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A UTILIZAÇÃO DE MATERIAL INSTRUCIONAL E SUA INFLUÊNCIA NO APRENDIZADO DE ALUNOS DE PEDIATRIA

Resumo:

Os autores apresentam os resultados de uma experiência pedagógica com alunos do Curto de Pediatria Preventiva & Social I do Departamento de Pediatria da faculdade de Medicina da USP. Foi utilizado um manual de orientação (Estudo Dirigido) em relação a cerca de metade dos alunos e foi possível comprovar o melhor desempenho dos alunos que receberam o material instrucional.

Summary:

The results of a pedagogic experience with students of the Preventive and Social Pediatrics Course I of the Department of pediatrics, University of São Paulo School of Medicine, is presented. A Manual of Orientation was used by approximately one half of the students and it was possible to confirm the best performance among those students who received the Manual.

INTRODUÇÃO

Os alunos do quarto ano da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo participam desde 1970 de um Curso de Pediatria Preventiva e Social (Disciplina de Pediatria Preventiva e Social I, MPE-411, com 7 créditos-aula = 105 horas). Esta Disciplina tem como objetivo principal acompanhar um grupo de crianças atendidas em Centro de Saúde da Capital de São Paulo, o que permite: a) avaliar seu crescimento e desenvolvimento, promovendo condições de boa higiene; alimentar, antiinfecciosa, mental e de ambiente físico; b) detectar e tratar as doenças mais comuns nesta população e c) interagir com ela através de processo educativo participante.

Para a concretização de tais objetivos, estes alunos recebem instruções teóricas uma vez por semana num período de 2 a 3 horas sendo os temas destas aulas referentes aos seguintes módulos de ensino: crescimento e desenvolvimento, aleitamento materno, higiene alimentar, higiene antiinfecciosa, higiene mental, higiene do ambiente físico, distrofias e educação em saúde.

Paralelamente desenvolvem, nos consultórios do Centro de Saúde Escola “Prof. Samuel B. Pessoa”, na Capital de São Paulo (que mantém convênio com a USP), as atividades práticas. Neste local os alunos têm a oportunidade de atender crianças de 0 a 14 anos, supervisionados por assistentes da Disciplina de Pediatria Preventiva e Social. Permanecem no Centro de Saúde por um período de quatro horas por semana, em sistema contínuo durante 16 semanas, dando atendimento à sua clientela, não somente através da consulta médica, mas, também, interagindo com outros profissionais de equipe multiprofissional tais como atendentes, visitadores domiciliares, assistentes sociais, educadora, dentista, fonoaudióloga e outros.

Este curso, é claro, sofreu aprimora mento desde quando foi instituído, mas não mudou em essência substancialmente, pois, a realização sistemática de avaliações no final dos mesmos, junto aos alunos, permitiu ao grupo de assistentes supervisores verificar que eles gostavam do curso da forma como havia sido instituído e que o aproveitamento por parte dos alunos era bom. No entanto, acredita-se que apesar de ser bom e bem aceito, poderia ser ainda melhor.

Em Universidades de países ditos desenvolvidos é comum o uso de manuais para facilitar a aprendizagem, manuais estes que contêm de forma sistematizada questões relativas ao conteúdo dos cursos ou exercícios outros que permitam ao aluno recorrendo aos professores, a outros elementos de equipe ou então a referências bibliográficas atingir mais facilmente os objetivos de um dado curso. Estes manuais utilizam também recursos visuais através de cores e desenhos para promover estimulação maior dos alunos.

Decidiu-se, então, pela produção de um manual de estudo para ser utilizado pelos alunos e que lhes permitisse ainda melhores condições de aprendizagem.

O objetivo terminal deste trabalho foi verificar as condições de aprendizagem de um grupo de estudantes do 4.o ano de Medicina da FMUSP em 1984, utilizando um manual de estudo denominado Estudo Dirigido (E.D.).

MATERIAL E MÉTODOS

Este trabalho foi realizado em 3 fases:

Primeira fase:

Nesta através de reuniões de grupo, procedeu-se a uma análise minuciosa dos objetivos gerais do Curso de Pediatria Preventiva e Social I e, em particular, de seus objetivos específicos. Desta forma definiu-se, então, o conteúdo inicial do manual (E.D.).

Descrição do manual a ser utilizado neste estudo (E.D.)

