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Estudantes e Professores da Área da Saúde Conhecem o Programa Mais Médicos?

Familiarity with the “More Doctors” Program Among Health Sciences Professors and Students

RESUMO

Diminuir as iniquidades na assistência à saúde continua sendo um grande desafio para países tanto pobres quanto ricos. No Brasil, o Programa Mais Médicos (PMM) foi instituído pelo governo federal em 2013 com a proposta de formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS), diminuir a carência de médicos, reduzir as desigualdades regionais na área da saúde e aprimorar a formação médica, ampliando a inserção do médico em formação nas áreas onde ele possa conhecer melhor a realidade da saúde da população. Considerando que os estudantes da área da saúde estão diretamente envolvidos com as propostas e os desfechos desse programa, o objetivo deste estudo foi avaliar o conhecimento e posicionamento não só dos estudantes, mas também de seus professores sobre o PMM. Um questionário foi aplicado a 106 alunos e 53 professores de uma faculdade privada na área da saúde (Medicina e Odontologia). A taxa de acerto das 25 questões sobre os objetivos e propostas de ação do PMM variou de 38,4% a 50,6%. A maioria dos docentes e alunos de Medicina referiu conhecer o PMM e reconhecia como proposta do programa diminuir a carência de médicos e melhorar a atuação nas políticas públicas de saúde. A proposta de aprimoramento da formação médica, oferta de cursos de Medicina e de vagas para residência médica, entretanto, era desconhecida por mais de 60% dos entrevistados. A contratação de médicos estrangeiros foi erroneamente considerada não só como um dos objetivos do programa, mas também como a ação proposta para atingir seus objetivos. Em conclusão, alunos e professores de instituições da área da saúde, embora sendo atores importantes na estratégia de atingir os objetivos propostos, conhecem pouco o PMM, particularmente nas ações relacionadas ao currículo das escolas e à residência médica. Estimular debates sobre o programa em escolas médicas pode modificar essa situação e favorecer o seu desfecho.

Programa Mais Médicos; Atenção Básica à Saúde; Avaliação Educacional; Escolas Médicas

ABSTRACT

Tackling unequal access to healthcare is a major challenge in both developed and developing countries. In Brazil, the Programa Mais Médicos (More Doctors Program – PMM) was created by the federal government in 2013 in order to reduce the shortage of doctors, address regional inequalities in healthcare access and improve medical education, expanding doctors’ training in fields where they can better understand the reality of the population’s health. Considering that students in the healthcare field are directly involved with the proposals and outcomes of this program, the objective of this study was to evaluate student knowledge and positioning and also that of their teachers on the PMM. A questionnaire was therefore administered to 106 students and 53 professors at a private medical and dentistry school. The hit rate for the 25 questions on the PMM’s objectives and proposals ranged from 38.4% to 50.6%.The majority recognized the PMM’s aim to reduce the shortage of doctors and improve public policies related to healthcare. The PMM’s aim to improve medical training, increasing the availability of medical courses and medical residencies, proved, however, to be unknown to over 60% of respondents. The hiring of foreign doctors was mistakenly considered not only to be the objective of the program, but also part of the initiatives designed to achieve the program objectives. The conclusion reached is that although university health sciences students and professors serve as important actors in the strategy for achieving the PMM’s goals, they have limited knowledge on the program, particularly in terms of the initiatives related to medical curricula and medical residencies. Discussion on the program could be introduced to medical courses in order to address this situation and improve the program’s outcomes.

“More Doctors” Program; Primary Healthcare; Educational Assessment; Medical Schools

