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Integração Curricular a partir da Análise de uma Disciplina de um Curso de Medicina

Curricular Integration from Analysis of a Discipline in a Medical Course

RESUMO

A análise de práticas curriculares tem sido uma atividade cada vez mais presente nas produções científicas no campo do currículo, sobretudo porque nelas se coadunam as relações estabelecidas entre o conhecimento, o currículo prescrito e sua concretização no cotidiano educacional. No campo da educação médica, esta análise adquire especial valor, haja vista a incipiente produção de trabalhos que avaliam as práticas pedagógicas do ponto de vista curricular. Assim, apresentamos a análise crítica de uma prática curricular realizada numa disciplina de um curso de Medicina, que se faz pertinente por apresentar novos olhares sobre a prática enquanto expressão viva do currículo em ação. Com base na análise temática de conteúdo de uma disciplina teórico-prática, evidenciamos elementos que se aproximam do paradigma curricular integrador, segundo os referenciais teóricos de Gimeno Sacristán, James Beane e Luíza Alonso. Indicadores como contextualização da prática e integração das áreas curriculares e dos professores são alguns dos elementos que compõem uma concepção integrada de currículo, cuja interdisciplinaridade, em coerência com o eixo central do desenvolvimento curricular – necessidades de saúde dos indivíduos e populações, identificadas pelo setor saúde –, é apontada pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Medicina como possibilidade de desenvolver aprendizagens significativas e contextualizadas, centradas no aluno como sujeito da aprendizagem. Essas recomendações são de fundamental importância na área da saúde, quando a articulação daquilo que se aprende com os cenários e as práticas profissionais fundamentam (ou pelo menos devem fundamentar) a formação. A análise possibilitou perceber como o ensino em saúde pode se beneficiar de uma organização curricular integrada, que oferta diversificação e diálogo entre saberes distintos, relevantes na investigação e resolução de problemas no processo saúde-doença, bem como a construção de conhecimentos teórico-práticos pertinentes a uma formação humanista, crítica e reflexiva.

Currículo; Educação Médica; Educação de Graduação em Medicina

ABSTRACT

The analysis of curricular practices has been an increasingly present activity in scientific production in the field of curriculum, mainly because in them the relations established between the knowledge, the prescribed curriculum and its accomplishment in the educational routine are aligned. In the field of medical education this analysis acquires special value, given the incipient production of works that evaluate pedagogical practices from a curricular point of view. Thus, we present the critical analysis of a curricular practice carried out in a discipline of a Medicine school, which is pertinent for presenting new looks about practice as a living expression of the curriculum in action. From the thematic content analysis about a theoretical-practical discipline we show elements that approach the integrative curricular paradigm, according to the theoretical references of Gimeno Sacristán, James Beane and Luíza Alonso. Indicators like contextualization of practice, integration of curricular areas and teacher integration are some of the elements that make up an integrated conception of curriculum, whose interdisciplinary in coherence with the central axis of curriculum development (health necessities of persons and populations identified by the health system) are pointed out in the Curricular Guidelines National for Medicine Courses as a possibility to develop meaningful and contextualized learning, focusing on the student as a subject of learning. These recommendations are of fundamental importance in the area of health, when the articulation of what one learns with the scenarios and the professional practices base (or at least must substantiate) the formation. The analysis made it possible to understand how health education can benefit from an integrated curricular organization that offers diversification and dialogue between different knowledge, relevant in the investigation and resolution of problems in the health-disease process, as well as the construction of theoretical-practical knowledge pertinent to a humanistic, critical and reflexive formation.

Curriculum; Medical Education; Education Medical Undergraduate

INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por objetivo apresentar a análise de uma prática curricular realizada numa disciplina de um curso de Medicina de uma universidade particular do Estado de Minas Gerais. Trata-se de um exercício reflexivo-analítico-colaborativo em que procuramos compreender a prática considerando-a manifestação do currículo em ação e, tendo por base os referenciais teóricos de Sacristán11. Sacristán JG. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000., Beane22. Beane JA. Integração Curricular: a essência de uma escola democrática. Currículo Sem Fronteiras, 2003; 3(2)91-110. e Alonso33. Alonso MLG. A abordagem de projecto curricular integrado como uma proposta de inovação das práticas na escola básica. Braga: Universidade Do Minho, 2001.,44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5)., procuramos evidenciar elementos que remetem à perspectiva do Currículo Integrado.

