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Avaliação no Processo Ensino-Aprendizagem: uma Experiência Vivenciada

An Experience with Evaluation in the Teaching and Learning Process

Resumo:

A avaliação é fundamental no processo ensino-aprendizagem, pois fornece dados desse processo e permite prever objetivos, metodologia e conteúdo. Considerando a avaliação como um processo permanente da auto educação, este estudo objetivou avaliar como os alunos percebem sua participação no desenvolvimento do conteúdo teórico ministrado na área de ginecologia e identificar as dificuldades encontradas durante o processo educativo diário. O instrumento de coleta de dados foi um questionário aplicado diariamente. A maioria dos alunos classificou os recursos audiovisuais, clareza da exposição e desenvolvimento da aula, bem como a compreensão do conteúdo como ótimos. Consideraram-se motivados, e o professor-facilitador da aprendizagem pela objetividade e discussão crítica. Quanto à análise, as categorias emergidas foram duração do bloco teórico, considerada pequeno relacionamento professor aluno como fator de incentivo à aprendizagem; estratégica de ensino aprendizagem inovadora, comunicação adequada e avaliação diária importante. Considerou-se que os objetivos e os critérios da avaliação teórica permitiram aos alunos avaliar seu progresso, possibilitando adequar o ensino às suas necessidades, e o professor pode avaliar a efetividade de seu desempenho.

Palavra-chave:
Educação em Enfermagem; Avaliação; Ensino; Aprendizagem

Abstract:

Evaluation (grading) is crucial for the teaching and learning process since it provides data on the process and allows one to review course objectives, methodology, and content. Considering evolutions as a permanent process of self-education, this study aimed to evaluate how students perceive its role in the difficulties encountered during the daily educacional process. The data collection instrument was a questionnaire that was filled out daily by students. The majority of the students classified the audiovisual resources, clarity of exposure of the course content, development of the class itself and comprehension of the content as excellent. They saw both themselves and the professor-facilitator as motivated in the teaching-learning process, based on objectivity and critical discussion. As for their overall analysis, the following categories merged; duration of the theoretical section, which they considered too short; professor-student relationship as a learning incentive; innovative teaching-learning strategies; adequate communication, and importance of daily grading. They felt that objectives and criteria for grading on theoretical content allowed students to evaluate their own progress thus making it possible to adjust the teaching to their needs and enabling professors to evaluate the effectiveness of their own performance.

Key-words:
Education Nursing; Evolution; Teaching; Learning

INTRODUÇÃO

A preocupação com o desenvolvimento da área de Ginecologia, da Disciplina de Enfermagem Ginecológica, Obstétrica e Neonatal, em relação a fatores que ajudam ou dificultam a aprendizagem desencadeou a realização de uma avaliação dos alunos quanto ao desenvolvimento das atividades teóricas.

Na prática diária, vivencia-se um ensino centrado na figura do professor, em que as estratégias são, na maioria das vezes, repetitivas, tolhem a criatividade do aluno e dificultam um pensamento crítico.

Segundo Bordenave & Pereira11. Bordenave JD, Pereira MA. Planejamento sistêmico do ensino aprendizagem In: Bordenave JD, Pereira MA. Estratégias de ensino-aprendizagem. Petrópolis (RJ): Vozes 1989. p.71-120., a estratégia a ser utilizada vem após o estabelecimento do objetivo no processo ensino-aprendizagem. Com base nesse objetivo é que se define que profissional se deseja formar.

Para Stacciarini & Esperidião22. Stacciarini JMR, Esperidião E. Repensando estratégias de ensino no processo de aprendizagem. Rev Latinoam Enfermagem. 1999; 7(5): 59-66., algumas tentativas de inovação nas estratégias de ensino decorrem da visão e do compromisso do educador que defende um ensino crítico e libertador.

Tendo a preocupação com o ensino e partindo do conceito de que ensinar não é apenas transmitir determinado assunto, Bloom, Hastings & Madaus33. Bloom BS, Hastings JT, Madaus GF. Uma concepção de ensino In: Bloom BS, Hastings JT, Madaus GF Manual de avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. São Paulo: Pioneira, 1983. p.05-20. referem que a arte de ensinar consiste na análise de um produto final complexo em componentes que devem ser atingidos separadamente e em certa sequência. Ensinar o que quer que seja significa ter em mente o modelo final que se pretende atingir e, no mesmo tempo, concentrar-se num passo por vez, à medida que se progride em direção à meta.