INTRODUÇÃO

Equalizar a distribuição geográfica de profissionais de saúde é um problema para países pobres e ricos; atrair esses profissionais para áreas remotas ou rurais e mantê-los nesses locais é um grande desafio em todo o mundo. Globalmente, metade da população vive em áreas rurais, mas apenas um quarto de todos os médicos e um terço de todas as enfermeiras atendem essas áreas11. World Health Organization. The World Health Report 2013: Research for universal health coverage.Geneva; 2013.[Acessado em: 11 jan. 2016]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/85761/2/9789240690837_eng.pdf?ua=1
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. A Organização Mundial da Saúde propõe que programas sejam instituídos para favorecer o acesso e a retenção desses profissionais em áreas mais remotas. As sugestões para auxiliar na solução do problema incluem: promover a educação do jovem para que se sinta interessado por esses locais, melhorar o salário e dar suporte a esse profissional, estabelecer regras claras para essa atividade e oferecer incentivos fiscais22. World Health Organization. Department of human resources for health. Increasing access to health workers in remote and rural areas through improved retention: global policy recommendations. WHO Geneva, 2010. [Acessado em: 11 jan. 2016]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/44369/1/9789241564014_eng.pdf
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. Qualquer estratégia efetiva deve atender tanto às necessidades da população, quanto às expectativas do profissional33. Dayrit MM, Dolea C, Braichet JM. One piece of the puzzle to solve the human resources for health crisis. Bull WHO 2010; 88:332-3.,44. Crisp N, Chen L. Global supply of health professionals. N Engl J Med. 2013; 370(23): 950-7., tarefa bastante complexa, sobretudo para um país como o Brasil.

Instituído em 22 de outubro de 2013 pela lei federal nº 12.87155. Brasil. Presidência da República. Lei nº 12.871, de 22 de outubro de 2013.[Acessado em 2015, Jan 06] [cerca 6 p.] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Lei/L12871.htm
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, o Programa Mais Médicos (PMM) se propõe a formar recursos humanos na área médica para o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo, entre outros, os seguintes objetivos: diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias para o SUS, reduzindo as desigualdades regionais na área da saúde; aprimorar a formação médica no País e proporcionar maior experiência no campo de prática médica; ampliar a inserção do médico em formação nas unidades de atendimento do SUS, desenvolvendo seu conhecimento sobre a realidade da saúde da população brasileira; promover a troca de conhecimentos e experiências entre profissionais da saúde brasileiros e médicos formados em instituições estrangeiras. Para cumprir estes objetivos, foram estabelecidas três estratégias principais: reordenação da oferta de vagas em cursos de graduação em Medicina e em residência médica, buscando priorizar regiões com piores indicadores de relação médico/habitante; estabelecimento de novos parâmetros para a formação médica (obrigando, por força da lei, que o Conselho Nacional de Educação publicasse, em até 180 dias, novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino na Área da Medicina); e promoção do aperfeiçoamento de profissionais de saúde na área de atenção básica no SUS.

Para que essas mudanças no currículo de formação médica sejam efetivas e sustentáveis, além de solucionar de alguma forma a iniquidade no acesso à saúde no País, é importante que, além da articulação política, do aprimoramento e do monitoramento das ações, haja divulgação adequada das propostas e dos objetivos a serem alcançados.

Discussões contrárias e favoráveis ao PMM estiveram presentes nos meios de comunicação, sobretudo nos primeiros meses da sua implantação66. Morais I, Alkmin D, Lopes J, Santos M, Leonel M, Santos R, Rosa W, Mendonça A, Sousa M. Jornais Folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o programa mais médicos? RevEscEnferm USP 2014; 48(Esp2):112-120.. A discussão sobre o tema retorna periodicamente, em especial sobre a presença de médicos estrangeiros, decorrente de um acordo de cooperação com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas)77. ONU Brasil. Brasil assina acordo com Organização Pan-Americana da Saúde para atrair médicos estrangeiros. 2013. [Acessado em 2015, Fev 11] [2 p.] Disponível em: https://nacoesunidas.org/brasil-assina-acordo-com-organizacao-pan-americana-da-saude-para-atrair-medicos-estrangeiros/
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. A formação de profissionais capazes de atuar no SUS, priorizando a atenção básica à saúde, entretanto, parece não ter despertado tanto interesse na mídia. Divulgar para os estudantes e professores da área da saúde as estratégias propostas pelo PMM pode alterar o sucesso do programa. O objetivo deste estudo foi avaliar o conhecimento e posicionamento de alunos e profissionais de uma faculdade privada na área da saúde sobre o PMM.

