Acessibilidade / Reportar erro

Poderia Arquimedes ter calculado π com areia e um bastão?

Could Archimedes have calculated π with sand and a stick?

Resumos

Neste artigo propomos três métodos para determinar numericamente o valor de uma das constantes mais famosas e importantes da matemática, a constante π. Apresentamos um método numérico inspirado no método original de Arquimedes, um método mecânico experimental que utiliza areia e um bastão, e finalmente, a partir de um modelo baseado na ideia de probabilidade, o método de Monte Carlo que é usado para a determinação de π. O aparato experimental usado é bastante simples e de baixo custo, facilitando a utilização do método experimental e sua aplicação no ensino de física e matemática em escolas de Ensino Médio.

valor numérico de π; método experimental para obter π; método de Monte Carlo para calcular π


We propose three methods to numerically determine the value of one of the most famous and important mathematical constants, the constant π. We present a numerical method inspired by the original method of Archimedes, an experimental mechanical method that uses sand and a stick, and finally, from a model based on the idea of probability, the Monte Carlo method is used for the evaluation of π. The experimental apparatus is very simple and of low cost, which makes easy the use of the experimental method and its application in physics and mathematics courses at high-school level.

numerical value of π; experimental method to determine π; Monte Carlo method to determine π


ARTIGOS GERAIS

Poderia Arquimedes ter calculado π com areia e um bastão?

Could Archimedes have calculated π with sand and a stick?

Fernanda J. Dellajustina1 1 E-mail: fernandadellajustina@gmail.com. ; Luciano C. Martins

Departamento de Física, Universidade do Estado de Santa Catarina, Joinville, SC, Brasil

RESUMO

Neste artigo propomos três métodos para determinar numericamente o valor de uma das constantes mais famosas e importantes da matemática, a constante π. Apresentamos um método numérico inspirado no método original de Arquimedes, um método mecânico experimental que utiliza areia e um bastão, e finalmente, a partir de um modelo baseado na ideia de probabilidade, o método de Monte Carlo que é usado para a determinação de π. O aparato experimental usado é bastante simples e de baixo custo, facilitando a utilização do método experimental e sua aplicação no ensino de física e matemática em escolas de Ensino Médio.

Palavras-chave: valor numérico de π, método experimental para obter π, método de Monte Carlo para calcular π.

ABSTRACT

We propose three methods to numerically determine the value of one of the most famous and important mathematical constants, the constant π. We present a numerical method inspired by the original method of Archimedes, an experimental mechanical method that uses sand and a stick, and finally, from a model based on the idea of probability, the Monte Carlo method is used for the evaluation of π. The experimental apparatus is very simple and of low cost, which makes easy the use of the experimental method and its application in physics and mathematics courses at high-school level.

Keywords: numerical value of π, experimental method to determine π, Monte Carlo method to determine π.

1. Introdução

Arquimedes de Siracusa (287-212 a.C.), um dos mais importantes cientistas da antiguidade [1], entre outras façanhas calculou quantos grãos de areia haveria no universo. Para isso utilizou o modelo heliocêntrico de Aristarco de Samos, e quase todo o conhecimento de sua época, tendo sido um dos pioneiros na construção de um sistema numérico para operar e representar números gigantes. Ele muitas vezes fazia seus cálculos escrevendo na areia, com um bastão, pois nessa época o papel era raro e precioso demais para rascunhos e desenhos.

Dentre muitos feitos inovadores para a ciência, Arquimedes utilizou um engenhoso método geométrico para estimar um intervalo de valores numéricos que delimitou o valor de uma das constantes mais famosas e importantes da matemática, a constante π. Poderia Arquimedes ter determinado experimentalmente o valor dessa constante utilizando apenas areia, o seu bastão como alavanca e considerações de simetria e aleatoriedade? A resposta a essa pergunta é sim, como demonstraremos nesse trabalho.

