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Um estudo das variações da temperatura do solo via equação do calor

A study of variations of the soil temperature via heat equation

Resumo

Neste artigo, primeiramente será apresentada uma revisão do problema que relaciona a temperatura da superfície do solo com sua temperatura a uma dada profundidade, ou seja, através de variação periódica de temperatura na superfície do solo, deseja-se verificar a influência causada por essa a uma certa profundidade, ignorando influências dos processos radioativos do interior da Terra, que representam condições ideais. Na modelagem do problema em questão, é empregada a conhecida Equação do Calor fazendo uma analogia com o problema da condução de calor em uma barra semi-infinita, isolada termicamente em suas laterais. Detalhes matemáticos da solução da equação do calor serão apresentados. Será utilizado como estudo de caso a variação da temperatura do solo em relação a superfície em um dia de verão e em um dia inverno na cidade de São Paulo com os dados fornecidos pela estação meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP.

Palavras-chave:
Séries de Fourier; Equações Diferenciais Parciais; Problemas de contorno; Condução do Calor em barra semi-infinita

Abstract

In this article, firstly will be presented a review of the problem that relates the temperature of the soil surface to its temperature at a given depth, i. e. , through periodic variation of temperature at the soil surface, will be wanted to verify the influence caused by this a certain depth, ignoring influences of the radioactive processes of the interior of the Earth, that represent ideal conditions. In the modeling of the problem in question, the known Heat Equation is used, making an analogy to the problem of conducting heat in a semi-infinite bar, thermally isolated on its sides. Mathematical details of the solution of the heat equation will be presented. The soil temperature variation in relation to the surface on a summer day and on a winter day in the city of São Paulo will be used as a case study with the data provided by the meteorological station of the Institute of Astronomy, Geophysics and Atmospheric Sciences (IAG) of USP.

Keywords:
Fourier Series; Partial Diferencial Equations; Boundary value problem; Heat conduction through a semi-infinity bar

1. Introdução

Em 1807, Fourier (1768-1830) apresentou um artigo para a Academia de Ciências da França que revolucionou a matemática na época. Ele descreveu o problema da propagação do calor em barras, chapas e sólidos metálicos. Mais tarde, Willian Thomson(1824-1927), mais conhecido como Lord Kelvin, ou simplesmente Kelvin, também se interessou pelo problema dando grandes contribuições, e chegou a afirmar que sua carreira como físico-matemático fora influenciada por Fourier. A frase mais famosa atribuída a Fourier é: “O estudo profundo da natureza é a fonte mais rica de descobertas matemáticas” [1][1] H. Eves, Introdução à história da matemática; tradução H. H. Domingues (Editora da UNICAMP, Campinas, 2004), 1ª ed..

De fato, veremos aqui mais um exemplo de como a modelagem matemática de problemas envolvendo a natureza se dá de maneira extraordinária ao associarmos o problema de variação de temperatura do solo com a variação da temperatura em uma barra metálica.

A equação do calor é de grande importância em diversos campos da ciência. Na matemática, é a equação diferencial parcial parabólica mais simples, e sua solução aproximada numérica, ao contrário que faremos neste artigo, pode ser obtida através do Método das Diferenças Finitas, como o Método Numérico Explícito, o Método Implícito de Crank-Nicolson [2][2] V.G. Ferreira e G.B. Lima, Minicurso sobre Solução numérica de equações diferenciais parciais (V Bienal da SBM, Sociedade Brasileira de Matemática, Notas de aula, Universidade Federal da Paraíba 2010). ou ainda por outros métodos de aproximação. Na estatística, a equação do calor é utilizada no estudo do movimento browniano [3][3] L. C. Evans, Partial differential equations (Graduate Studies in Mathematics, Berkeley, 2010), 2ª ed.. Na química, a equação de difusão é uma versão mais geral da equação do calor, relacionada principalmente com o estudo de processos de difusão química, seguindo a mesma analogia para resolução em processos de transferências de massas [4][4] Transferências de massa, disponível em: http://labvirtual.eq.uc.pt/siteJoomla/index.php?option=com_content&task=view&id=249&Itemid, acessado em 14/11/2018.
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.

