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Análise do autoconceito de atletas de voleibol de rendimento

Analyse of self concept in volleyball teams

Resumos

Esta pesquisa buscou investigar a valorização do autoconceito em equipes de voleibol de alto rendimento. Foram sujeitos 31 atletas de voleibol, das categorias adulto masculina, juvenil masculina e juvenil feminina. Utilizou-se como instrumento de medida a Escala Fatorial de Autoconceito. Para a análise dos dados foram utilizados os testes kruskall-Wallis e MANOVA. Os dados demonstraram que as equipes comportaram-se de forma semelhante quanto aos fatores do autoconceito, ocorrendo diferença estatisticamente significativa para o fator segurança entre as equipes juvenis feminina e masculina. O fator ético-moral apresentou altos níveis de valorização em relação aos outros fatores, sendo estatisticamente superior nas equipes feminina e masculina juvenis. Na equipe masculina adulta este fator foi superior aos fatores "somático", "receptividade" e "atitude social". O sentimento de pertencer a um grupo socialmente valorizado parece ser o principal motivo de os atletas se perceberem como sujeitos morais. Conclui-se que existem diferenças de gênero quanto ao autoconceito ("segurança"), de modo que o esporte favorece o sentimento de "moralidade" e vivências de autoconsideração, propiciando a congruência do self-experiência.

Autoconceito; Psicologia do esporte; Voleibol


This research aimed to investigate the valuation of self concept in volleyball teams. As participants, 31 volleyball high performance athletes adults and youths from both gender categories were investigated. As measure instrument the Factorial Scale of Self Concept was used. For the data analysis were used: the Kruskall Wallis test and MANOVA. All teams behaved similarly according to self concept factors, evidencing statistically significant difference only for safety factor between the youth male and female teams. The ethical-moral factor presented high levels of valuation in relation to other factors, being statistically higher in the female and male youth teams. In the adult male team, this factor was higher than the somatic, receptivity and social attitude factors. The feeling of belonging to a socially valued group seems to be the main aspect that makes the athletes perceive themselves as moral citizens. It is concluded that there are differences in the self-concept ('security') in a way that sport provide the feeling of 'morality' and experiences of self-consideration allowing the junction of the seff-experience.

Self-concept; Sport psychology; Volleyball


Análise do autoconceito de atletas de voleibol de rendimento

Analyse of self concept in volleyball teams

Lenamar Fiorese Vieira; José Luiz Lopes Vieira; Christiane de Cássia Ferraz; Leonardo Pestillo de Oliveira

Departamento de Educação Física, Universidade Estadual de Maringá

Endereço Endereço Lenamar Fiorese Vieira Departamento de Educação Física Universidade Estadual de Maringá Av. Colombo, 5790 - Campus Universitário 87020-900 - Maringá - PR - BRASIL e-mail: lfvieira@uem.br

RESUMO

Esta pesquisa buscou investigar a valorização do autoconceito em equipes de voleibol de alto rendimento. Foram sujeitos 31 atletas de voleibol, das categorias adulto masculina, juvenil masculina e juvenil feminina. Utilizou-se como instrumento de medida a Escala Fatorial de Autoconceito. Para a análise dos dados foram utilizados os testes kruskall-Wallis e MANOVA. Os dados demonstraram que as equipes comportaram-se de forma semelhante quanto aos fatores do autoconceito, ocorrendo diferença estatisticamente significativa para o fator segurança entre as equipes juvenis feminina e masculina. O fator ético-moral apresentou altos níveis de valorização em relação aos outros fatores, sendo estatisticamente superior nas equipes feminina e masculina juvenis. Na equipe masculina adulta este fator foi superior aos fatores "somático", "receptividade" e "atitude social". O sentimento de pertencer a um grupo socialmente valorizado parece ser o principal motivo de os atletas se perceberem como sujeitos morais. Conclui-se que existem diferenças de gênero quanto ao autoconceito ("segurança"), de modo que o esporte favorece o sentimento de "moralidade" e vivências de autoconsideração, propiciando a congruência do self-experiência.