O número π é conhecido desde a Babilônia de onde se tem os primeiros registros de aproximações numéricas do valor da constante [2]. Acredita-se também que os egípcios tinham conhecimento do valor de π, o qual foi utilizado para a construção da grande pirâmide de Gizé que possui um perímetro de 1.760 côvados2 2 Unidade de medida de comprimento que foi usada por diversas civilizações antigas, entre eles os babilônios, egípcios e hebreus. Era baseada no comprimento do antebraço, da ponta do dedo médio até o cotovelo. O côvado real dos antigos egípcios media 50 cm, o dos romanos media 45 cm. e uma altura de 280 côvados, de forma que a relação 1.760/280≈6,29 que é aproximadamente iguai 2π≈6,28 [3].

Abordagens instrucionais contemporâneas esperam os alunos se tornem produtores ativos de conhecimento. Isso leva à necessidade de criação de ferramentas de ensino e tarefas que podem oferecer aos alunos oportunidades de aprendizagem ativa [4]. Neste estudo utilizamos a experiência computacional como uma integração da ciência computacional com o método de aprendizagem por descoberta. O experimento computacional suporta ambos os tipos de pesquisa, a exploração experimental, bem como a pesquisa criativa, ajudando os alunos a desenvolver modelos não só de exploração, mas também de modelos consistentes. A extensa literatura científica é uma evidência robusta de que as simulações de computador podem melhorar a instrução tradicional, especialmente na medida em que as atividades laboratoriais são consideradas [5, 6].

Propomos um experimento prático e simples que ilustra o conceito empírico de probabilidade e como se pode chegar intuitivamente na ideia central do método de Monte Carlo [7], muito utilizado em simulações numéricas feitas em computadores. No experimento proposto, apenas uma medida linear simples feita com régua será usada para a determinação da constante π, com o uso de areia e um bastão apoiado, para equilibrar e comparar massas como uma balança primitiva.

Para revisão e motivação, apresentamos na Seção 2 a relevância e a utilidade prática da constante π, pra que se possa entender melhor o porque de tanto interesse e esforço histórico de tantos povos e civilizações na sua determinação.

Discutimos brevemente na Seção 3 o método original de Arquimedes para a determinação geométrica de π, que a seguir será comparado com outros três métodos, um método numérico, um método experimental e outro por simulação computacional, o método de Monte Carlo [7, 8], respectivamente nas Seções. 4 a 7.

Ao final, na Seção 8, comparamos os métodos apresentados e resumimos as principais conclusões finais deste trabalho.

2. Qual a utilidade da constante π ?

O número π, é definido como a razão do perímetro S de uma circunferência pelo seu diâmetro D, ou seja,

e a partir desta definição, o perímetro da circunferência pode ser escrito como S=2πR, já que o seu diâmetro é D=2R.

A área do círculo pode ser obtida a partir do seu perímetro usando-se o seguinte argumento geométrico. Considere um círculo partido em N setores idênticos, sendo N um número par. Por exemplo, para N=4, veja a Fig. 1A. Reorganizando-se os setores do círculo conforme mostra a Fig. 1B, dividindo-se esse padrão ao meio e dispondo-os como mostra a Fig. 1C, obtemos uma primeira aproximação para a área do círculo, considerando o retângulo de base πR e altura R, sendo



já que existe uma pequena diferença entre as áreas do retângulo e dos setores originais do círculo. Ao se dividir o círculo em um grande número de partes (N≫4), obteremos uma melhor aproximação com a área do retângulo da Fig. 1C, e pode-se mostrar que no limite N→∞, a fórmula aproximada dada pela Eq. (2) se torna exata, ou seja, uma igualdade.

Um raciocínio análogo pode ser usado para a obtenção do volume de uma esfera, seccionando-a em N setores esféricos idênticos e reorganizando-os na forma aproximada de um paralelepípedo, que no limite N→∞ terá o volume exato da esfera .

Em resumo, o perímetro de uma circunferência, á área de um círculo e o volume de uma esfera, são quantidades geométricas diretamente proporcionais ao valor da constante π, daí a importância do seu cálculo exato. Todas essas relações envolvendo a constante π foram demonstradas rigorosamente por Arquimedes através do método da exaustão de Eudoxo, e apresentadas nos seus livros A Medida do Círculo e Sobre a Esfera e o Cilindro.

