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Impacto da Capacitação de Profissionais da Rede Pública de Saúde de São Paulo na Prática da Fitoterapia

Resumo:

Introdução:

Após a aprovação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e da Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos em 2006, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente de São Paulo iniciou o curso “Plantas Medicinais” que posteriormente foi ampliado para curso “Plantas Medicinais e Fitoterapia”, com o propósito de capacitar profissionais de saúde. Este estudo teve como objetivo avaliar o impacto das edições de 2014 e 2015 do curso “Plantas Medicinais e Fitoterapia” nas práticas profissionais.

Métodos:

Realizou-se estudo exploratório, descritivo, com abordagem quali-quantitativa. No processo quantitativo (fase I), enviou-se um questionário via e-mail para profissionais de saúde egressos do curso, divididos em sete categorias: biomédico, cirurgião-dentista, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, médico e nutricionista. Do total de 165 questionários, 114 foram respondidos (69,1%). No processo qualitativo e quantitativo (fase II), realizaram-se entrevistas semiestruturadas, presenciais e individuais visando obter informações detalhadas da prática fitoterápica. Entrevistaram-se 73 profissionais de saúde a fim de comparar as práticas deles antes e depois da capacitação.

Resultados:

O curso impactou positivamente a aceitação e a aplicação da fitoterapia pelos profissionais de saúde, com um aumento significativo (p < 0,001) na ampliação de atividades relacionadas à fitoterapia (rodas de “chás”, “hortas medicinais” e capacitação). Houve ainda impacto na aplicação de produtos à base de plantas como Matricaria chamomilla (camomila), Maytenus ilicifolia (espinheira-santa) e Valeriana officinalis (valeriana). Verificou-se também aumento no conhecimento dos riscos da fitoterapia, embora sem o respectivo aumento na notificação de reações adversas. O estudo confirmou a importância da inclusão dos cursos em “Plantas Medicinais e Fitoterapia” na graduação e na pós-graduação, bem como da capacitação técnica e educação permanente para profissionais de saúde do SUS.

Conclusão:

O impacto positivo na quase totalidade dos aspectos avaliados, como o aumento do conhecimento e a prescrição de fitoterápicos, confirma a importância de tais cursos. Os resultados sugerem que a capacitação promoveu impacto positivo na prática fitoterápica dos profissionais da rede pública de saúde de São Paulo.

Palavras-chave:
Fitoterapia; Plantas Medicinais; Educação em Saúde; Atenção Primária à Saúde

Abstract:

Introduction:

Following the introduction in 2006 of the National Policy on Integrative and Complementary Practices, and The National Policy on Medicinal Plants and Herbal Medicines, the Municipal Secretariat for the Environment of the City Hall of Sao Paulo initiated the Medicinal Plants Course, later expanded to The Medicinal Plants and Herbal Medicines Course for the training of health professionals. This study aimed to evaluate the impact of the 2014 and 2015 edition of the course “Medicinal Plants and Herbal Medicines” on health professional practices.

Methods:

An exploratory and descriptive study was conducted with a qualitative-quantitative approach. The quantitative process (Phase I) consisted of a questionnaire being emailed to health professionals who were involved in the course, divided into seven categories: biomedical professional, dental surgeon, nurse, pharmacist, physiotherapist, physician and nutritionist; and, out of 165 questionnaires, 114 responses were received (69.1%). The Qualitative and Quantitative process (Phase II), comprised semi-structured, in-person individual interviews to obtain detailed information on Phytotherapy practices, with 73 health professionals being interviewed, before and after the training, comparing their practices afterwards.

Results:

The course had a positive impact on the acceptance and application of Phytotherapy by health professionals with a significant increase (p<0.001) in the expansion of activities related to Phytotherapy (herbal tea “meetings”, medicinal herb gardens and capacity training), regarding the use of herbal products, such as Matricaria chamomilla (chamomile), Maytenus ilicifolia (espinheira-santa), Valeriana officinalis (valeriana). An increase in the knowledge of Phytotherapy risks was also observed, although there was no increase in the reporting of adverse reactions. The study confirmed the importance of the inclusion of Medicinal Plants and Herbal Medicines Courses as part of undergraduate and postgraduate school, as well as the technical training and continuing education for SUS health professionals.

Conclusion:

The positive impact found out in almost all evaluated aspects, such as the increase in the knowledge and in the prescription of herbal medicines, confirms the importance of such courses. The results suggest the training promoted a positive impact on the Phytotherapy practice of the Public Health System professionals in São Paulo.

Keywords:
Phytotherapy; Medicinal Plants; Health Education; Primary Health Care

INTRODUÇÃO

O uso de plantas medicinais é fundamentado no acúmulo de informações por sucessivas gerações que constituíram as bases para tratamento de diferentes doenças11. Efferth T, Greten HJ. Traditional medicine with plants - present and past. Med Aromat Plants 2014;3:e151.. Passou a ser oficialmente reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) a partir de 1978, durante a Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, pela Declaração de Alma-Ata22. Organização Pan-Americana de Saúde. Declaração de Alma-Ata: Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde. Alma-Ata: URSS; 1978..