Unitermos: Autoconceito; Psicologia do esporte; Voleibol.

ABSTRACT

This research aimed to investigate the valuation of self concept in volleyball teams. As participants, 31 volleyball high performance athletes adults and youths from both gender categories were investigated. As measure instrument the Factorial Scale of Self Concept was used. For the data analysis were used: the Kruskall Wallis test and MANOVA. All teams behaved similarly according to self concept factors, evidencing statistically significant difference only for safety factor between the youth male and female teams. The ethical-moral factor presented high levels of valuation in relation to other factors, being statistically higher in the female and male youth teams. In the adult male team, this factor was higher than the somatic, receptivity and social attitude factors. The feeling of belonging to a socially valued group seems to be the main aspect that makes the athletes perceive themselves as moral citizens. It is concluded that there are differences in the self-concept ('security') in a way that sport provide the feeling of 'morality' and experiences of self-consideration allowing the junction of the seff-experience.

Uniterms: Self-concept; Sport psychology; Volleyball.

Introdução

O interesse pelo "self" é anterior ao surgimento da própria ciência psicológica, tendo suas raízes na filosofia. Quando a Psicologia estabeleceu-se como disciplina independente da Filosofia, o conceito de "self" se deslocou e passou a permear os estudos e as teorias acerca da personalidade.

Foi especificamente com o surgimento de uma nova visão de homem, introduzida pela Psicologia Humanista, que o autoconceito voltou a ser valorizado e os estudos ligados ao "self" retomaram sua importância histórica. Nesse caminho, autores como William James, Charles H. Cooley, George Mead, Alfred Adler, A. Maslow, E. Fromm, K. Horney, G. Allport, K. Goldstein, e Carl Rogers forneceram importantes contribuições para uma ruptura com a abordagem positivista e evolucionista que enfraquecia a pesquisa científica sobre autoconceito (GOBITTA & GUZZO, 2002).

Sob este pensamento teórico, o indivíduo sempre procura agir de forma coerente com suas percepções e valores, e como consequência o autoconceito constitui um quadro de referência para as suas escolhas, atitudes e comportamentos; ou seja, para obter mudança no comportamento e na personalidade é necessário ocorrer primeiramente uma mudança no autoconceito. Assim, entender o nível de valorização do autoconceito dos atletas torna-se um aspecto significativo para psicólogos esportivos, pois à medida que muda o autoconceito, o comportamento também muda para tornar-se coerente com a nova organização do campo perceptual do atleta.

Neste contexto, para este estudo sobre autoconceito a base teórica utilizada será a teoria de Rogers, a qual pressupõe que a pessoa contém dentro de si o potencial para um desenvolvimento sadio e criativo. O fracasso em realizar esse potencial se deve a influências coercitivas e distorcedoras dos cuidadores (pais ou responsáveis), da educação e de outras pressões sociais, mas os efeitos prejudiciais daí decorrentes podem ser superados se o indivíduo estiver disposto a aceitar a responsabilidade por sua própria vida (ROGERS, 2002).

Para seus estudos da mudança de comportamento e do desenvolvimento da personalidade ROGERS (1959) citado por HALL, LINDZEY e CAMPBELL (2000) apresenta dois constructos: o organismo e o "self". A pessoa (atleta) é o organismo que experiência, é o foco de toda a experiência, a qual inclui tudo o que está acontecendo dentro do organismo em qualquer momento e que está potencialmente disponível para a consciência. Esta totalidade de experiência (esportiva) constitui o campo fenomenal, e passa a ser a estrutura de referência do indivíduo, que só pode ser construída pelo próprio indivíduo. O campo fenomenal é constituído por experiências (motoras, cognitivas e afetivas) conscientes (simbolizadas) e inconscientes (não simbolizadas). A experiência pode não ser simbolizada corretamente, e nesse caso, a pessoa (atleta) vai se comportar de modo inadequado, mas tende a comparar suas experiências simbolizadas (oriundas do esporte) com o mundo. Tal testagem da realidade proporciona um conhecimento confiável do mundo, de modo que o indivíduo consegue se comportar realisticamente.