Para Gonçalves44. Gonçalves EL. Pedagogia e didática: relações aplicações no ensino médico. Rev Bras Educ Méd 2001; 25 (1): 20-6., quando se fala em educação médica, o conceito fundamental de educação é geralmente visto como um conjunto de competências intelectuais e manuais que se devem adquirir e de qualidades morais que é preciso desenvolver ao longo de uma vida. Segundo o autor trata-se de um processo eminentemente humano, o que obriga a uma reflexão conceitual mais ampla do que habitualmente se faz. A educação consiste neste processo, que oferece ao educando orientações e elementos para que possa se realizar plenamente como ser humano.

A avaliação é considerada fundamental no processo ensino-aprendizagem, pois fornece dados deste processo e permite rever objetivos, metodologia e conteúdos.

Segundo Ferreira & Tavares55. Ferreira MLSM, Tavares MSG. A importância da auto-avaliação no ensino da enfermagem obstétrica. Hosp Adm Saúde 1994.18 (6): 317-8; 343-4., a avaliação é um feedback para o aprendiz e deve ser feita enquanto ocorre o aprendizado. O professor e o aluno são fontes básicas da didática e, desta maneira, o processo que envolve a avaliação deve ter a participação dos dois elementos. Sendo assim, Colotto66. Colotto CA. O processo de avaliação. In: Castro AO et al. Didática para a escola de 1° e 2° graus. 9a Ed. São Paulo: Pioneira , 1987 p.159-76.) considera que a avaliação não é atividade exclusiva do professor, mas a auto avaliação é necessária.

A postura dos educadores, em geral, no seu fazer pedagógico, requer uma auto avaliação da ação em termos de propriedade e adequação aos fins educacionais, no sentido de assumir a mediação que estabelece com o aluno, e não centrada na figura do professor22. Stacciarini JMR, Esperidião E. Repensando estratégias de ensino no processo de aprendizagem. Rev Latinoam Enfermagem. 1999; 7(5): 59-66..

A avaliação pode servir como meio de controle de qualidade do ensino. Por isso, ao falarem de competências profissionais, Bloom et al.33. Bloom BS, Hastings JT, Madaus GF. Uma concepção de ensino In: Bloom BS, Hastings JT, Madaus GF Manual de avaliação formativa e somativa do aprendizado escolar. São Paulo: Pioneira, 1983. p.05-20. consideram que o crescimento profissional do professor depende de sua habilidade em garantir evidências de avaliação, informações e materiais, a fim de que constantemente melhorem seu ensino e a aprendizagem do aluno. Segundo Chaves77. Chaves MM. avaliação da Educação Médica. Rev Bras Educ Med. 1998; 21(1):19-21., a avaliação é um instrumento valioso de ajuda no desempenho da missão de ensinar. Constitui-se em processos contínuos, entranhados no dia-a-dia. Ambos, professor e alunos, buscam a informação necessária, procurando responder o que se pode fazer para melhorar os resultados e como lidar com os problemas surgidos durante o processo ensino-aprendizagem. Moretto & Mansur88. Moretto R, Mansur OC. Ser professor: as múltiplas dimensões da docência. Rev Bras Educ Méd 2000; 24(2): 5-8. referem que, no processo de ensinar e aprender, os comportamentos estão intimamente relacionados, e as ações de um desencadeiam as do outro. Professor e aluno afetam-se mutuamente. Para os autores, aluno e professor vêm para a sala de aula com uma bagagem própria, ou seja, cada um traz consigo valores, interesses, necessidades e dificuldades. O que diferencia um do outro, segundo Moretto & Mansur88. Moretto R, Mansur OC. Ser professor: as múltiplas dimensões da docência. Rev Bras Educ Méd 2000; 24(2): 5-8., é que o professor é geralmente o desencadeador de um processo interpessoal, estimulando situações do tipo pergunta-resposta, problema-solução, exposição-discussão.

O que podemos observar na prática de ensino é que os alunos, como participantes desse processo interpessoal, podem atuar tanto quanto o professor, o que não implica um sentido único, direcional, do professor para o aluno, uma vez que o aluno também pode desencadear esse processo.