No Brasil várias iniciativas de inclusão da fitoterapia e de outras práticas foram feitas a partir de 1980. Na 8ª Conferência Nacional de Saúde, introduziram-se os conceitos sobre as práticas alternativas nos serviços de saúde33. Ministério da Saúde. 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) - relatório final. Brasília: Ministério da Saúde; 1986.. Em 2006, aprovaram-se a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) e a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF). A PNPMF incluiu a fitoterapia visando à garantia de acesso seguro e uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos44. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS - PNPIC-SUS. Brasília: Ministério da Saúde ; 2006.,55. Presidência da República. Decreto nº 5.813, de 22 de junho de 2006. Aprova a política nacional de plantas medicinais e fitoterápicos. Diário Oficial da União 23 jun 2006..

Como parte da PNPMF, o Ministério da Saúde (MS) em 2007 incluiu fitoterápicos na lista de medicamentos essenciais, de modo a estimular e financiar sua utilização na rede pública, e atualmente 12 estão na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename), os quais podem ser adquiridos com subsídio financeiro dentro da política da assistência farmacêutica66. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos. Relação Nacional de Medicamentos Essenciais: Rename 2018. Brasília: Ministério da Saúde ; 2018..

Estabelecida a fitoterapia como política de saúde e disponibilizados os fitoterápicos, evidenciou-se a necessidade de capacitação dos profissionais das redes públicas, principalmente por deficiências nos cursos de graduação ou mesmo de reciclagem. Em 80% dos programas de plantas medicinais e fitoterápicos avaliados no Brasil, os médicos que não aderiram aos serviços de fitoterapia atribuem-no ao fato de não possuírem conhecimentos, e 71% apontaram cursos de capacitação como estratégia para aumentar a aderência de prescritores77. Camargo EES. Avaliação dos programas de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos, visando subsidiar a sua reorientação no Sistema Único de Saúde. Araraquara. Tese [Doutorado em Ciências Farmacêuticas] - Universidade Estadual de São Paulo; 2010..

Em 2012, o Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde realizou o curso de Fitoterapia a distância para médicos do Sistema Único de Saúde (SUS), que abrangeu 313 médicos inscritos, dos quais 191 (61%) concluíram o curso88. Associação Médica Brasileira de Fitomedicina. Informe sobre o curso EAD em Fitoterapia para Médicos do SUS - Turma 2012 [acesso em 18 set 2018]. Disponível em: Disponível em: http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/dezembro/30/II-snpmfaf-curso-ead-fitoterapia.pdf .
http://portalarquivos2.saude.gov.br/imag...
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Recentemente, o MS iniciou o curso de educação a distância aberto aos profissionais de saúde, aos que atuam nas equipes da Estratégia de Saúde da Família e do Núcleo de Apoio à Saúde da Família e conta com a colaboração de diversas instituições, tais como o Centro de Estudos Etnobotânicos e Etnofarmacológicos da Universidade Federal de São Paulo (CEE/Unifesp)99. Ministério da Saúde. AVASUS. Curso de Qualificação em Plantas Medicinais e Fitoterápicos na Atenção Básica: módulo I. PNPIC/SUS/Fiocruz/UFPA/RETiSFito/MS; 2018..

CURSO “PLANTAS MEDICINAIS E FITOTERAPIA” DE SÃO PAULO

Em 2006, a Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) de São Paulo tomou a iniciativa de promover um curso-piloto de “Plantas Medicinais”, e como suporte ao curso elaborou-se o livro Plantas medicinais1010. Haraguchi LMM, Carvalho OB de, organizadores. Plantas medicinais: do curso de plantas medicinais. São Paulo: Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente, Divisão Técnica Escola Municipal de Jardinagem; 2010.. A primeira edição do curso foi realizada em 2009, com o objetivo de colaborar com as políticas públicas em saúde, auxiliar na implantação de ações/serviços relativos à PNPMF e contribuir para o Programa de Fitoterápicos e Plantas Medicinais no Município de São Paulo1111. Prefeitura de São Paulo. Lei nº 14.903/2009, que instituiu o Programa de Produção de Fitoterápicos e Plantas Medicinais de São Paulo. Diário Oficial do Município 6 fev 2009., regulamentado em 20101212. Prefeitura de São Paulo. Decreto nº 51.435/2010, que regulamentou o Programa de Produção de Fitoterápicos e Plantas Medicinais de São Paulo. Diário Oficial do Município 27 abr 2010..

De 2009 a 2013, ocorreram duas turmas do curso “Plantas Medicinais” por ano, e, a partir de 2014, o curso foi ampliado e renomeado como “Plantas Medicinais e Fitoterapia, passando a ser realizado uma vez ao ano1313. Prefeitura de São Paulo. Departamento de Educação Ambiental e Cultura de Paz. Curso Plantas Medicinais e Fitoterapia da PMSP/SVMA em parceria com a PMSP/SMS. Diário Oficial do Município 29 jul 2014; p. 93-4.,1414. Prefeitura de São Paulo. Departamento de Educação Ambiental e Cultura de Paz. Curso Plantas Medicinais e Fitoterapia da PMSP/SVMA em parceria com a PMSP/SMS. Diário Oficial do Município 1º ago 2015; p. 115-6..