O cálculo da idade da Terra, problema bastante explorado não apenas por geólogos, mas principalmente por matemáticos e físicos, também é um exemplo onde a equação do calor pode ser empregada. Em 1893, Lord Kelvin, indignado com propostas de valores imensuráveis baseados no uniformitarismo introduzido por Charles Lyell (1797-1875), ou ainda pela teoria da evolução de Darwin, que exigia muitos milhões de anos para que as espécies pudessem evoluir, Kelvin propôs um novo modelo para realizar o cálculo, com diferentes hipóteses sobre a composição das camadas terrestres e sobre como o calor fluía sobre entre elas.[5][5] A.C. Tort e F. Nogarol, Rev. Bras. Ensino Fís. 35, 1603 (2013)..

O ponto de partida de Kelvin foi considerar a Terra como uma esfera de rocha (de matéria de em estado de fusão) recém solidificada com temperatura uniforme, coberta por uma fina crosta bem menor do que o raio terrestre. No modelo da Terra sólida de Kelvin a temperatura aumentava a medida que a profundidade a partir da superfície crescia, enquanto que na superfície a temperatura média não aumentava significativamente. Para modelar o problema ele utilizou a equação do calor unidimensional, impondo condições iniciais e de fronteira que estivessem de acordo com sua teoria, obtendo uma idade estimada entre 100 e 200 milhões de anos para a Terra, não mais que isso. Ele mostrou que o esfriamento ocorre principalmente próximo a superfície, afetando pouco as camadas mais profundas da crosta, pois o raio Terra é cerca de 53 vezes maior que o comprimento de penetração do calor [5][5] A.C. Tort e F. Nogarol, Rev. Bras. Ensino Fís. 35, 1603 (2013)..

Em 1895, John Perry (1850-1920) um ex-aluno de Kelvin questiona a sua estimativa de 100 milhões de anos, afirmando que os parâmetros e o modelo de esfera utilizados no modelo de que Kelvin estavam incorretos, embora seus cálculos no que tangem a teoria de Fourier não. Assim, embasado em pesquisas geológicas e paleontológicas recentes à época, Perry propôs que a camada mais externa que envolve a Terra deveria ser constituída de um material distinto ao da esfera proposta por Kelvin, o que levaria a uma idade cerca de 3 vezes maior do que a estimada por ele, estando compreendida no intervalo entre 300 e 600 milhões de anos. As observações de Perry foram confirmadas pelo cientista Oliver Heaviside (1850-1925), e a grande contribuição de Perry foi a de demonstrar que o resultado depende do modelo de esfera e crosta que se propõe para a Terra [5][5] A.C. Tort e F. Nogarol, Rev. Bras. Ensino Fís. 35, 1603 (2013)..

Muitos anos depois, com auxilio da radioatividade descobriu-se que a Terra era muitíssimo mais velhas do que as estimativas de Perry, sendo de aproximadamente 4,5 bilhões de anos. Entretanto, o grande mérito das primeiras estimativas continuam sendo de Lord Kelvin que teve a brilhante ideia de empregar a equação do calor neste problema [5][5] A.C. Tort e F. Nogarol, Rev. Bras. Ensino Fís. 35, 1603 (2013)..

O problema que vamos explorar neste artigo consiste em relacionar a temperatura da superfície do solo (x = 0) com o seu interior (x > 0), levando em conta as variações periódicas que ocorrem na superfície devido as mudanças climáticas, ignorando influências de temperatura dos processos radioativos do interior da Terra que seriam relevantes caso fossemos estudar a variação da temperatura a grandes profundidades, o que não será o caso neste artigo. A modelagem deste problema foi associada ao cálculo das variações da temperatura em uma barra semi-infinita, isolada termicamente nas laterais, com a extremidade na superfície (x = 0) submetida a uma temperatura periódica f(t) [6][6] A. Sommerfeld, Partial Differential Equations in Physics (Academic Press, New York, 1949), 1ª ed.

Estudos relacionados a temperatura do solo são de extrema importância principalmente no ramo agrícola. O último relatório PIBAgro-Brasil, de dezembro de 2016, mostrou que o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro, estimado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, com o apoio financeiro da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), apresentou crescimento de 0,11% em dezembro, acumulando alta de 4,48% em 2016, e apenas o ramo agrícola cresceu 0,18% no mês, com alta de 5,77% no ano [7][7] G.S.C. Barros, A.F. Silva, A.L. Fachinello, N.R. Castro, L. Gilio e G.F. Cianchini, Relatório PIBAgro-Brasil, Esalq/USP, Piracicaba (2016).. Para garantir resultados sempre positivos como estes, a escolha da época do plantio, observada a temperatura na superfície, e sua relação com o solo, será sem sombra de dúvida indispensável.

Segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Brasil é o segundo maior produtor mundial de soja, sendo que na safra 2015/2016 a cultura totalizou uma produção de 113,92 milhões de toneladas [8][8] https://www.embrapa.br/soja/cultivos/soja1, acessado em 25/072018.
https://www.embrapa.br/soja/cultivos/soj...
. No entanto, o cultivo de soja requer temperaturas ideais de solo, pois a soja se adapta melhor às regiões onde as temperaturas oscilam entre 20 e 30graus Celsius sendo que a temperatura ideal para seu desenvolvimento está em torno de 30graus [9][9] J.R.B. Farias, N. Neumaier e A.L Nepomuceno, Embrapa 48, 1 (2007).. Estudos afirmam que a semeadura da soja não deve ser realizada quando a temperatura do solo estiver abaixo dos 18 graus Celsius [10][10] J.B. F. Neto F.C. Krzyzanowski, G.P. Pádua, N.P. Costa e A.A. Henning, Embrapa 40, 1 (2008)., pois a germinação e a emergência da planta ficam comprometidas e que em regiões com temperaturas menores ou iguais a 10graus são impróprias ao cultivo da soja, bem como temperaturas acima de 40graus Celsius [9][9] J.R.B. Farias, N. Neumaier e A.L Nepomuceno, Embrapa 48, 1 (2007)..

O modelo aqui apresentado segue o proposto por DJAIRO (2009) [11][11] D.G. Figueiredo, Análise de Fourier e Equações Diferencias Parciais (Editora IMPA, Rio de Janeiro, 2009), 4ª ed.. Detalharemos as passagens matemáticas e faremos uma aplicação da variação da temperatura do solo em função do tempo para diferentes profundidades com os dados fornecidos pela estação meteorológica Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP [12][12] Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Fornecimento de dados acerca de medições da temperatura do solo em diferentes profundidades, realizadas em um dia de verão e um dia de inverno do ano de 2017. [online] Mensagem pessoal enviada para o autor. (08 de novembro de 2017)., durante um dia de verão e um dia de inverno do ano de 2017, apresentando os resultados obtidos graficamente.

2. Detalhes Matemáticos da Solução da Equação do Calor

Primeiramente, suponhamos a Terra como um semi-espaço de R3, com x > 0, onde os parâmetros dependam apenas da profundidade x, ou seja, estamos desprezando quaisquer influências advindas de qualquer outra direção que não seja o comprimento x. Isso pode ser feito, pois na prática são muito pequenas as contribuições nas demais direções a ponto de alterar significativamente a temperatura do solo em pequenas profundidades, as quais faremos nossas aplicações.

Faz sentido então associar o problema do cálculo da variação da temperatura do solo em relação à superfície com a condução de calor em uma barra semi-infinita, isolada termicamente nas laterais e com a extremidade x = 0, na superfície, submetida a uma temperatura periódica f(t), de modo que o período T desta função possa ser o dia ou o ano mais adequado a cada caso [11][11] D.G. Figueiredo, Análise de Fourier e Equações Diferencias Parciais (Editora IMPA, Rio de Janeiro, 2009), 4ª ed..

O problema será descrito pela seguinte equação, mais conhecida como Equação do Calor:

(1) u t = K 2 u x 2 , t R , x > 0 ,

onde u = u(xt) nos diz como a temperatura está espacialmente distribuída em um dado instante de tempo t. Utilizaremos o tempo t em segundos, a profundidade x em centímetros, a difusidade térmica K no sistema CGS (Centímetro-Grama-Segundo) com dimensões cm2/s Nosso problema estará sujeito a seguinte condição de fronteira

(2) u ( 0 , t ) = f ( t ) , t R ,

sendo f(t) uma função periódica de período T que fora assim escolhida por dois motivos essenciais. O primeiro, devido ao fato de que a temperatura na superfície do solo (x = 0) é periódica, podendo se repetir com período igual a um dia ou um ano, se pensarmos nas estações do ano. Assim, por exemplo, se em um dia de inverno a temperatura da superfície do solo atingir 24° às 8 horas manhã, existe grande possibilidade da temperatura se repetir por dias neste mesmo horário durante o inverno, e também se repetir a cada ano nestes mesmos dia e horário.

O segundo motivo pelo qual f(t) deve ser periódica é pelo fato de que esta é uma das condições para que uma função possa ser escrita em termos da série de Fourier, o que neste caso é imprescindível já que nenhuma condição inicial será imposta, e neste caso não teríamos a “cara” da solução procurada, como pode ser visto a seguir.

