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200 anos de caleidoscópio

Celebration of 200 years of the kaleidoscope

Resumos

A UNESCO estabeleceu que 2015 foi o Ano Internacional da Luz (AIL), porém, em 2016, celebramos os 200 anos da invenção do caleidoscópio. Embora, nos dias de hoje, ele não atraia tanto interesse quanto na época da sua invenção, esse precioso instrumento continua em uso, principalmente para os apreciadores de belas imagens, e professores que desejam integrar experimentos em suas aulas. Neste artigo, apresentamos as condições da invenção do caleidoscópio realizada por Sir David Brewster, assim como parte de suas aplicações nas artes e em salas de aula.

Palavras-chave:
caleidoscópio; reflexão; polarização; simetria


The UNESCO established 2015 as the International Year of the Light (IYL), but in 2016 it is celebrated the 200 years of the invention of kaleidoscope. Nowadays, it does not attract as much attention as at the time of its invention. This precious instrument is still in use, mainly to whom appreciate beautiful images and teachers who want to apply experiments in their classes. In this report we present the conditions of the kaleidoscope invention, made by Sir David Brewster, and some applications in Arts and in classrooms.

Keywords:
kaleidoscope; reflection; polarization; symmetry


1. Introdução

No ano de 2013, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou o ano de 2015 como o Ano Internacional da Luz (AIL) e das Tecnologias baseadas em Luz [1[1] http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/prizes-and-celebrations/2015-international-year-of-light/, acesso em 23/5/2016.
http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/ab...
]. Essa iniciativa vinha com o intuito de destacar a importância da luz e de suas tecnologias na vida da humanidade e em comemoração a esse ano histórico, o Instituto de Física da USP (IFUSP) fez uma série de atividades experimentais de baixo custo para incentivar professores da rede pública a aplicarem física na sala de aula. Porém, as comemorações não param, pois 2016 e 2017 são os anos de celebração dos duzentos anos do invento do caleidoscópio e registro de sua patente, respectivamente.

Inventado por David Brewster, em 1816, na Inglaterra, o caleidoscópio surgiu através de seus estudos sobre a polarização por reflexão. A origem do nome vem da palavra grega kalos, que significa belo/bonito; eidos, que representa imagem e scopeo, que significa olhar [2[2] D. Brewster, Its History, Theory and Construction. With its Application to the Fine and Useful Arts (Greatly Enlarged, London, 1858), 2ª ed.]. Ou seja, a palavra caleidoscópio significa “olhar imagem bonita”.

O caleidoscópio é uma estrutura formada por duas ou mais superfícies refletoras (lâminas de vidro, plásticos ou ainda espelhos planos) fixadas pelas laterais, formando triângulos isósceles, equiláteros ou outras formas geométricas. Na abertura de uma extremidade é colocado um recipiente transparente ou translúcido contendo objetos coloridos que podem se mover, tais como pedaços pequenos de metais, vidros ou plásticos de formas variadas e na outra abertura é posto um orifício de observação, de forma que, ao girar a estrutura, surgem múltiplas reflexões, e as imagens dos objetos coloridos formam padrões simétricos de beleza singular com as suas cores.

O invento teve um grande impacto na sociedade da época, sendo até registrado na maior obra de Victor Hugo, o clássico mundial, Os Miseráveis, em “... a data do ano de 1823, contudo, estava indicada por dois objetos então em moda entre a classe burguesa: um caleidoscópio e um candeeiro de Flandres ondulada.” [3[3] V. Hugo, Os Miseráveis (Cosac& Naif, São Paulo, 2002), 1ª ed, p. 346.]. Porém o interesse pelo caleidoscópio diminuiu com o passar dos anos, como demonstrou Klauss-Dieter [4[4] K. Dieter and B.R. Hodgson, For the Learning of Mathematics 10, 3 (1990).], dizendo que a Enciclopédia Britânica havia reduzido drasticamente a descrição do caleidoscópio em suas páginas. No início, teve tamanha importância que, cerca de dez anos depois do invento, em 1824, conseguiu uma descrição com mais de nove páginas em sua sexta edição. Infelizmente, ao longo dos anos, tal descrição começou a perder tamanha referência, passando a ter duas páginas na nona edição, em 1880, até que na décima quinta edição, em 1985, reduziu-se a apenas metade de uma coluna.