A análise de práticas curriculares tem sido uma atividade cada vez mais presente nas produções científicas no campo do currículo, sobretudo porque nelas se coadunam as relações estabelecidas entre o conhecimento, o currículo prescrito e sua concretização no cotidiano educacional. Nesses níveis mais restritos, a análise de práticas curriculares mostra-se fundamental para o desenvolvimento de um processo de redimensionamento por parte das instituições que propõem ou experimentam mudanças curriculares. Por outro lado, contribui com as experiências formativas de professores que, a partir dos currículos oficiais, constroem práticas pautadas em concepções críticas acerca do próprio currículo e da educação de modo geral.

No campo da educação médica, essa análise adquire especial valor, haja vista a incipiente produção de trabalhos que avaliam as práticas pedagógicas do ponto de vista curricular. Nesse sentido, a presente análise se faz pertinente por apresentar novos olhares sobre a prática enquanto expressão viva do currículo em ação.

CURRÍCULO E INTEGRAÇÃO CURRICULAR

Sabemos que o campo do currículo é vasto e múltiplo. Em sua definição, Sacristán11. Sacristán JG. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. aponta que o currículo compreende uma diversidade de conceitos ao mesmo tempo: são ideias pedagógicas, estruturação de conteúdos e detalhamento deles, reflexo de aspirações educativas, estímulo de habilidades nos estudantes, entre outros. No entanto, ao contrário do que comumente se entende, o currículo não é um objeto estático materializado em um documento que indica uma sequência de conteúdos organizados em disciplinas, mas, sim, uma práxis – prática e expressão da função socializadora e cultural que determinada instituição tem e que se expressa em comportamentos diversos.

Como observa Felício55. Felício HMS. Currículo e emancipação: redimensionamento de uma escola instituída em um contexto advindo do processo de desfavelização. São Paulo; 2008. Doutorado [Tese] - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. (p. 52), o processo de construção do currículo é uma práxis, isto é, “uma atividade teórico-prática, que apresenta uma face ideal (teórica) e uma face material (prática) ajustada a objetivos que intencionam a transformação da realidade”. A unidade entre teoria e prática é condição para compreender o currículo como um instrumento que não se limita a uma atividade teórica irrealizável, ou a uma atividade prática sem conexão com a atividade teórica. Nesse sentido, Sacristán11. Sacristán JG. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000. pondera que o valor de um currículo se comprova pela realidade na qual se realiza e em como se concretiza em situações reais, isto é, no currículo em ação, pois é na prática que os projetos, ideias e intenções se manifestam e adquirem significação e valor. Como afirmam Felício e Possani,

esta dimensão prática do currículo nos ajuda a entendê-lo como um processo historicamente situado, resultante de uma série de influências convergentes e sucessivas, coerentes ou contraditórias, geradoras de uma ação pedagógica que integra a teoria e a prática, com certo grau de flexibilidade, enquanto campo legitimado de intervenção dos professores66. Felício HMS; Possani LFP. Análise crítica de currículo: um olhar sobre a prática pedagógica. Currículo Sem Fronteiras, 2013;13(1)129-142.. (p. 131)

Segundo Sacristán11. Sacristán JG. O currículo: uma reflexão sobre a prática. Porto Alegre: Artmed, 2000., essa prática é fluida e fugaz, difícil de ser apreendida em coordenadas simples, além de ser complexa pela expressão de múltiplos determinantes, ideias, valores e usos pedagógicos. Assim, se o currículo é a ponte entre teoria e prática, intenções ou projetos e realidade, é necessário analisar a estrutura em que essa prática se encontra. Enquanto objeto social, o currículo se configura em determinado contexto, é determinado pelas condições nas quais se desenvolve e pelos protagonistas que intervêm no processo e, portanto, não pode ser compreendido longe de suas condições reais de construção e ação66. Felício HMS; Possani LFP. Análise crítica de currículo: um olhar sobre a prática pedagógica. Currículo Sem Fronteiras, 2013;13(1)129-142..

Nesse sentido, a concepção do currículo como projeto ajuda a compreender sua dinamicidade, uma vez que pode ser adaptado e flexibilizado de acordo com o contexto sócio-histórico-econômico-cultural em que a instituição está inserida e de acordo com as necessidades de aprendizagens dos estudantes, de modo que essa aprendizagem seja mais coerente e significativa. Ao entender o currículo como projeto, percebemos a possibilidade e a autoridade que o professor tem de flexibilizar esse currículo em função das necessidades de seus educandos77. Pacheco JA. Currículo: teorias e práxis. Porto: Porto Editora, 2001..

Sabemos, ainda, que muitos currículos, em sua organização, não exploram ou envolvem experiências que promovem uma vivência educativa mais democrática, revelando-se redutores especialmente quando se constata, no projeto educativo e curricular, ausência de sentido das atividades curriculares22. Beane JA. Integração Curricular: a essência de uma escola democrática. Currículo Sem Fronteiras, 2003; 3(2)91-110.,44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5)..