A partir de 2011, os cursos passaram a ser realizados na Universidade Aberta do Meio Ambiente e Cultura de Paz (Umapaz/SVMA), em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (SMS-SP). Essa parceria, estimulada pela participação nos cursos de vários profissionais da rede da saúde, inclusive de municípios próximos à capital, como Guarulhos, foi fator decisivo para as iniciativas de implantação da fitoterapia como política local. Como desdobramentos citamos as seguintes inciativas da SMS-SP: criação de comissão multiprofissional, confecção de cadernos de plantas medicinais, implantação de hortas medicinais com o incentivo do Programa Ambientes Verdes e Saudáveis (PAVS), curso para prescritores e edição de Memento com quatro fitoterápicos na rede (Maytenus ilicifolia, Harpagophytum procumbens, Valeriana officinalis e Glycine max)1515. Jeremias AS, Caiuby TMCD, organizadores. Memento de fitoterapia: relação municipal de medicamentos - Fito. São Paulo: Secretaria Municipal de Saúde; 2014.. Em Guarulhos, incluíram-se dois fitoterápicos (Mikania glomerata e Glycine max)1616. Prefeitura de Guarulhos. Portaria nº 74, de 19 de junho de 2015. Institui a política municipal de práticas integrativas e complementares em saúde. Guarulhos: Secretaria da Saúde; 2015..

Desde a primeira edição, o curso foi validado para fins de promoção e progressão funcional para profissionais efetivos de carreira na prefeitura de São Paulo. De 2009 a 2017, formaram-se 14 turmas e capacitaram-se mais de 1.500 profissionais de formações acadêmicas diversas1717. Prefeitura de São Paulo. Secretaria do Verde e do Meio Ambiente. Guia de serviços. Curso Plantas Medicinais e Fitoterapia [acesso em 18 set 2018]. Disponível em: Disponível em: https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/meio_ambiente/servicos/escola_de_jardinagem/index.php?p=15974 .
https://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/...
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Tendo em vista a relevância que o curso “Plantas Medicinais e Fitoterapia” da SVMA tem mostrado nos últimos anos, decidiu-se avaliar a contribuição e o impacto dele nas práticas de fitoterapia dos profissionais de saúde capacitados nos anos de 2014 e 2015.

METODOLOGIA

Trata-se de estudo exploratório, descritivo, de abordagem quali-quantitativa, aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Unifesp com Certificado de Apresentação de Apreciação Ética (CAAE nº 62111216.6.0000.5505), pela SMS-SP (CAAE nº 62111216.6.3001.0086) e pela Secretaria da Saúde de Guarulhos. Os participantes da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em atendimento à normativa do Conselho Nacional de Saúde1818. Conselho Nacional de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012. Aprova as normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da União 13 jun 2013..

Para este estudo, utilizaram-se os seguintes conceitos:

Planta medicinal: espécie vegetal, cultivada ou não, utilizada com propósitos terapêuticos e/ou profiláticos1919. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 225, de 11 de abril de 2018. Dispõe sobre a aprovação do 1º suplemento do formulário de fitoterápicos da farmacopeia brasileira. Diário Oficial da União 12 abr. 2018..

Droga vegetal: planta medicinal - ou suas partes - que contenha as substâncias responsáveis pela ação terapêutica, após processo de coleta/colheita, estabilização, quando aplicável, e secagem, podendo estar na forma íntegra, rasurada, triturada ou pulverizada2020. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 26, de 13 de maio de 2014. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos e o registro e a notificação de produtos tradicionais fitoterápicos. Diário Oficial da União 13 maio 2014..

Fitoterápico: produto obtido de planta medicinal ou de seus derivados, exceto substâncias isoladas farmacologicamente ativas, com finalidade profilática, curativa ou paliativa1919. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 225, de 11 de abril de 2018. Dispõe sobre a aprovação do 1º suplemento do formulário de fitoterápicos da farmacopeia brasileira. Diário Oficial da União 12 abr. 2018..

Nas entrevistas, utilizou-se um cartaz explicativo e ilustrativo a fim de evitar confusões entre os três conceitos acima.

O conjunto formado pelos conceitos de planta medicinal, droga vegetal e fitoterápico é referido neste trabalho como “produtos à base de plantas” (PBP).

Segundo o esquema apresentado na Figura 1, o estudo foi realizado inicialmente com 300 profissionais de saúde da capital de São Paulo e de Guarulhos egressos do curso “Plantas Medicinais e Fitoterapia” das edições 2014 (150 participantes) e 2015 (150). Para o processo de inscrição no curso, os profissionais de saúde foram indicados pela Atenção Básica das Secretarias Municipais de Saúde envolvidas, os quais, no ato da inscrição, preencheram uma ficha de matrícula que continha várias perguntas para levantamento do conhecimento e da atuação na área de plantas medicinais/fitoterapia antes do curso, quais suas expectativas, entre outros aspectos. Os dados obtidos nessa ficha foram somados aos obtidos no roteiro de entrevista, que será abordado abaixo na fase II deste estudo, para ampliar as análises do conhecimento dos participantes antes do curso.

Os critérios de inclusão no estudo foram: aprovação no curso e formação acadêmica com atribuição para recomendação e/ou prescrição de PBP, de acordo com atos normativos federais de cada categoria profissional. Do total de participantes, 165 profissionais atenderam aos critérios e foram selecionados para participação no estudo, que foi dividido em duas fases (Figura 1).

Figura 1
Esquema da distribuição dos participantes do curso “Plantas Medicinais e Fitoterapia” (2014 e 2015) no estudo, nas fases I e II

Na fase I (estudo quantitativo), enviaram-se, por correio eletrônico, convite e questionário adaptado de Akiyama21 aos 165 egressos do curso (80 da edição de 2014 e 85 de 2015), para coleta de dados sociodemográficos, de formação profissional e desenvolvimento de atividades relacionadas à fitoterapia na prática profissional, com perguntas predominantemente fechadas do tipo sim/não e de múltiplas escolhas. A coleta dos dados ocorreu no mês de janeiro de 2017 e a taxa de retorno foi de 114 questionários preenchidos e devolvidos (Figura 1).

