Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação do Ensino no Curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá: uma Análise Preliminar

Evaluation of Teaching in the School of Medicine at the State University in Maringá: a Preliminary Analysis

Resumo:

Efetua-se uma análise preliminar dos dados obtidos por meio de pesquisa sobre aprendizagem no Curso de Medicina da Universidade Estadual de Maringá, na qual estudantes foram inquiridos acerca da avaliação de disciplinas do curso e da metodologia adotada pelos professores. Nos resultados de 1997, os alunos apontaram dificuldades em sua formação, sobretudo pela dicotomia entre teoria e prática, excesso de aulas teóricas em detrimento da prática, estratégias de ensino tradicionais, como aulas expositivas, seminários e avaliações pautadas apenas na memorização de fragmentos de conteúdo. Essas dificuldades, em nossa visão, têm a ver com a construção de novas abordagens para o conhecimento e a formação médica.

Palavra-chave:
Educação médica-tendências; Avaliação Educacional-métodos; Estudantes de Medicina

Abstract:

The purpose of this article is to provide a preliminary analysis of data obtained through a study on teaching in the School of Medicine at the State University in Maringá, Paraná, Brazil, in which students were asked to evaluate the course contents and methodologies adopted by professors.

Key-words:
Education, Medical-trends; Educational Measurement-methods; Students, Medical

INTRODUÇÃO

A discussão sobre a avaliação de cursos de graduação universitária tem sido alvo de muitas considerações de grupos e mesmo de intelectuais isolados em todo o País. Algumas abordagens são feitas sob a ótica econômica, quando se discute mais a relação custo-benefício do aluno universitário; outras procuram sair do reducionismo econômico, buscando na avaliação um instrumento que desvenda aspectos das relações pedagógica e filosófica. Algumas perguntas decorrem dessa segunda maneira de abordar a avaliação: a estrutura curricular vigente nos cursos de graduação está atendendo a formação de profissionais? Os conteúdos que estão sendo apresentados aos estudantes não poderiam ser outros?

Essas indagações têm norteado pesquisas pertinentes na educação. Becker11. Becker, Fernando. A epistemologia do professor. Petrópolis, Vozes, 1994., em seu estudo Epistemologia do professor, apresenta falas de professores do Rio Grande Do Sul que refletem um modelo de educação empirista, ou seja, baseado na concepção de que o aluno é uma “tábula rasa” e os conteúdos devem ser “transmitidos” do professor ao aluno. Nesse sentido, o modelo de ensino-aprendizagem e de estrutura curricular é limitado ao exercício intelectual de alunos e também de seus professores, uma vez que não se explora, na relação de ensino, um universo mais amplo de conhecimentos, nem se permite que os educadores conheçam outras maneiras de pensar e estabelecer relações entre as diferentes disciplinas do curso em que estilo se formando.

Uma revisão de estudos quanto à evasão nas universidades brasileiras, realizada por Kira22. Kira, Lucia Frare. A evasão no ensino superior: o caso do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá (1992-1996). [Dissertação de Mestrado] Universidade Metodista de Piracicaba Pós-Graduação em Educação, Piracicaba, 1998.. apontou como fatores determinantes: a) o aluno não consegue vincular o curso à futura profissão; b)o estudante não está satisfeito com o conteúdo das disciplinas e não consegue compreendê-lo como significativo para sua formação.

Moreno33. Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998. no texto Temas transversais: um ensino voltado para o futuro, aponta algumas dimensões do modelo tradicional de ensino que têm sido impeditivas de uma formação profissional mais voltada para a vida no final do século XX. Segundo essa autora, persiste o modelo de cifose e de estrutura curricular originado numa concepção de mundo elitista, cujos núcleos estão vinculados à cultura grega clássica, cultura está muito difundida pelos romanos e espalhada como valor hegemônico pelo mundo europeu. Na perspectiva dessa cultura, os esforços eram concentrados, muitas vezes, no estudo de “questões muito distanciadas da problemática surgida das necessidades da vida cotidiana”.1 1 Na pesquisa de Edneia Higarashi em crianças de 5˚ série de uma escola pública de Rolândia-PR, elas denunciaram o tédio em assistir ao professor falando a semana inteira. Só indicavam situação diferente quando ocorriam aulas de laboratório com ciências e educação física. Ver a monografia A voz da criança: um estudo com criança de 5ª série. Universidade Estadual de Londrina-Curso de Especialização em Metodologia da Ação Docente - 1996.

