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Adaptações e repercussões nas vivências em escola de ensino híbrido durante a pandemia por Sars-CoV-2

Resumo:

Introdução:

A pandemia ocasionada pelo vírus Sars-CoV-2 acelerou uma revolução educacional que repercutiu na assistência à saúde e no ensino médico, e gerou algumas inseguranças e incertezas. O artigo relata a experiência do Centro Universitário Christus (Unichristus) quanto às modificações ocorridas nos cenários práticos de vivências clínicas durante o período do primeiro semestre de 2020, marcado pelo distanciamento social.

Relato de Experiência:

Os atendimentos na Clínica Escola de Saúde (CES) foram suspensos, e os hospitais conveniados passaram a não receber alunos, inviabilizando os cenários de vivência, resultando no início de um projeto caracterizado por atendimento a pacientes com infecção por coronavírus por meio da telemedicina. Havia a participação presencial de equipe de enfermagem, enquanto os alunos do oitavo semestre do curso de Medicina presenciavam a consulta por meio de compartilhamento da tela pelo programa Google Meet®. Após concluída a consulta, havia uma discussão sobre o caso e outros aspectos relevantes, de maneira similar ao que ocorreria em ambiente de vivência. Em paralelo ao projeto, os estudantes também assistiam a aulas expositivas que abordavam aspectos da doença desde o nível primário até o terciário de saúde.

Discussão:

De acordo com a tendência mundial, houve atendimento e ensino por um meio flexível, inovador, acessível e seguro, o gerou oportunidade de desenvolvimento profissional e inovações no ensino médico. A experiência com a telemedicina pode ser complementada por um e-learning, possibilitando o desenvolvimento de um novo modelo de ensino híbrido.

Conclusão:

A circunstância atual talvez promova alguma perda educacional, como a impossibilidade de se treinar exame físico e de interagir melhor com a equipe de saúde e com os pacientes, entretanto os recursos tecnológicos podem gerar oportunidades para mudanças, aprimoramento e desenvolvimento de metodologias de ensino, em concordância com a geração atual de nativos digitais.

Palavras-chave:
Educação Médica; Infecção por Coronavírus; Telemedicina

Abstract:

Introduction:

The pandemic caused by the SARS-CoV-2 virus has accelerated an educational revolution, with implications for health care and medical education, generating some insecurities and uncertainties. The article reports the experience of Centro Universitário Christus (Unichristus) about the changes that occurred in the practical scenarios of clinical experiences during the first semester of 2020, marked by social distancing.

Experience Report:

The services at Clínica Escola de Saúde (CES) were suspended and the associated hospitals stopped receiving students, making the experience of real-life scenarios unfeasible, resulting in the beginning of a project characterized by care of patients with coronavirus infection through telemedicine. The face-to-face nursing team’s participation occurred concomitantly, while students attending the eighth semester of the medical course were present at the consultation through screen sharing using the Google Meet® program. After the consultation was concluded, there was a discussion about the case and other relevant aspects, similarly to what would happen with a face-to-face experience. In parallel with the project, students also attended lectures that addressed aspects of the disease from primary to tertiary level of health care.

Discussion:

Patients received care and students were taught through a flexible, innovative, accessible and safe media, following a worldwide trend, generating opportunities for professional development and innovations in medical education. The experience with telemedicine can be complemented by e-learning, allowing the development of a new hybrid teaching model.

Conclusion:

The current circumstances may result in some educational loss, such as the impossibility to perform physical examinations and to interact better with the health care team and patients; however the technological resources can result in opportunities for changes, improvement and development of teaching methodologies, in line with the current generation of digital natives.

Keywords:
Medical Education; Coronavirus Infections; Telemedicine

INTRODUÇÃO

Desde março de 2020, a partir do momento em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou a pandemia da síndrome respiratória aguda grave do coronavírus 2 (severe acute respiratory syndrome coronavirus 2 - Sars-CoV-2), o mundo sofre uma intensa revolução. Até julho de 2020, houve 15.012.731 casos confirmados em todo o mundo, contabilizando 619.150 óbitos11. World Health Organization. Coronavirus disease 2019 (Covid-19): Situation Report - 185. WHO; 2020 [access in 23 jul 2020]. Available from: Available from: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200723-covid-19-sitrep-185.pdf?sfvrsn=9395b7bf_2 .
https://www.who.int/docs/default-source/...
. Durante o mesmo período, no Brasil, foram confirmados mais de dois milhões de casos, sendo o estado do Ceará um dos locais de maiores incidências22. Brasil. Painel Coronavírus. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde; 2020 [access in 23 jul 2020]. Available from: Available from: https://covid.saude.gov.br/ .
https://covid.saude.gov.br/...
. Essa situação provocou a publicação de um decreto que determinou o fechamento de atividades não essenciais ligadas ao comércio, bem como das instituições de ensino públicas e privadas33. Ceará. Decreto nº 33.519, de 19 de março de 2020. Intensifica as medidas para o enfrentamento da infecção humana pelo novo coronavírus. Diário Oficial do Estado; 19 mar 2020. Série 3, ano XII, nº 056, p. 1-2..