Esses currículos caracterizam-se por uma organização disciplinar e fragmentada, na qual prevalece uma visão simplista, compartimentada e estática da realidade, bem como desequilíbrio entre o objetivo do ensino e a educação integral que deveria proporcionar, ao privilegiar os aspectos científicos da cultura em detrimento de outras dimensões. Além disso, impedem que os estudantes estabeleçam e compreendam os nexos entre as disciplinas, que acabam por ser vistas como departamentos estanques ou como gavetas que se abrem e fecham sobre si mesmas, sem possibilidades de intercomunicação44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5)..

Segundo Beane22. Beane JA. Integração Curricular: a essência de uma escola democrática. Currículo Sem Fronteiras, 2003; 3(2)91-110., essa organização curricular em disciplinas aparece, com algumas exceções, nos currículos das instituições educacionais em todo o mundo. São características arraigadas na própria função social de tais instituições. Como afirma o autor,

na sequência da abordagem utilizada por estudiosos nas universidades para organizar o seu trabalho, os jovens são induzidos no mundo acadêmico do mesmo modo que são persuadidos a encontrar, acumular e gerir informação rudimentar proveniente das disciplinas de conhecimento22. Beane JA. Integração Curricular: a essência de uma escola democrática. Currículo Sem Fronteiras, 2003; 3(2)91-110.. (p. 92)

Esse pressuposto de organização incide sobre a formação profissional desenvolvida nos cursos de ensino superior, que, em muitos casos, não conseguem atingir a totalidade de atuação profissional, uma vez que a formação é realizada em partes e, em geral, por especialistas. No caso específico das ciências da saúde, as consequências de um currículo disciplinar se tornaram um sério problema epistemológico, pois, ao fragmentarem no currículo seu objeto de estudo – o homem e seu processo saúde-doença –, as instituições de ensino acabaram por legitimar uma concepção cartesiana e positivista que destitui o homem de sua integralidade.

Sobre a educação dos profissionais de saúde, de modo geral, ainda pesam as críticas em relação ao fato de ser hegemônica a abordagem biologicista, medicalizante e centrada em procedimentos, cujo ensino é pautado em conteúdos e organizado de maneira compartimentada e isolada. Esse modelo termina por fragmentar os indivíduos em especialidades da clínica, dissociando os conhecimentos das áreas básicas e os da área clínica, centrando as oportunidades de aprendizagem da clínica no hospital universitário, adotando sistemas de avaliação cognitiva por acumulação de informação técnico-científica padronizada, incentivando a especialização precoce e perpetuando modelos tradicionais de prática em saúde e exercícios de poder88. Ceccim RB; Feuerwerker LCM. Mudança na graduação das profissões de saúde sob o eixo da integralidade. Cad. Saúde Pública, 2004; 20(5)1400-1410.. Assim, a educação em saúde, acompanhando o desenvolvimento técnico-científico próprio da área, consolidou-se como a transmissão de matérias científicas em detrimento de uma abordagem que assuma o ser humano em suas diferentes dimensões.

Apesar de ser alvo de críticas contundentes, esse formato curricular nas formações em saúde existe e resiste, muito porque o tradicionalismo presente nesses currículos reflete a própria cultura médica, marcadamente hospitalocêntrica e pautada no ensino das especialidades. Compreende-se que a cultura médica “tradicional” tem em seu escopo ideológico o neoliberalismo, o positivismo cartesiano, a cientificidade do método, a fragmentação do sujeito e abordagem de suas partes, a medicalização e a centralidade na doença em detrimento da totalidade da pessoa. Assim também se constitui a maior parte dos cursos de formação médica ditos tradicionais. Nesse contexto, observa-se que um dos maiores desafios para integrar currículos nessas áreas tem sido a organização curricular assumida pelas instituições formadoras e, principalmente, a formação docente, que se mostra insuficiente. Iglésias e Bollela99. Iglésias AG; Bollela VR. Integração Curricular: um desafio para os cursos de graduação da área da saúde. Medicina, 2015; 48(3)265-72. apontam, por exemplo, que, mesmo entre os docentes que se preocupam com a excessiva “fragmentação” dos currículos da formação em saúde e que gostariam de rever suas práticas de ensino na direção de um modelo mais integrado, muitos não se sentem confortáveis ao discutir o assunto por não compreenderem bem como essa “integração” poderia ocorrer.