É certo que somos devedores dessa cultura que deu “forma ao nosso pensamento e ao de nossos antepassados” 3. E nossa herança cultural. Porém, esta herança está ligada à negação do cotidiano, do trabalho manual e da aplicação tecnológica, tarefas que não eram dos filósofos, mas sim das mulheres e escravos. Essas práxis educativa excluiu da educação grega “tudo o que tinha a ver trabalhos e ocupação manual, exceto os relacionados com as artes marciais”.33. Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998.

Assim, diz Moreno33. Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998.:

“...as matérias das áreas curriculares tratam de certos temas nascidos de interesses intelectuais e sociais muito antigos, e estão arraigadas na ciência clássica. Mas, além de ser parcial em seus objetos de estudo, esta ciência converteu-se, desde a alvorada da história, em um importante instrumento de poder. (...) Os conhecimentos e as valorizações, as formas de raciocínio e as atitudes são transmitidas juntamente com a ciência clássica, através do ensino atual. Isto contém coisas boas e ruins, progressos mas também limitações.”

Os limites impostos são muitos. Os mais preocupantes são aqueles que não permitem que os nossos educandos:

realizam exercícios de transformação do conhecimento, como preconiza Gastan Bachelard (apud Moreno33. Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998.). A aprendizagem é um exercício que se dá pelo pensamento que se transforma. Se o estudante for obrigado a memorizar sem compreender, essa aprendizagem não resulta operativa, pois ele não pode utilizá-la fora do contexto em que a adquiriu, nem se beneficia das mudanças intelectuais que ocorrem nos processos construtivos de novos conhecimentos33. Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998..

atribuem significado aos conteúdos que recebem e estabeleçam relações entre os diferentes conteúdos Os alunos não conseguem estabelecer uma concorrência entre as disciplinas e se limitam a dividi-las entre teoria e/ou prática. Do 1° grau à universidade, os estudantes reclamam de que há muita aula teórica3 e nada de prática.

A dicotomia teoria x prática, herança da educação grega antiga, leva o um vazio na formação para compreender a relação do contexto da disciplina, dos textos dos livros e a vida extra-escolar e talvez saibam que, nesse tipo de ensino, pouco aprendem para o futuro.

Moreno33. Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998. comenta que o modelo de ensino tradicional tem levado os estudantes ao esquecimento dos conteúdos das disciplinas:

“Pesquisas efetuadas com uma importante amostra da população de jovens de 20 a 30 anos que tinham terminado o colegial mostram um esquecimento quase total das aprendizagens realizadas no campo das Ciências Naturais, poucos anos depois de terem sido concluídos os estudos”

Este modelo de conceber a educação leva 30 mal de Sísifo” entre os estudantes. Sísifo, condenado por Zeus ao castigo de carregar pedras durante o dia montanha acima para vê-las rolarem à noite, parece ser nosso estudante diante da visão tradicional de transmissão do conhecimento.

“Nada”, diz Moreno33. Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998., “desanima mais que realizar um trabalho que requer esforço que devia realizar, mas a consciência clara de sua inutilidade”. Talvez, nesses estudos sobre evasão, nossos alunos estejam apontando o quanto o modelo clássico de ensino está exaurido neste final de século.

AS EXPERIÊNCIAS DE AVALIAÇÃO NA UEM: O ENSINO MÉDICO

O Projeto de Avaliação das Instituições Universitárias Brasileiras (Paiub)

O Projeto de avaliação das instituições Universitárias Brasileiras (Paiub) está sendo realizado na VEM e tivemos os resultados das avaliações das disciplinas e docentes pelos alunos em 1995 e 1996.

Cm 1995, foram avaliadas 43 disciplinas e 141 docentes: entre os docentes, 30 (21,2%) obtiveram pontuação acima da média, 104 (73,5%) ficaram entre 10 e 60 pontos, e 7 (5,3%) obtiveram valores abaixo de 10.

As queixas dos alunos e as solicitações para melhorar o curso foram: menos aulas com retroprojetor, menos seminários, novos métodos de dar aulas, aulas mais dinâmicas, mais aulas práticas e melhor distribuição do conhecimento programático durante o ano.

Foram apontadas dificuldades em algumas disciplinas, dentre os quais, falta de integração entre os professores; problemas nos métodos de avaliação: aulas difíceis, minuciosas, problemas de pontualidade de professores.