Nesse sentido, o "self", um dos constructos centrais da teoria de ROGERS, aparece como uma porção do campo fenomenal que gradualmente se diferencia, sendo entendido como "Uma Gestalt fluida, mutante, um processo, mas em qualquer momento dado é uma entidade específica" (ROGERS, 1959, citado por HALL, LINDZEY & CAMPBELL, 2000, p.368).

Para JAMES (1952), "self" é o conjunto de tudo aquilo que o indivíduo pode chamar "seu": seu corpo, suas capacidades, seus familiares, seus amigos e seu trabalho. Juntamente com constructos como a auto-imagem e a auto-estima, o "self" é um dos conceitos chamados auto-referentes (TAMAYO, CAMPOS, MATOS, MENDES, SANTOS & CARVALHO, 2001).

Nesta abordagem teórica, a congruência e a incongruência entre o "self" e a experiência real do organismo são relevantes. Quando as experiências simbolizadas (esportivas) do "self" espelham fielmente as experiências do organismo (atleta) dizemos que a pessoa é ajustada, madura, e que funciona de forma congruente, sem ameaças ou ansiedade. Por outro lado a incongruência entre o "self" e o organismo (atleta) faz com que os indivíduos se sintam ameaçados e ansiosos, eles se comportam defensivamente e seu pensamento se torna limitado e rígido.

Outra possibilidade é o grau de discrepância entre o "self" enquanto percepção de si próprio e o "self" ideal, com (exigência do ambiente/pressão de resultados). Se esta discrepância for grande, a pessoa fica insatisfeita e desajustada.

Considerando a complexidade do tema, adotaremos, além da teoria de ROGERS, o modelo teórico multidimensional de L' ÉCUYER (1978) aperfeiçoado por TAMAYO (1981), ambos os quais ressaltam que o autoconceito evidencia diversos aspectos ("self" somático, o "self" pessoal, o "self" social e o "self" ético-moral), que se encontram organizados hierarquicamente e de forma integrada. (FIGURA 1)


O "self" somático situa a maneira como o corpo é vivido pelo indivíduo, ou seja, o modo como são percebidos a aparência física e o estado físico. A estruturação desta dimensão depende, em grande medida, da valorização social que o corpo recebe ao longo da história. Este "self" está relacionado às qualidades de valor que são percebidas nas experiências esportivas dos atletas.

O "self" pessoal é formado a partir das características psicológicas que o indivíduo atribui a si próprio. Esta dimensão compreende duas subestruturas: 1) segurança, que expressa a confiança que o indivíduo tem em si, sua estabilidade e firmeza emocional; 2) autocontrole, que traduz o domínio do indivíduo sobre o seu comportamento, sua autodisciplina e organização. Este "self" está relacionado às percepções que o atleta tem sobre si próprio, suas próprias características e habilidades.

O "self" social é formado por duas dimensões: a atitude social e a receptividade. A atitude social revela a autopercepção do sujeito sobre sua maneira de interagir com os outros e refere-se ao tipo de relacionamento interpessoal e ao respeito para com o outro; a receptividade diz respeito ao grau de abertura do indivíduo para com as outras pessoas, ou seja, à sua capacidade de comunicar-se socialmente; e no contexto esportivo, refere-se às percepções e conceitos que os atletas têm em relação aos outros e ao ambiente.

Por fim, a dimensão ético-moral "expressa as auto-avaliações relativas aos princípios éticos fundamentais de honestidade, justiça, bondade, autenticidade e lealdade" (TAMAYO, 1981, p.97). Este "self" está relacionado às metas e ideais esportivos, que são passados para os atletas como dotados de valor positivo e negativo.