MÉTODOS

Para obter informações sobre o conhecimento que a população do estudo tinha sobre o PMM, foi elaborado um questionário com 25 questões fechadas, baseadas nos objetivos e propostas de ação detalhados na na lei federal nº 12.87/2013, que instituiu o programa, além de três questões sobre ética e assistência básica à saúde. O projeto foi submetido ao comitê de ética institucional e aprovado; todos os participantes foram esclarecidos sobre a finalidade do projeto e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes de sua participação. Participou do estudo uma amostra de conveniência de 106 alunos e 53 professores dos cursos de Medicina e Odontologia da Faculdade São Leopoldo Mandic, em Campinas (SP). O curso de Medicina foi aprovado em 2013, antes de instituído o PMM. O pesquisador que aplicava o questionário se dispunha a esclarecer questões sobre o programa após a aplicação de cada questionário, tendo em mãos uma cópia da lei federal nº 12.871/2013.

Os resultados foram compilados em planilha Microsoft Excel versão 2013, e foi calculada a média (± desvio padrão) da idade e gênero dos participantes. Os dados do questionário foram processados utilizando-se o software SPSS (IBM, versão 21) para determinar qualquer relevância estatística entre as variáveis. Foram realizadas análises descritivas e se aplicou o teste Anova One-Way, seguido de Tukey, com nível de significância de 5%, entre o índice de acerto do questionário entre os grupos participantes.

RESULTADOS

Responderam aos questionários 71 alunos que cursavam o segundo e terceiro anos do curso de Medicina (de um total de 240 matriculados) e 35 alunos do segundo e terceiro anos do curso de Odontologia (de um total de 83 matriculados). Tinham idades entre 18 e 33 anos, com média de 22,5 anos para os graduandos de Medicina e 19,5 anos para os graduandos de Odontologia; 66,0% dos alunos eram do gênero feminino. Entre os professores (recrutados entre 98 docentes do curso de Medicina e 83 do curso de Odontologia), 25 eram médicos e 28 tinham outras profissões (dentista, psicólogo, farmacêutico, filósofo, pedagogo, enfermeira, biólogo, fisioterapeuta). A idade dos docentes variou de 25 a 75 anos, com média de 48,3 anos para os docentes médicos e 43,2 anos para os docentes não médicos; 55,7% eram do gênero masculino (Tabela 1) e tinham de 8 a 45 anos de exercício profissional.

TABELA 1
População estudada segundo categoria, gênero e idade dos participantes

Todos os docentes e os alunos de Medicina referiram conhecer, ou pelo menos ter alguma idéia, do PMM, mas 10/35 (28,6%) dos alunos de Odontologia desconheciam o programa. A taxa de acerto das 25 questões sobre os objetivos e propostas de ação do PMM variou de 38,4% a 50,6%. Docentes não médicos obtiveram a maior taxa (50,6%), seguidos de docentes médicos (48,8%), graduandos de Medicina (47,8%) e graduandos de Odontologia (38,4%), com diferença estatisticamente significante (p < 0,05) entre os graduandos em Odontologia e os demais grupos (Tabela 2, Figura 1).

TABELA 2
Taxa de acertos entre os grupos (25 questões)

FIGURA 1
Média do índice de acerto entre graduandos em Medicina, graduandos em Odontologia, docentes médicos e docentes não médicos

Identificaram corretamente que o programa foi instituído pelo governo federal com a finalidade de formar recursos humanos na área médica para o SUS e encaminhar médicos para áreas carentes de recursos da saúde 67/71 (94,4%) dos alunos de Medicina, 22/25 (88,0%) dos docentes médicos, 22/28 (78,5%) dos docentes não médicos e 25/35 (71,4%) dos alunos de Odontologia. Os outros 23 entrevistados reconheciam corretamente esses objetivos do PMM, mas acreditavam tratar-se de um programa instituído pelo Conselho Federal de Medicina.

Entre os que declararam conhecer os objetivos do programa, a maioria dos entrevistados afirmou saber que o programa pretende diminuir a carência de médicos nas regiões prioritárias do SUS (85,5%) e melhorar a atuação médica nas políticas públicas de saúde (50,9%). Entretanto, a maioria desconhecia que estava entre as propostas do programa o aprimoramento da formação médica no País (66,7%), o estímulo à realização de pesquisas aplicadas ao SUS (77,4%) e melhorar a atenção básica de saúde por meio de troca de experiências com médicos estrangeiros (63,5%).

