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Yang-Mills-Shaw e as equações de Maxwell não-Abelianas

Yang-Mills-Shaw and the non-Abelian Maxwell equations

Resumos

Este artigo tem como objetivo principal apresentar, de maneira sucinta e intuitiva, aspectos fundamentais da construção e do do desenvolvimento da Teoria de Yang-Mills-Shaw. Partindo do paradigma do Eletromagnetismo de Maxwell, construímos, por analogia, a teoria para campos vetoriais não-Abelianos e sua interação com a matéria. Para tal, estendemos o grupo U(1) do eletromagnetismo para o grupo SU(N) e escrevemos as equações tipo-Maxwell para o caso de simetrias não-Abelianas, definindo os campos elétricos e magnéticos associados para a simetria SU(N).

Palavras-chave
Teoria de grupos; invariância; física de partículas


This paper sets out to present, in a brief and intuitive way, fundamental aspects on the construction and formulation of the Yang-Mills-Shaw Theory. Starting off from the paradigm of Maxwell Electromagnetism, we build up, by analogy, the formulation for nonabelian vector fields and their (gauge) interactions with matter. In order to do so, we extend U(1) to the SU(N) group and write down the nonabelian extension of the Maxwell equations by now defining the electric and magnetic fields for the SU(N)-symmetry.

Keywords:
Group theory; invariance and symmetry; particle physics


1. Introdução

O que mantém o núcleo atômico coeso? Foi na tentativa de responder esta pergunta que se especulou, pela primeira vez, a existência do que hoje chamamos de interação nuclear forte. Em 1935 o físico japonês Hideki Yukawa publica um trabalho [1[1] H. Yukawa, Proc. Phys. Math. Soc. Jpn. 17, 48 (1935).] que propõe que uma partícula escalar massiva deveria ser a mediadora da interação forte, assim como o fóton é a partícula mediadora da interação eletromagnética. Contudo, sendo a interação forte limitada ao núcleo atômico, Yukawa mostrou que tal alcance finito é uma consequência do fato de que a partícula mediadora é massiva. A massa de tal partícula mediadora foi estimada como sendo da ordem de 200MeV, possuindo portanto uma massa intermediária entre o próton e o elétron, originando assim o nome méson. Paralelamente desenvolvia-se a teoria da interação fraca, que compartilha com a interação forte o fato de também ser uma interação de curto alcance.

O ano de 1954 foi um ano-chave, devido ao desenvolvimento da teoria de Yang-Mills-Shaw (YMS) [2[2] C.N. Yang, R. Mills, Phys. Rev. 96, 1 (1954)., 3[3] R. Shaw, The problem of particle types and other contributions to the theory of elementary particles, Tese de Doutorado, Universidade de Cambridge, Cambridge (1955).]. O trabalho de YMS tratava de descrever a interação nuclear forte (spin isotópico forte) através de uma simetria SU(2) local. Como consequência, foram introduzidos três bósons vetoriais intermediários (Bμ+,Bμ-,Bμ0), todos com massa nula. A ausência de massa era um problema, uma vez que tal fato garantia alcance infinito para a interação forte, contrastando com os dados fenomenológicos, que apontam um alcance da ordem de 1fm e massas dos mediadores da ordem de 200MeV. Como a teoria de YMS não explicava, até o momento, o alcance da interação forte, a teoria de Yukawa de 1935 [1[1] H. Yukawa, Proc. Phys. Math. Soc. Jpn. 17, 48 (1935).] ainda era tida como a melhor teoria para a interação forte. Diferentemente da teoria de YMS, a teoria de Yukawa para a interação forte é mediada por partículas escalares (mésons π), cujas massas (mπ±140MeV e mπ0135MeV) são da ordem de 200MeV.

Somente em 1956, influenciado pelos trabalho de Lee e Yang [4[4] C.N. Lee e T.D. Yang, Phys. Rev. 104, 254 (1956).] acerca da violação de paridade nas interações fracas, Salam [5[5] A. Salam, Nuovo Cimento 10, 5 (1957).] (e independentemente Glashow [6[6] S. Glashow, Nucl. Phys. 10, 107 (1959).] e Weinberg [7[7] S. Weinberg, Phys. Rev. Lett. 19, 21 (1967).]) publica um trabalho acerca da simetria quiral. Neste trabalho, Salam incorpora a teoria de YMS e o grupo SU(2) na descrição da interação fraca, e tal descrição está em acordo com a violação de paridade nas interações fracas ao passo que preserva a simetria de Lorentz. O grande problema continua sendo o alcance da interação fraca e a origem das massas dos léptons e dos bósons vetoriais.

A questão das massas dos léptons e dos bósons vetoriais só foi solucionada no início da década de 1960. Nambu e Jona-Lasinio [8[8] Y. Nambu e G. Jona-Lasinio, Phys. Rev. 122, 345 (1961)., 9[9] Y. Nambu e G. Jona-Lasinio, Phys. Rev. 124, 246 (1961).] importam a ideia de quebra espontânea de simetria da teoria dos supercondutores para a física de altas energias. E a solução para o problema das massas se dá em 1964, através do que passou a ser conhecido como mecanismo de Higgs [10[10] P.W. Higgs, Phys. Rev. Lett. 13, 508 (1964)., 11[11] G. Guralnik, C.R. Hagen e T. Kibble, Phys. Rev. Lett. 13, 585 (1964)., 12[12] R. Brout e F. Englert, Phys. Rev. Lett. 13, 321 (1964).].

Por fim, a consolidação da teoria de YMS como descrição base para as interações fraca e forte se deu em 1971, quando t’Hooft e Veltman [13[13] G. ’t Hooft e M.J.G. Veltman, Nucl. Phys. B 44, 183 (1972).] mostraram que as teorias de YMS (ou teorias de calibre não-abelianas) safisfazem critérios de consistência, tais como a renormalizabilidade, apresentando-se assim como a melhor descrição para as interações fundamentais.

Este artigo tem como objetivo principal apresentar, de maneira sucinta e intuitiva, aspectos fundamentais acerca do desenvolvimento da teoria de Yang-Mills-Shaw. Partindo do paradigma do eletromagnetismo de Maxwell, construímos, por analogia, a teoria para campos vetoriais não-abelianos e sua interação com a matéria. Para tal, estendemos o grupo U(1) do eletromagnetismo para o grupo SU(N) e obtemos as equações de Maxwell não-abelianas.

