Acessibilidade / Reportar erro

Quantização da carga elementar pela análise de ruído elétrico

Quantization of elementary charge from an electrical noise analysis

Resumos

A implementação experimental de um método simples de de muito baixo custo para obtenção da carga do elétron a partir da teoria de ruído elétrico de uma junção semicondutora é apresentada nesse artigo. A metodologia possibilita concluir que o experimento é útil como ferramenta de ensino em laboratórios de física moderna universitários, beneficiando cursos que empreguem tecnologias associadas ao desenvolvimento de circuitos elétricos, trabalhos em física aplicada fundamental no ensino da natureza da corrente elétrica a fim de quantificar a carga elementar.

quantização; carga elementar; ruído elétrico


A experimental set-up of a simple, low-cost, method to estimate the electron charge from the electric noise theory of a semiconductor junction is presented in this paper. The methodological approach allows to conclude that the experiment is useful as a teaching tool for modern university physics labs for the benefit of courses that employ electrical circuits developmental technologies, research in fundamental applied physics and teaching of the nature of electrical current in order to quantify the elementary charge.

quantization; elementary charge; electric noise


PRODUTOS E MATERIAIS DIDÁTICOS

Quantização da carga elementar pela análise de ruído elétrico

Quantization of elementary charge from an electrical noise analysis

Everton Lüdke1 1 E-mail: eludke@smail.ufsm.br. ; Cezar Augusto Gomes

Departamento de Física, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil

RESUMO

A implementação experimental de um método simples de de muito baixo custo para obtenção da carga do elétron a partir da teoria de ruído elétrico de uma junção semicondutora é apresentada nesse artigo. A metodologia possibilita concluir que o experimento é útil como ferramenta de ensino em laboratórios de física moderna universitários, beneficiando cursos que empreguem tecnologias associadas ao desenvolvimento de circuitos elétricos, trabalhos em física aplicada fundamental no ensino da natureza da corrente elétrica a fim de quantificar a carga elementar.

Palavras-chave: quantização, carga elementar, ruído elétrico.

ABSTRACT

A experimental set-up of a simple, low-cost, method to estimate the electron charge from the electric noise theory of a semiconductor junction is presented in this paper. The methodological approach allows to conclude that the experiment is useful as a teaching tool for modern university physics labs for the benefit of courses that employ electrical circuits developmental technologies, research in fundamental applied physics and teaching of the nature of electrical current in order to quantify the elementary charge.

Keywords: quantization, elementary charge, electric noise.

1. Introdução

A natureza quântica da corrente elétrica é conhecida desde o advento da eletrônica, onde foi constatado que flutuações de intensidade da corrente elétrica em função do tempo era associada com a quantização da carga elétrica. Em 1918, Schottky [1] conclui que o ruído de diodos a vácuo era uma composição de dois tipos de ruído, o "Wärmeefekt" que modernamente é conhecido como ruído Johnson-Nyquist [2,3] que ocorre pelo movimento térmico de elétrons em metais e "Schroteffekt" ou shot noise que resulta no fato que a corrente elétrica não é um fluxo contínuo de energia, mas sim a soma de pulsos discretos de corrente com o tempo [4], correspondente a transferência de elétrons através de um condutor resistivo e aparece como um "ruído branco" cuja amplitude ocorre aleatoriamente com o tempo e cuja densidade espectral S = 4kT/R é, portanto, independente da frequência. O efeito é bem estudado teoricamente [5,6] como o resultado de processos estocásticos [7,8] em dispositivos eletrônicos e estado sólido como diodos Schottky, diodos de tubo a vácuo, fotocélulas a vácuo e junções P-N de transístores bipolares e de efeito de campo, sendo que esses dispositivos são boas fontes de ruído elétrico de natureza térmica. Em contraste com o ruído Johnson, o shot noise não pode ser eliminado pela redução da temperatura do dispositivo.

Nesse trabalho, discutimos as características técnicas de um experimento novo que possibilita a alunos de cursos experimentais de física moderna e engenharias, analisar a natureza corpuscular da corrente elétrica e obter, quantitativamente, a carga elementar, além de possibilitar ao aluno, o ganho de habilidades técnicas com processamento digital de sinais de áudio.

2. Descrição do experimento

O circuito gerador de ruído branco entre 120 e 5400 Hz está ilustrado na Fig. 1. O sinal da junção PN de um transístor é percorrida por uma corrente elétrica média I medida pelo multmetro digital posicionado entre o potenciômetro regulador de corrente P1 e o coletor do transístor. A componente variável da corrente produz uma diferença de potencial aleatória entre os terminais da junção semicondutora que é amplificada por um pré-amplificador de sinal, um amplificador de potência e o sinal alimenta um filtro LRC.