Atendimentos eletivos foram amplamente suspensos durante o período, estimulando a utilização de atendimento remoto, mesmo que na ausência de experiência devida44. Helou S, El Helou E, Abou-Khalil V, Wakim J, El Helou J, Daher A, et al. The effect of the Covid-19 pandemic on physicians’ use and perception of telehealth: the case of Lebanon. Int J Environ Res Public Health. 2020; 17(13): 4866. doi: 10.3390/ijerph17134866..
https://doi.org/10.3390/ijerph17134866...
. No Brasil, o sistema público de saúde foi direcionado quase que totalmente para o combate à infecção por coronavírus, repercutindo diretamente no ensino médico, seja para alunos do internato ou da residência médica55. Carvalho VO, Conceição LSR, Gois Jr MB. Covid-19 pandemic: beyond medical education in Brazil. J Card Surg. 2020 June 12;35(6):1170-1..

Com essa mudança, não houve acesso aos principais cenários de aprendizagem: sala de aula, laboratórios, centros de simulação, comunidade, hospitais e centros de atenção primária. Dessa maneira, o ambiente virtual tornou-se o mais adequado66. Valdez-García JE, Eraña-Rojas IE, Díaz Elizondo JA, Cordero-Díaz MA, Torres-Quintanilla A, Esperón-Hernández RI, et al. The role of the medicine student in Covid-19 pandemic. A shared responsibility. Cir Cir. 2020;88(4):399-401.. O ensino a distância (EaD) apresenta-se como uma forte ferramenta para o desenvolvimento do domínio cognitivo, o que possibilita o compartilhamento de informações, a realização de pesquisas e o aprofundamento teórico, além da reafirmação de valores dominantes na sociedade atual, como a distinção e a individualização77. Machado LDS, Tamboril ACR, Machado MFAS, Maia ER, Lopes MSV. Representações de profissionais residentes acerca das estratégias pedagógicas utilizadas no processo formativo da residência multiprofissional. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2018 [cited 2021 Mar 16] ; 52: e03386. Available from: Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342018000100465&lng=en . Epub Nov 29, 2018. https://doi.org/10.1590/s1980-220x2017024803386.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
. A telemedicina pode ser considerada nesse contexto porque amplia o alcance para o ensino e facilita a aquisição de conhecimento e a tomada de decisões, além de promover o desenvolvimento de habilidades de coordenação e liderança entre os alunos88. Jumreornvong O, Yang E, Race J, Appel J. Telemedicine and medical education in the age of Covid-19. Acad Med. 2020;95(12):1838-43.. A necessidade de distanciamento social inviabilizou programações pedagógicas, sejam remotas ou presenciais, tornando necessário o fornecimento de um sistema temporário para instrução e suporte educacional com rápida configuração, caracterizando o conceito de emergency remote teaching99. Hodges C, Moore S, Lockee B, Trust T, Bond A. The difference between emergency remote teaching and online learning. Educause Review. 2020; [acesso em 16 mar 2021]. Disponível em: Disponível em: https://er.educause.edu/articles/2020/3/the-difference-between-emergency-remote-teaching-and-online-learning .
https://er.educause.edu/articles/2020/3/...
. No Reino Unido, as atividades e avaliações práticas nos diferentes câmpus universitários foram bloqueadas, repercutindo na confiança e na preparação de alunos do último ano da graduação em Medicina1010. Choi B, Jegatheeswaran L, Minocha A, Alhilani M, Nakhoul M, Mutengesa E. The impact of the Covid-19 pandemic on final year medical students in the United Kingdom: a national survey. BMC Med Educ. 2020;20(1):206-16..

Diante de todo o contexto de inseguranças e incertezas, há uma real preocupação sobre quando e como retornará o atendimento assistencial. Além disso, há questões também sobre como se comportará o ensino médico1111. Bloom DA, Reid JR, Cassady CI. Education in the time of Covid-19. Pediatr Radiol. 2020;50:1055-8.. Que obstáculos estamos encontrando e quais ainda permanecerão? Que estratégias podem ser realizadas? Há vários desafios e diferentes tipos de resolução.