Este trabalho é estruturado como se segue: na seção 2 2. Campos Vetoriais Abelianos O trabalho seminal intitulado A Treatise on Electricity and Magnetism publicado por Maxwell [14] em 1873 apresenta a formulação matemática das leis empíricas que descrevem os fenômenos de natureza elétrica e magnética. A descrição do eletromagnetismo via equações de Maxwell (1) ∇ ⋅ E → = ρ ϵ 0 (2) ∇ ⋅ B → = 0 (3) ∇ × E → = - ∂ ⁡ B → ∂ ⁡ t (4) ∇ × B → = μ 0 ⁢ J → + μ 0 ⁢ ϵ 0 ⁢ ∂ ⁡ E → ∂ ⁡ t permite que vejamos que maneira clara uma propriedade importante dos fenômenos eletromagneticos, a saber, a liberdade de calibre. A liberdade de calibre (ou liberdade de gauge) nos diz que há uma certa arbitrariedade na escolha dos potenciais vetor A→ e escalar ϕ. Ou seja existem transformações de gauge (5) { ϕ , A → } → { ϕ ′ , A → ′ } tais que, (6) { ϕ ′ = ϕ + ∂ t ⁡ α A → ′ = A → - ∇ ⁡ α . de modo que (7) E → = - ∇ ⁡ ϕ - ∂ t ⁡ A → = - ∇ ⁡ ϕ ′ - ∂ t ⁡ A → ′ = E → ′ (8) B → = ∇ × A → = ∇ × A → ′ = B → ′ . Portanto, vemos que há uma liberdade na escolha da função α⁢(t,x→) de modo que se mantenha os campos elétrico e magnético invariantes [15]. Surge então, naturalmente, a seguinte questão: como a simetria de calibre intrínseca ao campo eletromagnético se transmite ao setor de matéria? Para tentar responder a tal questionamento, lembremos primeiramente que a matéria carregada fundamental é de natureza fermiônica. Portanto, a seguir construiremos o setor fermiônico de Dirac para só então acoplarmos o setor de matéria com o campo eletromagnético. apresentamos a formulação matemática para a construção de de uma teoria para campos vetoriais abelianos. Na seção 3 3. Setor Fermiônico No modelo padrão das partículas elementares e campos existem três possíveis tipos de férmions, a saber, os férmions de Dirac, Weyl e Majorana. Fermions de Dirac são partículas fermiônicas (spin semi-inteiro) massivas que são diferentes de suas antipartículas. Já os férmions de Weyl são partículas fermiônicas de massa zero, enquanto que os férmions de Majorana são partículas fermiônicas massivas que tem a propriedade de serem a sua própria antipartículas. Vale ressaltar aqui que praticamente todos os férmions elementares do modelo padrão são férmions de Dirac, com exceção talvez do neutrino, que pode vir a ser um férmion de Majorana [16]. Até o presente momento, esta questão continua em aberto. Pauli propôs a existência dos neutrinos em 1930, na tentativa de manter válido o princípio de conservação de energia no decaimento beta do nêutron, e por muitos anos acreditou-se que os neutrinos fossem férmions de Weyl. Contudo, após os experimentos realizados pelo Super Kamiokande e pelo Sadbury Neutrino Observatory (SNO) em 1998, confirmou-se a oscilação de neutrinos e consequentemente o fato de que estes têm massa não nula. Uma vez confirmada a massa não nula dos neutrinos, descarta-se portanto, a possibilidade de que eles sejam férmions de Weyl. Para uma revisão mais detalhada sobre a física de neutrinos vide [17, 18]. Discutiremos então como partículas fermiônicas sem massa podem ser descritas pela equação de Weyl, que por sua vez está dinamicamente associada ao operador de helicidade. O operador de helicidade H^ está relacionado à projeção do spin de uma dada partícula com relação ao seu momento, isto é, (9) H ^ = S → ⋅ p ^ , de modo que os autovalores do operador helicidade serão sempre ±ℏ/2. Dizemos então que, quando o autovalor do operador helicidade de uma dada partícula é +ℏ/2, esta é chamada de partícula de mão esquerda (ou partícula Left-Handed). E quando o autovalor do operador helicidade de uma dada partícula é -ℏ/2, esta partícula é chamada de mão direita (ou partícula Right-Handed). Vamos considerar então, inicialmente, o caso de uma partícula Left. Neste caso, temos, (10) S → ⋅ p → | p → | = + ℏ 2 . A teoria de grupos [19] nos diz que o operador de spin S→=ℏ⁢(σ→/2), sendo σ→=σx⁢i^+σy⁢j^+σz⁢k^, e a relação de dispersão para partículas relativísticas de massa zero nos dá que |p→|=E/c, logo, (11) ℏ ⁢ σ → 2 ⋅ p → ⁢ c = ℏ 2 ⁢ E . Por fim, aplicando a prescrição canônica de quantização, isto é, promovendo energia e momento a operadores, obtemos, (12) ( i ⁢ ℏ ⁢ ∂ t + i ⁢ ℏ ⁢ c ⁢ σ → ⋅ ∇ ) ⁢ ξ = 0 , sendo ξ dado por (13) ξ = ( ξ 1 ⁢ ( t , x → ) ξ 2 ⁢ ( t , x → ) ) . A equação (12) nos dá, portanto, a dinâmica para uma partícula fermiônica de massa zero, tal que seu spin está na mesma direção e sentido do movimento. Note ainda que a equação de Weyl (12) acopla as duas componentes do espinor ψ. É possível mostrar ainda que cada uma das componentes dos spinor obedece uma equação de onda em que a velocidade de propagação é igual a velocidade da luz, como tem que ser no caso de partículas de massa zero. É importante destacar aqui que para férmions de Weyl, como o neutrino do modelo padrão, a helicidade é um invariante de Lorentz. Pois uma vez que partículas de massa zero sempre viajam à velocidade da luz, não é possível ir para um referencial mais rápido em que o sentido do momento seja invertido. Já para partículas massivas, sempre é possível ir para um referencial mais rápido que a partícula de modo que sentido do momento seja invertido e, consequentemente, o sinal da helicidade (ver Fig.(1)), uma vez que partículas massivas viajam obrigatoriamente com velocidade menor que a da luz. Figura 1: Para o referencial O, a partícula massiva possui spin orientado no mesmo sentido do movimento, enquanto que para o referencial O′, que se move com velocidade |V→|>|v→|, a partícula massiva possui spin antiparalelo ao sentido do movimento. Na seção seguinte, a nossa proposta é mostrar como, a partir do acoplamento mínimo do férmion com o campo eletromagnético, e de posse das transformações de calibre deste último, como o férmion deve se transformar. Em geral, a construção parte da simetria de calibre já imposta como uma transformação de fase sobre o campo fermiônico. Aqui, o nosso ponto de vista é partir do acoplamento mínimo, já conhecido dos estudos da teoria eletromagnética, e com isso, chegar à forma da transformação que o férmion deve sofrer. Consideramos que este possa ser um caminho mais natural para se compreender por que o campo fermiônico deve ter a sua transformação de calibre como sendo uma transformação de fase local. Finalmente, cabe ressaltar que trataremos o férmion sem massa, pois a introdução dessa não interfere absolutamente na construção do procedimento que nos leva à transformação de calibre que estamos buscando. apresentamos uma construção para o setor fermiônico via operador de helicidade. Na seção 4 4. Acoplamento do Campo Eletromagnético com a Matéria Agora que construímos o setor fermiônico via operador de helicidade, vamos investigar como as transformações de calibre se manifestam no setor de matéria. Primeiramente note que a seguinte proposta de lagrangiano (14) ℒ = ℏ c ⁢ ψ † ⁢ i ⁢ ∂ t ⁡ ψ + ψ † ⁢ i ⁢ ℏ ⁢ σ → ⋅ ∇ ⁡ ψ nos dá, através da equação de Euler-Lagrange, as equações de movimento para o lagragiano em pleno acordo com (12) (15) 1 c ⁢ ∂ t ⁡ ψ + σ → ⋅ ∇ ⁡ ψ = 0 (16) 1 c ⁢ ∂ t ⁡ ψ † + ∇ ⁡ ψ † ⋅ σ → = 0 . As equações de movimento nos permitem obter a densidade de carga e densidade de corrente, expressas como: (17) ρ e = e c ⁢ ψ † ⁢ ψ (18) j → e = e ⁢ ψ † ⁢ σ → ⁢ ψ . Portanto, considerando que uma dada matéria carregada é a fonte do campo eletromagnético, temos: (19) ℒ M ⁢ a ⁢ x m ⁢ a ⁢ t = 1 2 ⁢ μ 0 ⁢ ( E → 2 c 2 - B → 2 ) + ℏ c ⁢ ψ † ⁢ i ⁢ ∂ t ⁡ ψ + ψ † ⁢ i ⁢ ℏ ⁢ σ → ⋅ ∇ ⁡ ψ - ρ e ⁢ ϕ + j → e ⋅ A → . Os últimos dois termos do lagrangiano acima são o acoplamento entre a matéria carregada e o campo eletromagnético. Note, portanto, que podemos escrever os termos de acoplamento como (20) ρ e ⁢ ϕ = e c ⁢ ψ † ⁢ ψ ⁢ ϕ (21) j → e ⋅ A → = e ⁢ ψ † ⁢ σ → ⋅ A → ⁢ ψ , e dessa forma o lagrangiano pode também ser reescrito de uma maneira mais conveniente (22) ℒ M ⁢ a ⁢ x m ⁢ a ⁢ t = ℏ c ⁢ ψ † ⁢ i ⁢ ( ∂ t + i ⁢ e ℏ ⁢ ϕ ) ⁢ ψ + ψ † ⁢ i ⁢ ℏ ⁢ σ → ⋅ ( ∇ - i ⁢ e ℏ ⁢ A → ) ⁢ ψ + 1 2 ⁢ μ 0 ⁢ ( E → 2 c 2 - B → 2 ) . Definimos então (23) D t ⁢ ψ = ∂ t ⁡ ψ + i ⁢ e ℏ ⁢ ϕ ⁢ ψ (24) D → ⁢ ψ = ∇ ⁡ ψ - i ⁢ e ℏ ⁢ A → ⁢ ψ , assim, 25 ℒ M ⁢ a ⁢ x m ⁢ a ⁢ t = ℏ c ⁢ ψ † ⁢ i ⁢ D t ⁢ ψ + ψ † ⁢ i ⁢ ℏ ⁢ σ → ⋅ D → ⁢ ψ + 1 2 ⁢ μ 0 ⁢ ( E → 2 c 2 - B → 2 ) . Ao efetuarmos uma transformação de gauge, o termo de Maxwell puro se mantém invariante. Contudo, a simetria de gauge é perdida no setor de