Para alcançar os objetivos do PMM, a maioria dos entrevistados (67,9% dos alunos e 75,4% dos docentes médicos) reconhecia que o aperfeiçoamento de médicos na área de atenção básica em saúde, mediante integração ensino-serviço, era uma ação importante a adotar. Entretanto, estabelecer novos parâmetros para a formação médica no País e reordenar a oferta de cursos de Medicina e de vagas para residência médica eram propostas de ações desconhecidas por mais de 70% dos alunos (72,5% dos alunos de Medicina e 77,1% dos alunos de Odontologia) e por mais da metade dos docentes (51,8%). Embora reconhecida por 52,1% dos alunos de Medicina, a proposta de melhorar a atenção básica de saúde por meio de troca de experiências com médicos estrangeiros é desconhecida pela maioria dos docentes médicos (88,0%), dos docentes não médicos (60,7%) e dos alunos de Odontologia (80,0%).

A grande maioria dos estudantes (93,3%) e professores (81,1%) não considera que o pagamento de salários diferenciados a fim de obter melhores profissionais para as áreas mais carentes seja uma das ações para atingir os objetivos do programa. A contratação de médicos estrangeiros foi erroneamente considerada não só como um dos objetivos do programa pelos entrevistados (42,2% dos alunos e 68,8% dos docentes), mas também como uma ação proposta para atingir seus objetivos (50,0% dos estudantes e 47,2% dos docentes).

As determinações legais do programa sobre a autorização para o funcionamento de novos cursos de graduação em Medicina em instituições privadas de educação superior, a integração desses cursos com o gestor local do SUS, atividades de internato no curso de graduação de Medicina e o programa de residência em Medicina Geral de Família e Comunidade são desconhecidos por grande parte dos alunos de Medicina: 31,3% deles afirmaram não saber que essas ações faziam parte da lei que rege o programa; entre os que declararam conhecer a lei, 31,8% responderam que essas ações não faziam parte da lei com a finalidade de melhorar a oferta de atenção médica em áreas carentes. Mesmo docentes médicos desconheciam essas ações do programa (19,0% não sabiam e 32,1% dos que afirmaram conhecer essas disposições legais responderam erroneamente).

Quase todos os entrevistados (89,9%) sabiam da possibilidade de contratação de médicos estrangeiros para o programa e que isso poderia ser feito por meio de intercâmbio médico internacional (54,7%), mas a maioria (61,6%) desconhecia que tais profissionais estavam liberados da revalidação do diploma no Brasil.

Um pouco mais da metade dos participantes (54,7%) sabia que as mudanças na formação e atuação profissionais feitas pelo programa não foram objeto de consulta e aprovação dos conselhos de medicina e à sociedade civil, embora 28% dos docentes médicos desconhecessem esse fato.

Quase metade dos entrevistados (49,1%) referiu não saber que o registro profissional dos participantes estrangeiros é realizado pelo Ministério da Saúde, e a fiscalização do exercício médico é de responsabilidade dos Conselhos Regionais de Medicina. Quando perguntados se consideravam ético o exercício profissional desses médicos estrangeiros sem a revalidação do diploma exigido para médicos que atuam em outras áreas no Brasil, 88,7% dos entrevistados referiram considerar “não ético” e 4,4% referiram não saber avaliar. A maioria dos entrevistados (50,9%) acredita que, tal como definido na lei, o programa não deve melhorar a assistência básica de saúde no País.

DISCUSSÃO

Considerando-se as propostas da OMS para que os programas implantados com a finalidade de favorecer o acesso e a retenção dos profissionais em áreas carentes22. World Health Organization. Department of human resources for health. Increasing access to health workers in remote and rural areas through improved retention: global policy recommendations. WHO Geneva, 2010. [Acessado em: 11 jan. 2016]. Disponível em: http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/44369/1/9789241564014_eng.pdf
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incluam a “educação do jovem para que se sinta interessado por esses locais”, é preocupante o desconhecimento do PMM por estudantes e docentes da área da saúde identificado neste estudo. Embora todos os docentes e alunos de Medicina tenham referido conhecer, ou pelo menos ter alguma ideia, do PMM, a proporção de acertos das questões formuladas nestes grupos variou de 48,0% a 52,0%.