3. O método geométrico de Arquimedes

No ano de 250 a.C. Arquimedes estimou o valor de π, através de um engenhoso método geométrico, utilizando polígonos regulares inscritos e circunscritos a uma circunferência de diâmetro unitário, e portanto de perímetro π, conforme prevê a Eq. (1). Como o perímetro do polígono inscrito Si é menor que o perímetro da circunferência, e este, menor que o perímetro do polígono circunscrito Sc, Arquimedes delimitou um intervalo para o valor da constante procurada, ou seja,

A medida que o número de lados dos polígonos for sendo aumentado, o valor de π poderá ser calculado com uma precisão cada vez maior, pois o perímetro dos polígonos tendem ao da circunferência.

Por exemplo, utilizando inicialmente quadrados e a seguir octógonos, polígonos regulares de quatro e oito lados, respectivamente, obtemos os desenhos da Figs. 2A e 2B, e sucessivamente podemos ir dobrando o número de lados para que os perímetros das três figuras se aproxime cada vez mais. Observa-se na Fig. 2D, para n=32, já quase não há diferença visual entre as três figuras geométricas.



A ideia é simples, mas os cálculos necessários são trabalhosos, se considerarmos que não existia ainda a trigonometria e muito menos as ferramentas modernas do cálculo na época de Arquimedes, mas apenas a geometria euclidiana, aritmética e álgebra elementares. Cerca de um século antes de Arquimedes, o filósofo grego Aristóteles havia demostrado a incomensurabilidade [9] da diagonal de um quadrado com relação ao seu lado, pois aquela medida não podia ser expressa como uma fração desta, o que chamamos hoje de número irracional, sendo que a matemática grega não considerava válida a existência de tais números que não podiam ser medidos ou calculados exatamente.

Repetindo o processo, com polígonos inscritos e circunscritos de até 96 lados, Arquimedes demonstrou que o número procurado deve satisfazer a desigualdade

ou seja 3,140<π<3,143. Tomando-se o valor médio do intervalo acima, obtemos o melhor valor de Arquimedes para a constante como sendo

uma aproximação correta até a terceira casa decimal, com o ultimo algarismo sendo o duvidoso.

4. O método numérico

Adaptando a ideia original de Arquimedes, calcularemos com um método numérico as aproximações numéricas de π. Para a área de um círculo com raio unitário, vale uma desigualdade similar àquela da Eq. (3), dada por

onde Ai e Ac são as áreas de polígonos inscritos e circunscritos ao círculo.

Assim, para o cálculo de π, ao invés do perímetro, vamos considerar a área de polígonos com número de lados, ou seja, potências de 2, para m=2,3,4,.... Partindo da Eq. (6), vamos escrever uma expressão para as sucessivas áreas dos polígonos inscritos no círculo que sejam função do número de lados dos polígonos, e para isso, começaremos desenhando um quadrado inscrito no círculo, conforme a Fig. 2A. Traçando as diagonais do quadrado obtemos 4 triângulos, cujas áreas são fáceis de determinar, pois a área de um triângulo é a metade da área de um retângulo com a base e a altura do próprio triângulo.

O triângulo inscrito mostrado na Fig. 3A possui área , sendo que para um polígono regular de n lados, Assim, como a área do círculo foi dividida em n setores, podemos aproximar a área do círculo com raio unitário, e portanto,


já que sin(2α)=2sinαcosα é uma identidade válida para qualquer ângulo α. De modo similar, o triângulo circunscrito da Fig. 3B possui área , e para polígonos regulares de n lados, circunscritos no círculo de raio unitário, temos

A partir dessas áreas podemos calcular π com uma precisão muito grande. A Tabela 4 mostra os resultados obtidos para as primeiras aproximações de π.

Verificamos nesta tabela que conseguimos estimar o valor de π com 15 casas decimais para m=28, sendo portanto suficiente um polígono com lados, para se obter o valor de π com a precisão dupla padrão. O método numérico apresentado aqui é um método exato, pois após um número finito de passos podemos determinar o valor numérico de π com a uma precisão finita qualquer. Os dados da Tabela 4 foram obtidos com o código em linguagem C, listado no Apêndice 9.1..

5. O modelo

Com base na Fig. 2A podemos escrever uma relação entre o lado do quadrado circunscrito e o raio da círculo, dada por 2R=L, e definindo-se a razão p entre a área do círculo e a área do quadrado temos

que é a fração da área do quadrado ocupada pelo círculo.