A partir desse contexto, este artigo tem como objetivo relatar a experiência do Centro Universitário Christus (Unichristus) quanto às modificações ocorridas nos cenários práticos de vivências clínicas durante o período de pandemia e de distanciamento social.

RELATO DE EXPERIÊNCIA

O Unichristus é um centro de ensino privado localizado na cidade de Fortaleza, no Ceará, obtendo conceito institucional nota 5 conforme o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). O curso de Medicina existe desde 2006, havendo destaque por ser um dos pioneiros no Ceará a utilizar as metodologias ativas de aprendizagem. Apresenta um plano de ensino híbrido, envolvendo metodologias como exposições dialogadas, sala invertida, laboratório de simulação, problem based learning (PBL), team based learning (TBL) e vivências clínicas. Essa última ocorre em alguns hospitais conveniados, pertencentes à rede pública, e, principalmente, na Clínica Escola de Saúde (CES) do centro universitário, onde existem diversas especialidades.

A CES, uma das vertentes sociais do Unichristus, realiza atendimentos gratuitos em múltiplas especialidades, integrando assistência ao ensino e proporcionando o desenvolvimento de vários cenários de vivência aos alunos do curso de Medicina. Destaca-se, no centro, o programa Serviço de Atenção Especializada (SAE) em infecções sexualmente transmissíveis (IST) e Aids, por meio de parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS).

Anteriormente à pandemia por coronavírus, todos os semestres precedentes ao nono (primeiro semestre de internato) apresentavam atividades de vivências definidas por cronograma semestral, com destaque para o oitavo semestre, quando ocorriam vivências variadas em especialidades clínicas (reumatologia, cardiologia, pneumologia, gastroenterologia, nefrologia, infectologia, geriatria, psiquiatria, dermatologia, endocrinologia e clínica médica), pediatria e ginecologia. Durante esse período, um dos objetivos considerados é resgatar conhecimentos prévios, relevantes para o internato em medicina que se aproxima.

Durante a pandemia, em virtude do distanciamento social e do fechamento das instituições de ensino pelo governo estadual, os atendimentos na CES foram suspensos, e os hospitais conveniados passaram a não receber alunos, inviabilizando os cenários de vivência. Essa conduta inclusive foi reforçada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Ceará (Cremec) que sugeriu a suspensão temporária dos serviços em saúde considerados eletivos. Nesse contexto, para os alunos do oitavo semestre, iminentes a ingressar no internato em medicina, foi criado um projeto de telemedicina em conjunto com uma organização não governamental, visando ao atendimento a pacientes com suspeita ou confirmação de infecção por coronavírus. Os teleatendimentos seguiram a Resolução n° 56/2020 do Cremec. Nesse tipo de atendimento, os registros eram realizados em prontuário eletrônico, para garantir a integridade, a segurança e o sigilo dos dados, com emissão de receitas e atestados, se isso fosse necessário, nos quais constava a assinatura digital do médico. A assinatura do paciente no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) era obrigatória para o início do atendimento.

Professores de diferentes especialidades da CES foram submetidos a um treinamento prévio por meio de exposição dialogada sobre a infecção por vírus Sars-CoV-2 com duração de 60 minutos, seguido de três horas de prática na plataforma digital a ser utilizada. Após essa etapa, os atendimentos por telemedicina foram iniciados, com a presença dos alunos em sala virtual criada pelo aplicativo Google Meet®. Os pacientes, vistos por uma outra plataforma que continha prontuário digital e vídeo, eram atendidos na presença física de equipe de enfermagem, responsável pela checagem dos sinais vitais, pela leitura de exames complementares e por eventual resolução de problema técnico com a transmissão. Todos os profissionais envolvidos presencialmente obedeciam aos protocolos de biossegurança1212. Ceará. Plano estadual de contingência para resposta às emergências em saúde pública: novo coronavírus (2019-nCoV). Fortaleza: Secretaria da Saúde; 2020.. Os alunos, inicialmente expectantes, observavam o atendimento remoto através de tela inteira compartilhada, e, após concluída a consulta, havia uma discussão sobre o caso e outros aspectos relevantes, sem o paciente na sala, de maneira similar ao que ocorreria em ambiente de vivência. Em paralelo ao projeto, os estudantes também assistiam a aulas expositivas que abordavam aspectos da doença nos níveis primário e terciário de saúde.