Atualmente, o caleidoscópio em si não recebe tanto destaque na parte científica, porém seus princípios físicos foram fundamentais para o desenvolvimento da óptica, sendo usados até hoje tanto na parte artística, com a contribuição da Brewster Kaleidoscope Society (BKS) [5[5] https://brewstersociety.com/, acesso em 23/5/2016.
https://brewstersociety.com/...
], quanto educacional, onde encontramos o caleidoscópio como instrumento lúdico e com algumas aplicações de estudo, conforme é possível verificar nos planos de aula que relacionam o caleidoscópio com arte, simetria e matemática, disponíveis no portal do Ministério da Educação (MEC) [6[6] http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.html, acesso em 20/6/2016.
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/inde...
].

Atualmente o nome de David Brewster está diretamente relacionado ao “Ângulo de Brewster”, que corresponde a um determinado ângulo em que a luz incide sobre uma superfície dielétrica transmitindo integralmente uma componente enquanto que a reflexão é polarizada, sendo parte refletida e parte transmitida.

Este artigo tem como objetivo, em comemoração aos 200 anos do invento e patente, apresentar um breve relato da biografia de Sir David Brewster, as pesquisas sobre polarização que levaram-no a criação do caleidoscópio, além da descrição de alguns caleidoscópios e suas aplicações em sala de aula.

2. Sir D. Brewster

Nascido em 11 de dezembro de 1751, David Brewster foi reconhecido como uma criança prodígio [7[7] https://brewstersociety.com/kaleidoscope-university/sir-david-brewster/, acesso em 15/6/2016.
https://brewstersociety.com/kaleidoscope...
] e construiu um telescópio quando tinha apenas dez anos. Devido a sua facilidade em aprender, Brewster foi encaminhado para estudar no ministério da Church of Scotland e com doze anos foi para a Universidade de Edinburgh, onde foi admirado pela sua grande capacidade acadêmica e acolhido por grandes professores de filosofia e matemática.

No ano de 1801, Brewster iniciou os seus estudos sobre a óptica e desenvolvimento de equipamentos científicos, em que trabalhou por doze anos, publicando seus conhecimentos na Treatise Upon New Philosophical, em 1813. Seus feitos e distinções não param por aí, pois em 1807, com vinte e seis anos, recebeu a honra da mais alta distinção literária da University of Aberdeen, o título de Doutor em Letras. Já em 1808, foi eleito membro da Royal Society de Edimburgo, mesmo ano em que se tornou editor da Enciclopédia de Edimburgo, onde permaneceu por cerca de vinte anos.

Com os seus estudos sobre polarização da luz por reflexão de corpos transparentes, Brewster teve, além de seus estudos publicados no Philosophical Transactions, em 1815, recebeu da Royal Society a maior medalha no domínio da ciência, a Medalha Copeley.

3. Polarização

A luz é uma onda eletromagnética cujo campo elétrico oscila aleatoriamente em função do tempo, ou seja, uma onda não polarizada. Se o plano de oscilação se mantém durante a propagação da onda, isso quer dizer que este raio de luz está linearmente polarizado [8[8] D. Halliday, R. Resnick e J. Walker. Fundamentos de Física, Vol. IV: Óptica e Física Moderna, (LTC, Rio de Janeiro, 2014), 9ª ed.].

Há quatro fenômenos que polarizam ondas eletromagnéticas a partir de feixes de luz não polarizados, sendo estes: absorção, espalhamento, birrefringência ou dupla refração e reflexão. Na figura 1, temos esquemas dos processos de polarização.