A densidade espectral do ruído elétrico é obtida acoplando-se o conector de saída com a entrada de microfone de um notebook e empregando um software de análise espectral de sons para obter o espectro no intervalo do espectro audível de frequências. No ruído shot, a densidade espectral é diretamente proporcional à corrente média "I" que circula pela junção até uma frequência de corte superior que se relaciona ao tempo que o elétron leva para viajar por ela, que, de acordo com o espectro ilustrado na figura, é cerca de 7 kHz.

Na saída do filtro, flutuações de ruído com amplitude máxima na ordem de 0,8 V é suficiente para alimentar diretamente a entrada de microfone de um notebook e ser analisada por suítes de análise de sinal via placa interna de áudio. Existem vários softwares freeware para análise de sinal que podem ser usados para análise quantitativa espectros. Dentre as opções, avaliamos os programas Baudline, Audacity, Hamalyzer, sendo que o Audacity foi escolhido para esse trabalho. Programas comerciais como Mathlab ou SpectraPLUS, permitem analisar arquivos .wav gerados pelo Audacity.

O valor médio do quadrado das flutuações de corrente de uma junção semicondutora percorrida por um valor médio de corrente I em função da carga eletrônica $e$e e da banda de frequências onde a medida é realizada, é dada por

O ganho do amplificador é constante dentro do intervalo de frequência de audio e é dado aproximadamente pela razão entre os resistores de 2,2 MΩ e 3,3 kΩ, A ≈ 666.

O circuito da Fig. 2 consiste em um filtro LRC paralelo tipo "passa-faixa" [9] que restringe a banda espectral para isolar melhor a emissão térmica do nível de ruído 1/f e flicker do diodo que possuem componentes em frequência até o limite de 240 Hz com a saída acoplada a um diodo detetor quadrático e um circuito integrador ativo.


O elemento indutivo L é construído enrolando-se 600 espiras de fio esmaltado 29 AWG sobre um bastão de ferrite de seção retangular 40x10x4 mm de comprimento, reaproveitado de um rádio-relógio antigo. A indutância obtida foi L = 2,4 mH e baixa resistência interna (~8 Ω), medida com um indutímetro simples descrito em um artigo em separado [10]. Para um capacitor de poliéster com C= 1 μF e = 68 Ω, temos um filtro com com banda passante Δf = f0/Q ~ 4500 Hz e com uma frequência central de a banda passante.

A voltagem quadrática média (V2) do ruído se relaciona com a fonte de corrente através da seguinte expressão [11,12]

E quando a voltagem em função do tempo é conhecida, a equação acima é também definida por

3. Aquisição e análise dos dados

O problema consiste em obter (V2) a partir de dados digitais amostrados discretamente pela placa de áudio de um computador pessoal e que são armazenados em um arquivo de formato .wav usando a técnica de modulação codificada por pulsos (PCM).

Internamente, esse arquivo contém um cabeçalho com a identificação dos dados, seguido dos dados armazenados como palavras digitais. Usando o programa Mathlab ou Mathcad, é fácil recuperar os dados e analisá-los diretamente. No presente artigo foi empregado o Mathcad versão 13.0 com uma rotina para cálculo de (V2), onde se pode explicitar os passos da análise dos dados digitais para os alunos, com uma excelente facilidade técnica.

Para calibrar a escala de voltagem, usamos um gerador de funções marca ICEL GV2002 para gerar um sinal de 1,1 mV de amplitude na entrada do amplificador e obter o fator de conversão CC de escala para voltagem real, obtendo um arquivo de calibração onde esse fator de conversão pode ser obtido.

Para o cálculo, empregamos os primeiros 5000 pontos do arquivo, correspondente a gravação de 100 milissegundos de áudio e a planilha Matcad que calcula (V2) a partir do arquivo .wav e da implementação discreta da Eq. (3) está ilustrada na Fig. 2 e pode ser reproduzida com facilidade.

Os dados foram coletados da seguinte forma: ajusta-se o potenciômetro de 1 MΩ para o valor mínimo de resistência, lê-se a corrente em miliampères e grava-se o ruído em um arquivo .wav referente a dez segundos de gravação com o software de análise de áudio Audacity. Por inspeção, escolhe-se um trecho do arquivo onde o ruído é mais característico e seleciona-se um subtrecho de 1 segundo para ser gravado no arquivo .wav que será lido pela planilha do Mathcad para cálculo de (V2). Assim, variando a posição do eixo do potenciômetro, pode-se obter correntes entre 0,001 e 0,02 mA e calcular V2 para cada nível de ruído produzido.