Posteriormente, foi realizada uma pesquisa de satisfação quanto ao uso da telemedicina no Unichristus, envolvendo um total de 18 alunos, sendo citadas as seguintes vantagens (Gráfico 1): redução do risco de contaminação (16/18), maior economia quanto a transporte e combustível (13/18), além de manutenção do processo de aprendizagem (9/18). É válido comentar a pouca experiência dos entrevistados, visto que 17 estudantes nunca participaram de EaD. Algumas desvantagens foram observadas (Gráfico 2): impossibilidade em treinar exame físico (18/18) e menor interação com a equipe de saúde (13/18) e com o paciente (15/18). A perda da comunicação não verbal foi vista como desvantagem por 11 estudantes. A dependência da qualidade da internet para uma boa prática foi comentada como problema por 17 alunos.

Gráfico 1
Vantagens consideradas da experiência de vivências por meio da telemedicina por estudantes de Medicina (n = 18).

Gráfico 2
Desvantagens consideradas por alunos em não haver a vivência presencial (n = 18).

Os índices relacionados à infecção seguem em redução progressiva no estado, principalmente na capital, possibilitando um plano de retomada do governo estadual, sendo liberado o funcionamento parcial dos serviços eletivos em saúde, dentro dos critérios de biossegurança. A CES retornou ao atendimento presencial nas diversas especialidades, havendo um menor número de pacientes agendados, sem a presença dos estudantes, respeitando as orientações de distanciamento social. Após a autorização do funcionamento das instituições de ensino, a pretensão é retomar as atividades de vivência com número restrito de alunos por sala, definido em conjunto com a engenharia de segurança da instituição.

DISCUSSÃO

A telemedicina consiste no uso das tecnologias de informação e comunicação (TIC) para a assistência a distância do paciente, sendo útil em áreas distantes. É um meio acessível, com menor custo, que permite exercer equidade no sistema de atendimento à saúde. No Brasil, há um grande potencial para o desenvolvimento da telemedicina, haja vista a extensa dimensão territorial e a distribuição irregular dos médicos no país1313. Maldonado JMSV, Marques AB, Cruz A. Telemedicina: desafios à sua difusão no Brasil. Cad Saude Publica. 2016;32:e00155615..

A telemedicina foi uma ferramenta importante para minimizar as consequências da perda do cenário de vivências durante a pandemia. Por meio dessa tecnologia, foi possível atender o público e prestar esclarecimentos a ele, bem como promover um ensino flexível, inovador, acessível e seguro, características fundamentais para o funcionamento do ensino remoto1414. Koumpouras F, Helfgott S. Stand together and deliver: challenges and opportunities for rheumatology education during the Covid-19 pandemic. Arthritis Rheumatol. 2020;72(7):1064-6.. Percebe-se que a instituição utilizou uma tendência mundial. Em um estudo multicêntrico realizado em centros de formação em gastroenterologia pediátrica da América do Norte, observou-se que 98% dos programas não utilizavam telemedicina antes da pandemia, enquanto, no período atual, 76% passaram a adotá-la1515. Mallon D, Pohl JF, Phatak UP, Fernandes M, Rosen JM, Lusman SS, et al. Impact of Covid-19 on pediatric gastroenterology fellow training in North America. J Pediatr Gastroenterol Nutr. 2020;71(1):6-11.. Utilizar uma ferramenta que pode melhorar o cuidado a um custo financeiro menor, durante esse período, é algo a ser considerado1616. Shafiee HL, Caffery LJ, Freeman CR, Peeters G, Peel NM. A scoping review of the use and impact of telehealth medication reviews. Res Social Adm Pharm. 2020;16(8):1140-53..

Outros pontos positivos podem ser observados. A instituição mobilizou-se em concordância com as medidas de biossegurança voltadas aos indivíduos que trabalharam presencialmente, além de ter demonstrado exemplo de contribuição social nesse tempo de tantas adversidades. Houve uma percepção clara sobre a necessidade de mudar. Um ponto positivo desse período de pandemia está sendo a oportunidade de desenvolvimento profissional e inovações no ensino médico1717. McMaster D, Veremu M, Santucci C. Covid-19: opportunities for professional development and disruptive innovation. Clin Teach. 2020;17(3):238-40.. A tecnologia, ao permitir a discussão e o compartilhamento de informações a distância, possibilita capacitação sobre o tema de uma maneira pertinente. Videoconferências permitem que profissionais em países com maiores incidências compartilhem o que está ocorrendo na prática, facilitando a adoção de medidas preventivas e de controle em outras localidades1818. Gonzales-Zamora JA, Alave J, De Lima-Corvino DF, Fernandez A. Videoconferences of infectious diseases: an educational tool that transcends borders. A useful tool also for the current Covid-19 pandemic. Infez Med. 2020;28(2):135-8..