Na fase II (estudo qualitativo e quantitativo), 77 profissionais (30 da edição de 2014 e 47 de 2015) que, na fase I, informaram realizar práticas relacionadas à fitoterapia foram incluídos no estudo, dos quais 73 aceitaram participar das entrevistas semiestruturadas, individuais, presenciais (Figura 1). Durante o estudo qualitativo, aplicou-se um roteiro de entrevista com perguntas abertas, o que permitiu verificar o aumento do entendimento do fenômeno investigado e aprofundamento na compreensão dele2222. Bernard HR. Research methods in cultural anthropology. Newbury Park, CA: Sage; 1988.

23. Patton M. Qualitative research and evaluation methods. Thousand Oaks: Sage; 2002.

24. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.
-2525. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec; 2014.. Esse roteiro abordou aspectos do conhecimento sobre fitoterapia e atuação profissional dos participantes (recomendação e prescrição de PBP, conhecimento de seus riscos, uso simultâneo de medicamentos sintéticos, reações adversas e notificação, entre outros) antes e depois do curso. Assim, obtiveram-se respostas às seguintes questões: “Quais fitoterápicos você prescrevia antes do curso?” e “Quais fitoterápicos você passou a prescrever depois do curso?”. O roteiro era composto também por perguntas fechadas (sim/não) do ponto de vista quantitativo, como “Prescrevia medicamentos fitoterápicos antes do curso?” e “Passou a prescrever medicamentos fitoterápicos depois do curso?”, para que fossem exploradas pelas entrevistadoras questões relacionadas ao tema, do ponto de vista qualitativo. As entrevistas ocorreram entre março e junho de 2017 e foram realizadas por duas profissionais de saúde previamente treinadas e não pela pesquisadora principal do estudo, idealizadora e coordenadora dos cursos (L. M. M. Haraguchi), a fim de evitar conflitos de interesse.

As questões com abordagem quantitativa foram analisadas por meio de frequência absoluta e porcentagens e pelo teste qui-quadrado (x2) de Pearson. Utilizou-se o teste estatístico de McNemar para verificar se houve diferença significativa nas respostas dos participantes antes e depois do curso, de forma a possibilitar a avaliação do impacto do curso nos diversos aspectos analisados. Quanto às perguntas abertas, para fins de análise estatística foram selecionadas as respostas que apresentaram uma frequência de citação superior ou igual a 10%. Para os testes estatísticos, consideraram-se diferenças significativas quando p ≤ 0,05.

Os dados qualitativos foram analisados mediante a análise de conteúdo2424. Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.,2525. Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec; 2014.. Os dados foram condensados dentro de categorias temáticas a fim de possibilitar uma reflexão sobre os resultados e permitir inferências e interpretações2626. Hubermam AM, Miles MB. Data management and analysis methods. In: Denzin NK, Lincoln YS. Handbook of Qualitative Research. Thousand Oaks: Sage ; 1994. p. 428-44..

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Fase I

Conforme detalhado na Figura 1, dos 300 participantes que concluíram o curso em 2014 e 2015 (150 participantes por ano), 165 (80 da edição de 2014 e 85 de 2015) preencheram os critérios de inclusão, foram selecionados para o estudo na fase I e receberam convite e questionário por correio eletrônico. Houve retorno de 114 deles (taxa de resposta de 69% - Tabela 1).

Tabela 1
Dados sociodemográficos e de formação dos profissionais de saúde de São Paulo capital e de Guarulhos egressos do curso “Plantas Medicinais e Fitoterapia” das edições 2014 e 2015, e distribuição da taxa de resposta ao questionário do estudo

Dos 114 participantes efetivos do estudo (Tabela 2), 77 (68%) informaram realizar práticas relacionadas à fitoterapia. A proporção dos participantes que praticam a fitoterapia foi homogênea entre as categorias profissionais.

Tabela 2
Realização de práticas relacionadas à fitoterapia pelos profissionais de saúde de São Paulo capital e de Guarulhos egressos do curso “Plantas Medicinais e Fitoterapia” das edições 2014 e 2015

Os resultados destacam o fato de a prática de fitoterapia ocorrer independentemente da categoria profissional.

No estudo, constatou-se também que a prática fitoterápica está mais relacionada à área de pós-graduação lato sensu: nove dos nove profissionais com especialização em Fitoterapia (100%); seis dos seis com especialização em Pediatria (100%); oito dos nove com especialização em Homeopatia (89%); 11 dos 15 com especialização em Saúde Coletiva (73%); 19 dos 29 com especialização em Saúde Pública (66%); quatro dos sete com especialização em Clínica Geral (57%); cinco dos nove com especialização em Farmácia Clínica (56%); e quatro dos nove com especialização em Acupuntura (44%).

Nagai e Queiroz2727. Nagai SC, Queiroz MS. Medicina complementar e alternativa na rede básica de serviços de saúde: uma aproximação qualitativa. Ciênc. Saude Colet. 2011;16(3):1793-800. encontraram situações similares, uma vez que, entre as causas de sucesso de implantação das práticas complementares e alternativas na rede pública, destacou-se o apoio dos profissionais de saúde em função de sua visão de saúde.