matéria. Portanto, para não violar a simetria de gauge trazida pelos potenciais escalar e vetor, o campo de matéria ψ deve transformar-se também. Vamos supor então que o campo ψ transforme-se de tal modo que: (26) ψ → ψ ′ = R ⁢ ( α ) ⁢ ψ . R⁢(α) é a função complexa que representa a transformação de calibre atuando no setor de matéria. Enfatizamos que, mesmo ψ sendo um vetor coluna no espaço dos espinores, R⁢(α) não é uma matriz que mistura as componentes de ψ. R⁢(α) é uma função que atua igualmente em cada componente de ψ. Isto porque estamos em um cenário Abeliano. Na próxima seção, quando trataremos do regime não-Abeliano, R⁢(α) estará representando uma matriz que atuará na representação do grupo de simetria à qual ψ pertence. Como veremos, tratando-se do caso não-Abeliano, ψ receberá um índice extra associado ao grupo. Para garantir a invariância de ℒ, se o campo de matéria se transforma de acordo com (26), então devemos ter (27) ( D t ⁢ ψ ) ′ = ( R † ) - 1 ⁢ ( D t ⁢ ψ ) (28) ( D → ⁢ ψ ) ′ = ( R † ) - 1 ⁢ ( D → ⁢ ψ ) . Note que o termo (Dt⁢ψ)′ pode ser reescrito fazendo-se uso da equação (26), de modo que, 29 ( D t ⁢ ψ ) ′ = ( ∂ t ⁡ R ) ⁢ ψ + R ⁢ ∂ t ⁡ ψ + i ⁢ e ℏ ⁢ ϕ ⁢ R ⁢ ψ + i ⁢ e ℏ ⁢ ( ∂ t ⁡ α ) ⁢ R ⁢ ψ . Se considerarmos a condição de unitariedade em R, que é uma condição razoável, uma vez que a evolução temporal de sistemas quânticos deve ser unitária, temos (30) ( ∂ t ⁡ R ) ⁢ ψ = - i ⁢ e ℏ ⁢ ( ∂ t ⁡ α ) ⁢ R ⁢ ψ , que nos dá que (31) R ⁢ ( α ) = e - i ⁢ e ℏ ⁢ α ⁢ ( t , x → ) . O mesmo resultado pode ser obtido ao se trabalhar com D→⁢ψ′. Vemos então que o campo eletromagnético reage às transformações de calibre através de um deslocamento, enquanto que a matéria sofre uma transformação de fase. A função de transformação R⁢(α) pertence ao grupo das transformações unitárias em uma dimensão, isto é, ao grupo U⁢(1). As derivadas expressas nas equações (23) e (24) são chamadas de derivadas covariantes, justamente por que suas leis de transformação (27) e (28) são similares à lei de transformação para ψ′, diferentemente do que acontece com a derivada usual1. Note ainda que, se tomarmos o comutador das derivadas covariantes, obtemos: (32) [ D t , D t ] = 0 (33) [ D t , D i ] = - i ⁢ e ℏ ⁢ E i (34) [ D i , D j ] = - i ⁢ e ℏ ⁢ ϵ i ⁢ j ⁢ k ⁢ B k , com i,j,k={1,2,3}. As relações acima nos dizem que é possível expressar os campos elétrico e magnético através da álgebra das derivadas covariantes. De maneira geral, podemos expressar a transformação de U⁢(1) para o campo de matéria como sendo (35) ψ ′ = e i ⁢ g ℏ ⁢ q ⁢ α ⁢ ( t , x → ) ⁢ ψ , sendo o parâmetro g a constante de acoplamento da interação e q o valor da carga associada ao campo em questão. Para o caso da interação eletromagnética temos portanto que g assume o valor da carga elétrica e q será identificado com o valor da carga elétrica da partícula associada ao campo ψ, digamos, q⁢ψ. As transformações para os operadores de derivada covariante são dadas em termos de transformações de similaridade, ou seja, (36) D t ′ = e i ⁢ g ℏ ⁢ q ⁢ α ⁢ ( t , x → ) ⁢ D t ⁢ e - i ⁢ g ℏ ⁢ q ⁢ α ⁢ ( t , x → ) . De modo que, desenvolvendo a equação acima, obtemos, (37) ∂ t + i ⁢ q ⁢ g ℏ ⁢ ϕ ′ = ∂ t - i ⁢ q ⁢ g ℏ ⁢ ( ∂ t ⁡ α ) + i ⁢ q ⁢ g ℏ ⁢ ϕ , que nos retorna a transformação de gauge para o potencial escalar ϕ (38) ϕ ′ = ϕ - ∂ t ⁡ α . Um procedimento análogo pode ser realizado para as componentes espaciais. Destacamos mais uma vez que os campos elétricos e magnéticos podem ser escritos em termos das relações de comutação das derivadas covariantes, de modo que, no caso geral, temos: (39) E i = ℏ i ⁢ q ⁢ g ⁢ [ D t , D i ] (40) B i = - ℏ 2 ⁢ i ⁢ q ⁢ g ⁢ ϵ i ⁢ j ⁢ k ⁢ [ D j , D k ] mostramos como se dá o acoplamento entre o setor eletromagnético e o setor de matéria. Na seção 5 5. Campos Vetoriais não-Abelianos Nesta seção trataremos de construir o palco para a obtenção da versão não-abeliana das equações de Maxwell. Para tal, ao invés de trabalharmos com um grupo abeliano, como por exemplo o grupo U⁢(1) visto na seção anterior, que se expressa no setor de matéria através de uma transformação de fase, vamos generalizar a ideia para um grupo não-abeliano. Portanto, consideraremos aqui o grupo SU⁢(N). O grupo SU⁢(N) é um subconjunto do grupo U⁢(N), isto é, SU⁢(N)⊂U⁢(N), sendo U⁢(N) o grupo das matrizes unitárias em N-dimensões (para mais detalhes, vide [19]), ou seja, (41) U ⁢ ( N ) = { Q ∈ 𝕄 ⁢ ( N , ℂ ) ; Q † = Q - 1 } . Nos deteremos ao grupo SU⁢(N) que é dado por: (42) SU ⁢ ( N ) = { Q ∈ U ⁢ ( N ) ; det ⁡ ( Q ) = 1 } . Façamos aqui uma breve análise acerca das matrizes Q∈SU⁢(N). As matrizes Q∈SU⁢(N) possuem N2 elementos em ℂ, consequentemente 2⁢N2 elementos em ℝ. Contudo, a unitariedade de Q implica que Q†⁢Q=I^, sendo I^ a matriz identidade de ordem N. Tal condição nos dá N vínculos reais na diagonal e N2-N vínculos reais fora da diagonal. Por fim, a condição de que det⁡(Q)=1 impõe mais um vínculo, uma vez que temos I⁢m⁢[det⁡(Q)]=0. Finalmente temos que para qualquer matriz Q∈SU⁢(N), (43) 2 ⁢ N 2 - N - ( N 2 - N ) - 1 = N 2 - 1 , há N2-1 elementos reais independentes. No caso particular do grupo SU⁢(2), por exemplo, temos três parâmetros reais independentes, que são os três ângulos de Euler associados às três matrizes de Pauli, que são os geradores do grupo SU⁢(2). No caso do grupo SU⁢(N) a matéria deixa de ser um objeto de uma única componente e passa a ser um N-plete, isto é, um vetor coluna com N componentes (44) ψ = ( ψ 1 ψ 2 ⠇ ψ N ) . Analogamente ao caso abeliano, o campo ψ transforma-se tal que ψ′=R⁢ψ. Contudo, R∈SU⁢(N), sendo portanto expressa por (45) R = e i ⁢ g ℏ ⁢ ω a ⁢ G a . com a=1,2,…,N2-1. Na expressão acima g é a constante de acoplamento, ωa=ωa⁢(t,x→) são os parâmetros independentes e Ga são os geradores do grupo SU⁢(N). Os geradores Ga do grupo SU⁢(N) são matrizes hermitianas de traço nulo e tais que (46) [ G a , G b ] = i ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ G c , sendo fabc a constante de estrutura do grupo SU⁢(N). Por analogia ao caso abeliano, construiremos aqui as derivadas covariantes para o caso não-abeliano. Vamos considerar, por questão de simplicidade, somente a componente temporal, mas sempre lembrando que o mesmo vale para as componentes espaciais. A derivada covariante temporal é então escrita como (47) D t ⁢ ψ = ∂ t ⁡ ψ + i ⁢ g ℏ ⁢ ϕ a ⁢ G a ⁢ ψ . Podemos também explicitar as componentes do campo de matéria, de modo que, (48) D t ⁢ ψ i = ∂ t ⁡ ψ i + i ⁢ g ℏ ⁢ ϕ a ⁢ ( G a ) i ⁢ j ⁢ ψ j . Finalmente, podemos construir um Lagrangiano de matéria para o setor não-abeliano similarmente ao que foi feito para o caso abeliano, de modo que podemos escrever (49) ℒ N ⁢ A m ⁢ a ⁢ t = ℏ c ⁢ ψ † ⁢ i ⁢ D t ⁢ ψ + ψ † ⁢ i ⁢ ℏ ⁢ σ → ⋅ D → ⁢ ψ , com as correspondentes derivadas covariantes não-abelianas. Note portanto que o gerador Ga do grupo SU⁢(N) promove o acoplamento entre as diversas componentes do campo de matéria. Na teoria de quarks, por exemplo, os geradores do grupo SU⁢(3), as chamadas matrizes de Gell-Mann, promovem o acomplamento entre os diversos sabores de quarks no setor de interação via força forte. No caso particular do grupo SU⁢(2), por exemplo, os geradores são as próprias matrizes de Pauli [19]. Seja então S∈S⁢U⁢(2) e (50) S = ( S 1 S 2 ) . Logo, (51) D t ⁢ ( S 1 S 2 ) = ∂ t ⁡ ( S 1 S 2 ) + i g 2 ( ϕ 3 ϕ 1 + i ϕ 2 ϕ 1 − i ϕ 2 ϕ 3 ) ( S 1 S 2 ) Para o caso SU⁢(N) a transformação para o operador derivada covariante, assim como no caso abeliano, toma a forma de uma transformação de similaridade, isto é, (52) D t ′ = R ⁢ D t ⁢ R - 1 , de modo que, desenvolvendo, obtemos, (53) ϕ a ′ ⁢ G a = ϕ a ⁢ R ⁢ G a ⁢ R - 1 + ℏ i ⁢ g ⁢ R ⁢ ( ∂ t ⁡ R ) - 1 . Por questão de simplicidade aqui consideraremos que |ωa|<<1, de tal modo que tomaremos a expansão de (45) até primeira ordem, ou seja, (54) R ≈ I ^ + i ⁢ g ℏ ⁢ ω a ⁢ G a . Consequentemente, (55) R - 1 ≈ I ^ - i ⁢ g ℏ ⁢ ω a ⁢ G a , (56) ∂ t ⁡ R - 1 ≈ - i ⁢ g ℏ ⁢ ( ∂ t ⁡ ω a ) ⁢ G a . Substituindo (54), (55) e (56) em (53) obtemos: (57) ϕ a ′ = ϕ a - ∂ t ⁡ ω a - g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ω b ⁢ ϕ c . O último termo da expressão anterior é a correção não-abeliana para a transformação de gauge sofrida pelo potencial escalar. Para a obtenção da contribuição não-abeliana foi utilizada a relação de comutação (46). Analogamente podemos encontrar a correção não-abeliana para a transformação de