Desse modo, considerando f(t) periódica, podemos expandir tal função em termos da série de Fourier, sendo neste caso conveniente utilizar a sua forma complexa

(3) f ( t ) = n = - + C n e 2 π i n t / T ,

onde T é o período e Cn o coeficiente de Fourier dado por

(4) C n = 1 T - T / 2 T / 2 f ( t ) e - 2 π i n t / T d t , n = 0 , ± 1 , ± 2 , .

Não será imposta nenhuma condição inicial, ou seja, para t = 0. Buscaremos uma solução separável para a equação (1), de modo que

(5) u ( x , t ) = u ( x ) u ( t ) ,

e após a sua substituição na equação (1), teremos uma equação diferencial ordinária de primeira ordem na variável t e uma de segunda ordem na variável x, resultado trivialmente conhecido da solução da Equação do Calor.

A solução procurada tem a forma:

(6) u ( x , t ) = n = - + C n u n ( x ) e 2 π i n t T ,

onde cada termo individual da série deverá satisfazer a lei básica da condução do calor.

As funções un(x), devem satisfazer o seguinte problema de valor inicial (PVI) de segunda ordem, proveniente da substituição de (6) em (1),

(7) { d 2 u n d x 2 = 2 π i n K T u n ( x ) u n ( 0 ) = 1 } ,

sendo que o valor inicial do PVI provém diretamente da condição de fronteira (2),

(8) u ( 0 , t ) = n = + C n u n ( 0 ) e 2 π i n t / T = n = + C n e 2 π i n t / T = f ( t ) u n ( 0 ) = 1.

Por simplicidade, vamos adotar pn2=2πinKT, de modo que nosso problema (7) se torne

(9) { d 2 u n d x 2 = p n 2 u n ( x ) u n ( 0 ) = 1 }

e cuja solução geral é dada por:

(10) u n ( x ) = A n e p x + B n e - p x

Notemos que devemos ter An = 0, para que a temperatura não divirja quando x, e para que a condição un(0) = 1 seja satisfeita, temos que ter Bn = 1.

No entanto, a solução expressa na forma complexa não é interessante quando se deseja conhecer a temperatura do solo e obter dados gráficos, portanto, façamos algumas considerações.

Observemos que em pn2=2πinKT podemos utilizar a seguinte relação sendo o sinal ± correspondente a n positivo ou negativo [6][6] A. Sommerfeld, Partial Differential Equations in Physics (Academic Press, New York, 1949), 1ª ed.

(11) 2 n i = ( 1 ± i ) 2 | n |

e ainda, fazendo

(12) q n = π | n | K T > 0

temos

(13) p n = ( 1 ± i ) q n . ( 13 )

Assim, podemos reescrever a solução geral (10) da seguinte forma:

(14) u n ( x ) = e - ( 1 ± i ) q n x ( 14 )

e com isso, (6) toma a forma

(15) u ( x , t ) = n = - + C n e - ( 1 ± i ) q n x e 2 π i n t / T .

Agora, a fim de expressarmos tal solução na forma real, vamos escrever para n > 0,

(16) C n = | C n | e i γ n ,

onde γn é o argumento do complexo Cn, e ao substituirmos em (15), ficamos com:

(17) u ( x , t ) = n = 1 C n e ( 1 i ) q n x e 2 π i n t / T + n = 0 + | C n | e i γ n e ( 1 + i ) q n x e + 2 π i n t / T .

Para n < 0, Cn tem o mesmo valor absoluto, apenas com fase negativa, o que nos leva a:

(18) u ( x , t ) = n = 1 + | C n | e i γ n e ( 1 i ) q n x e 2 π i n t T + C 0 + n = 1 + | C n | e i γ n e ( 1 + i ) q n x e + 2 π i n t T

já com o valor para n = 0 calculado.

Usando a relação, proveniente de Euler,

(19) e i θ + e i θ = 2 c o s θ

teremos como solução do problema da variação da temperatura do solo a seguinte função:

(20) u ( x , t ) = C 0 + 2 n = 1 + | C n | e q n x × cos ( 2 π n t T + γ n q n x )

ou ainda,

(21) u ( x , t ) = C 0 + 2 n = 1 + | C n | e π n K T x × cos ( 2 π n t T + γ n π n K T x ) .

3. Aplicações

A função (21) mostra que u (x, t) é uma superposição de ondas correspondendo aos harmônicos da função f (t). Dessa forma, cada n-ésima onda tem sua amplitude amortecida por eπnKTx e defasagem correspondente a πKTx.