Em 1996, a avaliação do curso de medicina mostrou 50% das disciplinas nas categorias Boa e Ótima, e 50% nas categorias Regular e Fraca, sendo que algumas disciplinas citadas mantiveram os mesmos problemas do ano anterior. Os alunos ainda reclamaram do excesso de férias no final do ano e sugeriram mudanças na metodologia de avaliação do Curso (Paiub), com discussões abertas e busca de soluções.

A avaliação da Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem)

A avaliação da Comissão interinstitucional Nacional de Avaliação do Ensino Médico (Cinaem) constitui-se de um projeto nacional de avaliação do qual as escolas médicas foram convidadas a participar. A UEM está entre as 43 escolas que adentram ao projeto desde o seu início, em 1991, e agora está elaborando coletivamente o processo de transformação do ensino médico.

A UEM participou de todas as etapas de avaliação da Cinaem:

  1. Estudo ecológico

  2. Estudo transversal

  3. Estudo de coorte

  4. Avaliação prática

Na avaliação docente, alguns aspectos merecem destaque: 70% são do sexo masculino; 65% ensinam há 4 anos ou menos; e 20% entre 5 e 10 anos.

Dentre os 107 docentes que responderam ao questionário, 68 (63.5%) eram auxiliares de ensino, 15 (14%) eram assistentes, 16 (15%) adjuntos e 2 (1,9%) titulares.

Quanto à pós-graduação, 90,7% eram especialistas (com residência médica), 30,8% eram mestres e 14% doutores.

Quanto à carga horária docente, 41% estavam sob regime de 40 horas semanais, 32,7% em regime de 24 horas semanais, 5,6% de 12 horas e 20% com dedicação exclusiva Dos professores entrevistados, 82,2% exerciam atividades fora da escola.

Considerando a área física, equipamentos e administração da escola, 68,2% dos professores os avaliaram positivamente.

Quanto ao salário pago pela escola, apenas 12 (11,2%) se diziam satisfeitos, embora 91 (85%) se declarassem satisfeitos com sua condição financeira.

Apenas 21 (19,6%) dos docentes declararam depender exclusivamente do salário proveniente da docência, enquanto 81 (75,7%) referiram que no máximo 25% de seu rendimento era proveniente dessa fonte.

A dedicação à pesquisa e à produção científica é pequena entre os professores, sendo mais representativa entre os do ciclo básico.

Gráfico 1
Representação da evolução das mídias de acertos obtidas pelos alunos de médico da VEM nos TQC inicial, intermediário e final, por área, na avaliação da Cinaem

A avaliação cognitiva dos alunos, em na nossa escola, foi realizada em três etapas, ao final dos ciclos básico e profissionalizante, ou seja, no início do internato e no final do primeiro e do segundo ano deste. Os resultados encontram-se na Tabela 1, onde é possível comparar os resultados obtidos pelos alunos da UEM com os dos demais que se submeteram aos mesmos testes, dentre as escolas brasileiras participantes do projeto. Não nos foi encaminhado o resultado nacional do último teste, possivelmente devido ao número escasso de escolas que incluíam em seu currículo o internato de dois anos.

TABELA 1
Porcentagem média de acertos nos testes de qualificação inicial, intermediário e final obtida pelos alunos de medicina da UEM, participantes de estudo de coorte da Cinaem, comparada com a média nacional

A AVALIAÇÃO DO CURSO DE MEDICINA NA UEM EM 1997: ESTUDO PRELIMINAR

Trata-se aqui de falar de uma avaliação de curso de graduação sob a ótica de discente, da relação aluno-conhecimento, professor-conhecimento, professor-aluno. Acreditamos que os resultados dos inquéritos realizados por discentes devem ser analisados com cautela e repetidos, para diminuir o risco de se cometerem equívocos por questões subjetivas- como empatia, amizade, preconceitos e “vícios” que os estudantes trazem do ensino de 1 e 2 graus, como, por exemplo, ver na nota a maior dimensão de sua aprendizagem.

Há estudos de avaliação do ensino médico sob a ótica de alunos. Um deles, realizado pela Universidade Federal do Paraná em 1992, mostrou resultados semelhantes aos que encontramos em Maringá55. Cadernos da Avaliação. Reestruturação do Currículo de Medicina II. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, n.8, 1992.),(66. Reestruturação do Currículo de Medicina. Universidade Federal do Paraná, Curitiba , n.4, 1992..

