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Auto-avaliação e avaliação por pares: estratégias para o desenvolvimento profissional do médico

Self and peer assessment: strategies for the professional development of the physician

Resumos

Muitos estudos recentes incluem a auto-avaliação e a avaliação feita por pares na nota final do aluno em estágio clínico. Por muito tempo as avaliações dos estudantes de Medicina têm sido feitas exclusivamente pelos professores de forma subjetiva. Entretanto, a avaliação dos pares tem sido apontada como um bom indicador do futuro desempenho profissional, sendo considerada consistente e confiável, fornecendo informações que não poderiam ser medidas pelos métodos tradicionais. De forma complementar, a auto-avaliação também contribui para o processo de aprendizagem contínua, pois auxilia os alunos a identificarem seus pontos fortes e fracos. Embora nenhum desses dois métodos de avaliação seja rotineiramente ensinado durante o curso, esse exercício é uma valiosa intervenção para o desenvolvimento e habilitação profissional do médico. Dessa forma, as escolas médicas deveriam ajudar os alunos a compreender os princípios básicos dessas estratégias educacionais, oferecendo treinamento adequado e apoio institucional, incluindo a confidencialidade das informações.

Auto-Avaliação; Aprendizagem; Comissão de Avaliação de Exercício Profissional


Many recent studies include self- and peer-assessment of medical students as a component in the final clerkship grades. For a long time the evaluation of the medical student depended exclusively on subjective faculty assessment. However, peer ratings have been pointed out as a good predictor of future professional performance. These ratings are consistent, reliable and provide information that is not measured by other traditional methods. Besides, self-assessment contributes to continued education and lifelong learning by helping students identify their own strengths and weaknesses. Although self- and peer-assessment are not routinely taught during the medical course this exercise represents a valuable intervention towards the professional development of the physician. Medical schools should therefore help students understand the basic principles of these educational strategies by offering appropriate training and institutional support including confidentialit y of information.

Self-assessment; Learnig; Peer Reviews


ENSAIO

Auto-avaliação e avaliação por pares – estratégias para o desenvolvimento profissional do médico

Self and peer assessment – strategies for the professional development of the physician

Rosângela Curvo Leite DominguesI; Eliana AmaralII; Angélica Maria Bicudo ZeferinoIII

IDepartamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Campinas, Campinas,Brasil

IIDepartamento de Tocoginecologia, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Campinas, Campinas,Brasil

IIIDepartamento de Pediatria, Faculdade de Ciências Médicas, Universidade de Campinas,Campinas, Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Rosângela Curvo Leite Domingues Rua Luciano Venere Decourt, 858 – Cidade Universitária 13083-740 – Campinas – SP e-mail: rosangela@cpdec.com.br

RESUMO

Muitos estudos recentes incluem a auto-avaliação e a avaliação feita por pares na nota final do aluno em estágio clínico. Por muito tempo as avaliações dos estudantes de Medicina têm sido feitas exclusivamente pelos professores de forma subjetiva. Entretanto, a avaliação dos pares tem sido apontada como um bom indicador do futuro desempenho profissional, sendo considerada consistente e confiável, fornecendo informações que não poderiam ser medidas pelos métodos tradicionais. De forma complementar, a auto-avaliação também contribui para o processo de aprendizagem contínua, pois auxilia os alunos a identificarem seus pontos fortes e fracos. Embora nenhum desses dois métodos de avaliação seja rotineiramente ensinado durante o curso, esse exercício é uma valiosa intervenção para o desenvolvimento e habilitação profissional do médico. Dessa forma, as escolas médicas deveriam ajudar os alunos a compreender os princípios básicos dessas estratégias educacionais, oferecendo treinamento adequado e apoio institucional, incluindo a confidencialidade das informações.

Palavras-chave: Auto-Avaliação; Aprendizagem; Comissão de Avaliação de Exercício Profissional.

ABSTRACT

Many recent studies include self- and peer-assessment of medical students as a component in the final clerkship grades. For a long time the evaluation of the medical student depended exclusively on subjective faculty assessment. However, peer ratings have been pointed out as a good predictor of future professional performance. These ratings are consistent, reliable and provide information that is not measured by other traditional methods. Besides, self-assessment contributes to continued education and lifelong learning by helping students identify their own strengths and weaknesses. Although self- and peer-assessment are not routinely taught during the medical course this exercise represents a valuable intervention towards the professional development of the physician. Medical schools should therefore help students understand the basic principles of these educational strategies by offering appropriate training and institutional support including confidentialit y of information.

Key-words: Self-assessment; Learnig; Peer Reviews.

Os currículos mais atualizados na área de saúde visam preparar não apenas médicos qualificados, mas também alunos autônomos, capazes de atuar em ambientes complexos e dinâmicos e de lidar com a crescente quantidade de informações e situações profissionais a que estão expostos1,2. A escola médica deve engajar os alunos em um processo contínuo de aprendizagem, no qual habilidades reflexivas, analíticas e de automonitoramento são fundamentais3.

