonald, no Texas, permitindo, através da medida do tempo que leva o pulso para retornar, a determinação da distância entre a Terra e a Lua com uma precisão de 5 m. Novas instalações no estado de Novo México (projeto Apollo), produzindo pulsos ultracurtos a partir de um laser de Nd:YAG, permitem reduzir essa incerteza para 1 mm! O monitoramento com tal precisão do movimento da Lua possibilita testes extremamente precisos da teoria da gravitação.

Lasers de alta potência (da ordem do “petawatt”: 1015W), desenvolvidos para uso em fusão nuclear têm intensidades (da ordem de 1021W/cm2) equivalentes a ter toda a luz solar incidente sobre a Terra focalizada na extremidade de um fio de cabelo.

Lasers que emitem pulsos ultracurtos, na região de raios X, da ordem de 67 x 1018s (ou 67 attossegundos), demonstrados em 2012 pelo físico chinês Zenghu Chang e colegas, na Universidade da Flórida Central (EUA), funcionam como flashes fotográficos ultrarrápidos, permitindo seguir processos dinâmicos de curta duração, como aqueles que envolvem por exemplo a dinâmica de elétrons no processo de ionização de átomos por campos eletromagnéticos intensos.

Lasers ocupam um lugar importante no mundo contemporâneo: aplicações cirúrgicas, gravação de circuitos impressos para computadores, medida precisa de distâncias, leitores de códigos de barra, CDs e DVDs, comunicação através de fibras óticas, soldas e cortes de materiais, relógios atômicos com precisão de um segundo em 10 milhões de anos.

4. A revolução conceitual da ótica quântica

O advento dos lasers provoca, por outro lado, uma importante revolução conceitual no que se refere às propriedades da luz, não tão visível quanto o grande leque de aplicações, mas com desdobramentos que ainda se multiplicam nos tempos atuais.

A reação inicial da comunidade científica, após a demonstração do primeiro laser, é de considerar a luz do laser como equivalente a uma luz de lâmpada incandescente filtrada (de modo a obter uma alto grau de monocromaticidade) e colimada (de modo a produzir um feixe direcionado). Uma visão bem mais sofisticada emerge no entanto de vários trabalhos publicados na década de 1960, que revelam diferenças profundas entre a luz proveniente de uma lâmpada incandescente e a emitida por um laser.

Entre eles, o desenvolvimento da teoria quântica da luz pelo norte-americano Roy Glauber [14][14] R.J. Glauber, Phys. Rev. 131, 2766 (1963); Phys. Rev. Lett. 10, 84 (1963). e pelo indiano George Sudarshan [15][15] E.C.G. Sudarshan, Phys. Rev. Lett. 10, 277 (1963)., em 1963; os trabalhos pioneiros sobre a teoria quântica do laser, do alemão Hermann Haken, no ano seguinte [16][16] H. Haken, Zeitschrift für Physik 181, 96 (1964).; bem como os dos norte-americanos Melvin Lax e William Louisell [17][17] M. Lax, Phys. Rev. 145, 110 (1966); M. Lax e W. H. Louisell, Phys. Rev. 185, 568 (1969). e Marlan Scully e William Lamb Jr. [18][18] M.O. Scully and W.E. Lamb Jr., Phys. Rev. 159, 208 (1967)., a partir de 1966.

Os trabalhos de Glauber e Sudarshan levaram a uma generalização da Eq. (4) para qualquer tipo de luz, não apenas a luz térmica. A variância do número de fótons é dada pela expressão generalizada

(13) Δ n 2 = n + d { α k , s } P ( { α k , s } ) ( Δ U ) 2 ,

onde αk,s é a amplitude complexa adimensional do campo para o modo caracterizado pelo vetor de onda k e pela polarização s, definida de modo que a amplitude complexa do campo elétrico correspondente, em uma cavidade com volume V, seja igual a Ek,s=hνVαk,s (sistema CGS). O símbolo d{αk,s} é um produto de elementos de volume para cada modo do campo, definidos em espaços de fase cujos eixos correspondem à parte real e imaginária da amplitude complexa αk,s, de modo que, para um só modo com αk,s=x+iy, temos dαk,s=dxdyUk,sαk,s2 é uma densidade de energia (ou intensidade) adimensional do campo; sendo ΔU2 sua variância.