Sobral77. Sobral, Dejano T. Avaliação do desempenho docente baseada nas percepções dos alunos: efeitos da mudança no estilo do ensino. Rev. Bras. Educ. Méd. 1995: Rio de Janeiro, 9(1): 20-24, jan./abr. relata uma experiência interessante de como os alunos podem contribuir para o aprimoramento da proficiência docente, em relação às propostas de mudanças na estrutura do ensino, através de avaliações sucessivas durante o processo.

A Escola Paulista de Medicina (Unifesp) também utilizou a avaliação sistemática pelos alunos como um dos itens considerados nas propostas de mudanças curriculares que estão sendo efetivadas no momento.

Caetano e colaboradores88. Caetano, AC; Junior, DAF; Souza, FA; Saito, M; Carneiro, MC. Percepção dos acadêmicos quanto às formas de avaliação e desempenho didático dos professores da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro. Rev. Bras. Educ. Méd . Rio de Janeiro, v.22 (Supl.): 1-123, jan./abr., 1998, p.59 e p.62.) apresentaram, no XXXV Congresso Brasileiro de Educação Médica, em 1997, resultados de enquetes feitas entre estudantes do curso de medicina da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro em 1996. O objetivo foi conhecer a percepção dos alunos quanto à proposta curricular e avaliar se a estrutura do currículo era conveniente à formação de médicos generalistas. Na visão dos alunos, a grade curricular apresentava má distribuição das disciplinas, e, embora as aulas teóricas tivessem sido reduzidas, as práticas eram insuficientes apesar da recente reforma do currículo, o curso não estava satisfatório para os alunos, professores e nem para a sociedade.

Como nesses estudos, buscamos, em 1997, avaliar o curso de medicina da UEM considerando as falas dos alunos. Aplicamos um questionário com questões abertas, no qual solicitamos que conferissem notas de 0 a 10 às disciplinas que acabaram de cursar. Na sequência, deveriam justificar as notas, considerando três aspectos: a didática dos professores que ministram cada disciplina, os conhecimentos discutidos e o método de avaliação do aprendizado adotado pelos professores neste ano. A seguir, apresentamos uma síntese das respostas dos alunos por série.

  • 1ª Série

Dentre os 20 alunos matriculados, 11 responderam às questões. Em geral, o maior problema para os alunos foi o excesso de aulas teóricas das disciplinas. Em algumas delas, foi apontada dificuldade com a didática dos professores; houve queixas sobre o método de avaliação, pois alguns alunos acreditam que o método de avaliação adotado foge ao raciocínio sobre o assunto e reforça a prática de memorização dos conhecimentos. Em algumas disciplinas, os alunos se inquietam com o absenteísmo e o atraso nas aulas. Embora a maioria das disciplinas seja ministrado de forma essencialmente teórica, com aulas longas e cansativas, os alunos apontaram algumas como boas, com professores responsáveis e com competência em suas áreas, demonstrando interesse em ensinar.

  • 2 Série

Dezenove dentre os 20 alunos matriculados responderam ao questionário. De acordo com os relatos, o curso é enfadonho, faltam aulas práticas: as teóricas são longas, monótonas, cansativas, com conteúdo excessivo e sem direcionamento para a medicina; os alunos não percebe bem como, nem sabem quando vão utilizar aquele “conhecimento” repassado de maneira essencialmente passiva. Percebemos claramente, no discurso desses alunos, a aplicação da pedagogia do oprimido·: nos alunos não é permitida qualquer manifestação.

De acordo com os alunos, a maioria das disciplinas é ministrada por professores com dificuldades de trabalhar os conhecimentos de suas metas de forma criativa e aberta. A avaliação foi apontada como uma estratégia de memorização, mais do que de raciocínio, do aluno sobre problema ou tema da área.

Também foram indicadas dificuldades dos docentes médicos com horário e organização de conhecimentos médicos nas aulas. Todavia, os alunos relataram que muitas disciplinas deste ano cumprem com o que eles acreditam ser importante na formação médica: coerência na organização dos conhecimentos, rigor no horário, avaliação mais aberta, etc.

  • 3ª Série

Dentre os 21 alunos matriculados, 19 responderam ao questionário. Em geral, os alunos avaliam a 3ª série com a mesma visão dos alunos dos anos anteriores: há um excesso de aulas teóricas com uso exagerado de diapositivos e transparências, montassem uma análise crítica dos conhecimentos, demonstrando certo despreparo dos docentes nas aulas. Na visão desses alunos, em várias disciplinas não houve compromisso com os docentes com a formação médica dos estudantes. A avaliação também foi indicada como mais voltada para a "decoreba'' do que para o raciocínio.