Figura 1
Esquemas dos processos de polarização. A luz se propaga da esquerda para a direita. Extraídos de [10[10] E. Hecht, Óptica (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002), 3ª ed.].

A polarização por absorção (vide figura 1(a)) ocorre quando um feixe de luz não polarizado incide sobre certas substâncias ou cristais naturais, como a turmalina, e somente as ondas oscilando em uma direção preferencial conseguem atravessar esses materiais, pois as demais ondas são absorvidas, resultando em um feixe de luz polarizado [9[9] P.A. Tipler e G. Mosca, Física para Cientistas e Engenheiros. Vol. 1: Mecânica, Oscilações e Ondas, Termodinâmica (LTC, Rio de Janeiro, 2013), 6ª ed.].

O espalhamento de luz (vide figura 1(b)) ocorre em alguns materiais que primeiro absorvem a luz e depois a irradiam na mesma direção da incidente, porém outra parte é irradiada em direções perpendiculares e esses feixes são polarizados, de modo que a direção de polarização é perpendicular a direção de propagação [9[9] P.A. Tipler e G. Mosca, Física para Cientistas e Engenheiros. Vol. 1: Mecânica, Oscilações e Ondas, Termodinâmica (LTC, Rio de Janeiro, 2013), 6ª ed.].

A birrefringência (vide figura 1(c)) é um fenômeno presente em alguns materiais, principalmente em cristais anisotrópicos, isto é, as propriedades ópticas dependem da direção de propagação. Se um feixe de luz não polarizado entrar em um cristal birrefringente irá se dividir em dois que terão polarizações diferentes e ortogonais entre si, além de viajarem com velocidades diferentes. A calcita é um exemplo clássico de cristal birrefringente [9[9] P.A. Tipler e G. Mosca, Física para Cientistas e Engenheiros. Vol. 1: Mecânica, Oscilações e Ondas, Termodinâmica (LTC, Rio de Janeiro, 2013), 6ª ed.].

A polarização por reflexão (vide figura 1(d)), que é o mais interessante para este trabalho, foi descoberta por D. Brewster e se refere a um feixe de luz não polarizado que, ao incidir em uma interface de dois meios dielétricos diferentes, como vidro e ar, tem a luz refletida na interface e torna-se polarizada de acordo com um determinado ângulo de incidência, chamado Ângulo de Brewster [9[9] P.A. Tipler e G. Mosca, Física para Cientistas e Engenheiros. Vol. 1: Mecânica, Oscilações e Ondas, Termodinâmica (LTC, Rio de Janeiro, 2013), 6ª ed.].

4. Ângulo de Brewster

Como dito acima, a polarização por reflexão, em sua forma mais simples, pode ser obtida através da reflexão da luz entre dois meios dielétricos [10[10] E. Hecht, Óptica (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002), 3ª ed.], como o reflexo no vidro, superfície de objetos plásticos, capa de livros etc. A figura 1(d) ilustra um raio de luz não polarizado que se propaga pelo ar e incide sobre uma lâmina de vidro com ângulo de Brewster (θB) e ao ser refletida contém apenas uma componente perpendicular, sendo polarizada nessa direção.

Na condição do ângulo de Brewster, o feixe refletido de polarização perpendicular é totalmente refratado, não havendo componente refletido [11[11] M.L. Bedran e B. Leshe, Revista Brasileira de Ensino de Física 19, 308 (1997).,12[12] M. Born and E. Wolf. Principle of Optics (Pergamon Press, London, 1959).]. Então o ângulo entre o feixe refletido e o refratado é de 900. Pela geometria temos que:

(1) θ B + θ 2 + 9 0 o = 18 0 o θ 2 = 9 0 o - θ B

É possível relacionar o ângulo de polarização aos índices de refração utilizando a Lei de Snell, de forma que:

(2) n 1 s e n θ B = n 2 s e n θ 2

onde n1 e n2 representam o índice de refração do primeiro e segundo meio, respectivamente, θB o ângulo de Brewster e θ2 o ângulo do feixe refratado. Substituindo a Equação (1) na Equação (2) e fazendo as devidas combinações, temos que:

(3) n 1 s e n θ b = n 2 c o s θ b

Sendo assim:

(4) tg θ B = n 2 n 1 θ B = arctan n 2 n 1

Considerando que o índice de refração para o ar é 1,00 e para o vidro 1,52 [10[10] E. Hecht, Óptica (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002), 3ª ed.], temos que o Ângulo de Brewster é de 56,70o. Também podemos calcular a refletância em função do ângulo de incidência para a polarização paralela R e perpendicular Rp [10[10] E. Hecht, Óptica (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002), 3ª ed.]:

(5) R p = n 1 cos θ B - n 2 cos θ 2 n 1 cos θ B + n 2 cos θ 2
(6) R = n 2 cos θ B - n 1 cos θ 2 n 1 cos θ 2 + n 2 cos θ B

Usando as equações acima, construímos o gráfico da refletância em função do ângulo de incidência, de acordo com a figura 2. Sendo assim, para a composição de ar e vidro temos que o ângulo encontrado para que uma das componentes seja anulada está perto de 56,6o.

Figura 2
Gráfico da refletância em função do ângulo de incidência para as polarizações perpendicular e paralela.

Na figura 3, temos duas fotos de uma lâmina de vidro sobre o logotipo do IFUSP, de forma que ambas as fotos foram registrada no ângulo de Brewster. Em 3(a), temos uma foto registrada sem o polarizador na frente da lente objetiva da câmera, de forma que não é possível ver o logotipo abaixo da lâmina por causa da luz refletida na primeira face da mesma, porém em 3(b), com o polarizador na frente da lente objetiva, é possível ver o logotipo, porque elimina-se a luz refletida polarizada.

Figura 3
Imagem de uma lâmina de vidro sobre o logotipo do Instituto de Física da USP, ambas as fotos foram registradas no ângulo de Brewster.

5. Invenção do Caleidoscópio

O Caleidoscópio se trata de um instrumento óptico, usualmente construído com dois ou mais espelhos planos (ou superfícies refletoras) formando um polígono. Em uma das extremidades são colocados pequenos materiais, podendo ser translúcidos ou não e na extremidade oposta há um pequeno obturador por onde é possível observar as imagens formadas pelas diversas reflexões.

De acordo com o livro de Brewster [2[2] D. Brewster, Its History, Theory and Construction. With its Application to the Fine and Useful Arts (Greatly Enlarged, London, 1858), 2ª ed.], a primeira ideia do instrumento surgiu em 1814 através de uma série de experimentos sobre a polarização da luz em sucessivas reflexões entre placas de vidro.

Para o experimento que estava realizando, era necessário inclinar as placas, uma em direção a outra, para depois colocá-las em planos paralelos, porém, durante a montagem dessa configuração, observou-se a disposição circular de imagens de uma vela em volta de um centro e a multiplicação das imagens formadas pelas extremidades das placas. Considerando a distância da vela a partir das extremidades, percebeu que as imagens eram tão sem simetria que sequer deu atenção a esse fenômeno naquele momento.

Em fevereiro de 1815, quando descobriu o desenvolvimento das cores complementares através de sucessivas reflexões da luz polarizada entre duas placas de ouro e prata, o evento anterior surgiu em sua mente, de forma que aquelas múltiplas reflexões de imagens coloridas obtidas até então em seus estudos de polarização da luz, se mostraram inferiores a beleza que tinha testemunhado anteriormente. Em março do mesmo ano, pôde verificar que quando o ângulo de incidência estava entre 85o e 86o - as placas em contato e levemente inclinadas -, duas séries de imagens apareciam de uma só vez, sendo impossível ignorar tamanha beleza. Em seguida, ao refazer os experimentos com placas ainda mais polidas, percebeu que os efeitos eram proporcionalmente mais brilhantes.