gauge para o potencial vetor, (58) A → a ′ = A → a + ∇ ⁡ ω a - g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ω b ⁢ A → c . Da mesma forma que usamos as relações de comutação entre as derivadas covariantes, a fim de obter os campos elétrico e magnético em termos dos potenciais escalar e vetor, para o caso de campos vetoriais abelianos, procederemos aqui analogamente para o caso não-abeliano. Considere portanto, 59 [ D t , D → ] = i ⁢ g ℏ ⁢ ( - ∇ ⁡ ϕ a - ∂ t ⁡ A → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ϕ b ⁢ A → c ) ⁢ G a , = i ⁢ g ℏ ⁢ E → a ⁢ G a definimos então o campo elétrico em SU⁢(N) como, (60) E → a = - ∇ ⁡ ϕ a - ∂ t ⁡ A → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ϕ b ⁢ A → c . Para o campo magnético não-abeliano temos, (61) [ D i , D j ] = - i ⁢ g ℏ ⁢ ( ∂ i ⁡ A j ⁢ a - ∂ j ⁡ A i ⁢ a + g ℏ ⁢ A i ⁢ b ⁢ A j ⁢ c ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ) ⁢ G a = - i ⁢ g ℏ ⁢ ϵ i ⁢ j ⁢ k ⁢ B k ⁢ a ⁢ G a Definimos assim, (62) ϵ i ⁢ j ⁢ k ⁢ B k ⁢ a = ∂ i ⁡ A j ⁢ a - ∂ j ⁡ A i ⁢ a + g ℏ ⁢ A i ⁢ b ⁢ A j ⁢ c ⁢ f a ⁢ b ⁢ c . Contraindo um ϵmij em toda a expressão, obtemos (63) B m ⁢ a = ( ∇ × A → a ) m + g 2 ⁢ ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ( A → b × A → c ) m Finalmente, expressando o campo magnético em termos vetoriais, temos (64) B → a = ∇ × A → a + g 2 ⁢ ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b × A → c . No caso particular do grupo SU⁢(3), por exemplo, as expressões (60) e (64) representam os campos elétricos e magnéticos, respectivamente, associados à interação forte. Aqui, vale a pena ressaltar que, no caso da eletrodinâmica usual de Maxwell, o grupo de simetria associado é o grupo U⁢(1), que possui um único gerador associado à carga elétrica, determinando portanto um único campo elétrico e um único campo magnético. Contudo, no caso de SU⁢(N) temos N2-1 geradores, e para cada um destes geradores teremos um campo elétrico e um campo magnético associado. estudamos os aspectos matemáticos relacionados aos campos vetoriais não-abelianos, tomando como grupo de simetria o grupo SU(N). Na seção 6 6. Equações de Maxwell não-Abelianas Uma vez munidos dos campos elétrico e magnético não-abelianos, o próximo passo consiste em obter as equações de Yang-Mills, isto é, as equações de Maxwell não-abelianas associadas ao grupo SU⁢(N). Para tal, analogamente ao caso abeliano, construiremos um lagrangiano tipo Maxwell, mas agora com os campos elétrico e magnético não-abelianos, ou seja, (65) ℒ Y ⁢ M = 1 2 ⁢ μ 0 ⁢ ( 1 c 2 ⁢ E → a ⋅ E → a - B → a ⋅ B → a ) . Duas das equações de Maxwell, a saber, as equações com fontes, podem ser facilmente obtidas a partir do lagrangiano por meio da equação de Euler-Lagrange. Considerando a equação de Euler-Lagrange para o potencial escalar ϕa, obtemos (66) ∇ ⋅ E → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b ⋅ E → c = 0 . A equação acima é a Lei de Gauss para o campo elétrico em SU⁢(N). Para obtermos a equação não-abeliana de Ampère-Maxwell devemos encontrar, via equação de Euler-Lagrange, a equação de movimento para o potencial vetor A→a. Assim, temos (67) ∇ × B → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b × B → c = 1 c 2 ⁢ ( ∂ t ⁡ E → a - g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ϕ b ⁢ E → c ) , que é o correspondente não-abeliano da equação de Ampère-Maxwell. Para a obtenção das equações não-abelianas correspondentes às leis de Faraday-Lenz e Gauss magnetismo, faremos uso das identidades de Bianchi. Tomando inicialmente (68) [ D t , [ D i , D j ] ] + [ D i , [ D j , D t ] ] + [ D j , [ D t , D i ] ] = 0 , obtemos (69) - i ⁢ g ℏ ⁢ ϵ i ⁢ j ⁢ k ⁢ [ D t , B k ⁢ a ⁢ G a ] - i ⁢ g ℏ ⁢ [ D i , E j ⁢ a ⁢ G a ] + i ⁢ g ℏ ⁢ [ D j , E i ⁢ a ⁢ G a ] = 0 . Para a obtenção da equação acima fizemos uso das relações de comutação (59) e (61). Desenvolvendo os comutadores e fazendo uso da relação (46), após a organização dos índices espaciais e do grupo SU⁢(N), chegamos a (70) ∇ × E → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b × E → c = - ( ∂ t ⁡ B → a - g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ϕ b ⁢ B → c ) , que é a Lei de Faraday-Lenz para Yang-Mills. Um procedimento inteiramente análogo usando também a identidade de Bianchi, mas agora na seguinte forma, (71) [ D i , [ D j , D k ] ] + [ D j , [ D k , D i ] ] + [ D k , [ D i , D j ] ] = 0 , nos permite obter o análogo à lei de Gauss para o magnetismo dentro do contexto da teoria de Yang-Mills. Assim, obtemos a seguinte expressão (72) ∇ ⋅ B → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b ⋅ B → c = 0 . Em resumo, podemos escrever as equações de Yang-Mills, isto é, as equações de Maxwell não-abelianas para o grupo SU⁢(N) como se segue (73) ∇ ⋅ E → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b ⋅ E → c = 0 , (74) ∇ ⋅ B → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b ⋅ B → c = 0 , (75) ∇ × E → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b × E → c = - ( ∂ t ⁡ B → a - g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ϕ b ⁢ B → c ) , (76) ∇ × B → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b × B → c = 1 c 2 ⁢ ( ∂ t ⁡ E → a - g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ϕ b ⁢ E → c ) . A equação (74) é particularmente interessante, uma vez que torna-se explícito que a consideração de campos vetoriais não-abelianos induz o surgimento de monopolos magnéticos de maneira natural. Além disso, vemos que os próprios campos de Yang-Mills são fonte para a geração de si próprios, o que faz de Yang-Mills uma teoria de autointeração. Esta autointeração expressa-se através de não-linearidades nas equações, tornando a busca por soluções uma tarefa árdua. Caso incluamos também a matéria fermiônica como fonte para os campos de Yang-Mills, as equações acima passam a ser escritas como (77) ∇ ⋅ E → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b ⋅ E → c = ρ a , (78) ∇ ⋅ B → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b ⋅ B → c = 0 , (79) ∇ × E → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b × E → c = - ( ∂ t ⁡ B → a - g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ϕ b ⁢ B → c ) , (80) ∇ × B → a + g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ A → b × B → c = j → a + 1 c 2 ⁢ ( ∂ t ⁡ E → a - g ℏ ⁢ f a ⁢ b ⁢ c ⁢ ϕ b ⁢ E → c ) , sendo (81) ρ a = g c ⁢ ψ † ⁢ G a † ⁢ ψ (82) j → a = g ⁢ ψ † ⁢ G a † ⁢ σ → ⁢ ψ . Finalizando, com a construção que apresentamos aqui para as teorias de calibre não-abelianas, temos todo o instrumental necessário para se passar à formulação da teoria eletrofraca de Salam-Glashow-Weinberg e, posteriormente, à elaboração do Modelo Padrão das interações fundamentais. Em trabalho a ser posteriormente redigido estaremos seguindo esta linha com o objetivo de oferecer um material didático simples para a compreensão do problema da unificação dos campos de força eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte. obtemos as equações de Maxwell não-abelianas e na seção 7 7. Conclusões Neste trabalho, discutimos o desenvolvimento da teoria de Yang-Mills-Shaw a partir de uma construção inspirada na Eletrodinâmica de Maxwell. Tal construção é de extrema importância para o estudante que busca inserir-se nos estudos em física de altas energias, seja no âmbito teórico, fenomenológico ou experimental. Estudamos inicialmente como as transformações de calibre se manifestam no setor de matéria quando consideramos campos vetoriais abelianos. Em seguida estendemos o grupo de simetria U⁢(1) para o grupo SU⁢(N) a fim de obter as equações de Yang-Mills-Shaw, isto é, um conjunto de equações tipo Maxwell não-abelianas. Pretendemos, em um trabalho futuro, abordar especificamente a teoria unificada eletrofraca, a fim de mostrar explicitamente como se resolve, por meio do chamado Mecanismo de Higgs, o problema do alcance mencionado no início de nosso texto dando origem, assim, às massas para os bósons W±,Z0, e mostrando como o fóton emerge de massa nula, elucidando assim como, a partir do esquema unificado eletrofraco, as interações eletromagnética e nuclear fraca se diversificam e adquirem suas escalas individuais de energia, comprimento e tempo. Cabe destacar que a proposta consiste em criar um texto auto-consistente para iniciantes e interessados em conhecer a interessante teoria proposta por Abdus Salam, Sheldon Glashow e Steven Weinberg. apresentamos nossas conclusões.