A integração de conteúdos e a interdisciplinaridade em coerência com o eixo central do desenvolvimento curricular – necessidades de saúde dos indivíduos e populações, identificadas pelo setor saúde – são apontadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Medicina1010. Brasil. Ministério Da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara De Educação Superior. Resolução Nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília: Ministério da Educação, 2014. como possibilidade de desenvolver aprendizagens significativas e contextualizadas, centradas no aluno como sujeito da aprendizagem. Essas recomendações são de fundamental importância na área da saúde, em que a articulação entre aquilo que se aprende e os cenários e práticas profissionais fundamenta (ou pelo menos deve fundamentar) a formação99. Iglésias AG; Bollela VR. Integração Curricular: um desafio para os cursos de graduação da área da saúde. Medicina, 2015; 48(3)265-72..

Sobre o modelo curricular integrado, Alonso postula que este projeto

sustenta-se na necessidade de que, para manter a coerência entre as propostas e os princípios teóricos e a sua realização prática, todas as componentes do currículo e os diferentes contextos e processos de intervenção e concretização devem conjugar-se de forma articulada, para conseguir dar corpo a um projeto comum que oriente a formação integrada dos alunos44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5).. (p. 62-63)

Esse formato de currículo caracteriza-se por sua flexibilidade e coerência teórico-prática, em um formato de planejamento participativo e negociado, tornando-se muito mais democrático e produtivo para os atores do processo, não perdendo o rigor científico, tão necessário à formação de qualquer profissional. Ele é contextualizado em seu território, orientado por princípios e finalidades e baseado no diagnóstico de necessidades dos educadores e educandos, articulado em torno de problemas, questões ou temas pessoal e socialmente relevantes para os participantes (núcleo globalizador e questões geradoras). Sua estrutura curricular integrada respeita os critérios de equilíbrio e articulação vertical e horizontal dos diferentes conhecimentos e capacidades a desenvolver nos processos de ensino e de aprendizagem (mapas de conteúdo e competências transversais). Ademais, as atividades integradoras que o compõem privilegiam as metodologias investigativa, reflexiva, colaborativa e ativa, e defendem uma perspectiva significativa e construtiva do saber e da experiência, de modo que os educandos possam encontrar sentido e relevância no que aprendem e, ao mesmo tempo, fiquem capacitados para “aplicar” e “transferir” (funcionalidade) o que apreenderam em novas aprendizagens, bem como na resolução de situações ou problemas de vida44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5)..

Para Felício1111. Felício HMS. Integração Curricular: desafios de uma parceria interinstitucional. E-Curriculum, 2015; 13(2)214-231., a integração não pressupõe a inexistência da estrutura curricular por disciplinas. Ao contrário, implica preservar as especificidades do conhecimento para propiciar a confluência de diferentes conhecimentos curriculares disciplinares, sem fragmentá-los. Sua função central consiste em uma organização da aprendizagem centrada nos processos de construção do conhecimento próprios dos educandos. Como afirma Alonso,

a abordagem dos problemas, das situações e dos acontecimentos, dentro de um contexto e na sua globalidade, própria da perspectiva globalizadora do ensino, permite uma maior motivação intrínseca do aluno, favorecendo a atividade interna, que lhe permite estabelecer as relações entre as aprendizagens, dando um sentido e significado ao conhecimento e estimulando a sua compreensão e aplicação em novas situações44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5).. (p. 69)

Construir um currículo com essas características curriculares se mostra desafiador na medida em que desloca os formadores de sua “zona de conforto”, onde comumente o trabalho se pauta pela individualidade/especificidade, a fim de construir uma proposta formativa em outro paradigma curricular que, segundo Alonso44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5)., caracteriza-se por uma aprendizagem significativa, globalizadora e crítica, assumindo a centralidade em um processo que integra o meio, as áreas curriculares, os estudantes e, sobretudo, os formadores.

Esse paradigma curricular se adéqua a um projeto de educação em saúde que deve ser pautado na integralidade, na centralidade da pessoa e nas novas demandas sociais do campo da saúde. Desse modo, evidencia-se a relevância do presente trabalho, que intenciona analisar a prática curricular de determinada disciplina a partir da prerrogativa do currículo integrado, assumindo o desafio de apresentar um novo olhar para um currículo de formação médica.

O CURRÍCULO EM AÇÃO

O objeto desta análise é uma disciplina de caráter teórico-prática, inserida na matriz curricular do curso de graduação em Medicina de uma universidade particular do Estado de Minas Gerais. Tal disciplina é ministrada de forma colaborativa entre uma médica com formação em Medicina de Família e Comunidade, que ministra conteúdos teóricos; três médicos preceptores, membros de equipes de Unidades de Saúde da Família (USF) nas quais as práticas acontecem e três docentes com formação em psicologia, haja vista o caráter psicossocial dos conteúdos ministrados.