O primeiro termo no lado direito da Eq. (13) corresponde ao termo “corpuscular” na Eq. (3). O segundo termo, associado ao afastamento da lei de Poisson, pode ser interpretado como uma variância quasi-clássica, a distribuição de Glauber-Sudarshan P({αk,s}) desempenhando o papel de uma distribuição de probabilidade.

No limite em que essa distribuição é muito concentrada, correspondendo matematicamente a uma função delta, o segundo termo à direita da Eq. (11) se anula, pois uma vez que as amplitudes complexas são bem definidas a variância de U deve ser igual a zero. Essa situação corresponde a um estado coerente. Esse é o limite em que a intensidade do campo é constante, pois as amplitudes complexas não flutuam. Temos então o resultado que corresponde a uma distribuição de Poisson: só o termo corpuscular contribui na Eq. (11). Esta é a situação de um laser bem acima do limiar de oscilação: a dominância dos processos de emissão estimulada sobre os de emissão espontânea implica que a intensidade do laser é praticamente constante. Por outro lado, para uma fonte térmica (lâmpada incandescente), a distribuição P({αk,s}) de amplitudes do campo é uma Gaussiana, e a variância do número de fótons é maior que o número médio de fótons: de fato, pode-se mostrar que, neste caso, Δn2=n+n2, onde a contribuição adicional, em relação à distribuição de Poisson, corresponde precisamente ao segundo termo no lado direito da Eq. (3), o termo “ondulatório” de Einstein.

Essa diferença estatística entre a luz de laser e a luz térmica pode ser detectada através de um experimento de contagem de fótons: para a luz de laser, os fótons comportam-se como partículas independentes (característica da distribuição de Poisson), enquanto fótons térmicos tendem a se agrupar, como ilustra a Fig. 7.

Figura 7
Representação esquemática das contagens de fótons, em função do tempo, para feixes de luz que são (A) anti-agrupados; (B) aleatórios (como no laser); e (C) agrupados (como na luz incandescente).

Ocorre, no entanto, que P({αk,s}) pode ser extremamente singular e negativa, o que invalida uma interpretação como a de Einstein, de que o segundo termo do lado direito da Eq. (13) corresponde a uma contribuição de onda clássica. Quando P({αk,s}) é negativa, a variância do número de fótons é menor que o número médio de fótons: dizemos então que a distribuição é sub-Poissoniana. Outro efeito, associado à negatividade de P({αk,s}), é o anti-agrupamento de fótons, ilustrado na Fig. 7. O anti-agrupamento de fótons é estreitamente relacionado à estatística sub-Possoniana, embora os dois conceitos não sejam estritamente equivalentes [19][19] L. Davidovich, Rev. Mod. Phys. 68, 127 (1996)..

Estados do campo eletromagnético para os quais P({αk,s}) é altamente singular (mais singular que uma função delta) ou negativa são chamados de “estados não-clássicos”. A produção de estados não-clássicos, motivada por esses avanços teóricos, inaugura uma nova área de pesquisas, estimulada tanto pelos problemas conceituais envolvidos, que exigem uma compreensão mais profunda da natureza da luz, como pelo interesse em obter feixes de luz com flutuações abaixo do limite de ruído balístico [19][19] L. Davidovich, Rev. Mod. Phys. 68, 127 (1996).. Em particular, estados sub-Poissonianos e com anti-agrupamento de fótons têm sido pesquisados com o objetivo de aplicação em criptografia quântica: fótons individuais, espaçados entre si, levam informação na forma de bits quânticos, os qbits.

Estados não-clássicos da luz já aparecem quando se considera a emissão de radiação por um único átomo, submetido a um campo ressonante que induz transições entre dois níveis atômicos, digamos o nível de mais baixa energia (correspondente ao estado fundamental) e um nível excitado. Quando o átomo está no estado excitado, ele pode emitir um fóton espontaneamente. Se isso ocorre, o átomo estará no estado fundamental logo após a emissão do fóton e, assim sendo, precisará ser excitado antes que um novo fóton possa ser emitido. Haverá assim um anti-agrupamento de fótons, como ilustra a Fig. 7. A primeira demonstração experimental do anti-agrupamento da radiação de um átomo [20][20] H. J. Kimble, M. Dagenais e L. Mandel, Phys. Rev. A 18, 201 (1978). foi realizada por Kimble, Dagenais e Mandel, na Universidade de Rochester (EUA), em 1977, enquanto a estatística sub-Poissoniana foi demonstrada [21][21] R. Short e L. Mandel, Phys. Rev. Lett. 51, 384 (1983). por Short e Mandel em 1983.