Para ROGERS (2002), o autoconceito evolui a partir da interação do indivíduo com outras pessoas e com seu ambiente. Destarte, a capacidade do atleta em observar seu próprio funcionamento e o comportamento de outras pessoas permite-lhe organizar um padrão coerente de características (atributos) percebidas do "eu" e, ao mesmo tempo, atribuir valores (positivos ou negativos) a tais traços específicos. Destarte, considera-se que o autoconceito é socialmente construído, caracterizando-se por um dinamismo e adaptabilidade de acordo com o ambiente social e o ambiente profissional do indivíduo.

Tendo em vista essas considerações iniciais e o caráter eminentemente social do autoconceito, partimos do pressuposto que a prática esportiva fortalece no indivíduo um sentimento de pertença e a possibilidade de construir uma rede de relações sociais que acabam por influenciar de maneira significativa o seu autoconceito. Assim, o objetivo principal deste estudo foi investigar a valorização do autoconceito de atletas de voleibol de rendimento.

Metodologia

Sujeitos

O estudo foi desenvolvido com 31 atletas praticantes de voleibol de alto rendimento que faziam parte de três equipes: sendo uma da categoria adulta duas da categoria juvenil. Do número total de atletas, nove faziam parte da equipe masculina adulta, 12 da equipe feminina juvenil e 10 da equipe masculina juvenil. O critério de seleção da amostra foi as equipes participarem de campeonatos brasileiros e terem trabalho de acompanhamento psicológico.

Instrumento de medida

O instrumento utilizado para avaliar o autoconceito foi a Escala Fatorial de Autoconceito, validada por TAMAYO (1981). Tal instrumento, baseado na técnica do diferenciador semântico, é composto por 51 itens, com uma escala de sete pontos que avaliam as dimensões do autoconceito: a atitude social (a = 0,81), a receptividade social (a = 0,90), a segurança (α = 0,83), o autocontrole (α = 0,87), o "self" ético-moral (α =0,87) e o "self" somático (α = 0,83).

Procedimentos

Inicialmente os pesquisadores submeteram o projeto de pesquisa à apreciação do Comitê de Ética da Universidade Estadual de Maringá, o qual o aprovou pelo Parecer nº 108/2005. Posteriormente, todos os atletas adultos participantes assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecido, como condição necessária para a participação no estudo. No que diz respeito aos atletas juvenis, esse termo foi assinado pelos pais ou pela pessoa responsável. Na sequência, o instrumento foi aplicado de forma individual no local de treinamento dos atletas, após estes terem sido informados a respeito do objetivo da pesquisa.

Análise dos dados

Para análise dos dados foram utilizados os testes Kruskall-Wallis, para testar a hipótese nula de que as amostras independentes foram extraídas de populações com médias iguais, e o teste de comparação múltipla Dumn-Bonferroni, para verificar, nos casos em que houve diferença significativa, em quais pares de fatores estavam estas diferenças.

Resultados

Os resultados obtidos através da Escala Fatorial do Autoconceito demonstram a tendência realizadora dos atletas, as três equipes pesquisadas apresentaram escores elevados nas dimensões do "self", conforme se pode observar na FIGURA 2.


Os dados da FIGURA 2 demonstram que o fator "self" ético-moral apresentou escore superior aos demais (equipes masculina adulta e feminina juvenil), evidenciando que os atletas são preocupados com seus atos, e principalmente se preocupam em realizar atos positivos e de acordo com as normas sociais.

A comparação dos escores médios nas dimensões do autoconceito entre as três equipes de voleibol pode ser visualizada na TABELA 1.

Constatou-se que as três equipes comportaram-se de maneira semelhante quanto aos fatores do autoconceito, exceto o fator segurança, que mostrou diferença estatisticamente significativa de 0,004, ao nível de significância de p < 0,05.

O Teste Dumn-Bonferroni demonstrou que a diferença ocorreu entre as equipes juvenil feminina e juvenil masculina, sendo que o fator apresentou-se significativamente menor para a equipe feminina. Estes dados revelam o efeito da variável gênero sobre o fator segurança.