Para tentar resolver a questão da desigualdade da distribuição regional de médicos no País, a formação profissional deve ser compatível com as necessidades de saúde da população88. Santos LMP, Costa AM, Girardi SN. Programa Mais Médicos: uma ação efetiva para reduzir iniquidades em saúde. Ciência Saúde Coletiva 2015; 20 (11):3547-52., e as instituições de ensino precisam compatibilizar os currículos acadêmicos com essas necessidades, caso contrário a inserção de novos profissionais no SUS ficará prejudicada99. Weiller TH, Schimith MD. PROVAB: potencialidades e implicações para o Sistema Único de Saúde. J Nurs Health 2014; 3(2):145-146.. Para que tudo isso se concretize, é preciso aprimorar a informação do docente e do estudante de Medicina.

Quando da instituição do PMM no Brasil, as entidades de classe se posicionaram contrariamente ao programa1010. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Entidades médicas acionam Justiça contra Medida Provisória. Jornal do CREMESP, 30, 2013. [Acessado em 2015, Jul 25] [1p.] Disponível em: http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=Jornal&id=1757
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,1111. D’Avila RL. Posicionamento do CFM sobre o Programa Mais Médicos. 2013. [Acessado em 25 jul. 2015]. Disponível em: http://academiamedica.com.br/julgamento-maismedicos-stf-posicionamento-cfm/
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, e um Comitê Nacional de Mobilização das Entidades Médicas publicou uma cartilha que enumerava suas questões polêmicas e fragilidades1212. Comitê Nacional de Mobilização das Entidades Médicas. 2013. MP 621/2013 – Fragilidades técnicas e legais que colocam a saúde da população em risco. Brasilia 2013. [Acessado em 2 fev. 2015.Disponível em:http://www.endocrino.org.br/media/uploads/PDFs/contrarraz%C3%B5es_mp_621.pdf
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. Essa posição contrária ao programa teve como principais argumentos a ausência de discussão com as entidades médicas e a permissão de médicos estrangeiros exercerem a profissão sem a revalidação do diploma de médico expedido por universidades estrangeiras (Revalida).

As repercussões das propostas do PMM nas entidades médicas, na sociedade e na mídia ofereceram subsídios para jornais e revistas publicarem notícias sobre os encaminhamentos do programa e as disputas com associações médicas de classe, sobretudo o Conselho Federal de Medicina. A mídia ampliou esse debate com jornais e revistas que publicaram artigos com posicionamentos e discussões sobre o programa, a maioria deles colocando em evidência a contratação de médicos estrangeiros1313. Nublatde J. Com nova leva, cubanos serão 82% do Mais Médicos. 06 de março de 2014. [Acessado em 12 mar. 2015].Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/155173-com-nova-leva-cubanos-serao-82-do-mais-medicos.shtml
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,1414. Coutinho L. Mais médicos: Brasil já transferiu R$2,8 bi para Cuba. Revista Veja. 2015. [Acessado em 25 jan. 2016].Disponível em: http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/brasil-ja-transferiu-para-cuba-285-bilhoes-de-reais-para-o-pagamento-dos-mais-medicos/
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. Um grupo do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília analisou as notícias relacionadas ao PMM publicadas em dois jornais de grande circulação no Brasil num período de três meses próximos ao seu lançamento1515. Morais I, Alkmin D, Lopes J, Santos M, Leonel M, Santos R, Rosa W, Mendonça A, Sousa M. Jornais Folha de São Paulo e Correio Braziliense: o que dizem sobre o programa mais médicos? RevEscEnferm USP 2014; 48 (Esp2):112-120: de 363 notícias sobre o tema, 178 (49%) tinham “caráter pessimista”, evidenciando um posicionamento contrário ao programa.