O caráter não-clássico da luz pode se refletir não apenas nas flutuações do número de fótons, mas também no ruído nas quadraturas do campo eletromagnético, que são análogas à posição e momentum de um oscilador harmônico. Se xt é a posição de uma partícula de massa m oscilando harmonicamente com frequência ω, então, em termos da posição e momentum iniciais x0 e p0, temos xt=x0cosωt+p0mωsenωt, expressão análoga a de um campo elétrico em termos de suas quadraturas (adimensionais) X e Y : E=E0Xcosωt+Ysenωt. De forma semelhante ao que ocorre com a posição e o momentum de uma partícula quântica, os desvios-padrão ΔX e ΔY das quadratura X e Y não podem ser anulados simultaneamente, e satisfazem à relação de incerteza ΔXΔY14. Isso significa que não podemos representar o estado de um campo eletromagnético no plano XY como um ponto, pois não podemos conhecer X e Y simultaneamente - ver Fig. 8. Para um estado coerente, temos ΔX=ΔY=12, e por isso ele é representado por uma “bola” no espaço de fase (Fig. 9a). Vemos então que há uma incerteza de fase, associada ao tamanho da bola. É possível, no entanto, comprimir uma das quadraturas, às expensas da outra. Isso é realizado através de uma interação não linear entre o campo eletromagnético e um meio material: pode ocorrer então uma amplificação seletiva, em que uma componente de quadratura é amplificada, às custas da outra - ver Fig. 9. Essa amplificação seletiva é chamada de “amplificação sensível à fase”. Produzem-se assim “estados comprimidos”; a Fig. 9 ilustra estados comprimidos na fase e na amplitude.

Figura 8
Incertezas nas quadraturas X e Y implicam em incerteza na fase do campo.
Figura 9
(a) Para um estado coerente, os desvios-padrão das duas quadraturas X e Y são ΔX=ΔY=12; (b) Estado com amplitude comprimida: a incerteza na amplitude diminui, enquanto a incerteza na fase aumenta; (c) Estado com fase comprimida; (e) amplificação não sensível à fase: ruído aumenta em ambas as quadraturas; (e) amplificação sensível à fase: ruído diminui em uma das quadraturas, às custas de um aumento do ruído na outra.

A primeira realização experimental de um estado comprimido [22][22] R.E. Slusher, L.W. Hollberg, B. Yurke, J.C. Mertz and J.F. Valley, Phys. Rev. Lett. 55, 2409 (1985). foi feita por Slusher e colaboradores, em 1985. Várias aplicações de luz comprimida foram sugeridas, em comunicações óticas e medidas de precisão. A ideia básica é usar a quadratura comprimida para transmitir informações com baixo ruído ou para realizar medidas de precisão.

Lasers sub-Possonianos também foram realizados, em caráter experimental, com o objetivo de aplicação em comunicações com baixa variância no número de fótons [19][19] L. Davidovich, Rev. Mod. Phys. 68, 127 (1996)..

5. Fótons emaranhados e informação quântica

A partir da década de 1990, desenvolvimentos experimentais extremamente sofisticados, em vários laboratórios, permitem a manipulação e controle de sistemas quânticos individuais, como um único átomo ou fóton. Essa nova “tecnologia quântica” é reconhecida pelo Prêmio Nobel de Física de 2012, outorgado a David Wineland do National Institute of Standards and Technology (NIST) em Boulder, EUA e a Serge Haroche da Ecole Normale Supérieure em Paris, França. Experimentos requintados não apenas permitem a demonstração de efeitos sutis da física quântica, mas fornecem um instrumental que poderá viabilizar aplicações inovadoras, resultantes de novas concepções teóricas que propõem usar as leis do mundo quântico para tornar mais eficientes a comunicação e a computação. Nasce uma nova disciplina, a informação quântica, que exige colaboração interdisciplinar, e busca uma nova compreensão sobre os processos de transmissão, armazenamento, compactação e computação propiciados pela física quântica, com a promessa de utilização de propriedades quânticas para aumentar a eficiência desses processos.