A análise estatística demonstrou que o fator ético-moral (TABELA 3) foi superior e diferenciou-se significativamente de todos os outros fatores nas equipes feminina juvenil e juvenil masculina (p < 0,05). Para a equipe masculina adulta, o fator ético-moral obteve escore semelhante ao dos fatores segurança e atitude social e significativamente superior aos demais fatores (p < 0,05).

Discussão

Como o organismo (atleta) tem uma tendência realizadora seletiva, prestando atenção naqueles aspectos do ambiente que pretendem levar a pessoa construtivamente na direção da realização. Parece que no contexto do esporte existe uma força motivadora, um impulso auto-realizador na busca de atingir objetivos e conseguir realizar metas. Nesse sentido, no contexto destes atletas (organismos) do voleibol, o motivo fundamental para melhorar evidenciou-se nas médias altas do "self" em todas as dimensões (FIGURA 2). Mostrando que a tendência realizadora, apesar de algumas vezes ser frustrada (com derrotas), não é capaz de destruir o organismo (atleta), ao contrário parece fortalecer, dando forças para superação do atleta, o qual busca assumir suas responsabilidades, agindo de maneira congruente, fazendo suas escolhas de acordo com suas metas.

Esta valorização do autoconceito está de acordo com a pesquisa de TAMAYO et al. (2001), que encontraram níveis similares de autoconceito entre indivíduos praticantes de atividade física quando comparados a indivíduos não praticantes. Recentemente, a revisão bibliográfica de SPENCE, MCGANNON e POON (2005) também demonstrou que uma mudança no preparo físico e o tipo de programa utilizado são capazes de gerar efeitos significativos sobre o autoconceito. Estes dados vêm ao encontro dos resultados apresentados na FIGURA 2, demonstrando que este fenômeno também prevaleceu nas equipes de voleibol, com o autoconceito valorizado entre os atletas.

Além disso, participar de um grupo com características específicas, como é o caso da equipe esportiva, possibilita ao indivíduo vivenciar o "sentimento de pertença", bem como de ter experiências que propiciam testar a realidade, fortalecendo seu "self" e propiciando um comportamento congruente, o que contribui para a construção de sua identidade, influenciando positivamente a construção do seu autoconceito. Estes resultados reiteram, portanto, a importância do esporte para a estruturação do "self".

Para ROGERS (1977), as condições em que as pessoas (atletas) se desenvolveram, as vezes desfavoráveis (com frustrações e derrotas) muitas vezes pode parecer deformadoras e quase inumanas (história de fracassos esportivos). Entretanto, o organismo (atleta) se realiza segundo as linhas determinadas pela hereditariedade (relacionada ao potencial genético, biotipo para aquela modalidade esportiva), o qual se forma mais diferenciado, autônomo e socializado à medida que amadurece. De acordo com a teoria do "self" esta tendência do crescimento humano para prosseguir, persistir e continuar é a única força na qual se pode confiar para conseguir se auto-realizar. Assim estes dados reforçam as colocações quando se observa que nas categorias adultas e feminino juvenil, os atletas estão preocupados com a questão ético-moral. Demonstrando que a prática esportiva contribui para a formação não apenas do atleta, mas sim do ser humano, influenciando nas percepções e valores auxiliando no desenvolvimento da moralidade, pois as regras do esporte e as atitudes do atleta perante os adversários podem ser transferidos para a vida na sociedade, tornando-se pessoas que seguem as normas sociais e vivem de acordo com o que é certo, ético, fortalecendo um "self" mais congruente.

Os resultados são concordantes com os de VIEIRA (1993), que comparou o desenvolvimento moral de adolescentes atletas e não atletas em dilemas morais da vida diária e da vida esportiva, evidenciando que os atletas transferem para a vida diária os aspectos do ambiente esportivo, como regras fixas, ênfase na disciplina e código de normas típicas, demonstrando que indivíduos-atletas percebem-se, em todos os aspectos de suas vidas, como pessoas dignas e honestas, cujas condutas se pautam em normas morais, estabelecidas socialmente.