2. Campos Vetoriais Abelianos

O trabalho seminal intitulado A Treatise on Electricity and Magnetism publicado por Maxwell [14[14] J.C. Maxwell, A treatise on electricity and magnetism (Dover, Nova York, 1957).] em 1873 apresenta a formulação matemática das leis empíricas que descrevem os fenômenos de natureza elétrica e magnética. A descrição do eletromagnetismo via equações de Maxwell

(1) E = ρ ϵ 0
(2) B = 0
(3) × E = - B t
(4) × B = μ 0 J + μ 0 ϵ 0 E t

permite que vejamos que maneira clara uma propriedade importante dos fenômenos eletromagneticos, a saber, a liberdade de calibre.

A liberdade de calibre (ou liberdade de gauge) nos diz que há uma certa arbitrariedade na escolha dos potenciais vetor A e escalar ϕ. Ou seja existem transformações de gauge

(5) { ϕ , A } { ϕ , A }

tais que,

(6) { ϕ = ϕ + t α A = A - α .

de modo que

(7) E = - ϕ - t A = - ϕ - t A = E
(8) B = × A = × A = B .

Portanto, vemos que há uma liberdade na escolha da função α(t,x) de modo que se mantenha os campos elétrico e magnético invariantes [15[15] J.D. Jackson, Classical electrodynamics (Wiley, Nova Jersey, 1998), 3 ed.].

Surge então, naturalmente, a seguinte questão: como a simetria de calibre intrínseca ao campo eletromagnético se transmite ao setor de matéria? Para tentar responder a tal questionamento, lembremos primeiramente que a matéria carregada fundamental é de natureza fermiônica. Portanto, a seguir construiremos o setor fermiônico de Dirac para só então acoplarmos o setor de matéria com o campo eletromagnético.