A disciplina objetiva o desenvolvimento de habilidades para uma escuta médica que supere o engessamento dos protocolos predefinidos (roteiros de anamnese), partindo do desejo de desenvolvimento de uma atenção clínica diferenciada no âmbito da medicina. O objetivo fundamental é, portanto, a compreensão dos múltiplos elementos que compõem a condição clínica da pessoa em atendimento médico, como os aspectos psicológicos e sociais, para além da “condição doença” com suas características. Para tanto, é fundamental o desenvolvimento da habilidade comunicacional e observacional, que culmina no estabelecimento de uma relação médico-paciente funcional.

Dessa maneira, a referida disciplina foi organizada em práticas de entrevista clínica e psicossocial no âmbito da Atenção Primária à Saúde/Estratégia de Saúde da Família e Comunidade, nas quais os acadêmicos são diretamente acompanhados e supervisionados pela docente psicóloga e pelo preceptor médico. A organização dessas práticas, pautada em princípios praxiológicos, prevê ações diretivas (como instruções sobre sua realização e avaliação) e espaços de debate, de análise e discussão teórico-prática, de modo que o conhecimento prescrito no currículo seja, também, construído com e para os educandos, futuros médicos.

Essas práticas, com carga horária semanal de 4 horas, estão organizadas de modo que o estudante realize, em dupla: (1) entrevista clínica diretamente supervisionado pela docente psicóloga, com anamnese biográfica e psicossocial, sistematização do exame psíquico e abordagem em saúde mental; (2) atendimento clínico supervisionado pelo preceptor médico da Unidade de Saúde, realizando coleta e registro dos dados clínicos; (3) discussão reflexiva ao final das atividades realizadas, com análise das questões surgidas na realização das práticas. A carga horária total da disciplina (100 h/a) é dividida entre aulas teóricas na universidade (32 h/a) e aulas práticas em campo (64 h/a), sendo o objeto da análise curricular aqui apresentada.

A construção dessa disciplina, incluindo o formato das aulas, tem sido efetivada em sucessivas avaliações internas, nas quais a equipe docente solicita a avaliação dos alunos que participaram da disciplina, destacando os pontos positivos, negativos e sugestões. A partir desse olhar dos acadêmicos, a equipe realiza uma autoavaliação, atendendo às demandas observadas. Esse movimento culmina em desenvolvimento contínuo, por meio da construção coletiva e prática curricular, considerando que seu campo é o contexto real da Unidade de Saúde – cenário que exige a capacidade de articulação teórico-prática constante, flexibilidade no interjogo planejamento-ação-reflexão-planejamento e, principalmente, autoavaliação e reformulação constantes mediante as necessidades reais que surgem na prática.

OS ELEMENTOS DA INTEGRAÇÃO NA PRÁXIS CURRICULAR

A análise de conteúdo do tipo temática foi a metodologia escolhida para a observação sistemática da prática curricular aqui apresentada. Esta modalidade de análise permite a descrição sistemática das mensagens e inferências sobre os dados, possibilitando compreender e desvelar as relações que se estabelecem entre o referencial teórico e a realidade observada1212. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014., como em nosso caso. Com essa metodologia, descrevemos, sistematizamos e articulamos teoricamente o conteúdo da disciplina analisada em três etapas, segundo propõe Minayo1212. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014.:

  1. Pré-análise: organização do material de análise, com base na descrição da prática curricular em questão. A leitura flutuante do material foi se tornando mais precisa (em função de hipóteses emergentes e da projeção de teorias sobre o material). Nesse momento, determinamos a escolha dos recortes, a forma de categorização e os conceitos teóricos que nortearam a análise;

  2. Exploração do material: procedemos, então, a uma operação classificatória (categorização) de modo a alcançar a compreensão dos dados descritivos por meio de operações de desmembramento do texto em conjuntos segundo os temas que o compunham. A definição das categorias analíticas seguiu o modelo misto, no qual algumas foram selecionadas antecipadamente (a partir da literatura) e outras emanaram do conteúdo. Dessa forma, identificamos quatro dimensões da Integração Curricular na análise do currículo em questão, que se configuraram como categorias: (a) contextualização da prática; (b) integração das áreas curriculares; (c) o papel da prática; (d) integração dos professores;

  3. Tratamento dos resultados obtidos e interpretação: esta etapa consistiu na contextualização das categorias em si mesmas e em relação aos referenciais teóricos que balizaram a construção da análise. Assim, procedemos a uma leitura comparativa pormenorizada de cada uma das categorias, a partir das quais pudemos destacar elementos que se configuraram subcategorias, por se aproximarem do conceito de integração curricular conforme postulado por Alonso33. Alonso MLG. A abordagem de projecto curricular integrado como uma proposta de inovação das práticas na escola básica. Braga: Universidade Do Minho, 2001.,44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5). e Beane22. Beane JA. Integração Curricular: a essência de uma escola democrática. Currículo Sem Fronteiras, 2003; 3(2)91-110. (Figura 1).