A alta prevalência de atuação prática entre profissionais com especialização nas áreas relacionadas às práticas integrativas e complementares (PIC) refletiu o que se esperava para fitoterapia e homeopatia no presente estudo, porém chamou a atenção o resultado observado entre os especialistas em Acupuntura (quatro dos nove profissionais praticam a fitoterapia), área em que as plantas estão presentes, seja no emprego do moxabustão ou na prescrição de espécies da Medicina Tradicional Chinesa.

Uma das perguntas do questionário era aberta e possibilitava comentários a respeito do curso. Dos 114 participantes, 96 (84%) fizeram 271 comentários diversos, sendo 221 deles (82%) elogios, 44 (16%) sugestões e seis (2%) críticas. Enquanto a maioria avaliou positivamente o curso, a qualificação dos professores, o conteúdo programático e a abordagem e as críticas focaram o número excessivo de participantes, a pequena inclusão de casos clínicos, a restrita divulgação na rede pública e a falta de temáticas voltadas a cada profissão.

Fase II

Dos 114 profissionais que participaram da fase I, 73 foram incluídos na fase II, uma vez que, dentre os 77 participantes que informaram realizar práticas relacionadas à fitoterapia, quatro não aceitaram participar das entrevistas (Figura 1).

Os resultados das perguntas dicotômicas (sim/não) do roteiro de entrevista relacionadas ao atendimento em fitoterapia realizado antes e depois do curso são apresentados na Tabela 3. A avaliação do impacto do curso de capacitação revelou melhoria significativa (p ≤ 0,001) em todos os aspectos do atendimento em fitoterapia - recomendação e prescrição de PBP, conhecimento dos riscos e questionamento sobre uso simultâneo de PBP e medicamentos sintéticos - exceto com relação ao conhecimento e à notificação de reações adversas a PBP (Tabela 3).

Tabela 3
Práticas relacionadas ao atendimento em fitoterapia realizado antes e depois do curso pelos 73 egressos do curso “Plantas Medicinais e Fitoterápicos” das edições 2014 e 2015, selecionados para a fase II deste estudo

Pela Tabela 3, observa-se que, antes do curso, destaca-se o maior número de profissionais que recomendavam plantas medicinais em relação àqueles que prescreviam fitoterápicos (51% e 34%, respectivamente), talvez refletindo um conceito equivocado de que o uso de “chás” é intrinsecamente mais seguro que produtos industrializados. Após a capacitação, observou-se um aumento significativo (p < 0,001) tanto no número de profissionais que recomendavam plantas medicinais/drogas vegetais como dos que prescreviam fitoterápicos (92% e 82%). Esse quadro também foi encontrado por Araújo2828. Araújo DD. Utilização de plantas medicinais e fitoterapia na estratégia saúde da família no município de Recife: impacto de ações implementadas sobre a prescrição e recomendação. Recife. Dissertação [Mestrado em ciências Farmacêuticas] - Universidade Federal de Pernambuco; 2014., com predomínio da recomendação de plantas medicinais (65%) em relação à prescrição de fitoterápicos (27,5%). Curiosamente, poder-se-ia esperar o contrário, pois os fitoterápicos industrializados, ao passarem pela avaliação do órgão regulatório, são lançados com evidências comprovadas, doses definidas e bulas.

Ainda pela Tabela 3, observa-se o aumento expressivo no número de prescritores de fitoterápicos (de 25 para 60), sugerindo impacto positivo do curso nesse aspecto, que teve como um dos facilitadores para essa mudança a apresentação da fitoterapia baseada em evidências, já que a divulgação de estudos sobre comprovação científica dos efeitos de PBP é necessária para a institucionalização da fitoterapia na atenção básica2929. Rosa C, Câmara SG, Béria JU. Representações e intenção de uso da fitoterapia na atenção básica à saúde. Ciênc. Saude Colet . 2011;16(1):311-8., assim como deve ser para qualquer outra terapêutica e em qualquer nível de atenção à saúde.

De fato, 95% dos participantes da fase II (69 profissionais) responderam que o curso contribuiu para a prática profissional em sua área de atuação e se sentiram mais preparados para orientar, recomendar e prescrever PBP (Gráfico 1); os quatro participantes restantes (5%) justificaram atuação em outras áreas, que não a fitoterapia. Os comentários entre aqueles que responderam positivamente foram categorizados e agrupados em tópicos, considerando pelo menos duas citações por diferentes profissionais (Gráfico 1). Esse resultado corrobora o estudo que caracterizou a inserção da fitoterapia na atenção primária à saúde (APS) em nosso país3030. Antonio GD, Tesser CD, Moretti-Pires RO. Fitoterapia na atenção primária à saúde. Rev. Saúde Públ. 2014;48(3):541-53., o qual, a partir da análise de 53 estudos, aponta a educação continuada e permanente das equipes de saúde como fator estimulante para a prescrição de fitoterápicos e plantas medicinais.

Gráfico 1
Distribuição dos comentários sobre a contribuição do curso na prática profissional, citados pelos 69 profissionais de saúde (fase II), participantes do curso “Plantas Medicinais e Fitoterapia” (2014 e 2015)

Os comentários apresentados a seguir refletem os principais resultados demonstrados no estudo:

Depois do curso passei a recomendar, indicar e prescrever fitoterapia, não sou mais contra (Médica).