Em contrapartida, a ausência de vivências presenciais pode gerar algumas perdas educacionais. As atividades práticas presenciais podem ser benéficas no intuito de inserir o estudante diretamente na comunidade e de fazê-lo sentir como parte integrante da equipe da saúde. Há um maior estímulo de todos, principalmente dos médicos envolvidos simultaneamente no ensino e na assistência, em ambientes presenciais1919. Caldeira ES, Leite MTS, Rodrigues-Neto JF. Estudantes de Medicina nos serviços de atenção primária: percepção dos profissionais. Rev Bras Educ Med. 2011;35(4):477-85..

Alguns problemas técnicos quanto à qualidade da conexão e à performance das plataformas envolvidas foram observados. Dados de outras experiências na literatura também mostram essas adversidades. Em outro relato de experiência envolvendo centros de dois continentes (América do Norte e África) durante o período de 18 meses, foi evidenciado que em 30 reuniões houve alguma interrupção, seja por problema de conectividade, atraso de áudio ou imagem2020. Boatin A, Ngonzi J, Bradford L, Wylie B, Goodman A. Teaching by teleconference: a model for distance medical education across two continents. Open J Obstet Gynecol. 2015;5:754-61..

Este relato de experiência apresenta algumas limitações, considerando que a literatura ainda carece de estudos sobre a repercussão no ganho cognitivo dos alunos durante esse período. Além disso, trata-se da primeira experiência dos estudantes com tantas e variadas ferramentas tecnológicas. A repercussão dessas modalidades de ensino na confiança e na segurança dos alunos, principalmente aqueles no final do curso de Medicina, precisa ser mais bem avaliada.

Apesar das limitações existentes, é importante minimizar, ao máximo possível, a exposição de alunos aos pacientes infectados pelo vírus Sars-CoV-2. Contudo, é fundamental manter a transmissão de conhecimento, e, para tanto, a telemedicina é uma ferramenta confortável para o discente e o paciente2121. Oldenburg R, Marsch A. Optimizing teledermatology visits for dermatology resident education during the Covid-19 pandemic. J Am Acad Dermatol. 2020;82(6):e229.. A experiência com a telemedicina pode ser complementada por um e-learning, possibilitando o desenvolvimento de um novo modelo de ensino híbrido2222. Theoret C, Ming X. Our education, our concerns: the impact on medical student education of Covid-19. Med Educ. 2020;54(7):591-2.. A pandemia promoveu uma disrupção no ensino médico, acarretando alterações irreversíveis. As aulas expositivas on-line demonstraram utilidade, entretanto não há substituto para os estágios clínicos, essenciais para o currículo. Ensino médico virtual e teleatendimento, seja em ambiente domiciliar ou hospitalar, podem ser propostos como recursos complementares ao ensino prático2323. Kim JW, Myung SJ, Yoon HB, Moon SH, Ryu H, Yim JJ. How medical education survives and evolves during Covid-19: our experience and future direction. PLoS One. 2020;15(12):e0243958..

CONCLUSÃO

É fato que a circunstância atual pode promover alguma perda educacional, como a impossibilidade de treinar exame físico e interagir melhor com a equipe de saúde e com o paciente. No entanto, podem ser geradas oportunidades para mudanças, aprimoramento e desenvolvimento de metodologias de ensino. No futuro, a educação remota poderá se consolidar e tornar-se um meio complementar aos métodos de ensino vigentes e parte do currículo institucional. Uma ferramenta tecnológica acessível e flexível pode facilitar a aceitação dos alunos que estão inseridos em uma geração que cresceu no mesmo período das TIC, já que são considerados nativos digitais2424. Prensky M. Nativos digitais, imigrantes digitais. On the Horizon. 2001;9(5):1-6..

Podemos considerar o momento atual como antes e depois da pandemia, restando à comunidade acadêmica, docente e discente, refletir, extrair e aplicar as experiências positivas que ocorreram durante o período.

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  • FINANCIAMENTO

    Declaramos que não houve financiamento para a realização desta pesquisa.
Editora-chefe: Daniela Chiesa. Editora associada: Rosiane Viana Zuza Diniz.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2020
  • Aceito
    04 Mar 2021
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
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