Segundo Moretto99. Moretto R. Objetivos da educação médica - Debate. Rev Bras Educ Méd 1998; 2(11):19-21., o encontro de professor e aluno no processo ensino-aprendizagem poderá representar uma situação de intercâmbio bastante proveitosa para ambos, na qual o conhecimento será construído em conjunto.

Chaves77. Chaves MM. avaliação da Educação Médica. Rev Bras Educ Med. 1998; 21(1):19-21. acredita que a avaliação, para ser real, deve ser desmistificada, distanciada do produto final que é a nota do aluno, para poder tomar-se um importante instrumento de desenvolvimento e de estímulo à auto-avaliação. Sob o nosso ponto de vista, uma vez realizada a avaliação tendo por meta o aprendizado do aluno, devemos apontar novos rumos, buscando obter um resultado satisfatório, que é o objetivo do processo ensino-aprendizagem. Os novos rumos visam atender as dificuldades apresentadas pelos alunos, possibilitando a recuperação, pois o objetivo final é a aquisição de competências.

Acreditamos que, no processo de aprendizagem, de nada vale o aluno receber uma nota muito baixa e não ter outra oportunidade de alcançar a compreensão da matéria estudada, com o estabelecimento de novas estratégias, mesmo que consiga aprovação na média das notas.

Nossa preocupação quanto ao conteúdo teórico se deveu, em princípio, ao fato de que um aluno tímido, com dificuldades de se expor, pode não formular perguntas, mesmo se estimulado. Observamos em nossa vivência como docentes que, muitas vezes, o aluno não suporta a ideia de se expor principalmente quando discorda do professor, porque teme uma punição e relaciona esse fato à nota. Assim, se for feita uma avaliação escrita e sem identificação, o aluno pode expressar fielmente sua opinião e realizar uma avaliação centrada nas dificuldades apresentadas.

A avaliação como um processo diário e permanente da auto educação visa atender todas as necessidades apresentadas pelos alunos na vigência das aulas.

Levando em conta as dificuldades que um aluno pode ter em se expor e reconhecendo a grande importância da avaliação no processo de ensino-aprendizagem, principalmente quando realizada durante as atividades de educação desenvolvidas, consideram-se relevantes para o aprendizado estudos que possam acrescentar novas estratégias de avaliação.

OBJETIVOS

  • "Avaliar como os alunos percebem sua participação no desenvolvimento do conteúdo teórico ministrado na área de ginecologia da Disciplina de Enfermagem Ginecológica, Obstétrica e Neonatal, do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu";

  • "Identificar quais as dificuldades encontradas durante o processo educativo, referidas nas avaliações realizadas diariamente".

METODOLOGIA

Procedimentos Metodológicos

Contexto do Estudo

Este estudo foi realizado na Unesp de Botucatu- Departamento de Enfermagem.

A disciplina de Enfermagem Ginecológica, Obstétrica e Neonatal tem carga horária de 150 horas teóricas. Deste total, 60 horas são destinadas ao desenvolvimento do conteúdo de ginecologia.

Participantes do Estudo

Participaram do estudo todos os alunos do 3° ano do curso de Graduação em Enfermagem (29 alunos), que cursaram o bloco teórico da Disciplina de Enfermagem Ginecológica, Obstétrica Neonatal, área de Ginecologia, em 2001, do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Medicina de Botucatu.

Procedimentos de Coleta de Dados e Aspectos Éticos

Esta pesquisa, atendendo aos procedimentos previstos na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, foi aprovada pelo Comitê de Ética em pesquisa da instituição em que foi desenvolvida.

Após a concordância da participação, os alunos assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.

A coleta de dados foi realizada em dois momentos. Ao final de cada atividade teórica diária, foi aplicado um questionário com perguntas abertas e fechadas. O número de avaliações diárias esteve relacionado ao número de alunos presentes na aula e que realizaram a avaliação.

O questionário avalia os seguintes elementos:

  • recursos audiovisuais;

  • clareza da exposição;

  • compreensão do conteúdo (experiência);

  • motivação para participar da aula (espontânea e induzida);

  • dificuldades encontradas;

  • professor enquanto facilitador da aprendizagem.

Ao final das atividades desenvolvidas, solicitou-se aos alunos que avaliassem de maneira descritiva todas as aulas ministradas, ou seja, o bloco teórico de ginecologia. Essa avaliação constituiu o segundo momento de coleta de dados.