A computação quântica lida com bits quânticos (qbits), que generalizam o conceito de bit, unidade fundamental de informação em computação clássica e que pode ter os valores 0 ou 1. O qbit, por sua vez, pode ser expresso por uma superposição de 0 e 1. Um exemplo físico de qbit é a polarização de um fóton. Uma luz polarizada linearmente comporta-se como uma corda vibrante, que oscila em um plano. O fóton pode ter polarização ao longo de um plano horizontal - o que corresponderia, por exemplo, ao valor 0 do bit - ou vertical (valor 1), mas pode também ter polarização ao longo de um plano inclinado, que seria representada em física quântica como uma superposição dos dois ‘estados de polarização’ (horizontal e vertical). Essa liberdade em relação aos bits clássicos, que só podem ter os valores 0 e 1, é a base da criptografia quântica e da computação quântica. Métodos diversos têm sido imaginados para fazer uso dessas propriedades quânticas para a transmissão segura de informação, e para a realização de computações mais eficientes.

Algoritmos quânticos já propostos implicam em um aumento de velocidade de computação, comparada com os algoritmos clássicos conhecidos, para problemas como busca em banco de dados e fatoração de números em fatores primos (o melhor algoritmo de fatoração conhecido, para computação clássica, requer um tempo de computação que cresce exponencialmente com o comprimento do número - por isso mesmo, a fatoração de números é um ingrediente essencial nos métodos criptográficos mais usados atualmente, por exemplo na transmissão de dados pela internet).

Estados emaranhados desempenham um papel importante nos computadores quânticos. Constituem também uma das propriedades mais sutis da física quântica. Em artigo publicado na revista Naturwissenschaften em 1935, Erwin Schrödinger comenta, sobre o fenômeno do emaranhamento, “o conhecimento dos sistemas individuais pode ser nulo, enquanto o do sistema combinado permanece máximo. O melhor conhecimento possível do todo não inclui o melhor conhecimento possível de suas partes - e é isso que vem continuamente nos assombrar”.

Estados emaranhados de fótons são produzidos em vários laboratórios, inclusive no Brasil. Cristais especiais, iluminados por feixes de laser na região ultravioleta, emitem pares de fótons na região do infravermelho. Cada fóton absorvido leva à emissão de um par de fótons, de modo que, desprezando perdas de energia no cristal, a soma das energias dos fótons emitidos deve ser igual à energia do fóton incidente, o que explica a diferença de cor entre os fótons absorvidos pelo cristal e os pares de fótons emitidos. Sob certas condições, os pares de fótons são produzidos de modo que ambos têm mesma polarização (o que exemplifica uma informação de natureza global sobre o sistema), mas essa polarização não é definida (refletindo a ignorância sobre a polarização de cada fóton) - o estado quântico do sistema de dois fótons é uma superposição das duas possibilidades: por exemplo, ambos os fótons com polarizações horizontais ou verticais.

Estados emaranhados, assim como estados comprimidos, são relevantes para medidas de precisão, em particular em estimativas de parâmetros físicos, tópico de interesse da metrologia quântica, que tem sido objeto de estudos teóricos e experimentais em vários grupos [23[23] S.L. Braunstein, C.M. Caves and G.J. Milburn, Ann. Phys. (N.Y.) 247, 135 (1996).,25][25] B.M. Escher, R.L. de Matos Filho and L. Davidovich, Nature Phys. 7, 406 (2011)..

O grande desafio para a realização de aplicações confiáveis na área de informação quântica é a realização de operações precisas sobre átomos e fótons, e o combate a efeitos do ambiente que afetam estados quânticos e, em particular, destroem o emaranhamento. Estudos sobre esses efeitos têm sido realizados [25[25] B.M. Escher, R.L. de Matos Filho and L. Davidovich, Nature Phys. 7, 406 (2011).28][28] L. Aolita, F. de Melo and L. Davidovich, Rep. Prog. Phys. 78, 042001 (2015)., e novas ideias aparecem visando a proteção de estados quânticos.

A atividade intensa que se desenvolve em muitos institutos de pesquisa e universidades, bem como em empresas como Google, IBM, Microsoft, Toshiba e Hewlett-Packard, tem o potencial de produzir novas surpresas nos próximos anos, baseadas nas propriedades sutis e contra-intuitivas da física quântica, que continuam a nos assombrar.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2015
  • Aceito
    03 Ago 2015
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