    FIGURA 1
    Esquema de análise curricular

Contextualização da aprendizagem

Um dos pressupostos do paradigma da integração curricular consiste em sua localização no meio, mediante abertura e diálogo com a comunidade. Utilizar o meio como recurso fundamental de aprendizagem facilita o estabelecimento da relação entre a aprendizagem de conteúdos acadêmicos e a aprendizagem do cotidiano, que, por sua vez, converte-se no enriquecimento cultural do território educativo envolvente, com abertura e contextualização33. Alonso MLG. A abordagem de projecto curricular integrado como uma proposta de inovação das práticas na escola básica. Braga: Universidade Do Minho, 2001..

Na disciplina analisada, a inserção no contexto visa atender um dos seus objetivos de aprendizagem, condizente com uma diretriz curricular fundamental, que se pauta na intenção de formar profissionais da saúde para atuar na comunidade como agentes promotores da saúde integral do ser humano, com senso de responsabilidade social, empatia, compromisso com a cidadania, com participação e diálogo que visam ao bem-estar da comunidade. Entende-se que, por sua natureza, esse objetivo de aprendizagem somente fará sentido ao acadêmico se houver uma prática capaz de promover contato com a realidade na qual irá atuar. Essa inserção no meio é nomeada Integração Ensino-Serviço-Comunidade e tem como objetivo aproximar o estudante de Medicina da realidade do Sistema Único de Saúde (SUS), da comunidade, do território e do cotidiano das unidades de saúde. Essa prática é comprometida com a construção de uma educação médica crítica e reflexiva, que amplia o olhar do estudante sobre a realidade, fornecendo-lhe ferramentas conceituais e práticas para nela atuar.

Esse modo de organizar o ensino também considera que a capacidade de recuperar o conhecimento adquirido aumenta quando há contextualização do aprendizado. Assim, há muitas recomendações para que as vivências da prática profissional sejam inseridas “precocemente” nos currículos – prática nomeada como “diversificação de cenários de prática” e inserção precoce dos estudantes nestes cenários99. Iglésias AG; Bollela VR. Integração Curricular: um desafio para os cursos de graduação da área da saúde. Medicina, 2015; 48(3)265-72. –, ou seja, desde o início do processo de formação profissional.

Assim, a prática curricular em situações reais de aprendizagem é uma característica fundamental da prática curricular aqui analisada, na medida em que versa seus conteúdos teóricos em ações práticas, no cenário real das Unidades de Saúde da Família (USF). Essa prática está entrelaçada em um contexto educativo, social e político multidimensional, e estes múltiplos elementos, no contexto real das práticas de saúde, impõem sobre a práxis curricular a integração contínua dos diversos fatores que constituem o campo. Essa é outra característica dos currículos integrados, nos quais se observam atitudes e processos de análise, reflexão, investigação e diálogo permanentes com a situação, conectados à complexidade e ao pluralismo cultural dos contextos educativos33. Alonso MLG. A abordagem de projecto curricular integrado como uma proposta de inovação das práticas na escola básica. Braga: Universidade Do Minho, 2001..

A aproximação da comunidade e o contato com os atores em seu meio social são fundamentais para o entendimento dos múltiplos aspectos da relação médico-paciente e sua aplicabilidade no exercício da medicina. A abordagem prática favorece o reconhecimento do paciente como sujeito autônomo e da doença em sua multideterminação. Assim, observam-se importantes avanços em termos de aprendizagem conceitual e prática, bem como facilitação da construção do conhecimento, graças ao estabelecimento de experiências formativas teórico-práticas no cotidiano das ações em saúde.

Integração das áreas curriculares

Elemento fundamental na caracterização do currículo integrado, a integração de áreas curriculares consiste em estruturar conteúdos de forma integrada, respeitando os critérios de equilíbrio e articulação vertical, horizontal e lateral dos diferentes conhecimentos e capacidades a desenvolver nos processos de ensino e de aprendizagem44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5)..

Por adotar o modelo biopsicossocial no ensino da escuta médica, a disciplina analisada assume o compromisso com a ampliação dos conteúdos abordados na prática. Esse modelo orienta que a consulta médica abandone a unicausalidade biológica das doenças e compreenda o sujeito em sua multidimensionalidade (física, psíquica, social e espiritual), implicando, dessa forma, que conhecimentos de diferentes áreas se integrem no entendimento das questões humanas.