ANÁLISE DOS RESULTADOS

A análise dos resultados foi realizada em dois momentos, por haver no questionário perguntas abertas e fechadas. Inicialmente, os resultados foram analisados descritivamente, expressos em valores numéricos absolutos e relativos; num segundo momento, as perguntas abertas foram analisadas através da técnica de análise de conteúdo.

A análise de conteúdo, de acordo com Bardin1010. Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Persona; 1977., é uma técnica que consiste em apurar descrições de conteúdo muito aproximadas, subjetivas, e tem a finalidade de pôr em evidência, com objetividade, a natureza e as forças relativas dos estímulos a que o sujeito é submetido.

A técnica consiste, primeiramente, em realizar uma pré-análise, que possibilita um primeiro contato com os documentos a serem analisados. No presente estudo, as descrições dos alunos sobre a avaliação do conteúdo de Ginecologia foram os documentos de análise. Em seguida, os elementos do texto foram classificados num sistema de categorias e interpretados através da análise temática.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados foram analisados quantitativamente, sendo tabuladas as perguntas fechadas do questionário. As perguntas abertas, juntamente com a obtenção das descrições da avaliação geral, foram analisadas pela técnica da análise do conteúdo proposta por Bardin1010. Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Persona; 1977., em que as categorias elaboradas emergiram da descrição dos registros dos alunos. Os resultados são apresentados inicialmente com a tabulação dos dados das perguntas fechadas.

Recursos Audiovisuais

A primeira questão buscou uma avaliação do aluno quanto aos recursos audiovisuais utilizados em aula. A Tabela 1 mostra que a maioria das avaliações (59,8%) classifica como "ótimos" os recursos audiovisuais utilizados no desenvolvimento das atividades teóricas; em segundo lugar (37,3%), aparece a referência "bom". Foram utilizados como recursos audiovisuais: data show, fitas de vídeo, materiais ilustrativos de técnicas como mama de silicone, pelve feminina e kit para coleta de Papanicolau. Nas classificações “ótimo" e "bom", as justificativas, quando abordadas, estiveram relacionadas à compreensão do conteúdo: letras legíveis, esquemas claros, figuras propiciam maior entendimento sobre as várias patologias. Quanto aos materiais didáticos utilizados, os alunos referiram que foi possível maior entendimento. Em três avaliações (2,9%), a classificação atribuída foi ´regular ´. Nessas avaliações, foram mencionadas dificuldades na leitura de algumas transparências utilizadas na data show.

Tabela 1
Distribuição das frequências das avaliações discentes segundo o recurso audiovisual utilizado nas atividades teóricas de ensino

Clareza na Abordagem do Tema

A Tabela 2 apresenta a classificação obtida com relação à clareza na abordagem do conteúdo ministrado e ao desenvolvimento das atividades teóricas. Foi obtida, em sua maioria, a classificação "ótimo" (62,8%); a indicação “bom” representou 34,3 %. O conteúdo foi abordado com uso de diferentes estratégias de ensino, dentre elas a aula expositiva, grupos de discussões após leitura de artigos relacionados à temática em estudo e seminários. Em três avaliações a clareza nas exposições foi classificada como "regular", devido à incompreensão do conteúdo abordado.

Tabela 2
Distribuição das frequências das avaliações discentes segundo a clareza da exposição e desenvolvimento das atividades teóricas de ensino

Compreensão do Conteúdo

A compreensão do conteúdo se refere ao entendimento e à participação nas discussões realizadas no desenvolvimento teórico de Ginecologia. Neste item, a maioria das avaliações foi "ótimo" (55,0%) e "bom" (42,1%); o conceito “regular” aparece apenas em três avaliações (Tabela 3). Nestas, o conteúdo foi abordado novamente, e a estratégica de apresentação foi modificada, contando com maior participação dos alunos.

Tabela 3. Distribuição
das frequências das avaliações discentes segundo a compreensão do conteúdo das atividades teóricas de ensino

Motivação Intrínseca e Externa

Quase a totalidade dos alunos (97,0%) respondeu que estava motivada a participar das atividades teóricas desenvolvidas, encontrando motivação no professor e colegas de classe (Tabela 4). Apenas três alunos (2,9%) em alguma atividade não se sentiram motivados, como também não encontraram motivação externa. As justificativas da motivação ou desmotivação foram descritas pelos alunos e analisadas qualitativamente.