Quando o paciente diz que usa plantas medicinais, eu não tenho aquela postura engessada de antes. Oriento e ensino os pacientes a fazerem o uso correto (Médico).

Eu não tinha muita noção e a gente tem crendice popular e no curso tem a questão técnica e científica, deu embasamento teórico (Cirurgião-dentista).

Este curso me deu embasamento técnico-cientifico, além de indicação de ótima literatura e trabalhos científicos (Enfermeiro).

Depois do curso, nós [médica, nutricionista e farmacêutica] fundamos um grupo de plantas com pacientes e profissionais e temos reuniões mensais (Farmacêutico).

Na minha prática profissional, eu tinha visão direcionada para medicamento e para doença, e o ser humano é mais que isso. Comecei a ter mais uma visão holística do ser humano e saúde (Farmacêutico).

Aprendi muito, o curso me despertou para novo olhar, comecei a aplicar, usar, indicar e fiquei interessada na fitoterapia após o curso (Cirurgiã-dentista).

Verificou-se, após o curso (Tabela 3), aumento significativo do número de profissionais com conhecimento de que PBP podem gerar riscos à saúde (de 73% para 99%). Além de abordar a eficácia/efetividade de PBP, o curso considerou aspectos relacionados à segurança no uso desses produtos, buscando desconstruir o mito de que o uso de plantas medicinais é isento de riscos, crença que faz parte da bagagem cultural da população - “o que vem da terra não faz mal” 3131. Lanini J, Duarte-Almeida JM, Nappo S, Carlini EA. “O que vêm da terra não faz mal”: relatos de problemas relacionados ao uso de plantas medicinais por raizeiros de Diadema/SP. Rev. bras. farmacogn. 2009;19(1A):121-9. - e que também está presente entre profissionais de saúde, como demonstrado neste estudo, especialmente antes da capacitação, possivelmente por falta de conhecimento no tema.

Observou-se aumento significativo (de 46% para 91%) do número de profissionais que perguntavam ao usuário sobre uso concomitante de PBP e medicamentos sintéticos, embora seis profissionais tenham continuado alheios à importância dessa avaliação (Tabela 3). Questionar sobre o uso de plantas medicinais e produtos relacionados é um dos tópicos considerados imprescindíveis da entrevista para obtenção da história medicamentosa do paciente3232. Fitzgerald RJ. Medication errors: the importance of an accurate drug history. Br J Clin Pharmacol. 2009;67(6):671-5., sendo recomendável durante tratamento com qualquer tipo de medicamento, em função da possibilidade de ocorrência de interação entre eles. No entanto, muitos profissionais não fazem tal questionamento, possivelmente por desconhecimento dos riscos, dos tipos de interação possíveis, das consequências e/ou de como proceder diante de casos de interação entre medicamentos e plantas medicinais. Estudos demonstram pouca familiaridade de profissionais de saúde com interações entre plantas ou destas com medicamentos3333. Suchard JR, Suchard MA, Steinfeldt JL. Physician knowledge of herbal toxicities and adverse herb-drug interactions. Eur J Emerg Med. 2004;11:193-7.,3434. Ceolin T, Ceolin S, Heck RM, Noguez PT, Souza, ADZ. Relato de experiência do curso de plantas medicinais para profissionais de saúde. Rev. baiana saúde pública 2013;37(2):501-11..

No presente estudo, durante as entrevistas, houve dois relatos de detecção de interações entre plantas e medicamentos: entre sertralina e Hypericum perforatum, o que gerou exacerbação dos efeitos serotoninérgicos, e entre Daflon® e Ginkgo biloba, o que gerou alterações na coagulação. Esses casos foram solucionados na prática clínica com base nos conhecimentos obtidos no curso:

Hypericum perforatum interagiu com sertralina e causou síndrome serotoninérgica em paciente de hospital. Fui chamada para ver o caso, peguei o livro do curso e mostrei ao neurologista, que suspendeu o uso e cessou o problema. Eu me senti bem, pois fui chamada e me tornei uma referência técnica nessa área depois de ter feito este curso de fitoterapia; que o fitoterápico (hipérico) era um medicamento de verdade e que tinha interação e merecia todos os cuidados (Médica).

Com relação aos profissionais que tiveram conhecimento ou acompanharam casos de reações adversas com PBP na prática clínica, pode-se notar, pela Tabela 3, que não houve diferença no número total (sete profissionais antes e sete depois do curso). Observou-se, porém, que para seis profissionais isso somente ocorreu após a capacitação (período de um a dois anos, isto é, entre a realização do curso e a entrevista), enquanto seis profissionais relataram que tiveram conhecimento ou acompanharam casos de reação adversa antes do curso, isto é, durante sua vida profissional antes da capacitação (período que variou entre anos e décadas). Assim, a análise mais aprofundada dos dados sugere que, para os profissionais que reconheceram reações adversas a PBP, a capacitação pode ter tido impacto sobre o nível de atenção, a coleta e/ou a valorização da informação do paciente sobre possíveis efeitos adversos ao tratamento utilizado. Entretanto, dos 66 profissionais que não relataram casos de reações adversas observadas antes da capacitação, 60 continuaram sem ter caso para relatar após a capacitação.