Isolando π na equação anterior temos

sendo esta a relação fundamental a partir da qual podemos determinar o valor π, sendo necessário apenas calcular a fração p.

6. O método experimental

Para a determinação da fração p da Eq. (10) podemos usar grãos de areia para determinar experimentalmente o valor de π, usando um aparato experimental bastante simples e fácil de montar. Tal aparato consiste numa caixa quadrada de lado interno L e altura h e um tronco de cilindro com raio externo igual a L/2 e mesma altura da caixa, que deverá ser encaixado dentro desta caixa, veja na Fig. 4.


Os valores para o tamanho da caixa devem ser escolhidos com o critério de uma boa medida, baseada no volume e peso da areia que será colocada dentro da caixa, para que não seja muito grande, e muito pesada, e nem muito pouca, difícil de pesar. No arranjo experimental que montamos para fazer as medidas usamos L = 33,10 cm e h = 7,50 cm.

A caixa pode ser feita de qualquer material que suporte o peso sem se deformar, sem perder ou misturar os grãos de areia durante a coleta para a realização das medidas. Veja na Fig. 5 o aparato experimental que montamos.


Para medir o número π vamos precisar ainda de areia bem seca, para que ela não fique grudada na parede da caixa ou no tronco de cilindro, ou forme cavidades sem preenchimento uniforme, interferindo assim nos resultados numéricos. Com a areia preenchemos a caixa e o cilindro, raspando a parte superior para remover o excesso de areia e nivelar a superfície de forma mais plana possível. Na sequência vamos separar em um saco a areia externa ao tronco de cilindro, que chamamos de m2r, e em outro saco a areia interna ao cilindro mc, nesta ordem. Na última etapa do experimento usaremos uma balança simples, construída com um bastão, dois ganchos e um ponto de apoio, conforme ilustrado na Fig. 6.


Para montagem da balança usamos um cabo de vassoura, com um gancho em cada ponta, e um pequeno pedaço de madeira na forma de um prisma triangular para fazer o apoio. Se apoiado no seu centro de gravidade, o sistema pode ficar em repouso, como uma gangorra em equilíbrio. Esse método foi desenvolvido por Arquimedes para determinar o centro de gravidade de um corpo ou de uma figura geométrica, baseado no seu princípio de alavanca e no conceito de torque. Para que o sistema fique em equilíbrio, os torques devem ser compensados, ou seja, sua soma deve ser nula. Matematicamente, o momento das massas em relação ao ponto de apoio deve ser nulo, pois esse ponto é o centro de massa do sistema, então

e isolando a massa contida no cilindro temos

A partir da Eq. (10), e como as massas são proporcionais as volumes, e portanto às áreas superficiais, temos

Pela Eq. (12), eliminando-se as massas mc e mr da expressão acima temos

onde l=lc+lr é a distância entre as massas equilibradas no bastão.

Dessa forma podemos determinar π simplesmente a partir da razão entre o comprimento do bastão e a distância lr do ponto onde esta pendurada até o ponto de apoio O.

No modelo simplificado descrito acima a massa do bastão não foi considerada no cálculo, o que acarreta um pequeno erro na medida experimental de π. Para corrigir esse erro, após marcado o ponto O de equilíbrio das massas, voltamos a reequilibrar apenas o bastão e um pequeno contra-peso colocado na mesma posição que a massa mc estava. Com esse procedimento, garantimos que o centro de massa do bastão, com o contrapeso, coincida com o ponto O anterior. Após esse ajuste, recolocamos as mesmas massas mc e mr em seus lugares anteriores e reequilibramos o sistema inteiro, juntamente com o bastão e o contrapeso. Devido a presença do contrapeso, o novo ponto de equilíbrio será encontrado à direita de O, a uma pequena distância ε. Então, para esse bastão compensado pelo contra-peso, a nova distância da massa mr até o novo ponto de equilíbrio será também aumentado na mesma quantidade ε. Com esse ajuste, podemos calcular o valor de π pela fórmula corrigida

Escrevendo-se as equações exatas para o sistema completo, com o contrapeso que reequilibra o bastão na posição original O, obtemos uma equação exata para o cálculo de π, porém bastante complicada, dada por

Essa fórmula exata pode ser expandida em série de Taylor, em torno do valor ε=0, donde obtemos a série

donde concluímos que a fórmula corrigida dada pela Eq. (15) é a correção de primeira ordem da fórmula exata acima. No modelo exato acima, ainda assim não consideramos a massa dos dois pequenos ganchos usados para a sustentação dos sacos contendo as massas , e também desprezamos as massas dos sacos plásticos utilizados. Como se vê, o modelo acima ainda não é um modelo exato, mas apenas um modelo melhorado. Em física, os modelos exatos são um limite inatingível, e por mais que melhoremos o nosso modelo, sempre será apenas um modelo para descrever um fenômeno ou experimento físico [10].