TABELA 4
Distribuição das frequências das avaliações discentes segundo a motivação (intrínseca e externa) para participação das atividades teóricas de ensino.

Necessidades de Rever ou Conhecer Assuntos Não Abordados

Quanto ao conteúdo ministrado, em 12 avaliações (11,8%) os alunos apontaram alguns assuntos que precisavam ser revistos para a sua compreensão, e outros que poderiam ser abordados, devido ao interesse (Tabela 5).Uma grande maioria (88,2%) referiu que não havia necessidades de revisão ou assuntos a serem abordados no desenvolvimento do conteúdo teórico de Ginecologia. Os conteúdos que geram dúvidas em seu desenvolvimento foram retomados, e foram incluídos assuntos de interesse dos alunos que a princípio não estavam previstos no programa da disciplina.

Tabela 5
Distribuição das frequências das avaliações discentes segundo a necessidade de rever as atividades teóricas de ensino

Agente Facilitador da Aprendizagem

Na maioria das avaliações, os alunos referiram considerar a professora um elemento facilitador da aprendizagem (Tabela 6). Dentre os discentes, dois alunos (2%) reportaram não considerar o docente como agente facilitador no processo ensino-aprendizagem. Essas avaliações estiveram relacionadas às aulas que, na opinião de 12 alunos, precisavam ser retomadas para esclarecimento de dúvidas.

TABELA 6
Distribuição das frequências das avaliações discentes segundo a papel de facilitadora da aprendizagem exercida pela professora nas atividades teóricas de ensino.

AVALIAÇÃO GERAL

Neste segundo momento da análise dos resultados, procede-se ao exame das perguntas abertas, através das descrições dos alunos, utilizando-se a técnica da análise de conteúdo proposta por Bardin1010. Bardin L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Persona; 1977..

Com base nas descrições dos alunos sobre a avaliação geral de Ginecologia, foi possível obter as seguintes categorias: duração do bloco teórico na área de ginecologia, relacionamento professor-aluno, estratégias de ensino, conteúdo básico de ginecologia e vivência pessoal, comunicação e avaliação diária.

A - Duração do Bloco Teórico e Área de Ginecologia

Em muitas avaliações, os alunos consideram pequena a carga horária da área de ginecologia. “Lamento o curto espaço de tempo dedicado a essa especialidade”; "Poderíamos ver mais assuntos"; "Se houvesse um número maior de horas, as aulas poderiam ser mais espaçadas e assim poderíamos estudar mais no intervalo entre uma aula e outra". Como o programa da disciplina é elaborado com base no currículo mínimo, e a especialidade é ministrada num curso de formação de enfermeiro generalista e não especialista, o conteúdo extenso não é viabilizado.

O conteúdo abordado pela área de ginecologia foi citado em muitas avaliações como responsável pela motivação. Como a maioria dos alunos é constituída por mulheres, percebemos que há uma identificação com os assuntos abordados: "Pelo fato de ser um assunto de interesse de todas as mulheres" e "Quero conhecer mais o universo da mulher e entender nosso corpo”; “A ginecologia traz assuntos de interesse de todas as mulheres".

B - Relacionamento Professor-Aluno

Com base nesta categoria, quando há um bom relacionamento, o professor cria condições facilitadoras para que o aluno aprenda, estimula sua curiosidade, motiva o aluno a comparecer em todas as atividades realizadas, respeitando seu ponto de vista e criando oportunidades para sua participação ativa no programa de ensino.

O relacionamento professor-aluno foi visto pela maioria dos discentes como fator fundamental no processo ensino· aprendizagem, segundo os relatos: "Professora é uma pessoa extremamente acessível, por isso facilita o aprendizado"; "A conversa com os alunos é um fator de incentivo à aprendizagem"; "A atenção da professora é um incentivo para estudar". Segundo Haddad et al.1111. Haddad MCL et al. Enfermagem médico-cirúrgica: uma nova abordagem de ensino avaliação pelo aluno. Rev Latinoam Enfermagem 1993;2: 97-112. ensinar é facilitar a aprendizagem, criando condições para que o outro, a partir dele próprio, cresça. Colocam ênfase nas relações interpessoais e no crescimento pessoal que delas resultam.