  • 4ª Série

Responderam ao questionário 12 dos 21 alunos matriculados. Também apontam as mesmas dificuldades que os alunos anteriores: excesso de teoria e de carga horária (39 horas/aula/semanais); conhecimentos trabalhados de forma expositiva, com muitos detalhes, em aulas longas e repetitivas. Outros aspectos incluem dificuldades com a didática dos docentes de determinadas disciplinas; avaliações em algumas disciplinas com “pegadinhas” e falta de objetividade; desorganização do programa e das aulas.

Percebemos que cada professor ministra sua disciplina como se estivesse “preparando” especialistas em sua área, ou seja, os médicos apresentam detalhes de sua especialidade aos alunos de maneira teórica e ao mesmo tempo extensa, com o discurso de que é importante saber aquilo se pretendem fazer residência na área.

Avaliação, na ótica dos alunos, do internato médico

Para avaliar o período de estágio do curso, o internato, elaboramos e aplicamos aos alunos da 5 e 6 séries um questionário para que estes atribuíssem notas de 0 a 10 ao internato com um lodo e, em seguida, o fizessem por área (Clínica Médica: Clínica Cirúrgica; Ginecologia e Obstetrícia; Pediatria e Cirurgia Pediátrica). Além disso, eles deveriam estabelecer uma nota para cada setor que as áreas oferecem como locais de estágio (enfermarias, ambulatórios, berçário e UTIs entre outros).

No mesmo questionário, indagamos sobre o que eles pensavam do internato de um ou dois anos, visto que é uma questão ainda não resolvida no curso de medicina, e, embora tenhamos o internato de dois anos, existem alguns problemas a repensar. Também tínhamos interesse em saber quem eram os docentes ou médicos que efetivamente estavam vinculados ao internato e, assim, solicitamos que apontassem os nomes de médicos ou docentes que mais contribuíram para a sua formação médica em cada uma das áreas do estágio. Outra questão formulada aos alunos foi se o programa do internato devia ser diferenciado entre a 5 e a 6 série, visto que também na época (1997) era uma questão para nós, não resolvida.

  • 5ª Série

Responderam ao questionário 13 dos 20 alunos matriculados e avaliaram o internato como regular. Doze dos 13 alunos responderam que a duração do internato.de dois anos, devia ser mantida. As justificativas, em síntese, foram: “é a parte prática do curso”; “é o período em que aliamos a parte teórica à parte prática do curso”; ou “é o período em que fixamos o aprendizado, o conhecimento”.

Apenas um aluno respondeu que, se diluíssem as matérias da 3ª e 4ª séries entre práticas e teóricas, não seria necessário o internato de dois anos.

Quanto ao quesito de o internato deve ser diferenciado entre a 5a e a 6ª série, as respostas foram afirmativas para 50%. No entanto, quando analisamos as especificações, observamos que elas se limitam ao método de avaliação. Alguns sugerem que 5° ano não tenha mais teoria e que também se viabilize a possibilidade de estágios em outros serviços.

A avaliação das áreas de acordo com o setor mostrou que na Clínica Cirúrgica e Enfermaria e no centro cirúrgico têm resultados discretamente melhores do que os ambulatórios. Na Clínica Médica o resultado mostrou-se melhor quando considerada a enfermaria. Na Pediatria, o estágio nos ambulatórios mostrou ser melhor do que na enfermaria, e o berçário foi apontado como o melhor setor da área. Na Ginecologia e Obstetrícia não houve diferença entre os setores de enfermaria e centro cirúrgico.

Nem todos os alunos afirmaram conhecer o regulamento do internato; alguns apontaram a necessidade de cumpri-lo e respeitá-lo; outros solicitaram que fossem valorizados mais os pontos positivos dos alunos e não as falhas. Reclamaram do autoritarismo e solicitaram maior presença de docentes no hospital para orientação.

A maioria dos alunos diz não ter recebido orientação sobre ética médica; os que tiveram orientação a atribuíram ao CRM-Maringá em discussão realizada por solicitação da coordenação do colegiado do curso.

  • 6ª Série

Dentre os 20 alunos matriculados,16 responderam ao questionário. Quanto à avaliação geral do estágio, os alunos consideraram o internato regular. Para eles, o internato deve ser de dois anos e justificam: “sendo o curso eminentemente teórico até a 4 série, há necessidade de dois anos de prática”. Outros responderam que “os dois anos permitem aprimorar os conhecimentos e aplicar a prática à teoria”. Poucos alunos responderam que “a 6ª série permite um maior aproveitamento, visto ser a repetição dos estágios anteriores”.