Para a medição experimental de π utilizamos o aparato mostrado na Figs. 5A e 5B para a determinação das massas , através do equilíbrio das massas penduradas no bastão conforme mostra a Fig. 6. Utilizamos inicialmente areia e depois grãos de arroz para preencher a caixa, e com o uso das fórmulas apresentadas acima, obtivemos as aproximações numéricas para a constante π, através das medidas de lr e ε, sendo que a distância entre os ganchos que sustentam as massas foi mantida sempre fixa em l=99,8 cm. Os resultados podem ser vistos na Tabela 6.

De forma alternativa, podemos obter experimentalmente o valor de π através das medidas das massas mc e mr em uma balança, ou através das medidas dos seus respectivos volumes, , o que também medimos. Veja-se os resultados mostrados nas Tabelas 6 e 6.

O valor médio de π obtido a partir de todos as medidas parciais mostradas nas Tabelas 6, 6 e 6 é, com a margem normal de erro, ̄π=3,136±0,006.

Este método experimental usando grãos de areia para preencher um volume pode ser comparado com o método de Monte Carlo que veremos na seção 7. No método de Monte Carlo a razão entre o número de pontos pertencentes ao círculo e o total de pontos é proporcional a π, sendo que quanto maior o número de pontos melhor é a aproximação do valor numérico de π.

No nosso experimento, de forma semelhante ao método de Monte Carlo, o valor de π é obtido, indiretamente, pela proporção dos grãos de areia pertencente ao tronco cilíndrico e o resto sobrante que pertenciam a caixa originalmente. Mas e qual seria o total de grãos de areia na caixa? Seria comparável ao total de pontos que usamos na simulação de Monte Carlo? Para responder estas perguntas vamos estimas a quantidade de grão de areia contida na caixa. Para isto vamos considerar que um grão de areia seja aproximadamente esférico. Segundo a escala de Krumbein-Wentwort [11, 12] um grão de areia de tamanho médio, como foi o caso usado no nosso experimento, tem aproximadamente 0,25 mm de diâmetro médio, e portanto o volume de apenas um grão seria da ordem de Então, num volume de de areia existem aproximadamente grãos de areia. A caixa usada no nosso experimento tinha um volume de , e continha aproximadamente grãos de areia.

7. Método de Monte Carlo

Na natureza observamos muitos fenômenos que não podem ser descritos de forma exata ou determinística, mas podem ser entendidos através do uso da estatística. Por exemplo, durante uma chuva regular em um local aberto, as gotas caem no chão em posições que não podem ser previstas, e se observarmos o fenômeno sobre uma dada superfície durante um tempo razoavelmente longo, depois que muitas gotas caem, somos levados a uma hipótese estatística fundamental: se não sabemos onde e quando uma gota cairá sobre a superfície, então uma gota pode cair em qualquer lugar, num dado instante, de forma que a chance ou probabilidade deve ser uniforme sobre a superfície, já que não existe razão para que uma certa região seja privilegiada em relação à outra, ou que as gotas apresentem um padrão espacial ou temporal nesse fenômeno. Consideramos então que a queda de cada gota de chuva representa um evento independente, e a observação de um grande número desses eventos pode ser tratada estatisticamente, embora os eventos individuais sejam imprevisíveis (aleatórios). Por simetria, ou pura ignorância dos eventos individuais, podemos supor que a quantidade de gotas que caem numa determinada área seja proporcional ao tamanho da área, ao intervalo de tempo em que se observa o fenômeno e da taxa média com que as gotas caem, veja a Fig. 7.