O saber deve ser construído sob forma processual, na qual professor e aluno assumem posições diferentes, mas ocupem o mesmo nível na relação instituída, ou seja, juntos possam produzir o conhecimento (22. Stacciarini JMR, Esperidião E. Repensando estratégias de ensino no processo de aprendizagem. Rev Latinoam Enfermagem. 1999; 7(5): 59-66..

C-Estratégias de Ensino-Aprendizagem

A metodologia de ensino desenvolvida pela professora foi considerada pelos alunos como a "essência" do processo ensino-aprendizagem: “Apresentou uma grande variedade de métodos educativos"; "Os materiais educativos utilizados em aula facilitam a compreensão"; "Pude entender o exame de toque Papanicolau, através dos materiais educativos que a professora trouxe na aula".

Nessa categoria, a percepção do aluno esteve relacionada com a motivação para participação da aula: "Fiquei motivada pelo material que a professora trouxe, pois dá para ver claramente como pode se fazer um toque”; “Há motivação, pois a aula não é estressante, é tranquila"; "Houve muitas perguntasse discussões isso foi muito importante"; "O material ilustrativo prende a atenção, faz a aula mais interessante".

As estratégias utilizadas nas aulas são de responsabilidade do professor, e em sua escolha devem ser empregados recursos que prendam a atenção do aluno.

Almeida1212. Almeida MCS. Tendências pedagógicas na formação do enfermeiro na Paraíba [dissertação] João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba,1992. acredita que, embora os currículos e planos de enfermagem continuem tradicionais, os professores estão avançando em direção a uma prática mais coerente com a realidade atual. Nesse avanço, utilizam uma variedade de estratégias e procuram por inovações para facilitarem a aprendizagem.

D- Conteúdo Básico de Ginecologia e Vivências Pessoais

O programa da disciplina - área de ginecologia- inclui em sua carga horária conteúdos que pertencem à tríade de sintomas da especialidade - dor, hemorragia e corrimento-, a serem ministrados para enfermeiros generalistas, abordando sua prevenção e tratamento.

Os alunos, muitas vezes, têm expectativas quanto a determinados assuntos que nem sempre são abordados, mas conseguem avaliar o resultado como satisfatório: “Creio que aprendi o básico de ginecologia". Muitas vezes, relacionam esse conteúdo teórico abordado à prática: "Assunto extenso, creio que iremos contemplar com a prática”; “Acredito que a aplicação do conteúdo aprendido vai ser tranquila".

Por tratar de patologias do organismo feminino, muitas vezes, há a identificação de um problema pessoal, que confere à disciplina uma relação com a vivência pessoal. Os relatos evidenciam essa questão como motivação para a aula: " Estava muito motivada, porque estou com caso de câncer de mama na família"; "Encontrei motivação para participar da aula para aprender mais, pois retirei um nódulo de mama este ano"; “Sempre tive problemas de corrimentos, essa aula para mim foi muito importante”.

Com relação ao conteúdo, Libânico1313. Libâneo JC. Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, 1985./,1414. Libâneo JC Didática. São Paulo: Cortez, 1991.) ressalta que é necessário resgatar os conteúdos no processo de ensino , como forma de instrumentalização dos educandos , tendo em vista o exercício da cidadania .Assim , o conteúdo deixa de ser um fim em si mesmo para constituir um meio de transformação social .

E- Comunicação

Características que apontam facilidade na comunicação por parte da professora foram um fator considerado facilitador da aprendizagem: "A professora trata do conteúdo de maneira fácil, sempre propiciando a discussão"; "A maneira tranquila para abordar e discutir os assuntos fica fácil de entender"; "Acredito que a comunicação foi eficaz devido à troca entre aluno-professor".

A comunicação, segundo Stacciarini & Esperidião22. Stacciarini JMR, Esperidião E. Repensando estratégias de ensino no processo de aprendizagem. Rev Latinoam Enfermagem. 1999; 7(5): 59-66.) se efetiva em mão única, mas tem um caráter interativo, com ação recíproca, havendo uma troca na qual professor e aluno são agentes ativos.