Um pouco mais adiante, ainda de acordo com o seu relato, começou a estudar a ação da luz polarizada em um fluido homogêneo e para outros fluidos que ainda não havia testado. Para isso, decidiu construir uma forma triangular com duas placas de vidro fixadas pelas laterais formando um ângulo agudo. Em seguida, fechou as extremidades com outras placas, de forma que pudesse receber o fluido. A partir dessa montagem, Brewster descobriu o primeiro princípio do caleidoscópio, onde encontrou três passos para produzir formas simétricas e belas. O primeiro, quando o objeto for regular e estiver na abscissa dos espelhos, o ângulo entre os espelhos precisa ser uma razão inteira em relação ao círculo completo, podendo ser este par ou ímpar. Quando o objeto for irregular, o ângulo entre os espelhos precisa formar um número inteiro e par, já o objeto pode estar em qualquer lugar ou posição. Em segundo lugar, o objeto precisa ser colocado perto da junção dos espelhos. Por fim, a abertura de observação precisa estar simétrica em relação aos espelhos.

Considerando os princípios citados, Brewster construiu um instrumento em que fixou, em uma das extremidades dos refletores, pedaços coloridos de vidro e outros objetos irregulares, mostrando em seguida esse instrumento para os membros da Royal Society que ficaram impressionados com a beleza dos padrões obtidos. Porém, o grande passo para o complemento do instrumento foi a ideia de dar movimento aos pequenos pedaços de vidro, colocando-os em uma célula na extremidade do tubo do caleidoscópio, de forma que o princípio básico do seu funcionamento fosse criado e, em agosto de 1817, na presença do Rei George Terceiro, o “novo instrumento óptico chamado caleidoscópio, para exibir e tratar de belas formas e padrões, ou para uso em todas as artes ornamentais” [13[13] https://brewstersociety.com/pdf/brewster-patent.pdf, acesso em 28/11/2016.
https://brewstersociety.com/pdf/brewster...
] (em tradução livre) foi devidamente patenteado.

Chamado de “Instrumento Filosófico” [14[14] R. Crease, Physics World March, 27 (2015).], da mesma forma que o caleidoscópio tem a função de entreter, é possível trabalhar com o mesmo na área educacional, devido os princípios físicos envolvidos. Além disso, se trata de um fino e útil instrumento na parte artística, por conta da singularidade das formas geométricas coloridas formadas, não sendo possível encontrar em nenhum outro lugar.

6. Importância do Caleidoscópio

Embora atualmente o caleidoscópio não tenha grandes destaques na ciência, sua invenção e os princípios envolvidos nele são fundamentais para a área artística e óptica. No que diz a arte, o caleidoscópio foi importante para a arquitetura ornamental e design de carpetes [2[2] D. Brewster, Its History, Theory and Construction. With its Application to the Fine and Useful Arts (Greatly Enlarged, London, 1858), 2ª ed.], já no campo científico, temos os estudos de polarização da luz e suas aplicações na ciência.

O conceito do ângulo de Brewster ainda é muito utilizado, como nas janelas de Brewster [10[10] E. Hecht, Óptica (Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 2002), 3ª ed.] que, devido a sua angulação, polarizam a luz transmitida. Também, na construção das cavidade de alguns tipos de laser e no microscópio de ângulo de Brewster [15[15] J. Meunier, Colloids and Surfaces A, 171, 33 (2000).] empregado na área de físico-química.

Crease [14[14] R. Crease, Physics World March, 27 (2015).] cita que no século 19 o caleidoscópio foi o primeiro de uma série instrumentos de entretenimento (estereoscópio, praxinoscópio, zootrópio, projetor fenaquistoscópico, e o taumatrópio) que resultariam na criação do cinema. Outros instrumentos semelhantes foram criados, como o caleidofone [16[16] J. Daffron and T. Greenslade Jr., Physics Teacher 53, 407 (2015).], que é uma haste metálica presa em uma das extremidades e a outra extremidade oscila livremente formando padrões simétricos parecidos com figuras de Lissajous.