A metade dos alunos dessa série acredita que o internato deve ter programação diferenciada para a 5ª e 6ª séries. Pareceu-nos que, mesmo entre eles, essa é uma questão polêmica.

Alguns sugeriram reservar para a 5ª série maior orientação; fornecimento de noções básicas de cada área de estágio (hidratação, nutrição, analgesia, emergências, parto normal); orientação quanto às funções do HUM e o processo de funcionamento do mesmo: atendimento a pacientes com patologias (doenças) mais simples: procedimentos mais simples; atendimento ambulatorial. Alguns, no entanto, sugeriram que a diferença deveria ser apenas sob forma de uma avaliação menos rigorosa.

A avaliação das áreas de acordo com o setor de estágio mostrou que na Clínica Cirúrgica os setores de enfermaria e centro cirúrgico foram apontados como melhores do que o ambulatório. Na Clínica Médica, o ambulatório também mostrou desempenho inferior ao da enfermaria. Na Pediatria, o berçário foi citado como o melhor setor, seguido pelo ambulatório. Na Ginecologia e Obstetrícia, o centro cirúrgico foi o setor que melhor se colocou na avaliação dos alunos, e o pior foi o ambulatório.

Com relação ao regulamento do internato, as solicitações se fixaram em três itens:

  1. Avaliações: sugeriram aplicação de provas ao final do estágio em cada setor, pois temem o conteúdo que será cobrado no final do ano; reclamaram do tipo das questões de prova; solicitaram avaliações individuais dos alunos, justiça nas avaliações, avaliações formativas e contínuas durante todo o internato;

  2. Estágio fora do HUM: vários alunos solicitaram estágios em outros locais;

  3. Participação efetiva dos docentes no programa do internato: queriam maior participação docente, pois isto resultaria em avaliações mais justas.

Alguns alunos sugeriram apenas que se cumpra o regulamento em vigor.

Quanto à orientação ética na vida médica, alguns alunos citaram apenas a reunião realizada em 1997 com o CRM-Maringá.

Sobre a avaliação dos alunos do internato

Os dados que obtivemos nesse piloto de avaliação do internato médico da UEM, em 1997, mostraram que os alunos estão atentos ao que vem acontecendo: o problema da falta de compromisso de alguns docentes para com o internato. O estágio é obrigatório para os alunos e para aqueles que pretendem ser preceptor de estágio; existe um regulamento do internato, mas a tendência dos preceptores, nesse ano, foi cobrar alunos e esquecer de cumprir a sua parte. Os problemas com o internato, em geral, são os mesmos para todas as áreas. Um aspecto que merece ser considerado é que os alunos não mostraram coerência quanto à sua expectativa do internato, se num item da avaliação eles consideram que o estágio de dois anos deve continuar assim, por ser o único período de prática do curso, em outro sugerem que na 5ª série seja oferecida mais teoria e mais orientação geral sobre o funcionamento do hospital. Ao apontar em cada área de estágio, os docentes ou médicos que mais contribuíram para sua formação, os alunos se referiram àqueles que, de alguma forma, estavam realizando alguma atividade teórica sistemática, como aulas, seminários e reuniões. Esses dados sugerem que os alunos tendem a manter a postura de estudantes receptores de informações verbais de seus orientadores, mesmo durante o período do internato; eles não se sentem preparados para buscar o conhecimento. Nossa percepção é que eles não acreditam que no próximo ano poderão estar clinicando sem a ajuda de um tutor. Para eles, a residência médica é uma meta, uma certeza e não uma possibilidade. O pior de tudo isto é que alguns docentes insistem em manter esse tipo de educação depositaria, em que eles são os donos do saber e o aluno - no caso, quase médico - é o receptáculo que apenas aceita o dito como verdade, sem fazer a mínima análise do que está sendo passivamente transmitido. Na verdade, a maioria dos médicos se viu transformado em docentes após a simples realização de um concurso em que tiveram que expor algum conhecimento técnico e certa capacidade em transmitir verbalmente esse conhecimento. Poucos são os docentes de medicina que estão buscando se familiarizar com as novas tendências na educação e mesmo com os princípios básicos que são ensino - aprendizagem.

Acreditamos, assim, que esse tipo de avaliação deve ser aperfeiçoado e repetido várias vezes para que possamos refinar nossas conclusões. Por enquanto, podemos apenas trazer algumas questões para o esboço de uma crítica.