O argumento γn na função cosseno faz apenas uma correspondência a f (t), afirmando que ambas são periódicas.

Com tais informações em mãos, podemos sem perda de generalidade, simplificar a nossa solução (21), reduzindo-a ao primeiro harmônico de f (t), ou seja, quando n=1:

(22) u ( x , t ) = C 0 + 2 | C 1 | e π K T x × cos ( 2 π t T + γ 1 π K T x ) .

Agora, considerando o caso em que f(t)=cos 2πt/Té apenas o primeiro harmômico, teremos:

(23) u ( 0 , t ) = C 0 + 2 | C 1 | cos ( 2 π t T + γ 1 ) = cos ( 2 π t T ) ,

onde vemos que C0=0, e daí,

(24) 2 | C 1 | e i γ 1 cos ( 2 π t T + γ 1 ) = cos ( 2 π t T ) .

Para que a solução seja não trivial, devemos ter γ1=0, e portanto, |C1|=1/2, o que nos fornece

(25) u ( x , t ) = e π K T x cos ( 2 π t T π K T x ) .

Será realizada uma aplicação da variação de calor em função do tempo para diferentes profundidades do solo. O gráfico da Figura 1 foi elaborado para o primeiro harmônico (n = 1), utilizando a equação (25) em um período correspondente a 1 dia, ou seja, T = 86400 segundos, e considerando a difusidade térmica do solo como K = 0,002 cm2/s

Figura 1
Fluxo de calor transmitido para diferentes níveis de profundidade em função do tempo.

A Segunda Lei da Termodinâmica diz que o fluxo térmico movido por gradiente de temperatura ocorre espontaneamente sempre da região de maior temperatura para a de menor, caracterizando um fenômeno difusivo. Isso explica o fato de haver maior amplitude do fluxo de calor na superfície x = 0 cm, nos períodos do início, meio e final do dia, onde a temperatura em geral é baixa, alta e baixa novamente, demonstrando essa troca de calor, da superfície mais quente para as demais camadas do solo mais frias.

Pode-se notar que o fluxo de calor é maior nas camadas mais rasas do solo nos períodos da manhã e início da tarde. Já no período do final da tarde até a noite, o módulo do fluxo de calor |u(x,t)| ainda é maior próximo da superfície, porém é negativo, indicando perda de calor. É possível observar que quanto maior a profundidade, menor o módulo do fluxo de calor e sua variação ao longo do dia, como ocorre em x = 30 e x = 40 cm que apresentam as curvas do fluxo de calor praticamente constantes iguais a zero.

Para a construção dos gráficos apresentados a seguir, foram utilizados dados fornecidos pela estação meteorológica do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, localizada no Parque Ciência e Tecnologia da USP, na cidade de São Paulo [12][12] Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Fornecimento de dados acerca de medições da temperatura do solo em diferentes profundidades, realizadas em um dia de verão e um dia de inverno do ano de 2017. [online] Mensagem pessoal enviada para o autor. (08 de novembro de 2017).. Essa estação possui termômetros que medem a temperatura do solo em diferentes níveis de profundidade, desde a superfície até 40 cm, e são realizadas observações de hora em hora, das 7 da manhã à meia noite.

Foram solicitados dados referentes a temperatura do solo nos dias de verão e de inverno do ano de 2017, e dentre os dados recebidos foram selecionados dois deles sem ocorrência de chuvas no dia anterior, para que a água influenciasse o mínimo possível no transporte de calor. Foram construídos gráficos para os dias 06/01/2017 (verão) e 20/07/2017 (inverno), com os valores da temperatura do solo para as profundidades de 0 cm, 5 cm, 10 cm, 20 cm, 30 cm e 40 cm, em função do tempo [12][12] Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP. Fornecimento de dados acerca de medições da temperatura do solo em diferentes profundidades, realizadas em um dia de verão e um dia de inverno do ano de 2017. [online] Mensagem pessoal enviada para o autor. (08 de novembro de 2017)..

Analisando a variação da temperatura nos gráficos das Figuras 2 e 3, podemos observar o mesmo resultado obtido pelo gráfico da Figura 1 construído a partir da equação (25) de maneira mais teórica e genérica, nos conduzindo a mesma conclusão, ou seja, quanto mais próximo a superfície, maiores as variações de temperatura positiva na primeira metade do dia e negativa na segunda metade

Figura 2
Gráfico dos valores da temperatura do solo em um dia de verão (06/01/2017), para os níveis de profundidade indicados na legenda em centímetros, em função do tempo em horas.
Figura 3
Gráfico dos valores da temperatura do solo em um dia de inverno (20/07/2017), para os níveis de profundidade indicados na legenda em centímetros, em função do tempo em horas.