3. Setor Fermiônico

No modelo padrão das partículas elementares e campos existem três possíveis tipos de férmions, a saber, os férmions de Dirac, Weyl e Majorana. Fermions de Dirac são partículas fermiônicas (spin semi-inteiro) massivas que são diferentes de suas antipartículas. Já os férmions de Weyl são partículas fermiônicas de massa zero, enquanto que os férmions de Majorana são partículas fermiônicas massivas que tem a propriedade de serem a sua própria antipartículas. Vale ressaltar aqui que praticamente todos os férmions elementares do modelo padrão são férmions de Dirac, com exceção talvez do neutrino, que pode vir a ser um férmion de Majorana [16[16] M.E. Peskin e D.V. Schroeder, An introduction to quantum field theory (Westview press, Nashville, 2007).]. Até o presente momento, esta questão continua em aberto.

Pauli propôs a existência dos neutrinos em 1930, na tentativa de manter válido o princípio de conservação de energia no decaimento beta do nêutron, e por muitos anos acreditou-se que os neutrinos fossem férmions de Weyl. Contudo, após os experimentos realizados pelo Super Kamiokande e pelo Sadbury Neutrino Observatory (SNO) em 1998, confirmou-se a oscilação de neutrinos e consequentemente o fato de que estes têm massa não nula. Uma vez confirmada a massa não nula dos neutrinos, descarta-se portanto, a possibilidade de que eles sejam férmions de Weyl. Para uma revisão mais detalhada sobre a física de neutrinos vide [17[17] S. Bilenky, Introduction to the Physics of Massive and Mixed Neutrinos (Springer, Nova York, 2010)., 18[18] G.A. Valdiviesso e M.M. Guzzo, Revista Brasileira de Ensino de Física 27, 495 (2005)].

Discutiremos então como partículas fermiônicas sem massa podem ser descritas pela equação de Weyl, que por sua vez está dinamicamente associada ao operador de helicidade. O operador de helicidade H^ está relacionado à projeção do spin de uma dada partícula com relação ao seu momento, isto é,

(9) H ^ = S p ^ ,

de modo que os autovalores do operador helicidade serão sempre ±/2. Dizemos então que, quando o autovalor do operador helicidade de uma dada partícula é +/2, esta é chamada de partícula de mão esquerda (ou partícula Left-Handed). E quando o autovalor do operador helicidade de uma dada partícula é -/2, esta partícula é chamada de mão direita (ou partícula Right-Handed). Vamos considerar então, inicialmente, o caso de uma partícula Left. Neste caso, temos,

(10) S p | p | = + 2 .

A teoria de grupos [19[19] J. Furtado e J.A. Helayel-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200338 (2021).] nos diz que o operador de spin S=(σ/2), sendo σ=σxi^+σyj^+σzk^, e a relação de dispersão para partículas relativísticas de massa zero nos dá que |p|=E/c, logo,

(11) σ 2 p c = 2 E .

Por fim, aplicando a prescrição canônica de quantização, isto é, promovendo energia e momento a operadores, obtemos,

(12) ( i t + i c σ ) ξ = 0 ,

sendo ξ dado por

(13) ξ = ( ξ 1 ( t , x ) ξ 2 ( t , x ) ) .

A equação (12) nos dá, portanto, a dinâmica para uma partícula fermiônica de massa zero, tal que seu spin está na mesma direção e sentido do movimento. Note ainda que a equação de Weyl (12) acopla as duas componentes do espinor ψ. É possível mostrar ainda que cada uma das componentes dos spinor obedece uma equação de onda em que a velocidade de propagação é igual a velocidade da luz, como tem que ser no caso de partículas de massa zero.

É importante destacar aqui que para férmions de Weyl, como o neutrino do modelo padrão, a helicidade é um invariante de Lorentz. Pois uma vez que partículas de massa zero sempre viajam à velocidade da luz, não é possível ir para um referencial mais rápido em que o sentido do momento seja invertido. Já para partículas massivas, sempre é possível ir para um referencial mais rápido que a partícula de modo que sentido do momento seja invertido e, consequentemente, o sinal da helicidade (ver Fig.(1)), uma vez que partículas massivas viajam obrigatoriamente com velocidade menor que a da luz.

Figura 1:
Para o referencial O, a partícula massiva possui spin orientado no mesmo sentido do movimento, enquanto que para o referencial O, que se move com velocidade |V|>|v|, a partícula massiva possui spin antiparalelo ao sentido do movimento.

Na seção seguinte, a nossa proposta é mostrar como, a partir do acoplamento mínimo do férmion com o campo eletromagnético, e de posse das transformações de calibre deste último, como o férmion deve se transformar. Em geral, a construção parte da simetria de calibre já imposta como uma transformação de fase sobre o campo fermiônico. Aqui, o nosso ponto de vista é partir do acoplamento mínimo, já conhecido dos estudos da teoria eletromagnética, e com isso, chegar à forma da transformação que o férmion deve sofrer. Consideramos que este possa ser um caminho mais natural para se compreender por que o campo fermiônico deve ter a sua transformação de calibre como sendo uma transformação de fase local. Finalmente, cabe ressaltar que trataremos o férmion sem massa, pois a introdução dessa não interfere absolutamente na construção do procedimento que nos leva à transformação de calibre que estamos buscando.

4. Acoplamento do Campo Eletromagnético com a Matéria

Agora que construímos o setor fermiônico via operador de helicidade, vamos investigar como as transformações de calibre se manifestam no setor de matéria. Primeiramente note que a seguinte proposta de lagrangiano

(14) = c ψ i t ψ + ψ i σ ψ

nos dá, através da equação de Euler-Lagrange, as equações de movimento para o lagragiano em pleno acordo com (12)

(15) 1 c t ψ + σ ψ = 0
(16) 1 c t ψ + ψ σ = 0 .

As equações de movimento nos permitem obter a densidade de carga e densidade de corrente, expressas como:

(17) ρ e = e c ψ ψ
(18) j e = e ψ σ ψ .

Portanto, considerando que uma dada matéria carregada é a fonte do campo eletromagnético, temos:

(19) M a x m a t = 1 2 μ 0 ( E 2 c 2 - B 2 ) + c ψ i t ψ + ψ i σ ψ - ρ e ϕ + j e A .

Os últimos dois termos do lagrangiano acima são o acoplamento entre a matéria carregada e o campo eletromagnético. Note, portanto, que podemos escrever os termos de acoplamento como

(20) ρ e ϕ = e c ψ ψ ϕ
(21) j e A = e ψ σ A ψ ,

e dessa forma o lagrangiano pode também ser reescrito de uma maneira mais conveniente

(22) M a x m a t = c ψ i ( t + i e ϕ ) ψ + ψ i σ ( - i e A ) ψ + 1 2 μ 0 ( E 2 c 2 - B 2 ) .

Definimos então

(23) D t ψ = t ψ + i e ϕ ψ
(24) D ψ = ψ - i e A ψ ,

assim,

25 M a x m a t = c ψ i D t ψ + ψ i σ D ψ + 1 2 μ 0 ( E 2 c 2 - B 2 ) .

Ao efetuarmos uma transformação de gauge, o termo de Maxwell puro se mantém invariante. Contudo, a simetria de gauge é perdida no setor de matéria. Portanto, para não violar a simetria de gauge trazida pelos potenciais escalar e vetor, o campo de matéria ψ deve transformar-se também. Vamos supor então que o campo ψ transforme-se de tal modo que:

(26) ψ ψ = R ( α ) ψ .

R(α) é a função complexa que representa a transformação de calibre atuando no setor de matéria. Enfatizamos que, mesmo ψ sendo um vetor coluna no espaço dos espinores, R(α) não é uma matriz que mistura as componentes de ψ. R(α) é uma função que atua igualmente em cada componente de ψ. Isto porque estamos em um cenário Abeliano. Na próxima seção, quando trataremos do regime não-Abeliano, R(α) estará representando uma matriz que atuará na representação do grupo de simetria à qual ψ pertence. Como veremos, tratando-se do caso não-Abeliano, ψ receberá um índice extra associado ao grupo.

Para garantir a invariância de , se o campo de matéria se transforma de acordo com (26), então devemos ter

(27) ( D t ψ ) = ( R ) - 1 ( D t ψ )
(28) ( D ψ ) = ( R ) - 1 ( D ψ ) .

Note que o termo (Dtψ) pode ser reescrito fazendo-se uso da equação (26), de modo que,

29 ( D t ψ ) = ( t R ) ψ + R t ψ + i e ϕ R ψ + i e ( t α ) R ψ .