Os resultados do Cinaem relativos aos testes cognitivos iniciais, intermediários e finais dos alunos da Universidade Estadual de Maringá reforçam nossa hipótese de que o internato de dois anos não está acrescentando muito. E, se for mantido o currículo atual, talvez fosse mais vantajoso fazer um ciclo profissionalizante (3ª e 4ª séries atuais) com mais prática do que teoria e realizar o internato hospitalar em um ano.

PARA O QUÊ APONTAM OS ALUNOS NA PESQUISA UEM DE 1997?

Nas falas dos alunos entrevistados, destacamos algumas dimensões que acreditamos sejam parte do modelo tradicional de ensino:

  • dicotomia teoria x prática;

  • excesso de teoria em detrimento da prática;

  • avaliações como exercícios de memorização ou deciframento de “pegadinhas”;

  • diferentes conteúdos ensinados com metodologias similares, uso de retroprojetor, matéria para memorizar, avaliação com perguntas sobre os conteúdos ensinados e não com enunciados que extrapolam a rigidez desses conteúdos.

Estes destaques dados pelos alunos nessa primeira etapa da avaliação do ensino de medicina na UEM demonstram que há um divórcio entre a teoria e a prática, no qual a primeira sobrevive em detrimento da segunda. Nesse caso, não se trata, na perspectiva de Moreno3, de extinguir a teoria, mas de integrar as disciplinas científicas com a vida cotidiana. Fazer o plano teórico ceder ao da prática não significa, de modo algum, eliminar o edifício teórico dos currículos, integrá-los à prática cotidiana significaria oferecer aos alunos a oportunidade de realizar novas elaborações teóricas imprescindíveis à formação médica. Corno afirma Falcão' a respeito do ensino de bioquímica no curso de medicina na Universidade Federal do Rio de Janeiro, precisamos levar o aluno à prática da redescoberta do conhecimento, pois criar condutas científicas é mais importante do que despejar “conteúdos” nos alunos. Afinal, esses conhecimentos são resultados de pesquisas e não de cópias.

Quando os alunos criticam o excesso de aulas teóricas, podemos pensar que lhes interessa a prática, mas eles podem estar chamando a atenção para o fato de que os conhecimentos que lhes estão sendo passados, não estão, em consonância com as dimensões da vida cotidiana. Ou ainda que o conjunto de conteúdos das disciplinas não tem significado porque vem às suas cabeças como dados descontextualizados, sem sentido. A significação dos conteúdos é importante e a mais vital necessidade pedagógica. Tradicionalmente, há séculos, nosso percurso pedagógico é vazio de significações. Uma anedota real ilustra corno o ensino tem mortificado a consciência de estudantes de todas as Idades. Conta Moreno33. Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998.:

Certa vez uma professora propôs corno lição de casa o seguinte problema: “Um senhor compra um terreno e constrói uma casa em cima dele. O terreno custou R$ 6.882,00, e a casa, seis vezes mais. Quanto Gastou ao todo?” No dia seguinte, ela consta com desespero que só um aluno conseguiu resolver corretamente o problema. (...) Desolada, resolveu pedir ao único aluno que tinha acertado que explicasse para o resto da classe como linha resolvido o problema, pensando que ele saberia se fazer compreender melhor que ela O brilhante aluno aproximou-se da lousa e, segurando o giz, começou a explicar: “Era um homem que comprou uma vaca e construiu uma casa em cima dela...” “Como, uma vaca?” interrompeu a professora assombrada. “Bem... uma vaca ou terreno, tanto faz...”

Neste exemplo, terreno ou ternero (que em português é bezerro)

“carecia de importância para aquele aluno, pois ambas as coisas eram enormemente distante de sua realidade cotidiana”.

Como diz à autora que o êxito nem sempre corresponde ao sucesso intelectual fora da escola. É preciso encontrar, no ensino, as noções a ensinar que adquiram significado para os alunos, contextos que não sejam absurdos e que tenham sentido para os adultos e as crianças.