Sobre essa influência do ambiente no autoconceito HARTER (1996), afirma que a construção do autoconceito baseia-se principalmente na percepção que o indivíduo tem a respeito do impacto que sua imagem exerce sobre as pessoas e do julgamento realizado por estas, acerca da interação social.

Por se tratar de atletas de voleibol de alto rendimento, que disputam competições nacionais, pode ser que a percepção que estes sujeitos tem a respeito de si próprio, estejam relacionados ao impacto que os mesmos tem sobre outros atletas e do julgamento ("feedback") recebido de outras pessoas (atletas, dirigentes, torcedores, amigos e familiares), participantes do seu contexto social.

As pesquisas que relacionam autoconceito e gênero, embora não apresentem resultados conclusivos, também têm apontado para uma possível distinção na natureza do conteúdo do autoconceito entre homens e mulheres, como os encontrados em nosso estudo (TABELA 1 e 2). HAHN (1979) e SABOROWSKI, ALFERMANN e WÜRTH (1999) também demonstraram que as mulheres têm menor nível de autoconfiança (segurança) nas suas capacidades, maior dependência afetiva em relação ao técnico e maior necessidade de "feedback" emocional e apoio social (fatores externos) do que os homens.

Para ROGERS (2002), a percepção que o indivíduo tem de si próprio ("self") terá influencia na satisfação de suas necessidades e consequentemente o comportamento será afetado. Embora existam muitas necessidades a tendência do organismo é de manter-se e de melhorar. Para tanto, os dados sugerem que o suporte do técnico e demais membros do grupo esportivo parece ser de fundamental importância para o gênero feminino. Para o "self" feminino, as experiências vividas pelo organismo no contexto do esporte, podem espelhar e fortalecer a congruência nas ações formando pessoas ajustadas e maduras, as quais podem funcionar de modo completo, fortalecendo o "self" "segurança".

Na teoria do "self" duas necessidades merecem especial atenção: a primeira é a necessidade de consideração positiva (se desenvolve no período do bebe de ser amado e cuidado), a segunda é a necessidade de auto-consideração, (se estabelece em fusão da consideração dos outros). Neste processo, para que as mulheres se sintam ajustadas e seguras, os dados observados na TABELA 2, demonstram uma necessidade maior das mulheres de receber "feedback" positivo dos outros (pessoas significativas do contexto esportivo e familiar), bem como de receber cuidado e afeto maior quando comparados com o gênero masculino. Apesar de todas as pessoas terem, de acordo com ROGERS (2002), basicamente as mesmas necessidades, incluindo a de ser aceito pelos outros, são as percepções distorcidas decorrentes das condições de valor que levam o indivíduo a se afastar da integração (congruência). Em relação a isso, o esporte em função dos nossos achados ("self" com altos valores) propicia aos indivíduos experiências de consideração positiva incondicional, mantendo ou reinstalando a congruência "self"-experiência.

JOSEPHS, MARKUS e TAFARODI (1992) encontraram resultados semelhantes, ressaltando que o autoconceito masculino está mais associado ao sentimento de autonomia, enquanto que o autoconceito feminino está mais relacionado à referência e "feedback" dos outros significativos.

Com uma amostra de estudantes universitários, TAMAYO (1986) também encontrou relação positiva entre gênero e autoconceito. Sua investigação demonstrou que os homens apresentaram níveis mais altos para as dimensões segurança (autoconfiança) e autocontrole, enquanto as mulheres apresentaram níveis mais elevados em relação ao "self" ético-moral. Entretanto, como demonstrou MACOBY e JACKIN (1974), os resultados que relacionam gênero e autoconceito não são conclusivos.

Estes estudos nos ajudam a compreender os dados que evidenciam um nível de segurança menor na equipe feminina juvenil quando comparada à equipe masculina juvenil, uma vez que a confiança em suas capacidades (segurança) depende mais de fatores externos (necessidade de auto-consideração) do que de fatores internos (consideração positiva).