Essa característica multidisciplinar do currículo em questão torna-se viável na medida em que se consegue elaborar redes de conteúdos das diferentes áreas do conhecimento e objetivos em termos de competências e atitudes transversais a serem trabalhadas, numa perspectiva globalizadora e integradora do saber e da experiência44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5)..

Para o acadêmico, essa multidisciplinaridade tem sido fundamental na integração de conteúdos antes apartados em disciplinas estanques. Observa-se, ao longo da realização da disciplina, o gradual desenvolvimento da capacidade de trabalhar com múltiplos elementos presentes na relação médico-paciente – que é, principalmente, a relação entre sujeitos – e na história clínica e psicossocial dos sujeitos atendidos.

O papel da prática

Se o currículo é a ponte entre teoria e ação, ele só pode ser analisado sob o prisma da prática, realidade viva do currículo em ação. No presente trabalho, o termo “prática” adquire uma dupla conotação, dois sentidos que dialogam e se relacionam: aqui, ele se refere à ação curricular e também ao formato da disciplina.

A compreensão da prática na perspectiva teórico-prática implica reconhecer que “o conhecimento é um instrumento dinâmico que indivíduos e grupos podem usar para abordar questões nas suas vidas”22. Beane JA. Integração Curricular: a essência de uma escola democrática. Currículo Sem Fronteiras, 2003; 3(2)91-110. (p. 97), de forma que uma disciplina organizada em direção à integração curricular não deve conceber a teoria de forma fragmentada, como recortes do saber limitados a suas fronteiras e, por isso, diminuídos e isolados da realidade.

Segundo Beane22. Beane JA. Integração Curricular: a essência de uma escola democrática. Currículo Sem Fronteiras, 2003; 3(2)91-110. (p. 97), “quando se perspectiva o conhecimento de uma forma integrada, torna-se possível definir os problemas de um modo tão amplo tal como existem na vida real, utilizando um corpo abrangente de conhecimento para os abordar”. Assim, o conhecimento passa a ser significativo, uma vez que ele assume a contextualização enquanto essência do seu próprio desenvolvimento. Dessa forma, essas práticas são articuladas em torno de problemas, para que seus conteúdos sejam entendidos a partir das questões suscitadas na prática, no contexto da atividade profissional do futuro médico. Segundo Alonso44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5). (p. 72), um Currículo Integrado articula “problemas, questões ou temas pessoal e socialmente relevantes para os participantes, que funcionam como núcleos ou eixos globalizadores em torno dos quais se articula e sequencializa o processo curricular”. Para tanto, observamos o emprego de uma metodologia problematizadora para a construção do conhecimento teórico-prático.

O ensino por problematização baseia-se no processo de detecção de problemas reais e de busca por soluções originais, que parte da observação da realidade, com base na qual o estudante levanta questões centrais que serão objeto de teorização, com o intuito de elaborar hipóteses de ações aplicáveis na própria realidade1313. Mitre SM et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Ciência & Saúde Coletiva, 2008; 13(Sup2)2133-2144.. Essas etapas foram sistematizadas pelo francês Charles Maguerez na década de 1970 e ficaram conhecidas como Arco de Maguerez (Figura 2).

FIGURA 2
Arco de Maguerez (reproduzido de Mitre et al.1313. Mitre SM et al. Metodologias ativas de ensino-aprendizagem na formação profissional em saúde: debates atuais. Ciência & Saúde Coletiva, 2008; 13(Sup2)2133-2144.)

Na análise dessa prática curricular, essa sistematização tomou a forma apresentada no Quadro 1.

QUADRO 1
Etapas do Arco de Maguerez e respectiva aplicação

Segundo esse olhar, compreende-se o caráter teórico-prático da disciplina, que extrapola a esfera da sala de aula e articula, de forma transversal, os conteúdos teóricos na prática cotidiana dos serviços de saúde, objetivando que o acadêmico experimente e vivencie a realidade para o desenvolvimento de habilidades. O papel da prática também vai ao encontro da lógica construtivista, na qual a pessoa que aprende não é limitada por suas capacidades cognitivas, mas, sim, mobilizada em suas dimensões afetivas, sociais e motoras no sentido de propiciar a atividade interna/externa na construção do conhecimento33. Alonso MLG. A abordagem de projecto curricular integrado como uma proposta de inovação das práticas na escola básica. Braga: Universidade Do Minho, 2001..

Integração dos professores

Uma característica que diferencia a disciplina analisada de muitas outras é a composição de uma equipe de trabalho diversificada, com variados enfoques teóricos e formações acadêmicas: Medicina Geral, Medicina de Família e Comunidade, Psicologia Social, Psicologia Analítica, Psicanálise e Saúde Pública. Essa característica implica uma necessária integração de saberes e práticas na construção da disciplina.