A mídia é importante ferramenta para a formação de opinião e quase nada foi dito ou publicado a respeito das novas diretrizes curriculares e das modificações nos programas de internato e residência médica. Essa falta de publicidade dos aspectos do ensino médico pode ter favorecido o desinteresse dos profissionais da saúde pelo programa que modifica a qualificação profissional e prevê a inserção do estudante de Medicina nos serviços da rede de atendimento do SUS1616. Pinto H A, Sales MJT, Oliveira FP, Brizolara R, Figueiredo AM, Santos JT. O Programa Mais Médicos e o fortalecimento da Atenção Básica. Divulg. saúde debate 2014; 51:105-120..

Com relação aos cursos de Medicina no País, em setembro de 2014 foi autorizada a criação de 39 cursos em 11 estados, e em junho de 2015 houve a pré-seleção de 22 cidades nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste para a criação de cursos, embora tenham sido interpostos embargos a essas ações na justiça e ainda não haja data prevista para a abertura desses novos cursos1717. Brasil. Governo Federal. Programa Mais Médicos. [Acessado em 2 fev. 2016] Disponível em: http://maismedicos.gov.br/conheca-programa
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.

O PMM, além de outras ações e iniciativas do governo federal, com apoio de estados e municípios, pretende melhorar a atenção básica do País, que é a principal porta de entrada do SUS e onde se espera resolver 80% dos problemas de saúde. Em dois anos de funcionamento, o PMM fez contratação emergencial de médicos, expandiu o número de vagas para os cursos de Medicina e residência médica em várias regiões do País e implantou um novo currículo acadêmico com formação voltada ao atendimento mais humanizado, com foco na valorização da atenção básica1717. Brasil. Governo Federal. Programa Mais Médicos. [Acessado em 2 fev. 2016] Disponível em: http://maismedicos.gov.br/conheca-programa
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. Foram inseridos 18.240 novos médicos em 4.058 municípios (73% dos municípios brasileiros) e nos 34 distritos de saúde indígenas, que atendem 63 milhões de brasileiros que antes tinham dificuldade de acesso ao atendimento médico.

Uma auditoria do Tribunal de Contas da União feita em maio de 2014 identificou fragilidades na supervisão dos médicos e dificuldade de comunicação devido a barreiras linguísticas. Além disso, na distribuição geográfica dos médicos do projeto, constatou indícios de que médicos participantes acumulam atividades com carga horária excessiva, ações frágeis de avaliação e monitoramento do programa. Isto justificou o parecer final concluindo que a chegada dos médicos aos municípios produziu bons resultados, uma vez que o número de consultas aumentou, o tempo de espera diminuiu e aumentaram as visitas domiciliares, mas o PMM pode ser aperfeiçoado e, em alguns casos, reestruturado1818. Brasil. Tribunal de Contas da União. 2014. Auditoria operacional. Fiscalização de orientação centralizada – Programa Mais Médicos para o Brasil. TC nº 005.391/2014-8. [Acessado em 25 jan. 2016]. Disponível em: http://portal3.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/noticias_arquivos/005.391-2014-8%20Mais%20M%c3%a9dicos.pdf
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.

Com toda essa evolução do PMM e suas consequências, causa estranheza e preocupação o desconhecimento do programa por uma amostra da população que, além da grande disponibilidade de acesso à informação, sofre as consequências e pode ter sua carreira profissional modificada pelo programa. O governo federal disponibiliza um site (maismedicos.gov.br) que contém informações sobre o programa. Talvez a cultura de acesso aos meios eletrônicos de informação pelos mais jovens justifique o melhor conhecimento destes em relação aos docentes em algumas questões formuladas.

Em 2015, todas as vagas do PMM foram preenchidas por médicos brasileiros (formados no Brasil ou no exterior), o que atesta a necessidade de conhecimento do PMM pelos estudantes de Medicina, que poderão participar ativamente como médicos do programa em futuro próximo.

Em resumo, o PMM é pouco conhecido e não faz parte das dicussões acadêmicas de estudantes de Medicina e Odontologia, assim como seus professores. É necessário melhorar a oportunidade de discussão das mudanças no acesso aos serviços de saúde e no currículo dos cursos médicos para essa população. Fóruns de discussão nas universidades públicas e privadas devem ser estimulados para transmitir informações corretas e úteis aos futuros médicos, de quem depende a assistência médica no País.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017

Histórico

  • Recebido
    26 Jun 2016
  • Aceito
    05 Dez 2016
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