Ao longo dos anos, a avaliação em educação médica tem sido uma responsabilidade essencialmente do corpo docente. No entanto, na perspectiva de capacitar médicos para desenvolvimento contínuo e atuação em equipes, há uma crescente tendência de responsabilização dos estudantes, incluindo o papel de agentes de sua própria avaliação e da avaliação de seus pares4. Os educadores têm buscado dados colhidos de múltiplas fontes, criando um "círculo completo" de avaliadores, que inclui professores, colegas, enfermeiros, outros profissionais e pacientes, além do próprio aluno5-7.

A auto-avaliação representa uma estratégia de ensino importante que prepara o aluno para repensar os resultados de suas próprias ações profissionais; refletir sobre o que aprendeu; avaliar como tal aprendizado o preparou para realizar as tarefas esperadas; perceber suas necessidades individuais de aprendizagem; elaborar um plano coerente para lidar com suas dificuldades; comparar os novos resultados com os anteriores e revisar e atualizar seu plano de aprendizado3,8. Essa habilidade de identificar valores e atitudes pessoais, reconhecendo os próprios pontos fortes e fracos, pode ser desenvolvida, aperfeiçoada e modificada pela educação, sendo considerada essencial para a manutenção e melhoria da proficiência médica, para o bom relacionamento com pacientes e colegas, e para o desenvolvimento da identidade profissional3,5,9,10.

No entanto, apesar de sua reconhecida importância no processo de aprendizagem contínua dos profissionais da área de saúde, a auto-avaliação tem sido negligenciada11. Em parte, isso ocorre porque nem os docentes e nem os alunos parecem estar adequadamente preparados para a transição entre a abordagem de avaliação centrada no professor e a centrada no aluno. Parece que o momento ideal para essa transição é quando os alunos iniciam o estágio clínico do curso médico, pois eles começam a adquirir experiência em cuidar dos pacientes e podem usar esses encontros como guia de avaliação de seus próprios conhecimentos e habilidades. Uma vez conscientes de suas dificuldades, eles poderão decidir como irão usar o tempo limitado que possuem para atividades de autoaprendizagem12. Atividades de preparação quando os alunos vão iniciar o estágio clínico, facilitando o desenvolvimento de seu autoconhecimento e encorajando-os a aprender a partir de seus erros, são estratégias pedagógicas que devem ser incorporadas aos currículos médicos3.

Diversos autores defendem o uso da auto-avaliação em conjunto com a avaliação feita por pares e professores4,6,13-16. A comparação entre esses dois métodos de avaliação fornece aos educadores informações úteis para o desenvolvimento e planejamento do currículo e para a revisão da metodologia adotada, além de estimular a discussão e o feedback 5,17.

A avaliação pelos colegas talvez seja o método informal mais usado pelos médicos13. A Abim (American Board of Internal Medicine) incorporou a avaliação feita por pares no processo de recertificação de profissionais e no treinamento de futuros profissionais5,18. Como os docentes não estão presentes 100% do tempo, eles podem perder informações importantes a respeito do desempenho do aluno. Por isso, ouvir a perspectiva de colegas com quem o aluno convive por um longo período de tempo e em diferentes situações pode levar a mudanças positivas de comportamento, especialmente no que se refere à competência humanista6,19-22. Entretanto, o conceito dado pelos colegas pode sofrer o chamado "efeito halo", isto é, pode ser influenciado mais pelas impressões gerais que o avaliador tem do avaliado do que pelo desempenho do mesmo. Sabe-se, porém, que esse efeito pode ser reduzido quando se tem uma amostra adequada de avaliadores, dados confidenciais e um instrumento estruturado21,23.

CONCLUSÃO

A capacitação do aluno para ser agente atuante em seu desenvolvimento profissional é uma questão central da educação médica. Neste contexto, tanto a auto-avaliação quanto a avaliação feita por pares parecem ser métodos promissores. No entanto, é preciso compreender a relutância dos alunos em avaliarem seus pares e a si mesmos e desenvolver programas que preparem alunos e professores para realizarem avaliações de forma consciente e construtiva, criando paralelamente um ambiente propício e seguro de avaliação. Deve-se acompanhar a auto-avaliação do aluno ao longo do curso, comparando-a com as avaliações que ele recebe dos colegas e docentes. Cabe, então, às escolas médicas se mobilizarem e criarem condições adequadas para que estudantes e docentes consigam criar uma nova cultura de avaliação, como instrumento de aprendizado e crescimento profissional. Para tanto, a auto-avaliação e a avaliação pelos pares precisam ser integradas no conjunto de instrumentos necessários ao desenvolvimento do profissional médico.

Recebido em: 18/07/2006

Aprovado em: 14/03/2007

Conflito de Interesse. Declarou não haver.

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  • Endereço para correspondência:

    Rosângela Curvo Leite Domingues
    Rua Luciano Venere Decourt, 858 – Cidade Universitária
    13083-740 – Campinas – SP
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2007
    • Data do Fascículo
      Ago 2007

    Histórico

    • Aceito
      14 Mar 2007
    • Recebido
      18 Jul 2006
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