Se considerarmos a condição de unitariedade em R, que é uma condição razoável, uma vez que a evolução temporal de sistemas quânticos deve ser unitária, temos

(30) ( t R ) ψ = - i e ( t α ) R ψ ,

que nos dá que

(31) R ( α ) = e - i e α ( t , x ) .

O mesmo resultado pode ser obtido ao se trabalhar com Dψ. Vemos então que o campo eletromagnético reage às transformações de calibre através de um deslocamento, enquanto que a matéria sofre uma transformação de fase. A função de transformação R(α) pertence ao grupo das transformações unitárias em uma dimensão, isto é, ao grupo U(1).

As derivadas expressas nas equações (23) e (24) são chamadas de derivadas covariantes, justamente por que suas leis de transformação (27) e (28) são similares à lei de transformação para ψ, diferentemente do que acontece com a derivada usual1 1 Para a derivada usual temos que ∂t⁡ψ′=R⁢(∂t⁡ψ)+(∂t⁡R)⁢ψ. E vemos assim que o segundo termo é o responsável pela não covariância da transformação. . Note ainda que, se tomarmos o comutador das derivadas covariantes, obtemos:

(32) [ D t , D t ] = 0
(33) [ D t , D i ] = - i e E i
(34) [ D i , D j ] = - i e ϵ i j k B k ,

com i,j,k={1,2,3}. As relações acima nos dizem que é possível expressar os campos elétrico e magnético através da álgebra das derivadas covariantes.

De maneira geral, podemos expressar a transformação de U(1) para o campo de matéria como sendo

(35) ψ = e i g q α ( t , x ) ψ ,

sendo o parâmetro g a constante de acoplamento da interação e q o valor da carga associada ao campo em questão. Para o caso da interação eletromagnética temos portanto que g assume o valor da carga elétrica e q será identificado com o valor da carga elétrica da partícula associada ao campo ψ, digamos, qψ.

As transformações para os operadores de derivada covariante são dadas em termos de transformações de similaridade, ou seja,

(36) D t = e i g q α ( t , x ) D t e - i g q α ( t , x ) .

De modo que, desenvolvendo a equação acima, obtemos,

(37) t + i q g ϕ = t - i q g ( t α ) + i q g ϕ ,

que nos retorna a transformação de gauge para o potencial escalar ϕ

(38) ϕ = ϕ - t α .

Um procedimento análogo pode ser realizado para as componentes espaciais. Destacamos mais uma vez que os campos elétricos e magnéticos podem ser escritos em termos das relações de comutação das derivadas covariantes, de modo que, no caso geral, temos:

(39) E i = i q g [ D t , D i ]
(40) B i = - 2 i q g ϵ i j k [ D j , D k ]

5. Campos Vetoriais não-Abelianos

Nesta seção trataremos de construir o palco para a obtenção da versão não-abeliana das equações de Maxwell. Para tal, ao invés de trabalharmos com um grupo abeliano, como por exemplo o grupo U(1) visto na seção anterior, que se expressa no setor de matéria através de uma transformação de fase, vamos generalizar a ideia para um grupo não-abeliano. Portanto, consideraremos aqui o grupo SU(N).

O grupo SU(N) é um subconjunto do grupo U(N), isto é, SU(N)U(N), sendo U(N) o grupo das matrizes unitárias em N-dimensões (para mais detalhes, vide [19[19] J. Furtado e J.A. Helayel-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200338 (2021).]), ou seja,

(41) U ( N ) = { Q 𝕄 ( N , ) ; Q = Q - 1 } .

Nos deteremos ao grupo SU(N) que é dado por:

(42) SU ( N ) = { Q U ( N ) ; det ( Q ) = 1 } .

Façamos aqui uma breve análise acerca das matrizes QSU(N). As matrizes QSU(N) possuem N2 elementos em , consequentemente 2N2 elementos em . Contudo, a unitariedade de Q implica que QQ=I^, sendo I^ a matriz identidade de ordem N. Tal condição nos dá N vínculos reais na diagonal e N2-N vínculos reais fora da diagonal. Por fim, a condição de que det(Q)=1 impõe mais um vínculo, uma vez que temos Im[det(Q)]=0. Finalmente temos que para qualquer matriz QSU(N),

(43) 2 N 2 - N - ( N 2 - N ) - 1 = N 2 - 1 ,

N2-1 elementos reais independentes. No caso particular do grupo SU(2), por exemplo, temos três parâmetros reais independentes, que são os três ângulos de Euler associados às três matrizes de Pauli, que são os geradores do grupo SU(2).

No caso do grupo SU(N) a matéria deixa de ser um objeto de uma única componente e passa a ser um N-plete, isto é, um vetor coluna com N componentes

(44) ψ = ( ψ 1 ψ 2 ψ N ) .

Analogamente ao caso abeliano, o campo ψ transforma-se tal que ψ=Rψ. Contudo, RSU(N), sendo portanto expressa por

(45) R = e i g ω a G a .

com a=1,2,,N2-1. Na expressão acima g é a constante de acoplamento, ωa=ωa(t,x) são os parâmetros independentes e Ga são os geradores do grupo SU(N). Os geradores Ga do grupo SU(N) são matrizes hermitianas de traço nulo e tais que

(46) [ G a , G b ] = i f a b c G c ,

sendo fabc a constante de estrutura do grupo SU(N).

Por analogia ao caso abeliano, construiremos aqui as derivadas covariantes para o caso não-abeliano. Vamos considerar, por questão de simplicidade, somente a componente temporal, mas sempre lembrando que o mesmo vale para as componentes espaciais. A derivada covariante temporal é então escrita como

(47) D t ψ = t ψ + i g ϕ a G a ψ .

Podemos também explicitar as componentes do campo de matéria, de modo que,

(48) D t ψ i = t ψ i + i g ϕ a ( G a ) i j ψ j .

Finalmente, podemos construir um Lagrangiano de matéria para o setor não-abeliano similarmente ao que foi feito para o caso abeliano, de modo que podemos escrever

(49) N A m a t = c ψ i D t ψ + ψ i σ D ψ ,

com as correspondentes derivadas covariantes não-abelianas.

Note portanto que o gerador Ga do grupo SU(N) promove o acoplamento entre as diversas componentes do campo de matéria. Na teoria de quarks, por exemplo, os geradores do grupo SU(3), as chamadas matrizes de Gell-Mann, promovem o acomplamento entre os diversos sabores de quarks no setor de interação via força forte. No caso particular do grupo SU(2), por exemplo, os geradores são as próprias matrizes de Pauli [19[19] J. Furtado e J.A. Helayel-Neto, Revista Brasileira de Ensino de Física 43, e20200338 (2021).]. Seja então SSU(2) e

(50) S = ( S 1 S 2 ) .

Logo,

(51) D t ( S 1 S 2 ) = t ( S 1 S 2 ) + i g 2 ( ϕ 3 ϕ 1 + i ϕ 2 ϕ 1 i ϕ 2 ϕ 3 ) ( S 1 S 2 )

Para o caso SU(N) a transformação para o operador derivada covariante, assim como no caso abeliano, toma a forma de uma transformação de similaridade, isto é,

(52) D t = R D t R - 1 ,

de modo que, desenvolvendo, obtemos,

(53) ϕ a G a = ϕ a R G a R - 1 + i g R ( t R ) - 1 .

Por questão de simplicidade aqui consideraremos que |ωa|<<1, de tal modo que tomaremos a expansão de (45) até primeira ordem, ou seja,

(54) R I ^ + i g ω a G a .

Consequentemente,

(55) R - 1 I ^ - i g ω a G a ,
(56) t R - 1 - i g ( t ω a ) G a .

Substituindo (54), (55) e (56) em (53) obtemos:

(57) ϕ a = ϕ a - t ω a - g f a b c ω b ϕ c .