Após a coleta de dados, basta efetuar uma análise gráfica da Eq. (2) e obter numericamente a relação entre a voltagem r.m.s. de ruído na saída filtrada do amplificador e a corrente que circula pela junção do transístor gerador de ruído vezes o fator de mérito Q do filtro LRC [12]. Verificamos, também, que fator Q calculado para o filtro LC usando teoria simples de análise de circutos AC concorda com o valor medido a partir do perfil espectral do ruído visualizado com o Audacity por meio de uma análise de Fourier de qualquer arquivo .wav, ou com as rotinas de transformada de fourier discreta disponíveis no Mathcad e o estudo quantitativo do filtro pode ser deixado como exercício extra ao aluno de laboratóro.s

A Fig. 3 mostra o ajuste linear dos dados pelo método dos mínimos quadrados, obtendo-se um coeficiente linear de 17,25 para a reta. Substituindo esse valor na Eq. (2), temos a carga do elétron estimada como 1,42 × 109 que concorda com resultados publicados em um experimento similar onde o ruído de uma fotocélula a vácuo e um milivoltímetro profissional com true rms [13] com coeficientes angulares similares, embora a solução experimental proposta no nosso artigo, de custo muito mais reduzido.


4. Conclusões

Neste artigo, propomos um experimento que possibilita aos alunos de laboratório de física moderna investigar a natureza da corrente elétrica como uma distribuição de Poisson e processos estocásticos de eventos de transferência de elétrons através de condutores, sendo os aspectos físicos da produção de ruído elétrico é importante em eletrônica, telecomunicações e diversos aspectos teóricos da física fundamental.

O método descrito aqui possibilita a alunos de laboratórios de eletrônica e física moderna concluir experimentalmente que a corrente elétrica é um tipo de ruído que ocorre quando um número finito de partículas que carregam energia em pacotes quantizados, como elétrons em junções semicondutoras e fótons em dispositivos ópticos. Os alunos facilmente concluem que o efeito que é grande o suficiente para produzir flutuações estatísticas mensuráveis em uma rotina de medidas elétricas e que a carga elementar pode ser derivada quantitativamente com uma análise de sinal apropriada.

A estratégia descrita no presente artigo elimina a necessidade de empregar um milivoltímetro true-rms, o qual, por possuir alto custo, é praticamente inacessível a cursos de física dentro das políticas públicas atuais dos países em desenvolvimento na América Latina. Desse modo, o experimento descrito aqui, obtem-se um resultado equivalente e de interesse didático.

Recebido em 10/12/2009; Aceito em 5/3/2010; Publicado em 25/2/2011

  • [1] W. Schottky, Annalen der Physik 373, 157 (1922).
  • [2] J.B. Johnson, Phys. Rev. 32, 97 (1928).
  • [3] H. Nyquist, Phys. Rev. 32, 110 (1928).
  • [4] C. Beenakker and C. Schönenberger, Phys. Today May, 37 (2003).
  • [5] A.H. Steinbach, J.M. Martinis and M.H. Devoret, Phys. Rev. Lett. 76, 3806 (1996).
  • [6] R.T. Gillespie, Am. J. Phys. 64, 225 (1996).
  • [7] L. Basano and P. Ottonello, Am. J. Phys. 43, 452 (1975).
  • [8] A.J. Dekker, H. Hickman and T.M. Chen, Am. J. Phys. 59, 609 (1991).
  • [9] James A. Svoboda e Richard C. Dorf, Introdução aos Circuitos Elétricos (LTC Editora, Rio de Janeiro, 2008), p. 341-373.
  • [10] E. Lüdke, Revista Brasileira de Ensino de Física (em impressão).
  • [11] D.L. Livesey and D.L. McLeod, Am. J. Phys. 41, 1364 (1973).
  • [12] D.R. Spiegel and R.J. Helmer, Am. J. Phys. 63, 554 (1995).
  • [13] Y. Kraftmakher, Am. J. Phys. 63, 932 (1995).
  • 1
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Abr 2011
    • Data do Fascículo
      Dez 2010

    Histórico

    • Recebido
      10 Dez 2009
    • Aceito
      05 Mar 2010
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br