Se compararmos duas áreas diferentes, expostas à mesma chuva e durante um mesmo intervalo de tempo suficientemente longo, podemos pensar empiricamente que a razão das quantidades de gotas que caem nas áreas seja a mesma razão das áreas consideradas, respectivamente, isto é,

Os meteorologistas costumam usar essa mesma ideia para medir a quantidade de chuva que cai numa região, pois medem em milímetros (mm) a altura total (diária, mensal ou anual) da coluna de água que se forma dentro de um tubo (pluviômetro).

O método de Monte Carlo [7] é um método de simulação computacional que consiste em sortear um grande número de pontos aleatórios (x,y,z,...) numa região do espaço de volume V, e estimar o valor médio .de uma função destas variáveis f(x,y,z,...). Determina-se numericamente a integral da função f sobre um volume conhecido V, através da definição do valor médio,

Aplicando-se esse método para o cálculo da área de um círculo, geramos pontos aleatórios (x,y) com distribuição uniforme dentro de um quadrado circunscrito a um círculo, e verificamos quantos pontos pertencem ao círculo, para a determinação numérica da fração p da área do quadrado que pertence ao círculo, e assim, determinamos π através da Eq. (10).

Quando falamos em escolher um ponto dentro do quadrado, não se trata de uma escolha definida ou previsível, mas sim de uma escolha aleatória, ou seja, que não tem uma regra definida para a escolha dos pontos de forma que a escolha de um ponto não tem nenhuma relação com a escolha do ponto seguinte ou do ponto anterior. Esta ideia intuitiva de aleatoriedade é fundamental para a aplicação deste método, pois se, por exemplo, definirmos que todos os pontos devem cair dentro do círculo então sabemos que todos os pontos irão pertencer ao círculo, caracterizando assim uma probabilidade viciada.

Para isso sortearemos N pontos dentro da região delimitada pelo quadrado, isto é, no intervalo 0<x<1 e 0<y<1, conforme a Fig. 8. Deste total de pontos uma certa quantidade Nc cairão dentro da círculo.


O objetivo deste procedimento seria o de preencher toda a área do quadrado com os pontos, resultando na área total do quadrado, sendo que no limite em que N tender a infinito teremos a área exata do quadrado e do círculo, cuja razão dará p, com o qual calculamos π.

Como não se pode gerar infinitos pontos dentro de um quadrado, podemos obter sucessivas aproximações para π aumentando cada vez mais o número de pontos N, permitindo assim que meçamos o valor de π com a precisão que desejarmos. Para efeito de ilustração montamos a Tabela 7 com os respectivos valores de π para cada valor de N utilizado.

A probabilidade p definida na Eq. (9) pode ser avaliada numericamente pela fração do número de ponto que caem dentro do círculo Nc, em relação ao número total de pontos N, ou seja,

que substituída na equação (10) resultará,

considerando-se um grande número N de pontos.

Usando o gerador randômico [13] sorteamos pontos (x,y) dentro do quadrado unitário, e a distância r de cada ponto ao centro do círculo é dada pela métrica euclidiana, onde . é o centro do círculo. O exemplo mostrado na Fig. 8 utiliza um círculo de diâmetro unitário, ou seja, . Usando a medida r determinamos se o ponto sorteado pertence ou não ao círculo, no caso em que r<R, e assim determinamos o número de pontos Nc que pertencem ao círculo. Por exemplo, a Fig. 8 mostra N=10.000 pontos colocados na região delimitada pelo quadrado gerados com o programa de computador listado no Apêndice 9.2.. Neste exemplo, contamos Nc=7.863 pontos dentro círculo, e portanto a probabilidade experimental de um dos N pontos ser encontrado dentro do círculo é p≈7.863/10.000=0,7863, ou seja, para essa simulação simples podemos estimar o valor de π=4p≈3,145. A convergência do valor estimado pelo método de Monte Carlo para π é lenta, como em todo método estatístico, a média converge para o valor esperado (exato) com erro inversamente proporcional à , de modo que para ganharmos cada novo dígito decimal, temos que aumentar N em um fator 100. Por exemplo, observe na Tabela 7, que para o erro na estimativa do valor π está na sexta casa decimal, pois.