Consta, numa primeira parte, da apresentação dos objetivos do curso seguida de uma série de proposições para levar à reflexão sobre os mesmos, com intuito de promover uma melhor compreensão por parte do aluno no que diz respeito às tarefas que ele deverá realizar durante o período predeterminado para o Curso.

Sendo este subdividido em módulos relativos a crescimento e desenvolvimento, aleitamento materno, higiene alimentar, higiene mental, higiene de ambiente físico, distrofias e educação em saúde, apresenta-se no manual uma série de questões, referentes a cada um dos módulos, que foram consideradas fundamentais para alcançar os objetivos do Curso.

Estas questões são entremeadas de sugestões para que os alunos consultem bibliografias (citadas no manual), procurem ajuda de seus próprios colegas, busquem auxílio de equipe multiprofissional e do assistente responsável pelo seu grupo. A seguir apresenta-se um modelo de um caso clínico onde se solicita que o aluno responda a algumas questões e redija uma folha de orientação (prescrição pediátrica) para a criança descrita no caso escolhido.

Finaliza o ED um quadro que permite ao aluno fazer uma auto-avaliação do seu desempenho.

Segunda fase:

O manual foi apresentado a quatro grupos de alunos do segundo semestre do quarto ano de Medicina da FMUSP em 1983, participantes do Curso de Pediatria Preventiva e Social I supervisionados por quatro assistentes do Departamento de Pediatria da FMUSP, perfazendo um grupo de 40 alunos.

Neste fase pretendeu-se:

  1. testar a compreensão do ED pelos alunos;

  2. testar a forma de apresentação das diversas partes do ED junto aos alunos e assistentes;

  3. testar a utilização do ED pelos assistentes.

Para a realização desta fase foram elaborados dois formulários para serem aplicados junto aos alunos e assistentes ao final do Curso.

Procedeu-se, a seguir, ao preparo da população.

Alunos

  1. todos receberam um exemplar do ED preparado com o intuito de melhorar e facilitar o processo de aprendizagem;

  2. explicaram-se os objetivos da pesquisa e o valor da avaliação formativa;

  3. solicitou-se a todos a devolução do ED no final do Curso para se proceder a um melhor estudo do material e reformulação se necessário e

  4. foram informados de que, na mesma ocasião, deveriam responder a um formulário contendo questões que permitiriam uma avaliação sobre o conteúdo do ED.

Assistente

  1. todos receberam um exemplar do manual;

  2. foram informados de que poderiam ajudar os alunos em todas as fases da utilização deste instrumento, se solicitados;

  3. não foram informados a respeito do conteúdo do formulário a ser aplicado no final do Curso para os alunos e

  4. foram informados de que nos final do Curso deveriam responder a um formulário preparado especialmente para eles, contendo questões que permitiriam aos mesmos dar sugestões sobre o manual.

Terminada esta segunda fase, e na dependência de seus resultados, dever-se-iam fazer as reformulações necessárias ao manual se este fosse bem aceito, e proceder à terceira fase, esta com o intuito de avaliar o valor do mesmo no processo de aprendizagem.

Terceira fase:

A terceira fase foi programada para todos os alunos do quarto ano do Curso de Pediatria Preventiva e Social I da FMUSP do ano de 1984.

Foi decidido que: a) os alunos do primeiro semestre deste ano não deveriam receber o material em estudo e seriam submetidos a uma avaliação no início do Curso e a outra no final do Curso; b) todos os alunos do segundo semestre deste ano deveriam receber o manual, seguindo a mesma técnica aplicada na distribuição do mesmo na fase anterior e, também, seriam submetidos a uma avaliação inicial e a uma avaliação final e c) proceder-se-ia a um estudo das médias alcançadas pelos dois grupos de alunos no final do estudo, para tanto utilizar-se-iam testes estatísticos de significância que envolvem diferenças amostrais (diferenças de médias e média das diferenças).

As avaliações, tanto inicial como final, preparadas para os alunos foram provas escritas cujo conteúdo foi extraído do próprio manual em estudo.