A ênfase na teoria, sem equilíbrio com a prática, retira dos conteúdos a ideia de sua dinâmica. Os conhecimentos, veêm despidos de seus processos, chegam aos pedaços ao estudante, muitas vezes não são problematizados. Esso conduta abre caminho para uma avaliação somente corno exercício de memorização ou como 'pegadinhas' Os alunos são obrigados a decorar frases ou partes dos textos, ou a ficar alerta para não caírem nas ciladas que o professor prepara com o Intuito de testar a memória do estudante. Tal avaliação é parte de um ensino que se prende mais a dar respostas (a dos livros ou apostilas) do que a formular questões e/ou hipóteses, formas de pensamentos imprescindíveis à carreira médica. O que é um diagnóstico senão o resultado de um exercício em que o profissional está formulando hipóteses a partir da fala do paciente, de suas observações, de sua experiência e seus estudos? No entanto, os estudantes não estão sendo formados nessa graduação, o que, segundo o biólogo Woodger1010. Woodger, JH. Biología y lenguaje. Madrid: Editorial Tecnos, 1978., é uma falha séria na vida científica.

Acreditamos que as pontuações feitas pelos estudantes entrevistados indicam aspectos da pedagogia tradicional citados no início deste artigo. Mesmo sem conhecerem a discussão teórica específica dessa área, eles formulam críticas que coincidem com outras já discutidas por Becker11. Becker, Fernando. A epistemologia do professor. Petrópolis, Vozes, 1994., Moreno33. Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998., Falcao99. Falcão, Eliane Brígida de Morais. Uma experiência de ensino centrada na formação do pensamento científico do estudante. Rev. Bras. Educ. Méd. 1965: Rio de Janeiro, 9(3): 147-153, set./dez., Woodger1010. Woodger, JH. Biología y lenguaje. Madrid: Editorial Tecnos, 1978. e Alves1111. Alves, Rubem. Filosofia da ciência. São Paulo: Brasiliense, 1986.. Isto pode significar que a visão dos alunos consegue captar que eles não querem carregar pedras apenas para soltá-las à noite. Como Sísifo em seu calvário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Becker, Fernando. A epistemologia do professor. Petrópolis, Vozes, 1994.
  • 2
    Kira, Lucia Frare. A evasão no ensino superior: o caso do Curso de Pedagogia da Universidade Estadual de Maringá (1992-1996). [Dissertação de Mestrado] Universidade Metodista de Piracicaba Pós-Graduação em Educação, Piracicaba, 1998.
  • 3
    Moreno, Montserrat. Temas transversais: um ensino voltado para o futuro. In: Goldfeder, Mirian (Editor). Temas transversais em educação - bases para uma formação integral. São Paulo: Ática, 1998.
  • 4
    CINAEM. Comissão interinstitucional de Avaliação do Ensino Médico. Relatório Final da II Fase, relatório da Universidade Estadual de Maringá., 1997.
  • 5
    Cadernos da Avaliação. Reestruturação do Currículo de Medicina II. Universidade Federal do Paraná, Curitiba, n.8, 1992.
  • 6
    Reestruturação do Currículo de Medicina. Universidade Federal do Paraná, Curitiba , n.4, 1992.
  • 7
    Sobral, Dejano T. Avaliação do desempenho docente baseada nas percepções dos alunos: efeitos da mudança no estilo do ensino. Rev. Bras. Educ. Méd. 1995: Rio de Janeiro, 9(1): 20-24, jan./abr.
  • 8
    Caetano, AC; Junior, DAF; Souza, FA; Saito, M; Carneiro, MC. Percepção dos acadêmicos quanto às formas de avaliação e desempenho didático dos professores da Faculdade de Medicina do Triângulo Mineiro. Rev. Bras. Educ. Méd . Rio de Janeiro, v.22 (Supl.): 1-123, jan./abr., 1998, p.59 e p.62.
  • 9
    Falcão, Eliane Brígida de Morais. Uma experiência de ensino centrada na formação do pensamento científico do estudante. Rev. Bras. Educ. Méd. 1965: Rio de Janeiro, 9(3): 147-153, set./dez.
  • 10
    Woodger, JH. Biología y lenguaje. Madrid: Editorial Tecnos, 1978.
  • 11
    Alves, Rubem. Filosofia da ciência. São Paulo: Brasiliense, 1986.
  • 1
    Na pesquisa de Edneia Higarashi em crianças de 5˚ série de uma escola pública de Rolândia-PR, elas denunciaram o tédio em assistir ao professor falando a semana inteira. Só indicavam situação diferente quando ocorriam aulas de laboratório com ciências e educação física. Ver a monografia A voz da criança: um estudo com criança de 5ª série. Universidade Estadual de Londrina-Curso de Especialização em Metodologia da Ação Docente - 1996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Jun 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2002

Histórico

  • Recebido
    06 Maio 1999
  • Revisado
    25 Fev 2002
  • Aceito
    09 Mar 2002
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com