Em linguagens de programação usuais, como o FORTRAN e C, existem geradores de números aleatórios [14] nativos da própria linguagem. Em linguagem C o gerador é chamado usando a função rand(), que retorna um inteiro aleatório uniformemente distribuído no intervalo , sendo necessária a conversão deste número inteiro para os reais, dividindo-o pelo seu valor máximo RAND_MAX, cujo resultado será um número aleatório uniformemente distribuído no intervalo [0,1]. Em FORTRAN, existe já um gerador de números aleatórios reais, já normalizados no intervalo unitário, chamado RAND() ou DRAND(0), dependendo da versão da linguagem. Veja no apêndice 9.2 uma implementação computacional em linguagem FORTRAN do método de Monte Carlo3 3 Nesta implementação utilizamos apenas 1/4 de círculo para simplificação do código e maior velocidade de cálculo. . A partir deste programa geramos os dados vistos na Tabela 7 que são as sucessivas aproximações de π, para , com m=1,2,3,...,12.

8. Conclusão

Revimos o método geométrico original de Arquimedes para o cálculo de π e apresentamos um método experimental mecânico simples, que permite calcular π com areia e um bastão, apenas com uma medida simples de comprimento.

Apresentamos um modelo corrigido e um argumento físico para sua implementação, caso particular de um modelo mais geral e exato, e mostramos que o modelo corrigido nada mais é que a correção de primeira ordem do modelo exato apresentado.

Introduzimos de forma intuitiva e aplicamos a ideia fundamental que levou ao método de Monte Carlo aplicado para a determinação numérica da constante π.

Recalculamos o valor de π usando diferentes níveis de investigação, desde a ideia original de Arquimedes até o método de Monte Carlo, mas abstrato, mas que utiliza ideias simples que poderiam ter sido exploradas pelo próprio Arquimedes, em seu tempo, pois chegou a resolver problemas muito mais complexos do que esse, mesmo para a sua época.

Recebido em 17/2/14

Aceito em 23/3/14

Publicado em 31/7/2014

9. Apêndices

9.1. Código C: método numérico

9.2. Código FORTRAN: método de Monte Carlo

  • [1] T.G. Chondros. Mechanism and Machine Theory 45, 1766 (2010).
  • [2] B.T. and D. Garber. Historia Mathematica 25, 75 (1998).
  • [3] L. Cooper. Historia Mathematica 38 (4), 455 (2011).
  • [4] S. Psycharis. Computers & Education 56, 547 (2011).
  • [5] N. Rutten, W.R. van Joolingen and J.T. van der Veen. Computers & Education 58, 136 (2012).
  • [6] K.E. Chang, Y.L. Chen, H.Y. Lin and Y.T. Sung. Computers & Education 51, 1486 (2008).
  • [7] N. Metropolis. Los Alamos Science 15, (1987).
  • [8] T. Pang. An Introduction to Computational Physics (Cambridge University Press, Cambridge, 2010), 2ª ed.
  • [9] K. von Fritz. Annals of Mathematics 46, 242 (1945).
  • [10] J.M. Ferrater Dicionário de Filosofia (Dom Quixote, Lisboa, 1978). Preparado por E.G.A. Belsunce e E. Olaso, traduzido do espanhol por A.J. Massano e M. Palmeirim.
  • [11] C.K. Wentwort. Journal of Geology 30, 377 (1922).
  • [12] W.C. Krumbein. J. of Sed. Pretrol 4, 65 (1934).
  • [13] D.E. Knuth. Commun. ACM 17, 667 (1974).
  • [14] S.K. Park and K.W. Miller. Commun. ACM 31, 1192 (1988).
  • 1
    E-mail:
  • 2
    Unidade de medida de comprimento que foi usada por diversas civilizações antigas, entre eles os babilônios, egípcios e hebreus. Era baseada no comprimento do antebraço, da ponta do dedo médio até o cotovelo. O côvado real dos antigos egípcios media 50 cm, o dos romanos media 45 cm.
  • 3
    Nesta implementação utilizamos apenas 1/4 de círculo para simplificação do código e maior velocidade de cálculo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Set 2014

    Histórico

    • Recebido
      17 Fev 2014
    • Aceito
      23 Mar 2014
    Sociedade Brasileira de Física Caixa Postal 66328, 05389-970 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: marcio@sbfisica.org.br