Os objetivos e a metodologia básica do Curso foram mantidos durante todo o período de estudo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No formulário aplicado aos alunos na segunda fase foram obtidas respostas relativas aos seguintes aspectos:

  1. interesse pelo Curso utilizando o ED

  2. aproveitamento do Curso utilizando o ED

  3. linguagem do ED

  4. seqüência do ED

  5. o EO como elemento motivador da aprendizagem

  6. a metodologia utilizada e o tempo gasto para estudos

  7. a metodologia utilizada e a aprendizagem

  8. o papel do ED na avaliação formativa

  9. a colaboração dos assistentes na utilização do ED

  10. sugestões visando a melhorar o ED

Quanto ao interesse apresentado pelos alunos no Curso utilizando o ED, 11 alunos em um total de 40 consideraram que havia aumentado e 29 acharam que o interesse permeceu o mesmo. No entanto, quando questionados quanto ao aproveitamento do Curso com o ED, 35 alunos consideraram que foi melhor ou muito melhor do que os outros cursos já oferecidos, sendo que apenas quatro consideraram igual aos já oferecidos, havendo um caso de ausência de resposta (Tabela 1).

Tabela 1
Aproveitamento do Curso de Pediatria utilizado o Estudo Dirigido

Os alunos justificaram este melhor aproveitamento do Curso declarando que o ED sintetiza e sistematiza o estudo, reforça, chama atenção para pontos importantes, ordena e facilita a fixação, provoca dúvidas e conseqüentemente estimula a leitura de textos para a resolução dos mesmos e permite uma auto-avaliação em relação ao aproveitamento.

A linguagem foi considerada clara e eficiente Para 32 alunos e não muito clara para oito alunos, sendo que a seqüência foi considerada lógica e ideal por todos os alunos (“pois acompanha a evolução do curso teórico e prático”).

O ED foi considerado motivador e bastante motivador no processo de aprendizagem por 27 dos 40 alunos, sete alunos consideraram-no regularmente motivador, quatro pouco motivador e dois não responderam (Tabela 2).

Tabela 2
o estudo Dirigido como elemento motivador da aprendizagem

Quando argüídos quanto à metodologia utilizada e o tempo gasto para estudos, 34 alunos consideraram-na boa, muito boa e regularmente boa, enfatizando que havia diminuído o tempo gasto para estudos. Apenas um considerou-a má e cinco não responderam à questão (Tabela 3).

Tabela 3
Metodologia utilizada e tempo gasto para estudos

Trinta e três alunos consideraram que com esta metodologia aprenderam muito mais, ou mais; apenas dois acharam que aprenderam tanto quanto já faziam antes e cinco não responderam (Tabela 4).

Tabela 4
Metodologia utilizada e aprendizagem

Quando se avaliou o fato do ED poder funcionar como um incentivo à avaliação formativa, 30 responderam afirmativamente, seis responderam que não e quatro alunos não responderam. Os que responderam afirmativamente justificaram que o ED leva à verificação constante de conhecimentos, ao conhecimento dos objetivos (e se estão sendo alcançados) e que o manual reforça conceitos e mobiliza para estudos.

Quanto à colaboração dos assistentes na utilização do ED, 23 alunos declararam que o assistente colaborou, nove que os mesmos não colaboraram, cinco não solicitaram a colaboração e três não responderam.

Em relação às sugestões solicitadas para a melhoria do manual, a maior parte dos alunos queria a apresentação de mais casos clínicos para exercitarem-se, mais discussão das perguntas em aula (incentivando a colabo ração dos assistentes de aulas práticas), maior quantidade de questões relativas aos módulos de ensino e muitos solicitaram que o trabalho fosse continuado tendo em vista sua excelente qualidade.

Diante destes resultados decidiu-se dar início à terceira fase do trabalho promovendo então o envolvimento de todos os assistentes do grupo.

Os alunos do primeiro semestre que não receberam o ED, submetidos à avaliação inicial programada, alcançaram uma média aritmética de 3,35 na prova inicial (N = 84 alunos) e na avaliação final atingiram 6,63 de média (N = 87 alunos). Os alunos do segundo semestre, que receberam o ED, obtiveram média 4,61 na avaliação inicial (N = 75 alunos) e atingiram média 8,97 na avaliação final (N = 82 alunos) (Tabela 5 e Figura 1).

Tabela 5
Avaliações, número de alunos e médias aritméticas referentes aos grupos de estudo

Fig. 1
Histograma correspondente às medias aritméticas obtidas nas avaliações iniciais e finais do grupo de alunos que recebeu o estudo dirigido (Grupo ED) e do grupo controle que não o recebeu (Grupo CO).

O teste t de Student aplicado com intuito de verificar se a média final dos alunos do segundo semestre difere significativamente da média final dos alunos do primeiro semestre foi positivo33. SPIEGEL, M. - Estatística. São Paulo, Me Graw-Hill do Brasil, pág. 282, 1972..

