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Editorial

EDITORIAL

João José Neves Marins

Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil; Diretor Executivo da Associação Brasileira de Educação Médica

Nos últimos anos temos vivido intensas discussões sobre a necessidade de mudanças na formação profissional na área de saúde. Todavia, nem sempre as propostas apresentadas se fundamentam nos mesmos princípios ou utilizam as mesmas estratégias operacionais.

Muitas das expressões utilizadas, oriundas de diferentes fontes inspiradoras ou criadoras, são interpretadas de forma diferente pelos diversos profissionais, embora nos diferentes discursos as utilizem como se fossem consensuais.

Temos observado que grande parcela das recomendações se prende quase exclusivamente a questões pedagógicas, como a necessidade de incorporar um método de ensino mais apropriado ou utilizar tecnologias inovadoras.

Sabemos que o processo de educação tem sido amplamente analisado e que a incorporação dos métodos ativos de aprendizagem traz contribuições vantajosas para a educação médica. Portanto, incentivamos plenamente a inclusão dos atuais métodos que privilegiam o aprender a aprender e a troca de aulas expositivas pela participação ativa dos estudantes na resolução de situações-problema.

Em particular, gostaríamos de criticar as questões relacionadas à avaliação do estudante. Tradicionalmente vem sendo utilizada uma verificação do conhecimento por meio de instrumentos que medem habilidades eminentemente cognitivas. Mas as ações do profissional médico apresentam, principalmente, um caráter prático e grande envolvimento das relações afetivas. Portanto, devemos incentivar uma avaliação calcada nos objetivos, competências, habilidades e atitudes a serem adquiridos durante a participação do estudante em seus respectivos cenários de aprendizagem. É preciso utilizar processos que permitam verificar a capacidade prática adquirida, assim como as atitudes do estudante junto à clientela, aos familiares e aos demais membros presentes, incluindo-se também a relação com os demais componentes da equipe de trabalho.

Além das questões pedagógicas, gostaríamos de ressaltar um dos focos muitas vezes esquecido nos projetos de mudança na formação médica: as competências do profissional para atender às necessidades de saúde da população considerando-se a relação tempo/espaço onde serão exercidas as atividades. A maioria dos currículos vem obedecendo a lógicas de tempos anteriores, sendo operados em diferentes locais dos que servirão de espaço de trabalho aos estudantes.

Temos observado alterações importantes no perfil demográfico e epidemiológico da população. Hoje, grande parcela da população tem mais de 50 anos, e a freqüência das enfermidades tem variado em função do tempo e do espaço.

O desenvolvimento tecnológico e científico tem permitido estabelecer diagnósticos e procedimentos diferentes dos preconizados em períodos anteriores.

As relações socioculturais se alteram com o tempo nos diferentes espaços, novos valores são construídos, identificam-se influências psíquicas importantes na qualidade de vida, o meio ambiente se atrela a questões econômicas. Em síntese, busca-se estudar, cada vez mais, os determinantes do processo saúde-doença, que se estendem muito além das questões meramente biológicas.

Este cenário fundamenta a necessidade de rever o processo de trabalho profissional e adequá-lo a um modelo tecnoassistencial voltado a atender melhor às necessidades de saúde da população. E é neste sentido que entendemos que a estruturação dos currículos das Escolas Médicas do Brasil deva estar dirigida.

As diversas formas de organização dos serviços de saúde no Brasil, passando em especial pelos modelos campanhista, sanitarista clássico, liberal e previdenciário, foram constituídas a partir do final dos anos 1960. Na década de 1970, em particular, constituiu-se um modo hegemônico de tratar as enfermidades - de forma hospitalocêntrica -, valorizando-se o assistencialismo.

Surgiram vários movimentos em busca de uma adequação do modelo assistencial para o Brasil. Entre estes, a retomada do movimento dos "sanitaristas desenvolvimentistas". Reconstituindo o projeto da reforma sanitária, este movimento trouxe grandes contribuições para as bases da organização e formalização do SUS.

O Sistema Único de Saúde brasileiro é o instrumento legal que orienta a organização do serviço de saúde voltada à universalização do atendimento, à descentralização, à eqüidade e à hierarquização do serviço, contando com o referendo e o controle social por meio das conferências e dos conselhos municipais, estaduais e nacionais de saúde. Portanto, é o nosso referendo para a ordenação da formação profissional em saúde.

Quando nos referimos à formação para atender aos princípios do SUS, não estamos nos reportando, como alguns entendem, apenas a um nível de complexidade dos serviços. Estamos falando do Sistema de Saúde Brasileiro, que, por princípios constitucionais, envolve a atenção à totalidade de nossa população, seja ele operado pelo sistema público ou privado, em todos os níveis de complexidade dos serviços de saúde.

Em 2008, quando comemoramos os 200 anos de Educação Médica no Brasil, 30 anos de Alma-Ata - que nos trouxe os princípios da Atenção Básica de Saúde - e 20 anos da constituição dos fundamentos do SUS, lançamos um número da revista da ABEM concentrado numa das experiências bem-sucedidas de integração entre ensino, serviço e sociedade no Brasil como uma das estratégias de sistematização da produção referente ao assunto, abrindo espaço para incluir iniciativas semelhantes.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Jun 2008
  • Data do Fascículo
    Jun 2008
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