Atualmente, o caleidoscópio deixou de ser um simples brinquedo e se tornou um notável instrumento de apreciação e material didático. Ao realizar uma breve pesquisa nos tipos de caleidoscópios [17[17] https://brewstersociety.com/kaleidoscope-university/types-of-scopes/, acesso em 22/7/2016.
https://brewstersociety.com/kaleidoscope...
], é possível encontrar alguns que chegam a custar centenas de dólares e inúmeras adaptações a partir do modelo tradicional, desde aqueles que são feitos para ficarem em cima de uma mesa, geralmente contendo um pedestal para se apoiarem e serem apreciados por pessoas que estejam sentadas próximas, até aos de artistas que investem nas joias em forma de caleidoscópio, que são feitas para serem usadas na forma de colares, brincos e anéis. Por serem joias preciosas, as estruturas normalmente são feitas por metais e pedras nobres e para que as imagens posam ser observadas, a extremidade é composta por uma lente de aumento.

No aspecto educacional, o caleidoscópio passou a ser um grande aliado dos professores de física, matemática e arte, pois a realização de oficinas propondo a construção de dispositivos lúdicos como o caleidoscópio, pode contribuir para despertar a vocação científica, especialmente a dos alunos do ensino básico. No site do Portal do Professor [6[6] http://portaldoprofessor.mec.gov.br/index.html, acesso em 20/6/2016.
http://portaldoprofessor.mec.gov.br/inde...
], é possível encontrar planos de aula prontos que indicam como montar um caleidoscópio de baixo custo usando-se réguas. No que diz respeito a integração de disciplinas, com esse simples objeto é possível trabalhar a simetria e ângulos em matemática, pois é possível mostrar ao aluno que quanto menor o ângulo entre os dois espelhos, maior será a quantidade de imagens, podendo chegar ao ponto de o aluno perceber que quando o ângulo é zero, ou seja, os espelhos estão paralelos, a quantidade de imagens é infinita. A partir deste conceito, a física entra com a formação de imagem em espelhos planos; arte, com a utilização de materiais e um pouco de história da arte simétrica, e ciências se incumbe em mostrar como é possível enxergar os objetos a nossa frente.

Porém, hoje em dia, utilizando materiais de baixo custo, ou mesmo recicláveis, é possível criar variações de modelos de Caleidoscópio, como no caso de Thomas B. Greenslade Jr., professor emérito de física do departamento de Kenyon, que usou dois grandes espelhos descartados pelos alunos para construir o seu caleidoscópio. Em seu artigo, [18[18] T. Greenslade Jr., Physics Teacher 47, 334 (2009).] diz ter usado dois espelhos para fabricar o equipamento que tem aproximadamente 1,22 metros de comprimento e 0,30 metros de largura. Uma vez que o caleidoscópio não pode ser girado, colocou um disco de papelão em uma das extremidades medindo aproximadamente de 0,60 metros de diâmetro, cujo centro faz intersecção com os dois espelhos e em sua face há uma série de letras gregas e romanas desenhadas.

Usando a criatividade, outras versões de Caleidoscópios podem ser criadas, pois durante os estudos para as oficinas que seriam realizadas em comemoração ao AIL, os estudantes de física, participantes do projeto Arte e Ciência (USP), elaboraram um caleidoscópio em que objetos como miçangas, glitter e etc., ficavam dentro de uma estrutura triangular feita por três réguas, (vide figura 4) ou de um tubo transparente (vide figura 5) contendo uma solução de água e glicerina ou detergente transparente, podendo agregar a matéria de Química no que diz respeito a composição de fluidos.

Figura 4
Esquema simplificado da montagem de um caleidoscópio com réguas de plástico.
Figura 5
Caleidoscópio com tubete.