Para um t = 12,86820, p <0,001, ou seja a média final do grupo que recebeu o ED é significativamente maior que a média final do grupo que não o recebeu.

A seguir estudou-se a amostra procedendo a um pareamento apenas entre os alunos que haviam realizado avaliações inicial e final. Calculamos as diferenças entre as notas obtidas entre estas duas avaliações para os dois grupos de alunos (os que receberam e os que não receberam o ED); procedeu-se ao cálculo das diferenças médias encontradas em cada grupo e aplicou-se novamente o teste t de Student para verificar se a diferença média entre as avaliações iniciais e finais do segundo grupo era significativamente maior que a do primeiro grupo11. MORETTIN, P. A. & BUSSAB, W. O. - Estatística Básica. 2 ed. São Paulo. Atual, pág. 262 a 276, 1984.. O resultado foi p < 0,0002 para t = 3,613. Isto indica que o grupo que recebeu o ED não apenas apresentou média final diferente daquelas que não o receberam, como também que a diferença média entre as avaliações iniciais e finais dos alunos é significativamente maior neste grupo que aquela encontrada no grupo que não recebeu ED.

CONCLUSÕES

O processo de ensino visando a uma ótima aprendizagem deve ser algo agradável, dinâmico e extremamente efetivo. Deve ser precedido de uma exposição clara e eficiente dos objetivos do curso programado, feita com palavras acessíveis e numa seqüência lógica. Deve conter em sua apresentação, paralelamente, uma oportunidade para os alunos refletirem sobre os mesmos, oferecida de modo prático (através de reuniões) e teórico (através de material escrito)22. NERICI, I. G. - Metodologia do Ensino. Uma Introdução. 2 ed. São Paulo, Atlas. 1981.. A utilização de um manual que permita isto foi útil no entendimento do curso programado e motivou um melhor aproveitamento do mesmo, como foi constatado na primeira fase do trabalho, através da própria opinião dos alunos e professores.

A possibilidade de realizar exercícios respondendo a questões selecionadas e de executar exercício teórico relativo ao atendimento de uma criança permitiu ao aluno refletir melhor sobre determinados fatos considerados mais importantes e treinar uma consulta de atendimento ambulatorial de uma criança.

Isto pareceu útil já que os alunos consideraram que até seria bem interessante aumentar o número de questões e de casos clínicos propostos para estudo, pois segundo eles, facilitavam a aprendizagem.

A avaliação efetiva da aprendizagem nem sempre é tarefa fácil de ser concretizada. Requer condições básicas muito semelhantes nos grupos de estudo. A utilização da análise das médias aritméticas dos alunos submetidos ao estudo, mostrou diferença significativa quando comparamos os dois grupos (com ED e sem ED) sugerindo um melhor rendimento do grupo que utilizou o ED durante o Curso de Pediatria Preventiva e Social I.

A análise das diferenças entre as notas obtidas na avaliação inicial e final de cada aluno utilizando e não utilizando o ED, demonstrou também melhores resultados para o grupo que recebeu o material didático em estudo. Sugere-se que outras experiências deste tipo sejam feitas para que conclusões mais amplas possam ser estabelecidas.

Agradecimentos

Os autores agradecem a colaboração prestada pelos Drs. Francisco F. De Fiore, Hugo Issler, G. Sperotto e Francisco R. Carrazza e pela acadêmica Adriana S. Mascaretti do Instituto de Matemática e Estatística da USP.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    MORETTIN, P. A. & BUSSAB, W. O. - Estatística Básica. 2 ed. São Paulo. Atual, pág. 262 a 276, 1984.
  • 2
    NERICI, I. G. - Metodologia do Ensino. Uma Introdução. 2 ed. São Paulo, Atlas. 1981.
  • 3
    SPIEGEL, M. - Estatística. São Paulo, Me Graw-Hill do Brasil, pág. 282, 1972.
  • 2
    Estudo dirigido: poderá ser encontrado na Biblioteca do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da USP., situada no Instituto da Criança "Prof. Pedro de Alcântara” do Hospital das Clínicas da FMUSP (Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647 - CEP: 05403 - Cerqueira César - SP) - informações por correspondência: - Dra. Luiza A. S. Mascaretti Departamento de Pediatria da FMUSP. (Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 647 CEP: 05403 - Cerqueira César - SP)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 1987
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