No gráfico da Figura 2, pode-se observar que a temperatura na superfície (0 cm) ao logo do dia varia de 23 a 35 graus Celsius, enquanto que nas camadas mais profundas, 30 e 40 cm, temos temperaturas entre 26 e 26,5 graus Celsius, o que nos mostra que a variação nestas camadas corresponde a apenas 4% do que ocorre na superfície.

No gráfico da Figura 3, a variação da temperatura nas camadas mais profundas corresponde a apenas 2,6% da variação observada na superfície, o que se deve a uma temperatura um pouco atípica para o inverno, com temperatura mínima normal para a estação, mas com a máxima no dia atingindo os 32,5 graus Celsius na superfície por volta de 14 horas.

A partir das 16 horas, em ambos os gráficos das Figuras 2 e 3, a temperatura nos níveis mais profundos começa a exceder a da superfície, implicando em um atraso do fluxo de calor no tempo.

Pode-se notar uma relação entre a variação do fluxo de calor no gráfico 1 com os gráficos 2 e 3, veja por exemplo que a maior amplitude do fluxo ocorre na superfície x = 0 variando de -1 a 1ao longo do dia, o mesmo que ocorre com a temperatura que no dia de verão varia de aproximadamente de 23 a 34 graus Celsius, e no dia de inverno de 14 a 32 graus Celsius aproximadamente. Ainda é possível observar esse mesmo comportamento para as demais camadas do solo, onde a amplitude do fluxo tem correspondência direta com a amplitude da temperatura tanto em no dia de verão ou no de inverno.

Assim, percebe-se um bom acordo do gráficos 1 com os gráficos 2 e 3, pois em maiores profundidades, x = 30 e x = 40 cm, onde o fluxo de calor se manteve praticamente constante, o mesmo pode ser observado tanto no gráfico que representa um dia de verão como em um dia de inverno. Já em menores profundidades, x = 0 e x = 5 cm novamente podemos notar comportamentos semelhantes entre as curvas dos gráficos 1, 2 e 3, com grande amplitude térmica ao longo do dia, tanto no inverno como no verão.

4. Conclusões

A partir da construção dos gráficos foi possível melhor visualizar o comportamento da temperatura do solo a pequenas profundidades, utilizando a equação específica (25).

O plantio de sementes em geral, por exemplo, é realizado nas camadas mais superficiais do solo, enquadrando-se no nosso objeto de estudo. No caso da soja, segundo a Embrapa, a semeadura deve ser realizada entre 3 e 5 cm de profundidade, com temperaturas do solo entre 20 e 30 graus Celsius, nunca abaixo de 18 graus [9[9] J.R.B. Farias, N. Neumaier e A.L Nepomuceno, Embrapa 48, 1 (2007).,10[10] J.B. F. Neto F.C. Krzyzanowski, G.P. Pádua, N.P. Costa e A.A. Henning, Embrapa 40, 1 (2008).].

Embora tenhamos analisado apenas um dia do inverno e um dia do verão, as curvas correspondentes a profundidade 5 cm nos gráficos das Figuras 2 e 3 mostram claramente que a soja deve ser plantada em períodos mais quentes para uma germinação mais eficaz, tendo em vista que em um dia de inverno, durante várias horas do dia temos temperaturas abaixo dos 18 graus Celsius, desfavorável ao cultivo da mesma [10][10] J.B. F. Neto F.C. Krzyzanowski, G.P. Pádua, N.P. Costa e A.A. Henning, Embrapa 40, 1 (2008)..

Por fim, pode-se concluir que as variações da temperatura da superfície, durante o período de um dia, pouco afetam a temperatura do solo a profundidades maiores, afetando apenas sua camada mais superficial.

Agradecimentos

Agradecemos ao Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG) da USP, por fornecer os dados referentes a temperatura do solo, bem como pelas informações meteorológicas cedidas e ao IF Sudeste MG - Campus Juiz de Fora pelo incentivo à pesquisa através do financiamento da bolsa.

Referências

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    Transferências de massa, disponível em: http://labvirtual.eq.uc.pt/siteJoomla/index.php?option=com_content&task=view&id=249&Itemid, acessado em 14/11/2018.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2019

Histórico

  • Recebido
    27 Ago 2018
  • Revisado
    15 Nov 2018
  • Aceito
    22 Nov 2018
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