A criação desses modelos de caleidoscópio só foi possível depois de uma ampla pesquisa sobre os diversos modelos que os inspirou para elaborarem uma nova versão de baixo custo. Dessa forma, para se apreciar as imagens em ambos os caleidoscópios, é necessário observar através do pequeno orifício e girá-lo, porém, quanto ao caleidoscópio que contém o tubo transparente, basta girá-lo e esperar os pequenos objetos caírem para se maravilhar com as imagens (vide figura 5(c)). O triângulo em vermelho, perto do centro da imagem, é o objeto e os demais são reflexões múltiplas [19[19] J.L.P. Ribeiro, Revista Brasileira de Ensino de Física 36, 4401 (2014).] do mesmo. A simetria nos padrões formados pelas múltiplas reflexões geram belas imagens, pois os objetos coloridos podem compor diversos padrões e tais imagens atraem o estudo da simetria na matemática. Na figura 6, vemos o padrão de reflexões múltiplas proposto por Brewster [2[2] D. Brewster, Its History, Theory and Construction. With its Application to the Fine and Useful Arts (Greatly Enlarged, London, 1858), 2ª ed.] para explicar a imagem, onde o número zero indica o objeto, os triângulos com número 1 são imagens da primeira reflexão, aqueles com números maiores são reflexões sucessivas. Porém, nesse caso, devido a baixa refletância das réguas de plástico e a limitação de luz, não se pode visualizar as imagens de ordens grandes.

Figura 6
Modelo proposto por Brewster.

Outro modelo de caleidoscópio muito utilizado em laboratórios de física, como o da figura 7, localizado no Laboratório de Demonstrações do IFUSP, consiste em uma estrutura que contém três espelhos formando um triângulo equilátero e em uma das extremidades uma roda, cujo objetivo é conter algumas divisões compostas de materiais com diferentes cores, modelos e tamanhos, de forma que ao girá-lo, diferentes imagens são formadas pelas reflexões dos espelhos, podendo ser observada na abertura oposta a localização dos objetos. Neste, vemos diversas imagens de múltiplas reflexões, porque os espelhos são de alta qualidade e há grande luminosidade.

Figura 7
Caleidoscópio do Laboratório de Demonstrações (IFUSP).

Na figura 8(a), temos um caleidoscópio comercial, similar ao da figura 5(b), construído com dois espelhos ao invés de réguas de plástico. A imagem observada é vista na figura 8(b). Como possui uma gama maior de objetos coloridos, as imagens formadas são mais diversas que das figuras anteriores e a qualidade dos espelhos também contribui para a qualidade das imagens.

Figura 8
Um caleidoscópio comercial (gentileza de Cecil Chow Robilotta - professora da USP).

7. 200 anos depois

Mesmo após 200 anos de invenção, o caleidoscópio ainda tem seus admiradores, como especialistas na arte de criação espalhados pelo mundo inteiro, um deles, Kenneth Brecher, um kaleidoholic de 71 anos e professor de física e astronomia no Massachusetts Institute of Technology (MIT) [14[14] R. Crease, Physics World March, 27 (2015).] que possui uma coleção com centenas de exemplares.

A Brewster Kaleidoscope Society (BKS), [5[5] https://brewstersociety.com/, acesso em 23/5/2016.
https://brewstersociety.com/...
] fundada por Cozi Baker [14[14] R. Crease, Physics World March, 27 (2015).], trata-se de uma sociedade de artistas que aprecia, monta, cria e vende caleidoscópios dos mais variados tipos. Com o intuito de comemorar os seus duzentos anos de invento, a BKS tem o objetivo de dar ao consumidor interessado todas as informações sobre esse rico instrumento.

No período de 28 de abril a 01 de maio de 2016, em Rockville Maryland, aconteceu a 26ª Convenção Anual da BKS [20[20] https://brewstersociety.com/kaleidoscope-convention/info/, acesso em 16/7/16.
https://brewstersociety.com/kaleidoscope...
], que, devido ao ano histórico, teve o foco na história do caleidoscópio com aulas e palestras de artistas renomados na área. Durante o evento, foram disponibilizados mais de mil caleidoscópios para apreciação e compra.