Diversas pesquisas têm apontado que o fator mais influenciado pela prática esportiva é o fator somático. MARSH e REDMAYNE (1994) também afirmam que o aspecto físico do autoconceito pode ser mais afetado pelo exercício do que outros aspectos que o constituem. Entretanto, para a população pesquisada, o fator ético-moral apresentou altos níveis de valorização nas três equipes (TABELA 3).

Este grupo de atletas parece funcionar plenamente, exibindo um processo ou modo de vida em vez de uma meta (vencer), ou estado final (ser campeão). O esporte (voleibol) para este contexto evidenciou que os atletas estão vivendo a vida sobre três características apontadas por ROGERS (1977): Primeiro sem defender-se de nenhuma experiência, os atletas desenvolvem uma crescente abertura para a experiência (buscam vivenciar, reconhecer e expressar os sentimentos), os esportes coletivos parecem propiciar estas experiências; Segundo, os atletas tem uma vida cada vez mais existencial, não existe preconceito com a prática do esporte, nem críticas sobre o que se deve fazer ou ser, as escolhas são feitas pelo atleta no momento da competição, ninguém consegue interferir neste momento nas suas decisões, por isso vive plenamente cada momento competitivo; Terceiro, os atletas funcionam plenamente tendo uma crescente confiança no organismo, tomando as suas próprias decisões e confiando nelas.

É neste sentido que WEINBERG e GOULD (2001) afirmam que "o esporte favorece o desenvolvimento da moralidade a medida em que se constitui um espaço propício onde tais valores podem ser ensinados" (p.157).

Finalizando, o atleta parece ser livre para agir de acordo com suas inclinações (permanecer no contexto esportivo, abandonar o contexto esportivo, ou ainda trocar de contexto esportivo) porque pode aceitar as consequências das decisões tomadas e corrigi-las se não forem satisfatórias (treinamento esportivo).

Conclusão

Ao final desta investigação se constatou que as equipes juvenis masculina e feminina e a equipe masculina adulta de voleibol demonstraram altos níveis de autoconceito, reafirmando a influência positiva da prática esportiva regular sobre as dimensões do "self".

A comparação entre as equipes masculina e feminina também nos permitiu evidenciar diferenças de gênero quanto à valorização das diversas dimensões que compõem o autoconceito, visto que o escore do fator "segurança" da equipe feminina juvenil foi significativamente menor quando comparada à equipe masculina juvenil. Supõe-se que esta diferença se deva ao fato de que, para as mulheres, a confiança em suas capacidades (segurança) depende de fatores externos (necessidade de autoconsideração) e de fatores internos (consideração positiva).

Por fim, evidenciou-se que os atletas de voleibol de alto rendimento da cidade de Maringá - PR se auto-avaliam como indivíduos de condutas éticas, demonstrando a influência do esporte no desenvolvimento da moralidade. O sentimento de pertencer a um grupo socialmente valorizado (equipes que disputam campeonatos nacionais), com ênfase no código de normas típicas e na disciplina, parece ser o principal fator que leva os atletas a perceberem-se como sujeitos morais.

Concluindo, o esporte (voleibol) se evidenciou como um ambiente positivo na construção do autoconceito, predispondo o organismo (atleta) a experiências congruentes, as quais o influenciam a uma tendência realizadora na busca de atingir objetivos e conseguir realizar metas.

Neste sentido, devido à carência de estudos na área do esporte envolvendo autoconceito, sugere-se, para futuros estudos, a realização de pesquisas que considerem outras variáveis psicológicas e de desempenho esportivo e comparem equipes que contem suporte psicológico (como foi esta pesquisa) com equipes que não possuam tal suporte.

Referências

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Recebido para publicação: 21/03/2007

Revisado em: 11/11/2008

Aceito: 11/01/2010

CDD. 20.ed. 796.011

796.325

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  • Endereço
    Lenamar Fiorese Vieira
    Departamento de Educação Física
    Universidade Estadual de Maringá
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    87020-900 - Maringá - PR - BRASIL
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      11 Jan 2010
    • Revisado
      11 Nov 2008
    • Recebido
      21 Mar 2007
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