Vários fatores podem contribuir para a ausência de identificação de casos pelo profissional de saúde, tais como problemas no acompanhamento dos resultados do tratamento proposto, falha em suspeitar de reações adversas aos medicamentos, dificuldade do profissional em aceitar que o medicamento prescrito possa ter causado resultados negativos, falta de informação sobre os riscos do tratamento recomendado e falta de comunicação do paciente ao profissional sobre possível efeito indesejável. Também é possível que os pacientes não tenham apresentado efeitos indesejáveis nesse período, em função da segurança estabelecida dos PBP medicinais utilizados.

Contudo, observou-se melhor elaboração dos relatos de reações adversas após a capacitação. Os relatos de casos que ocorreram antes da capacitação envolveram mal-estar geral com uso de garrafada com folhas de chuchu, alergia a aroeira, irritação dérmica com comigo-ninguém-pode e coroa-de-cristo, e outros casos não especificados envolvendo porangaba, erva-de-santa-maria e urucum; portanto, são relatos genéricos, sem detalhes, típicos de uma avaliação superficial dos casos, muitos dos quais reações dermatológicas, fáceis de visualizar. Após a capacitação, foram relatados casos de alterações na pressão arterial durante uso de hibisco, alterações nas enzimas hepáticas com uso de Tribulus terrestris, reação não especificada com urucum e reações dermatológicas não especificadas com espécies desconhecidas. Apesar de ainda incompletas, mostram um aumento no conhecimento do tema, o que melhora a detecção e caracterização das reações adversas. Tais diferenças podem ser creditadas, ao menos em parte, à sensibilização e capacitação do profissional ao tema.

Entretanto, apesar de alguns participantes terem reconhecido reações adversas durante o uso de PBP, nenhum dos profissionais teve a iniciativa de realizar a notificação, tanto antes como depois do curso. Esse resultado, associado à informação de que os fitoterápicos representam apenas 0,4% do total de notificações de reações adversas ao banco de dados de farmacovigilância da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)3535. Balbino EE, Dias MF. Farmacovigilância: um passo em direção ao uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos. Rev. bras. farmacogn . 2010;20(6):992-1000., sugere a necessidade de promover mais intensamente a sensibilização dos profissionais de saúde sobre a importância da notificação de reações adversas, bem como o procedimento a ser realizado, para aumentar o conhecimento dos riscos e, consequentemente, possibilitar a identificação e divulgação de formas de manejo das reações adversas, possibilitando preveni-las ou mitigar suas consequências, promovendo, assim, o uso seguro de plantas medicinais e de fitoterápicos.

Realizou-se a avaliação das diferenças antes e depois do curso com relação aos PBP recomendados/prescritos (Tabela 4).

Tabela 4
Impacto da capacitação em fitoterapia na recomendação/prescrição de plantas medicinais, drogas vegetais e fitoterápicos aos 73 egressos do curso “Plantas Medicinais e Fitoterápicos” das edições 2014 e 2015, selecionados para a fase II deste estudo

Com relação às plantas medicinais e às drogas vegetais, verificou-se um aumento significativo, depois do curso, do número de profissionais que recomendavam/prescreviam camomila, espinheira-santa, cidreiras, babosa, entre outras.

Esses resultados estão relacionados, provavelmente, a destaques nas aulas do curso, como ocorreu com a camomila e a cidreira europeia (Melissa officinalis), espécies com boa evidência científica e geralmente abordadas em diferentes módulos terapêuticos. No caso da espinheira-santa, o destaque ocorre pelo fato de ser uma boa opção terapêutica ao consumo generalizado do omeprazol na rede pública3636. Jeremias S. Fitoterápicos no SUS: conheça os fitoterápicos dispensados na prefeitura de São Paulo. Rev. Farm. 2016;127:48-9..

A camomila estava entre as mais utilizadas por profissionais de saúde em estudos realizados no Brasil2929. Rosa C, Câmara SG, Béria JU. Representações e intenção de uso da fitoterapia na atenção básica à saúde. Ciênc. Saude Colet . 2011;16(1):311-8.,3434. Ceolin T, Ceolin S, Heck RM, Noguez PT, Souza, ADZ. Relato de experiência do curso de plantas medicinais para profissionais de saúde. Rev. baiana saúde pública 2013;37(2):501-11., bem como a espinheira-santa na lista das mais utilizadas2929. Rosa C, Câmara SG, Béria JU. Representações e intenção de uso da fitoterapia na atenção básica à saúde. Ciênc. Saude Colet . 2011;16(1):311-8..

Quanto aos fitoterápicos, os destaques envolveram produtos à base de valeriana, espinheira-santa, garra-do-diabo e isoflavona de soja (Tabela 4). O aumento significativo na prescrição desses fitoterápicos decorre da boa evidência clínica e coincide com a implantação do programa de fitoterapia na SMS-SP1515. Jeremias AS, Caiuby TMCD, organizadores. Memento de fitoterapia: relação municipal de medicamentos - Fito. São Paulo: Secretaria Municipal de Saúde; 2014., que padronizou e disponibilizou esses quatro produtos em 2014, e, por isso, foram abordados nas aulas do curso em 2014 e 2015.

Não houve diferença significativa do número de profissionais que prescreviam guaco como planta medicinal e ginkgo como fitoterápico, antes e depois do curso (Tabela 4). No caso do guaco, sua evidência clínica é pequena, embora seja uma espécie presente em programas de fitoterapia no país. Em relação ao ginkgo, é uma espécie presente em fitoterápicos industrializados, bastante utilizados, mas é também conhecida por alterações na coagulação sanguínea3737. Kellermann AJ, Kloft C. Is there a risk of bleeding associated with standardized Ginkgo biloba extract therapy? A systematic review and meta-analysis. Pharmacotherapy 2011;31(5):490-502., o que gera cautela em sua prescrição.