O último termo da expressão anterior é a correção não-abeliana para a transformação de gauge sofrida pelo potencial escalar. Para a obtenção da contribuição não-abeliana foi utilizada a relação de comutação (46). Analogamente podemos encontrar a correção não-abeliana para a transformação de gauge para o potencial vetor,

(58) A a = A a + ω a - g f a b c ω b A c .

Da mesma forma que usamos as relações de comutação entre as derivadas covariantes, a fim de obter os campos elétrico e magnético em termos dos potenciais escalar e vetor, para o caso de campos vetoriais abelianos, procederemos aqui analogamente para o caso não-abeliano. Considere portanto,

59 [ D t , D ] = i g ( - ϕ a - t A a + g f a b c ϕ b A c ) G a , = i g E a G a

definimos então o campo elétrico em SU(N) como,

(60) E a = - ϕ a - t A a + g f a b c ϕ b A c .

Para o campo magnético não-abeliano temos,

(61) [ D i , D j ] = - i g ( i A j a - j A i a + g A i b A j c f a b c ) G a = - i g ϵ i j k B k a G a

Definimos assim,

(62) ϵ i j k B k a = i A j a - j A i a + g A i b A j c f a b c .

Contraindo um ϵmij em toda a expressão, obtemos

(63) B m a = ( × A a ) m + g 2 f a b c ( A b × A c ) m

Finalmente, expressando o campo magnético em termos vetoriais, temos

(64) B a = × A a + g 2 f a b c A b × A c .

No caso particular do grupo SU(3), por exemplo, as expressões (60) e (64) representam os campos elétricos e magnéticos, respectivamente, associados à interação forte.

Aqui, vale a pena ressaltar que, no caso da eletrodinâmica usual de Maxwell, o grupo de simetria associado é o grupo U(1), que possui um único gerador associado à carga elétrica, determinando portanto um único campo elétrico e um único campo magnético. Contudo, no caso de SU(N) temos N2-1 geradores, e para cada um destes geradores teremos um campo elétrico e um campo magnético associado.

6. Equações de Maxwell não-Abelianas

Uma vez munidos dos campos elétrico e magnético não-abelianos, o próximo passo consiste em obter as equações de Yang-Mills, isto é, as equações de Maxwell não-abelianas associadas ao grupo SU(N). Para tal, analogamente ao caso abeliano, construiremos um lagrangiano tipo Maxwell, mas agora com os campos elétrico e magnético não-abelianos, ou seja,

(65) Y M = 1 2 μ 0 ( 1 c 2 E a E a - B a B a ) .

Duas das equações de Maxwell, a saber, as equações com fontes, podem ser facilmente obtidas a partir do lagrangiano por meio da equação de Euler-Lagrange. Considerando a equação de Euler-Lagrange para o potencial escalar ϕa, obtemos

(66) E a + g f a b c A b E c = 0 .

A equação acima é a Lei de Gauss para o campo elétrico em SU(N). Para obtermos a equação não-abeliana de Ampère-Maxwell devemos encontrar, via equação de Euler-Lagrange, a equação de movimento para o potencial vetor Aa. Assim, temos

(67) × B a + g f a b c A b × B c = 1 c 2 ( t E a - g f a b c ϕ b E c ) ,

que é o correspondente não-abeliano da equação de Ampère-Maxwell.

Para a obtenção das equações não-abelianas correspondentes às leis de Faraday-Lenz e Gauss magnetismo, faremos uso das identidades de Bianchi. Tomando inicialmente

(68) [ D t , [ D i , D j ] ] + [ D i , [ D j , D t ] ] + [ D j , [ D t , D i ] ] = 0 ,

obtemos

(69) - i g ϵ i j k [ D t , B k a G a ] - i g [ D i , E j a G a ] + i g [ D j , E i a G a ] = 0 .

Para a obtenção da equação acima fizemos uso das relações de comutação (59) e (61). Desenvolvendo os comutadores e fazendo uso da relação (46), após a organização dos índices espaciais e do grupo SU(N), chegamos a

(70) × E a + g f a b c A b × E c = - ( t B a - g f a b c ϕ b B c ) ,

que é a Lei de Faraday-Lenz para Yang-Mills. Um procedimento inteiramente análogo usando também a identidade de Bianchi, mas agora na seguinte forma,

(71) [ D i , [ D j , D k ] ] + [ D j , [ D k , D i ] ] + [ D k , [ D i , D j ] ] = 0 ,

nos permite obter o análogo à lei de Gauss para o magnetismo dentro do contexto da teoria de Yang-Mills. Assim, obtemos a seguinte expressão

(72) B a + g f a b c A b B c = 0 .

Em resumo, podemos escrever as equações de Yang-Mills, isto é, as equações de Maxwell não-abelianas para o grupo SU(N) como se segue

(73) E a + g f a b c A b E c = 0 ,
(74) B a + g f a b c A b B c = 0 ,
(75) × E a + g f a b c A b × E c = - ( t B a - g f a b c ϕ b B c ) ,
(76) × B a + g f a b c A b × B c = 1 c 2 ( t E a - g f a b c ϕ b E c ) .

A equação (74) é particularmente interessante, uma vez que torna-se explícito que a consideração de campos vetoriais não-abelianos induz o surgimento de monopolos magnéticos de maneira natural. Além disso, vemos que os próprios campos de Yang-Mills são fonte para a geração de si próprios, o que faz de Yang-Mills uma teoria de autointeração. Esta autointeração expressa-se através de não-linearidades nas equações, tornando a busca por soluções uma tarefa árdua.

Caso incluamos também a matéria fermiônica como fonte para os campos de Yang-Mills, as equações acima passam a ser escritas como

(77) E a + g f a b c A b E c = ρ a ,
(78) B a + g f a b c A b B c = 0 ,
(79) × E a + g f a b c A b × E c = - ( t B a - g f a b c ϕ b B c ) ,
(80) × B a + g f a b c A b × B c = j a + 1 c 2 ( t E a - g f a b c ϕ b E c ) ,

sendo

(81) ρ a = g c ψ G a ψ
(82) j a = g ψ G a σ ψ .

Finalizando, com a construção que apresentamos aqui para as teorias de calibre não-abelianas, temos todo o instrumental necessário para se passar à formulação da teoria eletrofraca de Salam-Glashow-Weinberg e, posteriormente, à elaboração do Modelo Padrão das interações fundamentais. Em trabalho a ser posteriormente redigido estaremos seguindo esta linha com o objetivo de oferecer um material didático simples para a compreensão do problema da unificação dos campos de força eletromagnética, nuclear fraca e nuclear forte.

7. Conclusões

Neste trabalho, discutimos o desenvolvimento da teoria de Yang-Mills-Shaw a partir de uma construção inspirada na Eletrodinâmica de Maxwell. Tal construção é de extrema importância para o estudante que busca inserir-se nos estudos em física de altas energias, seja no âmbito teórico, fenomenológico ou experimental.

Estudamos inicialmente como as transformações de calibre se manifestam no setor de matéria quando consideramos campos vetoriais abelianos. Em seguida estendemos o grupo de simetria U(1) para o grupo SU(N) a fim de obter as equações de Yang-Mills-Shaw, isto é, um conjunto de equações tipo Maxwell não-abelianas.

Pretendemos, em um trabalho futuro, abordar especificamente a teoria unificada eletrofraca, a fim de mostrar explicitamente como se resolve, por meio do chamado Mecanismo de Higgs, o problema do alcance mencionado no início de nosso texto dando origem, assim, às massas para os bósons W±,Z0, e mostrando como o fóton emerge de massa nula, elucidando assim como, a partir do esquema unificado eletrofraco, as interações eletromagnética e nuclear fraca se diversificam e adquirem suas escalas individuais de energia, comprimento e tempo. Cabe destacar que a proposta consiste em criar um texto auto-consistente para iniciantes e interessados em conhecer a interessante teoria proposta por Abdus Salam, Sheldon Glashow e Steven Weinberg.

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    Para a derivada usual temos que tψ=R(tψ)+(tR)ψ. E vemos assim que o segundo termo é o responsável pela não covariância da transformação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Maio 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    03 Fev 2022
  • Revisado
    29 Mar 2022
  • Aceito
    01 Abr 2022
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