Durante todo o primeiro semestre, o calendário para os admiradores do instrumento estava cheio, tendo a finalização dos eventos em 08 de junho na Strathmore Mansion, porém, de acordo com o site da BKS, a convenção de 2017 já tem data e ocorrerá no mês de maio, em Kyoto, Japão.

Do outro lado do mundo há o museu K-Kaleido, localizado no Japão [21[21] http://k-kaleido.org/, acesso em 16/07/16.
http://k-kaleido.org/...
], onde a qualquer momento é possível contemplar cerca de 50 caleidoscópios, de uma coleção de 250. De acordo com as informações do site, durante o mês de julho ocorreram algumas atividades durante as férias, que incluíram montagem de caleidoscópios, dentre eles um com formato de microscópio. Além disso, ocorreram palestras e seminários com especialistas e artistas que fizeram oficinas para ensinar a montar os mais diversos aparatos.

Já no Brasil, em julho 2015, em decorrência do Ano Internacional da Luz e também das férias, o MM Gerdau – Museu das Minas e do Metal [22[22] http://www.mmgerdau.org.br/programe-se/oficina-de-caleidoscopio/, acesso em 24/7/16.
http://www.mmgerdau.org.br/programe-se/o...
] - promoveu algumas atividades voltadas o público infanto-juvenil e adulto, cujo um dos temas incluía o caleidoscópio. A proposta das oficinas era promover o conhecimento presente no Museu usando recursos ópticos, formas e cores. Na prática, após a visita ao Museu, seria possível montar seu próprio caleidoscópio inspirado nas formas geométricas observadas, além de aprender que originalmente o aparelho era produzido com pequenos pedaços de vidro, mas que o mineral quartzo também produz um bom efeito.

8. Considerações finais

Ao comemorar os duzentos anos de invento e patente, percebemos que o caleidoscópio é um importante instrumento para a história da ciência, pois os estudos que levaram a sua criação, como ângulo de Brewster e polarização da luz por reflexão, foram fundamentais para que novos instrumentos fossem criados, assim como novas tecnologias fossem desenvolvidas.

Embora a invenção de Brewster tenha perdido interesse científico ao longo do tempo, dada a beleza das imagens formadas pelo instrumento, o interesse artístico persiste com força, de forma que ainda existam convenções, exposições e até especialistas na área de criação.

Para além da área artística e científica, o caleidoscópio se tornou um grande aliado para professores, sendo integrado na área educacional. Devido a possibilidade da formação de polígonos e de imagens simétricas, o caleidoscópio se tornou um importante dispositivo na sala de aula, sendo usado de forma lúdica no ensino de ciências (nível fundamental), matemática, física e arte.

De forma geral, no segundo centenário de invento e patente, percebemos a importância que os estudos de Brewster têm para a ciência, arte e educação. Podemos notar que, para além da descoberta de fenômenos e invento do caleidoscópio, sua contribuição ainda é muito utilizada nas aulas de arte, matemática e física, no ensino de óptica e simetria. Não podemos deixar de comentar a influência do caleidoscópio, pois, no século 19, foi o primeiro de uma série de instrumentos de entretenimentos, resultando até na criação do cinema. Sendo assim, vemos que Brewster foi muito importante para a história da ciência, pois os seus estudos contribuíram para a evolução e criação de novas tecnologias, extrapolando sua área de atuação.

Após os duzentos anos de invento, o nome David Brewster é lembrado com muito respeito e admiração, o que não poderia ser diferente, pois a contribuição que forneceu para a ciência foi inestimável. Infelizmente, o seu nome não aparece com tanta frequência nos livros didáticos, sendo limitado ao Ângulo de Brewster, porém esperamos que com o destaque que tem recebido ao longo de 2016 e que receberá ao longo de 2017, seja mais conhecido, e os estudantes saibam quem foi o ilustre homem por trás da criação do dispositivo capaz de produzir imagens tão fascinantes.

Referências

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2017

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2016
  • Revisado
    05 Jan 2017
  • Aceito
    06 Fev 2017
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