A experiência da construção do currículo de forma coletiva e colaborativa vai ao encontro dos pressupostos da integração curricular, uma vez que se apresenta como condição sine qua non para o seu desenvolvimento, planejamento e gestão participativa e negociada entre todos os participantes do projeto (estudantes, professores e outros parceiros), por meio de processos de colaboração que os impliquem e responsabilizem pelas decisões, processos organizativos e de construção do conhecimento característicos dessa metodologia44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5).. Assim, a docência gerida de forma colaborativa e compartilhada, no caso específico da disciplina em questão, se faz por meio de avaliação contínua e formativa sobre os processos e os resultados, por intermédio da qual se pode questionar, problematizar e clarificar as práticas e as teorias que os sustentam, através do processo reflexivo que os antecede, tal como afirma Alonso44. Alonso MLG. Para uma teoria compreensiva sobre integração curricular: o contributo do Projeto “Procur”. Investigação e Práticas, 2002(5).. Esse processo busca articular as concepções de cada participante, em especial da equipe pedagógica, para a constante construção das práticas curriculares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os currículos médicos caracterizam-se historicamente pela fragmentação dos conteúdos em disciplinas estanques, de modo que as últimas décadas têm sido marcadas por uma ampla discussão do papel do ensino médico e pelo reconhecimento de que o modelo curricular e de ensino tradicional, pautado na transmissão e na memorização dos conteúdos teóricos e isolados entre si, não favorece a formação de um egresso com perfil humanista – formado para a atenção individual e coletiva, e que considera as múltiplas dimensões que compõem o espectro da diversidade humana1010. Brasil. Ministério Da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara De Educação Superior. Resolução Nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília: Ministério da Educação, 2014..

Nesse sentido, observam-se que propostas de configurações curriculares inovadoras se baseiam na integração dos conteúdos teórico-práticos como estratégia de renovação do tradicional currículo médico. Essas ações compreendem uma experimentação prática e reflexiva, na medida em que implicam sair de um lugar-comum e confrontar-se com a experiência de uma nova práxis curricular.

A disciplina aqui analisada insere-se nesse contexto. Seu formato compreende a superação dos protocolos predefinidos, possibilitando que docentes e acadêmicos se impliquem na construção do conhecimento no contexto real das práticas de saúde. Assume o compromisso com a ampliação da experiência prática, a flexibilização da teoria e a construção colaborativa da práxis curricular. Sua organização aponta uma prática coerente com os objetivos, em um formato participativo, colaborativo e contextualizado que propõe modos de aprendizagem significativa, reflexiva e crítica. Essas qualidades vão ao encontro do paradigma da integração curricular, uma vez que a disciplina organiza seu currículo com coerência teórico-prática, com base num desenho progressivo e aberto, de forma sistêmica e colaborativa, enraizada no meio, articulada em torno de problemas e com competências transversais.

A análise dessa prática possibilitou perceber como a formação médica pode se beneficiar de uma organização curricular integrada, que oferta diversificação e diálogo entre saberes distintos, relevantes na investigação e resolução de problemas no processo saúde-doença. A transposição desse modelo para o curso como um todo possibilita a consolidação de um saber médico integral, centrado no sujeito que aprende, e na pessoa humana como elemento central da Medicina – qualidades essencialmente humanísticas hoje preconizadas pelas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Medicina1010. Brasil. Ministério Da Educação. Conselho Nacional De Educação. Câmara De Educação Superior. Resolução Nº 3, de 20 de junho de 2014. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em Medicina e dá outras providências. Brasília: Ministério da Educação, 2014..

Consideramos que essas proposições melhoram substancialmente a qualidade da educação médica oferecida pela instituição formadora. No entanto, ao abordarem os temas de inovação e mudança curricular, deparam-se com os desafios da construção de um modelo integrado, haja vista que uma proposta dessa natureza solicita de seus atores a descompartimentalização de saberes, flexibilização das prescrições, rompimento com as fronteiras das especialidades, superação do tradicionalismo no ensino, diálogo e participação colaborativa na construção do currículo, destituição de certo “poder médico/docente”, abertura ao real e inesperado, e movimentação em busca de novas soluções, entre outras qualidades ainda desafiadoras para as instituições.

Este trabalho aponta caminhos em direção à inovação na educação médica, apresentando uma prática curricular que, embora atinente a uma disciplina, revela o quão funcional é um ensino baseado na integração curricular, permitindo que o ensino em medicina seja um processo vivo, eficaz em seu propósito e capaz de sensibilizar os educandos para a permanente reflexão sobre o processo humano de saúde-doença-cuidado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2018

Histórico

  • Recebido
    12 Mar 2018
  • Aceito
    4 Abr 2018
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