Realizou-se ainda avaliação das diferenças antes e depois do curso com relação às indicações terapêuticas e às formas de uso dos PBP. Com relação às indicações terapêuticas, já havia destaque quanto ao maior número de profissionais que recomendavam/prescreviam PBP para quadros de dispepsia/gastrite e de ansiedade/insônia, e houve aumento significativo após o curso (de 26% para 52% e de 25% para 49%, respectivamente) e na forma de fitoterápicos (de 8% para 43% e de 7% para 51%), justificando os dados de recomendação e prescrição referentes à espinheira-santa (gastroprotetora), valeriana, camomila e cidreiras (depressoras do sistema nervoso central) (Tabela 4). Cabe comentar que, apesar do destaque dado no módulo de patologias do sistema digestório sobre as diferenças entre dispepsias e gastrites que exigem tratamentos opostos, segundo o Consenso de Roma III3838. Drossman DA, Corazziari E, Delvaux M, Spiller R, Talley NJ, Thompson WG et al. Rome III: the functional gastrointestinal disorders. 3rd ed. McLean, VA: Degnon Associates; 2006., na prática confirma-se o uso generalizado da espinheira-santa para ambos os quadros, o que não é adequado.

As indicações majoritárias em gastrite/dispepsia e em ansiedade/insônia coincidem com as indicações dos medicamentos sintéticos mais consumidos hoje na rede municipal de saúde de São Paulo, demonstrando o potencial dos PBP como alternativa aos sintéticos.

Além dos quadros de dispepsia/gastrite e ansiedade/insônia, ocorreu aumento significativo do número de profissionais que prescreviam fitoterápicos para quadros reumáticos (de 1% para 29%) e climatério (de 3% para 22%), certamente relacionados aos produtos à base de garra-do-diabo e isoflavona de soja, detalhados durante o curso e disponíveis na rede municipal de saúde.

Resultados similares foram encontrados em outros estudos em que as indicações terapêuticas mais citadas foram calmante, estomáquica (dispepsias), anti-inflamatória e indutora de sono2929. Rosa C, Câmara SG, Béria JU. Representações e intenção de uso da fitoterapia na atenção básica à saúde. Ciênc. Saude Colet . 2011;16(1):311-8., bem como para o sistema digestório, calmante e problemas de pele3434. Ceolin T, Ceolin S, Heck RM, Noguez PT, Souza, ADZ. Relato de experiência do curso de plantas medicinais para profissionais de saúde. Rev. baiana saúde pública 2013;37(2):501-11..

Com relação às formas de uso dos PBP, verificou-se antes do curso predomínio de profissionais que indicavam infusos e decoctos tanto para as plantas como para as drogas vegetais. Depois do curso, esse número aumentou significativamente (de 49% para 84%), mostrando a importância dessa forma de utilização na fitoterapia, o que reforça os dados obtidos por Valverde, Silva e Almeida39 quanto ao predomínio do uso do chá por infusão (53%).

Observou-se, após a capacitação, mudança expressiva na busca de conhecimento acadêmico, uma vez que houve um aumento significativo do número de profissionais que se sentiram estimulados a fazer cursos relacionados à fitoterapia (de 29% para 85%), especialmente cursos de pós-graduação lato sensu em Fitoterapia (de 7% para 22%). Tal resultado demonstra a importância da capacitação no preparo teórico-prático necessário para realizar atendimento de qualidade e como estímulo à educação continuada em fitoterapia. Além de apontarem a importância da capacitação, estudos indicam que a falta de conhecimento, qualificação e formação dos profissionais de saúde sobre as PIC e plantas medicinais/fitoterapia é um aspecto negativo que impede a inserção da fitoterapia na APS77. Camargo EES. Avaliação dos programas de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos, visando subsidiar a sua reorientação no Sistema Único de Saúde. Araraquara. Tese [Doutorado em Ciências Farmacêuticas] - Universidade Estadual de São Paulo; 2010.,4040. Bastos RAA, Lopes AMCA. Fitoterapia na rede básica de saúde: o olhar da enfermagem. Rev. bras. ciênc. saúde 2010;14(2):21-8.

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CONCLUSÕES

Os resultados sugerem que a capacitação por meio do curso “Plantas Medicinais e Fitoterapia” promoveu impacto positivo na prática em fitoterapia realizada pelos profissionais da rede pública municipal de saúde de São Paulo e Guarulhos, em vários aspectos, contribuindo para a ampliação e melhoria do atendimento de fitoterapia aos pacientes, além de estimular a busca por aperfeiçoamento sobre o tema.

O curso revelou aumento significativo na aplicação dos PBP, como camomila, espinheira-santa e valeriana. Para 95% dos participantes, o curso contribuiu para ampliação da prática fitoterápica. O curso não modificou a prática dos profissionais quanto à notificação de reações adversas. O estudo apontou a importância da inclusão da área de fitoterapia e de plantas medicinais na grade curricular dos cursos de graduação na área de saúde. Este trabalho contribuiu para reforçar as atividades de capacitação como instrumento importante para a consolidação de políticas públicas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Mar 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    03 Out 2019
  • Aceito
    30 Out 2019
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