Para lsaacs1515. Isaacs LG. EI efecto de enseñar las destrezas de pensamiento crítico en un curso introductoria de enfermería. Rev Latinoam Enfermagem 1994; 2(2): 115-27., o educador de enfermagem deve refletir sobre aspectos que visam desenvolver o pensamento crítico dos alunos. Enfatiza que o processo dinâmico de perguntar, raciocinar, questionar os postulados contribui para o desenvolvimento da forma de pensar.

A discussão do conteúdo abordado em sala de aula em seu contexto sociopolítico e econômico propicia ao aluno inteirar-se da situação atual e opinar sobre essa situação, adquirindo uma posição crítica. Para Dantas et al1616. Dantas F et al. Avaliação quali-quantitativa das disciplinas curriculares: a experiência da Universidade Federal de Uberlândia. Rev Bras Educ Méd 2001; 25 (1): 27-35., uma das distorções no aprendizado no ensino tradicional consiste em que o aluno não assume uma postura crítica, aceita passivamente as informações. Com isso, os problemas inerentes a deficiências técnicas, postura ética inadequada e limitações pessoais do professor seriam transmitidos, e os alunos os acatariam sem maiores críticas, o que influenciaria negativamente sua formação acadêmica.

F - Avaliação Diária

A avaliação por escrito ao final de cada aula ministrada foi vista pelos alunos como positiva: “A avaliação diária é interessante, pois, se temos vergonha de perguntar nas aulas, podemos escrever as dúvidas, fica mais fácil"; "é importante, pois estimula a prestar atenção para ver o que entendeu e o que não entendeu"; "Mostra uma preocupação do professor com nossa opinião e aprendizado"; "Podemos contribuir para melhorar"; "Participamos da elaboração e forma de aula".

Admitir o conhecimento como algo inacabado e processual, no entender de Torezan1717. Torezan MT. Processo ensino aprendizagem: concepções reveladas por professores de 1° grau na discussão de problemas educacionais. Psicol Teoria e Pesquisa 1994; 10 (3):383-91. significa não compreender o ensino como uma sequência de ações padronizadas com a finalidade de transmitir informações. O conteúdo deve ser dinamizado e reavaliado frequentemente.

Segundo Viana el al.1818. Viana MRA et al. A pós-graduação da Faculdade de Medicina da UFMG: avaliação do programa teórico pelos egressos. Rev Bras Educ Méd 2001; 25 (1):62-70.) a avaliação é considerada fundamental no processo ensino-aprendizagem, pois fornece dados do processo de ensino e permite rever objetivos, metodologia e conteúdo. No entanto, os autores acreditam que, apesar da importância da avaliação, tanto os avaliados como os que deveriam avaliar frequentemente se furtam a esse procedimento.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo realizado enfatiza a importância das estratégias de ensino e avaliação no processo de aprendizagem. Os alunos valorizaram a avaliação realizada durante o desenvolvimento do bloco teórico e reconheceram que a relação professor-aluno tem influência direta no aprendizado.

Na relação professor-aluno, entendemos que cada um deva ser considerado com suas bagagens e potencialidades; devem estar envolvidos no processo para que a aprendizagem ocorra num clima harmonioso, permeável a trocas e que propicie desenvolvimento da capacidade de análise e crítica acerca do contexto sociopolítico no qual a saúde está situada. Acreditamos que o docente deve buscar diferentes estratégias de ensino e avaliação, visando extrapolar o simples repassar de conhecimentos, despertando uma consciência crítica no aluno, que possivelmente ajudará a alicerçar uma nova enfermagem.

A avaliação diária foi considerada pelos alunos como um momento de reflexão, possibilitando que percebessem suas necessidades e a importância de sua participação, assumindo as responsabilidades no processo ensino-aprendizagem. Os alunos se sentiram responsáveis por seu aprendizado juntamente com o professor. Conforme a disciplina ia se desenvolvendo, a participação dos alunos era crescente. Eles não estavam simplesmente presentes, mas se envolviam no processo ensino-aprendizagem como elementos significativos no desenrolar desse processo.

Acreditamos que a formação do profissional da área da saúde deve privilegiar situações de aprendizagem que promovam atitudes criativas, críticas e transformadoras, para que possam ser profissionais criativos, críticos e transformadores da realidade onde se encontram seus pacientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2003

Histórico

  • Recebido
    13 Nov 2001
  • Revisado
    14 Ago 2002
  • Aceito
    18 Out 2003
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